RESUMO
As crescentes despesas com o custo do meio para o cultivo de Metarhizium anisopliae levantam a necessidade de averiguar a eficiência de alguns resíduos agroindustriais que, além de propriedades nutricionais importantes, possuem grande disponibilidade e baixo custo. Os experimentos foram conduzidos no Laboratório de Tecnologia das Fermentações, UNIOESTE, Campus de Cascavel, PR. Neste trabalho, foram avaliados como substratos arroz polido (meio padrão), arroz vermelho, arroz polido suplementado com melaço (2,5%, 5% e 10%), resíduo de cervejaria, resíduo de fecularia, arroz polido + resíduo de cervejaria (1:1) e arroz polido + resíduo de fecularia (1:1). Os experimentos foram realizados em triplicata, em frascos Erlernmeyer de 250 mL contendo 30 g do substrato (ou 15 g de cada, quando em mistura) e umidade de 70 ± 10%. Os frascos foram inoculados com 0,5 mL da suspensão de conídios (1 × 108 conídios/mL) e incubados em BOD (25 ± 1o C, fotofase 12h, 7 dias). Dentre os meios testados, verificou-se uma elevada produção de conídios no meio composto por arroz + resíduo de cervejaria (11,3 × 108 conídios/g de substrato) e no arroz (9,6 × 108 conídios/g). Os conídios produzidos no meio de arroz + resíduo de cervejaria apresentaram atividade inseticida frente a Spodoptera frugiperda semelhante a dos conídios produzidos no arroz. Este novo meio de cultivo poderá proporcionar uma redução de custo de aproximadamente 50%, representando uma alternativa viável para a produção do fungo.
PALAVRAS-CHAVE Metarhizium anisopliae ; resíduos agroindustriais; fermentação em estado sólido
ABSTRACT
Increasing costs of substrate for production of Metarizhiuma nisopliae raise the necessity of investigating the efficiency of some agro-industrial residues that, in addition to important nutritional properties, are widely available at low cost. The assays were conducted at the Fermentation Technology Laboratory, UNIOESTE, Cascavel, PR, Brazil. In this work, substrates such as polished rice (standard media), red rice, polished rice + sugar molasses (2.5%, 5% and 10%), brewery residue, cassava residue, polished rice + brewery residue (1:1) and polished rice + cassava residue (1:1) were evaluated. The experiments were carried out in triplicate, in Erlernmeyer flasks of 250 mL, containing 30 g of the substrate (or 15 g of each one, when as mixture) and moisture content of 70 ± 10%. The flasks were inoculated with 0.5 mL of conidia suspension (1 × 108 conidia/mL) and then incubated in controlled temperature and light (25 ± 1o C, 12 hours photophase, 7 days). High conidial production was verified in rice + brewery residue media (11.30 × 108 conidia/g of substrate and in the polished rice (9.59 × 108 conidia/g of substrate). The conidia produced in rice + brewery residue media showed an insecticidal activity against Spodoptera frugiperda similar to that attained with the conidia produced in rice. This new culture media may provide a reduction of approximately 50% in the production cost, thus presenting a viable alternative for the fungus production.
KEY WORDS Metarhizium anisopliae ; agro-industrial residues; solid-state fermentation
INTRODUÇÃO
Insetos em culturas agrícolas podem provocar perdas consideráveis na produção, acarretando prejuízo ao produtor, sendo que, tradicionalmente, o controle de pragas é realizado com agroquímicos. No entanto, devido aos custos e danos ambientais, medidas alternativas vêm sendo desenvolvidas, destacando-se o controle biológico de insetos a partir de formulações contendo entomopatógenos (biopesticidas). Recentemente, considerável progresso tem ocorrido com o desenvolvimento de agentes de controle biológico à base de fungos, havendo mais de 30 patentes de produtos biopesticidas já registrados ou em desenvolvimento em todo o mundo (Kassa, 2003).
Embora muitos micro-organismos sejam utilizados no controle de pragas da agricultura, estima-se que os fungos sejam mais frequentemente envolvidos nas doenças de insetos. Dentre os mais usados, salientam-se os gêneros Metarhizium, Beauveria, Lecanicillium, Nomuraea, Hirsutella, Entomophthor e Asckersonia (Melo; Azevedo, 1998). A espécie Metarhizium anisopliae encontra-se distribuída de forma ampla na natureza, sendo encontrada no solo, sobrevivendo por longos períodos. Acredita-se que este entomopatógeno ocorra naturalmente em mais de 300 espécies de insetos das diferentes ordens, incluindo pragas importantes como gafanhotos, Mahanarva posticata (cigarrinha-de-folhas da cana-de-açúcar) e Mahanarva fimbriolata (cigarrinha-da-raiz da cana-de-açúcar) (Alves, 1998). De acordo com Bueno (2010), no Brasil, o fungo M. anisopliae vem sendo usado com sucesso para o controle das cigarrinhas das pastagens e de cana-de-açúcar.
As estruturas mais produzidas e comercializadas de M. anisopliae são os conídios, produzidos na superfície de meio de cultura sólido, dentro de diferentes recipientes conforme o objetivo e escala de produção (Almeida; Batista Filho, 2006), sendo o arroz o substrato mais utilizado para a produção conidial. Isto se deve, provavelmente, à combinação de fatores como balanço nutricional, custo, ampla disponibilidade mundial, características físicas como tamanho e forma do grão, propriedades de hidratação e integridade estrutural mesmo após a colonização pelo fungo (Jenkins et al., 1998).
A produção de fungos entomopatogênicos representa uma etapa crítica e limitante no desenvolvimento de um programa de controle microbiano para uma determinada praga. A pesquisa de novas metodologias de sistemas de produção é muito importante para tornar o controle microbiano de pragas economicamente viável para ser aplicado em grandes áreas (Tanzini, 2002).
Segundo Ottati-de-Lima (2007), devido ao elevado preço que o arroz vem alcançando no comércio, o custeio do substrato para o fungo tem acarretado despesas crescentes aos fabricantes. Estudos têm sido realizados desde a década de 80 com o objetivo de avaliar substratos alternativos e mais baratos, incluindo resíduos agroindustriais (Cruz et al., 1983; Alvarenga et al., 1988; Magalhães; Frazão, 1996; Vilas Boas et al., 1996; Alves et al., 1997a; Alves et al., 1997b; Dalla Santa et al., 2005), havendo uma tendência para a regionalização da produção (Alves et al., 1997b). Tal tendência se intensificou nos últimos anos com o apoio do Instituto Biológico, o qual vem prestando consultoria na instalação de biofábricas do fungo M. anisopliae para o controle biológico da cigarrinha da cana-de-açúcar (Leite et al., 2003).
O resíduo úmido da produção de cerveja, também denominado farelo ou bagaço de cevada, pode ser descrito como uma massa resultante da aglutinação da casca com resíduos do processo de mosturação. Segundo Cabral Filho (1999), os altos valores de proteína e açúcares resultantes das reações de hidrólise do conteúdo amiláceo do cereal são os maiores atrativos neste resíduo, embora ocorra variação na sua composição bromatológica em função do processo industrial no qual foi gerado.
O resíduo úmido de fecularia ou farelo ou bagaço de mandioca é gerado durante o processo de extração da fécula de mandioca e, após seco, possui um teor de amido de aproximadamente 64% e 61%, respectivamente, para os processos de extração manual e mecânico (Rocha, 2005).
O arroz vermelho, de menor valor comercial que o arroz branco, é um biótipo pertencente à mesma espécie do arroz comum (Oryza sativa L.), entretanto, é considerado uma planta invasora, pois infesta as lavouras e compete com o arroz branco, limitando o seu potencial de produtividade (Agostinetto et al., 2001).
Neste contexto, o presente trabalho visou determinar o potencial de utilização de resíduos agroindustriais e do arroz vermelho, disponíveis na região oeste do Estado do Paraná, na composição de meios de cultura sólidos para a produção de conídios de M. anisopliae.
MATERIAL E MÉTODOS
Micro-organismo e preparo do inóculo
Os experimentos foram conduzidos no Laboratório de Tecnologia das Fermentações da UNIOESTE, Campus de Cascavel, PR. Empregou-se o fungo M. anisopliae (isolado E9), armazenado na forma de conídios puros, em frascos Eppendorf a -4o C. Para a produção inicial de conídios utilizaram-se placas de Petri contendo meio para conidiogênese (MC) composto de (g/1.000 mL de água destilada): 1,58 NaNO3; 0,36 KH2PO4; 0,60 MgSO4.7H2O; 1,05 NaHPO4.7H2O; 1,00 KCl; 5,0 extrato de levedura; 10,0 glicose; 20,0 ágar (Alves, 1998). A inoculação dos conídios nas placas foi realizada em câmara de fluxo laminar vertical. Em seguida, as placas foram incubadas a 25 ± 1o C e fotofase de 12 horas, por um período de 7 a 10 dias para crescimento e conidiogênese do fungo. Após este período, os conídios foram coletados, raspando a superfície dos meios de cultura nas placas e transferidos para tubos de vidro fechados com filme PVC e armazenados sob refrigeração a 4o C por um período não superior a 10 dias. Para o preparo das suspensões, os conídios foram adicionados em água estéril + espalhante adesivo (Tween 80®) a 0,01%. Em seguida, foi estimada a concentração dos conídios em câmara de Neubauer e as suspensões foram padronizadas em 1 × 108 conídios/mL.
Teste preliminar para ajuste da umidade dos meios para 70 ± 10%
O teste consistiu na adição de diferentes volumes de água destilada em 30 g de cada substrato, contidos em frascos Erlenmeyer de vidro (250 mL). Os frascos foram autoclavados e, após resfriamento, realizou-se a pesagem. Em seguida, os frascos foram levados à estufa (80º C) para secagem dos materiais até peso constante. Realizou-se nova pesagem e, após a subtração da massa seca, foram calculados os volumes de água a serem adicionados a cada substrato de forma a resultar numa umidade em torno de 70 ± 10% após a autoclavagem, conforme descrito na Tabela 1.
Volumes de água destilada e de solução de melaço (em diferentes concentrações) necessários para se obter 70 ± 10% de umidade em 30 g de substrato.
Avaliação da produção de Metarhizium anisopliae em meio sólido à base de resíduos agroindustriais
Foram avaliados substratos ricos em carboidratos como arroz polido (meio padrão), arroz vermelho, arroz polido suplementado com melaço (resíduo da produção de açúcar) a 2,5%, 5% e 10%, resíduo da cervejaria, resíduo da fecularia, arroz polido e resíduo de cervejaria (1:1) e arroz polido e resíduo de fecularia (1:1).
O experimento foi realizado em frascos Erlernmeyer de 250 mL, contendo 30 g do substrato com teor de umidade de 70 ± 10%, sendo preparados 3 frascos para cada meio de cultura. Para avaliação das misturas de substratos, foram utilizados 15 g de cada. Os frascos foram autoclavados a 1 atm, 121o C por 20 minutos e resfriados. Em seguida, em câmara de fluxo laminar vertical e com o auxílio de um bastão de vidro estéril, fez-se a desagregação dos meios sólidos para permitir que o fungo se desenvolvesse uniformemente sobre todo o substrato. Após inoculação de 0,5 mL da suspensão de conídios (1 ×108 conídios/mL), os frascos foram fechados com tampão de algodão e gaze e incubados 25 ± 1o C e fotofase de 12 horas durante 7 dias. Para a avaliação da perda de umidade, foram incubados frascos não inoculados, contendo o substrato e 0,5 mL de água + espalhante adesivo (Tween 80) a 0,01%, os quais foram pesados antes e após o período de incubação e após secagem em estufa a 80° C até peso constante.
Após o período de incubação, cada fraco recebeu 120 mL de água destilada mais espalhante adesivo (Tween 80) a 0,01% e foi submetido à agitação com bastão de vidro estéril até a visualização do desprendimento total dos conídios da matriz sólida por, pelo menos, cinco minutos. Desta suspensão, coletou-se uma alíquota de 0,1 mL a qual foi adicionada a 0,9 mL de água + espalhante adesivo (Tween 80) a 0,01%, obtendo-se uma diluição 1:10 para realização da contagem em câmara de Neubauer sob microscópio de luz (aumento de 400×).
Teste de viabilidade dos conídios
Amostras dos conídios produzidos nos diferentes meios foram tomadas e submetidas a diluições seriadas, até se obter uma concentração de 1 × 106 conídios/mL. Desta suspensão, inoculou-se, em triplicata, 100 mL em placas de Petri contendo meio BDA (Batata-Ágar-Dextrose), que em seguida foram incubadas por 18 horas a 25 ± 1° C e fotofase de 12 horas. Após esse período, foram realizadas as contagens em cada placa, de 200 a 300 conídios viáveis ou não, sob microscópio de luz (aumento de 400×).
Avaliação da atividade inseticida
Os meios selecionados nas etapas anteriores foram novamente empregados para a produção de conídios, seguindo os mesmos procedimentos. Após a produção, os frascos contendo meio de cultura e conídios foram armazenados em freezer (4o C) até a disponibilização de insetos para os bioensaios. Para tal, foram utilizadas lagartas de Spodoptera frugiperda, obtidas a partir de criação de insetos no próprio laboratório, mantidas em copos plásticos de 50 mL com tampa e contendo dieta artificial (Parra, 1996) desde a eclosão dos ovos, à temperatura ambiente. As lagartas encontravam-se no terceiro ínstar, com aproximadamente 1 cm de comprimento e foram divididas em três repetições de 15 indivíduos para cada tratamento. Os insetos foram imersos por 10 segundos na suspensão de conídios contendo 1 × 109 conídios/mL em água destilada + espalhante adesivo (Tween 80) a 0,01%. Na testemunha, as lagartas foram imersas apenas em água destilada estéril + espalhante adesivo (Tween 80) a 0,01%. Após a inoculação, as lagartas foram acondicionadas individualmente em placas de Petri contendo a dieta artificial e foram mantidas a 25 ± 1o C e fotofase de 12 horas.
Os insetos foram observados diariamente durante 10 dias, sendo que os mortos foram retirados, imersos em solução de álcool 70% por 10 segundos e depois em água destilada e mantidos em câmara úmida para confirmação da mortalidade pelo fungo. Para tal, as lagartas foram colocadas individualmente em placas de Petri contendo papel-filtro umedecido e mantidas em potes plásticos fechados com tampa e com fundo recoberto por espuma de poliuretano umedecida até a saturação. Assim, foram incubados nas mesmas condições descritas anteriormente, por mais 10 dias.
Estimativa dos custos de produção
A análise de custos foi realizada apenas com base no preço da matéria-prima para composição do meio, obtido em supermercados e também junto aos fornecedores do resíduo de cervejaria e de fecularia. Não foram considerados gastos com transporte e demais custos do processo de produção (investimento e depreciação de equipamentos consumo de energia, mão-de-obra etc).
Análise estatística
Os experimentos foram realizados segundo o delineamento experimental inteiramente aleatorizado, sendo os dados obtidos analisados estatisticamente quanto à variância (teste F) e as médias comparadas entre si (teste Tukey), ambos no nível de 5% de probabilidade, utilizando-se o programa computacional Sisvar (Ferreira, 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Avaliação da produção de Metarhizium anisopliae em meio sólido à base de resíduos agroindustriais
Entre os diferentes meios testados, os que proporcionaram maior produção de conídios foram o meio composto por arroz + resíduo da cervejaria (1:1), obtendo-se 11,3 × 108 conídios/g de substrato, e o arroz polido (9,6 × 108 conídios/g) (Tabela 2). A elevada produção de conídios verificada na mistura arroz + resíduo da cervejaria pode ser atribuída ao suporte de celulose (casca da cevada), semelhante ao verificado por Dalla Santa et al. (2005), em estudos utilizando batata e bagaço de cana de açúcar para a produção de conídios de Beauveria bassiana e também por Magalhães; Frazão (1996), que verificaram que a palha de arroz + farelo de arroz e o arroz parboilizado foram os melhores substratos para a produção de M. flavoviride. Segundo Lonsane et al. (1985), a utilização de um substrato fibroso favorece a aeração, causa menores problemas de compactação e maior superfície de crescimento durante um cultivo em substrato sólido.
O resíduo da cervejaria empregado isoladamente, no entanto, proporcionou uma conidiogênese média de apenas 1,9 × 108 conídios/g (Tabela 2), provavelmente por razões nutricionais, não tendo exercido o duplo papel de suporte e substrato, como se esperava. Neste meio, o teor de umidade foi o maior verificado (aproximadamente 77%), porém, a perda de umidade ao longo do cultivo foi também elevada (7,63%) (Tabela 3), não sendo possível afirmar se este foi outro fator que contribuiu para a baixa produção de conídios. O teor ótimo de umidade para o crescimento de fungos e produção de conídios precisa ser identificado para cada combinação de substrato/isolado, pois o conteúdo de umidade tem um papel essencial na produção de conídios, embora a otimização deste parâmetro possa ser complexa (Jenkins et al., 1998). Segundo Pandey (2003), alta umidade resulta numa diminuição da porosidade do substrato, a qual impede a penetração do oxigênio, enquanto que um baixo conteúdo de umidade pode levar a uma pobre disponibilidade dos nutrientes, comprometendo o crescimento microbiano.
Quantidades médias de conídios de M. anisopliae obtidas em diferentes substratos após incubação por 7 dias (25° C e fotofase de 12h)
Variação da umidade dos substratos empregados para o cultivo de M. anisopliae após incubação por 7 dias (25° C e fotofase de 12h)
A produção de conídios de M. anisopliae no arroz vermelho foi inferior à produção no arroz branco, usualmente empregado na produção de conídios deste fungo. Constatou-se que, após cozimento em autoclave, o arroz vermelho apresentou maior agregação entre os grãos que o arroz branco, com consequente redução de sua área superficial, além de uma maior dificuldade para desprendimento dos conídios da matriz sólida.
A proporção carbono e nitrogênio (C:N) do meio é um importante fator a ser considerado no desenvolvimento de meios de cultura, pois sua composição pode ter uma estreita relação com o custo e a qualidade do fungo produzido, podendo influenciar no tipo, formato e quantidade de propágulo, sendo que meios ricos em C, mas deficientes em N, tendem a produzir maior quantidade de conídios (Leite et al., 2003). O melaço possui cerca de 50% de açúcares e 3% de matérias nitrogenadas (Lima et al., 2001), o que poderia contribuir para o favorecimento da conidiogênese. No entanto, a suplementação do arroz branco com solução de melaço a 2,5%, 5% e 10% não favoreceu a produção de conídios em relação ao meio padrão, ou seja, o arroz branco.
Embora os farelos de fecularia apresentem em sua composição média 75% amido, 15% de fibras, 1,6% de cinzas, 2% de proteínas, 1% de açúcares e 0,8% de matéria graxa, expressos na base seca (Cereda, 1996), dentre todos meios estudados neste trabalho, o resíduo da fecularia foi o substrato que proporcionou ao fungo a menor taxa de conidiogênese. Este meio apresentou uma perda de umidade de 4,86% durante os 7 dias de incubação (Tabela 2), mas permanecendo ainda, no final do período, com umidade de 68%, indicando que a baixa produção de conídios neste meio pode não estar associada diretamente ao seu conteúdo de umidade, mas provavelmente, ao problema de compactação observado.
Com base nos resultados obtidos e considerando que a contagem de conídios não deve ser usada como parâmetro único da adequabilidade de um meio, o meio de arroz + resíduo de cervejaria (1:1) foi selecionado para novos testes, tomando-se como comparação o arroz, meio padrão para cultivo de M. anisopliae. Segundo Jackson (1997), após a etapa de seleção de um meio que proporcione uma boa produção da forma desejada do fungo, é importante avaliar sua capacidade de suportar processos de secagem, sua estabilidade e sua virulência.
Teste de viabilidade dos conídios
Não foi verificada diferença estatística entre a porcentagem de germinação (18 horas de incubação) de conídios de M. anisopliae produzidos no arroz e na mistura de arroz + resíduo de cervejaria, as quais apresentaram-se em torno de 85% (Tabela 4). No entanto, os valores encontrados foram ligeiramente inferiores aos verificados por Vilas Boas et al. (1996) ao avaliarem o cultivo de M. anisopliae em arroz e meios alternativos tais como fava, feijão, sorgo e caupi. Vale ressaltar que diferindo do autor citado, neste trabalho, os conídios foram armazenados por 60 dias, em condições ideais para a preservação de fungos (-4o C), porém na ausência de agentes crioprotetores.
Comportamento de M. anisopliae produzido em diferentes substratos quanto à viabilidade de conídios e à mortalidade de larvas de S. frugiperda
Segundo Hong et al. (1997), Alves et al. (1996 e Alves et al. (2002), a temperatura de estocagem, o conteúdo de umidade e o tipo de formulação são os principais fatores que influenciam na longevidade dos conídios. Em estudo realizado com B. bassiana, conídios armazenados em congelador e freezer mantiveram 100% da viabilidade após um período de armazenamento de 7 anos, no entanto, estes autores observaram que 100% da germinação somente ocorreu após 36-72 horas, enquanto que os conídios recém-produzidos germinaram em apenas 12 horas (Alves et al., 1996). No presente estudo, o reduzido tempo de incubação utilizado para o fungo armazenado pode ter sido o motivo para o resultado obtido.
Avaliação da atividade inseticida
Observou-se que a atividade inseticida dos conídios produzidos no meio formulado com arroz + resíduo de cervejaria frente a S. frugiperda não diferiu estatisticamente dos valores verificados para os conídios produzidos no arroz, na concentração empregada neste estudo (109 conídios/mL), sendo, para ambos os meios testados, inferior a 25% (Tabela 4). Dados da literatura têm demonstrado uma baixa susceptibilidade de S. frugiperda ao fungo M. anisopliae. Segundo Rodrigues; Pratissoli (1989), M. anisopliae não mostrou nenhum efeito letal nas três concentrações testadas (103, 105 e 107), enquanto que Lecuona; Díaz (2001) verificaram que 6 das 15 cepas estudadas não foram patogênicas e que somente 3 cepas superaram 80% de mortalidade.
A atividade inseticida dos fungos entomopatogênicos está relacionada à produção de proteases degradadoras de cutícula. No caso de M. anisopliae, proteases do tipo Pr1 e Pr2 foram identificadas e caracterizadas, sendo a presença de suas isoformas influenciada pelo meio, ou seja, a expressão dos genes pr1 e pr2 depende do nível das fontes de carbono e nitrogênio e da presença de proteínas indutoras no meio (St. Leger et al., 1988; St. Leger et al., 1994; Shah et al., 2005). A depleção de reservas endógenas e níveis de nutrientes insuficientes para promover a repressão catabólica de proteases favorecem o processo de infecção do hospedeiro (St. Leger et al., 1988). Segundo Alves et al. (1996), fatores bióticos e abióticos estão envolvidos na perda da atividade inseticida de vários agentes de controle microbiano, podendo haver uma correlação entre taxa ou tempo de germinação e virulência, dependendo do inseto alvo. Como já mencionado anteriormente, não houve diferença na porcentagem de germinação de conídios de M. anisopliae produzidos em ambos os meios, o que viria a explicar, juntamente com fatores nutricionais, os resultados obtidos para a mortalidade de S. frugiperda.
Estimativa do custo de produção
Considerando-se apenas o custo do meio de cultura e a produção final obtida tanto no arroz puro quanto no arroz + resíduo de cervejaria, as quais foram as melhores e não diferiram significativamente entre si, verificou-se redução de aproximadamente 50% no custo de produção de conídios no meio constituído de arroz + resíduo de cervejaria em relação à produção no arroz, já que o resíduo é vendido por, aproximadamente, R$ 30,00/t, ou seja, R$ 0,03/kg, enquanto que o preço médio do arroz é R$ 2,00/kg. Além disto, o resíduo de cervejaria é empregado in natura, sem necessidade de cozimento, o que pode vir a reduzir ainda mais os custos e a mão-de-obra durante o preparo.
CONCLUSÕES
O arroz + resíduo úmido de cervejaria poderá representar um meio de cultura alternativo para a produção de conídios de M. anisopliae, visto que neste meio, o fungo manteve elevada conidiogênese, sem perda da atividade inseticida. No entanto, fazem-se necessários estudos com outros isolados do fungo e bioensaios com outros insetos.
Ressalta-se que este meio poderá ser utilizado em grande escala, levando-se em consideração as importantes reduções no custo de produção e sua disponibilidade na região Oeste do Paraná em todas as épocas do ano.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à FINEP pelo financiamento deste trabalho, parte integrante do Projeto BIOAGROPAR, e à Fundação Araucária e ao CNPq pela concessão das bolsas de iniciação científica e produtividade aos autores.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Dez 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2010
Histórico
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Recebido
11 Maio 2009 -
Aceito
10 Ago 2010