RESUMO
Embora a prática do surf possa contribuir para o aparecimento de dor lombar crônica, ainda não está totalmente esclarecido se a lombalgia está associada a alterações cinético-funcionais. Assim, investigou-se a associação entre a presença de dor lombar com aspectos cinético-funcionais em surfistas com diferentes tempos de prática. Participaram deste estudo observacional de corte transversal 66 surfistas do litoral do Paraná. Os participantes foram alocados em três grupos, conforme o tempo de prática esportiva em anos: G1 (até 4,9 anos), G2 (de 5 a 9,9 anos) e G3 (acima de 10 anos de prática). Foram avaliados: índice de massa corporal, nível de atividade física, presença de dor lombar, intensidade e periodicidade da dor, incapacidade lombar, funcionalidade lombar, flexibilidade lombar, amplitude de movimento lombar, e ângulo torácico e lombar. Para a análise da associação entre os aspectos cinético-funcionais e a dor lombar foram utilizados o teste qui-quadrado de Pearson para dados categóricos e ANOVA com post hoc de Bonferroni (p<0,05) para dados nominais. O maior tempo de prática esportiva (G3) revelou associação com a presença (p=0,05) e maior intensidade da dor lombar (p=0,01). O grupo que praticava o esporte entre 5 a 9,9 anos (G2) apresentou maior ângulo lombar (p=0,04). Conclui-se que a presença da dor lombar crônica em surfistas apresentou associação com a intensidade da dor, o ângulo da coluna lombar e o tempo de prática de surf.
Descritores
Esportes; Dor Lombar; Curvaturas da Coluna Vertebral; Traumatismos em Atletas; Lordose
RESUMEN
La práctica del surf puede ocasionar dolor lumbar crónica. Pero todavía no se sabe si la lumbalgia está asociada con los aspectos cinéticos y funcionales. En este trabajo se asoció la presencia del dolor lumbar con los aspectos cinético y funcional en surfistas con distintos tiempos de práctica. Del estudio de corte transversal participaron 66 surfistas del litoral de Paraná, Brasil. Se dividieron a los participantes en tres grupos según su tiempo, en años, de práctica deportiva: G1 (hasta 4,9 años), G2 (de 5 a 9,9 años) y G3 (más de 10 años). Se evaluaron: el índice de masa corporal, el nivel de actividad física, la presencia de dolor lumbar, la intensidad y periodicidad del dolor, la incapacidad lumbar, la funcionalidad lumbar, la flexibilidad lumbar, la amplitud del movimiento lumbar, el ángulo torácico y lumbar. Para analizar la asociación de los aspectos cinético y funcional con el dolor lumbar se empleó la prueba de chi-cuadrado de Pearson para los datos categóricos y para los datos nominales la prueba ANOVA con post-hoc, de Bonferroni (p<0,05). El mayor tiempo de práctica deportiva (G3) fue asociado con la presencia (p=0,05) y mayor intensidad del dolor lumbar (p=0,01). El grupo que practicaba de 5 a 9,9 años (G2) este deporte presentó mayor ángulo lumbar (p=0,04). Se concluye que la presencia de dolor lumbar crónica en surfistas estuvo asociada con la intensidad del dolor, el ángulo de la columna lumbar y el tiempo de práctica del surf.
Palabras clave
Deportes; Dolor Lumbar; Curvaturas de la Columna Vertebral; Traumatismos en Atletas; Lordosis
ABSTRACT
Although surfing can contribute to chronic low backpain, the relationship between functional/kinetic changes and low back pain are still not fully understood. The association between low back pain and functional/kinetic aspects was investigated in people who had surfed for different numbers of years, in a cross-sectional study involving 66 surfers from the coast of Paraná. The participants were allocated into three groups considering how long they had surfed: G1 (up to 4.9 years), G2 (from 5 to 9.9 years) and G3 (more than 10 years). The following items were evaluated: body mass index; level of physical activity; low back pain; intensity and frequency of low back pain, low back disability, low back function, low back flexibility, low back range of motion, low back and thoracic angles. To analyze the association between functional/kinetic aspects and low back pain, Pearson’s Qui-Square test was used for categorical data, while for nominal data ANOVA with Bonferroni’s post-hoc test (p<0.05) was used. The group which had surfed the longest (G3) showed an association with the occurrence of low back pain (p=0.05) and its highest intensity (p=0.01). The group with 5 to 9.9 years of surfing (G2) showed the largest low back angle (p=0.04). We conclude that the surfer’s chronic low back pain is associated with greater pain intensity, the angle of the lumbar curvature and how long the person has surfed.
Keywords
Sports; Low Back Pain; Spinal Curvatures; Athletic Injuries; Lordosis
INTRODUÇÃO
O surf é uma modalidade esportiva intermitente que exige que o praticante alterne atividades de alta, moderada e baixa intensidades11. Méndez-Villanueva A, Perez-Landaluce J, Bishop D, Fernandez-García B, Ortolano R, Leibar X, et al. Upper body aerobic fitness comparison between two groups of competitive surfboard riders. J Sci Med Sport. 2005;8(1):43-51.. O esporte é realizado por pessoas de diferentes idades e requer, além de períodos prolongados de prática, elevado nível de habilidade neuromuscular e equilíbrio, envolvendo movimentos dos membros superiores, inferiores e da coluna vertebral22. Frank M, Zhou S, Bezerra P, Crowley Z. Effects of long-term recreational surfing on control of force and posture in older surfers: a preliminary investigation. J Exerc Sci Fit. 2009;7(1):31-8.. Assim, com o decorrer do tempo de prática, podem aparecer dores e desconfortos, associadas às exigências musculares do gesto desportivo33. Nathanson A, Haynes P, Galanis D. Surfing injuries. Am J Emerg Med. 2002;20(3):155-60.),(44. Finch CF, Owen N. Injury prevention and the promotion of physical activity: what is the nexus? J Sci Med Sport. 2001;4(1):77-87..
Dentre as disfunções musculares crônicas, a dor lombar se destaca em surfistas de diferentes países33. Nathanson A, Haynes P, Galanis D. Surfing injuries. Am J Emerg Med. 2002;20(3):155-60.),(55. Taylor DM, Bennett D, Carter M, Garewal D, Finch CF. Acute injury and chronic disability resulting from surfboard riding. J Sci Med Sport. 2004;7(4):429-37.),(66. Furness J, Hing W, Abbott A, Walsh J, Sheppard JM, Climstein M. Retrospective analysis of chronic injuries in recreational and competitive surfers: injury location, type, and mechanism. Int J Aquatic Res Educ. 2014;8(3):277-87. doi: 10.1123/ijare.2013-0032.
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, podendo causar intolerância ou desistência do esporte. No Brasil, acredita-se que a lombalgia crônica afeta três a cada dez atletas praticantes de surf77. Steinman J, Vasconcellos EH, Ramos RM, Botelho JL, Nahas MV. Epidemiologia dos acidentes no surfe no Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2000;6(1):9-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922000000100004.
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. O maior acometimento de lombalgias recorrentes em surfistas em comparação a um grupo de sedentários88. Souza MCMG, Fonseca VS, Sá VWB. Prevalência de lombalgia em surfistas amadores. Rev Bras Fisioter. 2006;10(2):1054-5. revela a necessidade de atenção profissional especializada, na busca dos fatores cinético-funcionais exigidos pelo esporte.
Surfistas profissionais que realizam treinamento por maior período de tempo apresentam melhor controle postural, especialmente em superfícies instáveis99. Paillard T, Margnes E, Portet M, Breucq A. Postural ability reflects the athletic skill level of surfers. Eur J Appl Physiol. 2011;111(8):1619-23. doi: 10.1007/s00421-010-1782-2.
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. Da mesma forma, a prática do surf recreativo de longo prazo pode causar adaptações benéficas na função neuromuscular, com menores taxas de oscilação postural na posição em pé, com os olhos fechados e em superfície macia22. Frank M, Zhou S, Bezerra P, Crowley Z. Effects of long-term recreational surfing on control of force and posture in older surfers: a preliminary investigation. J Exerc Sci Fit. 2009;7(1):31-8.. No entanto, ao comparar surfistas amadores com indivíduos ativos praticantes de diferentes modalidades esportivas, não há diferença no controle de equilíbrio1010. Alcantara CPA, Prado JM, Duarte M. Análise do controle do equilíbrio em surfistas durante a postura ereta. Rev Bras Med Esporte. 2012;18(5):318-21. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922012000500007.
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. Assim, conclui-se que a dor lombar em surfistas não é decorrente da instabilidade postural, uma vez que maiores taxas de oscilação podem estar relacionadas à lombalgia1111. Kiers H, van Dieën J, Dekkers H, Wittink H, Vanhees L. A systematic review of the relationship between physical activities in sports or daily life and postural sway in upright stance. Sports Med. 2013;43(11):1171-89. doi: 10.1007/s40279-013-0082-5.
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Contudo, a posição de hiperextensão isométrica durante a remada77. Steinman J, Vasconcellos EH, Ramos RM, Botelho JL, Nahas MV. Epidemiologia dos acidentes no surfe no Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2000;6(1):9-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922000000100004.
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e o gesto pop-up (movimento rápido para mudança da posição de remar para de pé sobre a prancha) (1212. Hammer RL, Loubert PV. Alternative pop-up for surfers with low back pain. N Am J Sports Phys Ther. 2010;5(1):15-8. foram citados como causas prováveis do aparecimento de dor na região lombar. Dessa forma, hipotetizamos que alterações cinético-funcionais torácicas e lombares poderiam estar associadas ao aparecimento de algia nessa região.
Até o presente momento não identificamos nenhum estudo que tenha investigado a associação entre a lombalgia e fatores cinético-funcionais em surfistas. Portanto, o objetivo deste trabalho foi investigar a relação entre a presença de dor lombar e sua intensidade com algumas das variáveis da condição cinético-funcional da região - como a incapacidade lombar gerada pela dor, a funcionalidade e a flexibilidade lombar, a amplitude de movimento e o ângulo da coluna torácica e lombar - em surfistas do litoral do Paraná com diferentes tempos de prática esportiva.
METODOLOGIA
Participaram deste estudo de corte transversal praticantes há pelo menos seis meses de surf, entre profissionais, amadores ou recreacionais, do litoral do Paraná, de ambos os sexos e com idade entre 18 e 42 anos. Foram excluídos indivíduos com comorbidades neurológicas e vasculares periféricas, com histórico de cirurgias na coluna há menos de um ano, hérnia de disco e/ou fraturas na coluna.
Para o cálculo amostral, assumiu-se a proporção de surfistas em 1,47%1313. Base LH, Alves MAF, Martins EO, Costa RF. Lesões em surfistas profissionais. Rev Bras Med Esporte. 2007;13(4):251-3.),(1414. Moraes GC, Guimarães ATB, Gomes ARS. Análise da prevalência de lesões em surfistas do litoral paranaense. Acta Ortop Bras. 2013;21(4):213-8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-78522013000400006.
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(2.803.770) do total da população brasileira (190.732.694), segundo dados do último Censo/IBGE 2010. Assumindo esses parâmetros, baseado na fórmula de estudo anterior1414. Moraes GC, Guimarães ATB, Gomes ARS. Análise da prevalência de lesões em surfistas do litoral paranaense. Acta Ortop Bras. 2013;21(4):213-8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-78522013000400006.
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, o resultado foi de 62 surfistas, sendo selecionados 66 (Figura 1). Os participantes foram alocados em três diferentes grupos experimentais, de acordo com o tempo, em anos, de prática de surf: grupo 1 (G1, até 4,9 anos de prática, n=22), grupo 2 (G2, de 5 a 9,9 anos de prática, n=17) e grupo 3 (G3, acima de 10 anos de prática, n=27). As características dos participantes estão apresentadas na Tabela 1. Todos os procedimentos realizados neste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 335.941).
Os procedimentos deste estudo foram realizados individualmente por um único avaliador.
Para caracterização dos participantes foi utilizado um questionário demográfico, no qual foram avaliados: idade, sexo, categoria esportiva no surf, anos de prática esportiva de surf, horas diárias e frequência semanal de treinamento de surf.
O índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela divisão da massa corporal pelo quadrado da estatura (Kg/m²) e os participantes foram classificados em baixo peso, eutrófico, sobrepeso e obeso1515. Brasil. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Obesidade. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009 [citado em 25 maio 15]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/215_obesidade.html
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O nível de atividade física foi investigado pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ, versão longa) (1616. Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2001;6(2):5-18., e os participantes foram classificados em sedentários, insuficientemente ativos, ativos e muito ativos.
A dor lombar aguda foi analisada por meio de questionamento sobre a ocorrência de pelo menos um episódio de dor lombar aguda nas últimas quatro semanas, sendo sua intensidade avaliada por meio do 11-point pain intensity numerical rating scale (PI-NRS) (1717. Farrar JT, Young JP Jr, LaMoreaux L, Werth JL, Poole RM. Clinical importance of changes in chronic pain intensity measured on an 11-point numerical pain rating scale. Pain. 2001;94(2):149-58., que consiste em 11 números, de 0 (sem dor) a 10 (pior dor), sob uma linha horizontal de 10 cm.
A dor lombar crônica foi avaliada por meio do Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ) (1818. Pinheiro FA, Tróccoli BT, Carvalho CV. Validação do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares como medida de morbidade. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):307-12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102002000300008.
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, no qual se questionou sobre a ocorrência de dor lombar crônica por período superior a quatro semanas, nos últimos 12 meses. O participante também relatou se a dor estava associada à prática esportiva de surf.
A incapacidade lombar foi investigada pelo Quebec Back Pain Disability Scale Questionnaire1919. Rodrigues MF, Michel-Crosato E, Cardoso JR, Traebert J. Psychometric properties and cross-cultural adaptation of the Brazilian Quebec Back Pain Disability Scale Questionnaire. Spine (Phila Pa 1976). 2009;34(13): E459-64. doi: 10.1097/BRS.0b013e3181a5605a.
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, sendo possível o participante avaliar o grau de dificuldade na realização de 20 atividades de vida diária. Os escores dos itens foram somados, totalizando escore entre 0 e 100, sendo que, quanto mais alto o escore, maior o nível de incapacidade.
A funcionalidade lombar foi averiguada pelo Back Performance Scale (BPS) (2020. Magnussen L, Strand LI, Lygren H. Reliability and validity of the back performance scale: observing activity limitation in patients with back pain. Spine (Phila Pa 1976). 2004;29(8):903-7. que consiste na realização de cinco testes para avaliar o desempenho físico da região lombar em diferentes atividades de vida diária. A pontuação foi realizada somando as notas individuais de cada teste, sendo que os maiores escores representaram o pior desempenho.
A flexibilidade lombar foi mensurada por meio do teste de Schober2121. Magee DJ. Avaliação musculoesquelética. 5. ed. São Paulo: Manole; 2010., sendo considerada normal a variação igual ou maior que 5 cm.
A amplitude de movimento da coluna lombar foi avaliada por goniometria2121. Magee DJ. Avaliação musculoesquelética. 5. ed. São Paulo: Manole; 2010., sendo solicitada a capacidade máxima de amplitude articular ativa, em graus, dos movimentos de flexão e extensão da coluna lombar. Foram considerados dentro da normalidade a liberdade de movimento de 0 a 95o para flexão lombar e de 0 a 35o para extensão lombar2121. Magee DJ. Avaliação musculoesquelética. 5. ed. São Paulo: Manole; 2010..
Os ângulos torácico e lombar foram mensurados por meio do instrumento flexicurva, em graus. Evidências anteriores2222. Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, et al. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; ID 186156. doi: http://dx.doi.org/10.1155/2012/186156.
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indicam que o método apresenta forte correlação com o procedimento padrão-ouro realizado por radiografia. O método2222. Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, et al. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; ID 186156. doi: http://dx.doi.org/10.1155/2012/186156.
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consiste na palpação e marcação dos processos espinhosos, moldagem da régua flexível de 80 cm (flexicurva) sobre a sétima vértebra cervical (C7) à primeira sacral (S1) e desenho dos contornos em papel milimetrado, sendo o ângulo determinado em algoritmo desenvolvido no software Matlab por um polinômio de terceira ordem. A mensuração foi realizada em três repetições, por um único avaliador que apresentava coeficiente de correlação intraclasse de: ICC lombar=0,83, p=0,003; e ICC torácica=0,82, p=0,004. Foram considerados normais valores entre 20 a 60o na angulatura torácica e 22 a 54o para curvatura lombar. Valores abaixo da referência foram considerados retificações da curvatura, e acima, hipercifose torácica ou hiperlordose lombar, respectivamente.
A análise estatística procedeu-se com a utilização do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software, versão 21.0. Em sua totalidade, os dados foram submetidos à análise de normalidade e homogeneidade de variâncias, por meio dos testes de Kolmogorov-Smirnov e Levene, respectivamente. As variáveis nominais e/ou ordinais foram descritas em frequência e percentual, já as variáveis numéricas foram descritas em média e desvio padrão.
Para análise dos dados categóricos, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson. Para as variáveis numéricas, foi utilizada ANOVA entre grupos com post hoc de Bonferroni. Para todas as análises o nível de significância foi fixado em p<0,05. O tamanho do efeito foi determinado pelo cálculo do ômega, sendo considerado ω=0,01 como pequeno efeito, ω=0,06 como efeito moderado e valores acima de 0,14 como grande efeito2323. Field A. Discovering statistics using IBM SPSS Statistics. 4. ed. London: Sage; 2013..
RESULTADOS
Presença de dor lombar, periodicidade e associação com a prática de surf
A Tabela 2 apresenta que houve associação significativa entre a presença de dor lombar crônica e a prática de surf: χ2 (1)=5,97 (p=0,05). No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre os três grupos do estudo para a presença de dor lombar (aguda ou crônica) ou para sua periodicidade.
Aspectos cinético-funcionais (intensidade da dor lombar, incapacidade, funcionalidade, flexibilidade, amplitude de movimento e ângulo da coluna torácica e lombar)
A Tabela 3 apresenta os aspectos cinético-funcionais nos três diferentes grupos experimentais. Existe efeito significativo do tempo de prática de surf para a intensidade da dor, F (2, 39)=4,40, p=0,01, ω=0,15 (grande magnitude de efeito).
As análises também revelaram que o ângulo lombar foi maior quando o tempo de prática foi entre 5 a 9,9 anos em comparação ao menor tempo de prática de surf (até 4,9 anos), F (2, 65)=3,38, p=0,04, ω=0,07 (magnitude de efeito moderada). No entanto, essa diferença não foi confirmada no Grupo 3, que possuía o maior tempo de prática de surf (p>0,05).
Dessa forma, para eliminar o efeito das mudanças proporcionadas pela idade, foram realizadas análises estatísticas utilizando esse dado como covariável. Os resultados revelaram que a idade não apresentou relação significativa com a intensidade da dor ou com o ângulo lombar, F (2, 39)=2,49, p=0,12, ω=0,37 (grande magnitude de efeito).
DISCUSSÃO
Neste estudo a maioria dos adultos jovens do sexo masculino, eutróficos, ativos, que praticavam surf três vezes por semana, categorizados como recreacionais, com maior ângulo de curvatura lombar e tempo de prática apresentaram maior intensidade de lombalgia.
Neste estudo, mais da metade dos entrevistados (60,6%) relatou a ocorrência de pelo menos um episódio de dor lombar nas últimas quatro semanas. Da mesma forma, 68,2% dos surfistas relataram a presença de dor na região lombar nos últimos 12 meses.
Steinman et al.77. Steinman J, Vasconcellos EH, Ramos RM, Botelho JL, Nahas MV. Epidemiologia dos acidentes no surfe no Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2000;6(1):9-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922000000100004.
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revelaram alta prevalência de dores lombares recorrentes (28,4%) em surfistas brasileiros, que praticavam o surf há mais de cinco anos, sendo a maioria recreacionais. Os autores sugerem que depois de anos de prática de surf, em razão de movimentos repetitivos de compressão e rotação da coluna vertebral, pode ocorrer a desidratação dos discos intervertebrais, favorecendo o processo de algia e até mesmo o aparecimento de degenerações discais. Além disso, a coluna cervical e dorsal podem ser lesionadas, causando desequilíbrio muscular, em consequência da posição de hiperextensão isométrica durante a ação de remada, predispondo a lesões musculoligamentares de natureza traumática.
Também existe evidência1212. Hammer RL, Loubert PV. Alternative pop-up for surfers with low back pain. N Am J Sports Phys Ther. 2010;5(1):15-8. de que a aceleração do gesto pop-up (movimento de ir rapidamente da posição de remar para de pé sobre a prancha) é um fator provável de aparecimento de dor e lesões na coluna lombar. Isso se baseia na relação física entre a aceleração e as forças de tensão exercidas nesse gesto motor por se tratar de movimento intenso e explosivo de rotação e compressão da coluna lombar.
Com objetivo de identificar a prevalência de lombalgia entre surfistas no Rio de Janeiro, o estudo de Souza et al. (88. Souza MCMG, Fonseca VS, Sá VWB. Prevalência de lombalgia em surfistas amadores. Rev Bras Fisioter. 2006;10(2):1054-5. constatou maior prevalência de lombalgia entre os praticantes de surf quando comparado a indivíduos não praticantes da modalidade. Esses achados corroboram com os resultados desta pesquisa, na qual encontramos associação significativa entre a presença de dor lombar crônica e a prática de surf.
Em relação à presença de lombalgia e ao tempo de prática do esporte, Daniels et al. (2424. Daniels JM, Pontius G, El-Amin S, Gabriel KR. Evaluation of low back pain in athletes. Sports Health. 2011;3(4):336-45. doi: 10.1177/1941738111410861.
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) afirmam que a dor lombar é uma queixa comum entre atletas, sendo que as causas mais comuns em adolescentes são de origem traumática e infecciosa, enquanto nos adultos as causas são mecânicas e em decorrência da osteoartrite. De Luigi2525. De Luigi AJ. Low back pain in the adolescent athlete. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2014;25(4):763-88. afirma que a alta incidência de lesões estruturais e de dores na lombar estão associadas a jovens atletas. Contrariamente, Nathanson et al. (33. Nathanson A, Haynes P, Galanis D. Surfing injuries. Am J Emerg Med. 2002;20(3):155-60.) afirmam que surfistas mais velhos (com idade superior a 40 anos) e experientes (com mais de 20 anos de prática esportiva) possuem maior risco relativo de lesão, sendo a faixa etária de 35 a 55 anos de idade a maior acometida pela dor lombar2626. Baker RJ, Patel D. Lower back pain in the athlete: common conditions and treatment. Prim Care. 2005;32(1):201-29.. Essas informações contrastam, em parte, com os achados de nossa pesquisa, em que não foram encontradas diferenças significativas entre os três grupos de estudo, subdivididos de acordo com os anos de prática esportiva, para a dor aguda, presença de dor lombar crônica ou sua periodicidade. No que se refere à intensidade da dor, o maior tempo de prática esportiva (Grupo 3) revelou maior intensidade da dor lombar. Porém, quando eliminamos estatisticamente o efeito das mudanças que podem estar relacionadas à idade, os resultados indicaram que ela não apresentou relação significativa com o ângulo lombar e/ou a intensidade da dor.
Alterações posturais podem surgir por causa de fatores como hipertrofia muscular, desequilíbrio muscular de agonistas/antagonistas, diminuição da flexibilidade decorrente dos movimentos repetidos e treinamento intenso em atletas2727. Peirão R, Tirloni AS, Reis DC. Avaliação postural de surfistas profissionais utilizando o método Portland State University (PSU). Fitness & Performance Journal. 2008;7(6):370-4.. Ainda, o aumento da lordose lombar pode ser causa direta de dores lombares, demonstrado anteriormente em atletas de luta olímpica portadores de lombalgias crônicas que apresentaram maior ângulo da curvatura lombar em relação a indivíduos assintomáticos2828. Dezan VH, Sarraf TA, Rodacki ALF. Alterações posturais, desequilíbrios musculares e lombalgias em atletas de luta olímpica. Rev Bras Ciênc Mov. 2004;12(1):35-8., não sendo ainda essa associação investigada em surfistas até o presente momento.
Os surfistas permanecem em torno de 45-50% do tempo da prática do surf na posição da remada sobre a prancha, favorecendo a hiperextensão da coluna77. Steinman J, Vasconcellos EH, Ramos RM, Botelho JL, Nahas MV. Epidemiologia dos acidentes no surfe no Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2000;6(1):9-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922000000100004.
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. Essa demanda fortalece isometricamente a cadeia posterior, podendo ocasionar desequilíbrio muscular2929. Prati SRA, Prati ARC. Níveis de aptidão física e análise de tendências posturais em bailarinas clássicas. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2006;8(1):80-7.. Esses desfechos vão ao encontro dos achados deste estudo, no qual se observou que o ângulo lombar foi maior quanto maior o tempo de prática em comparação ao menor tempo, sugerindo que o surf pode contribuir para o aumento da curvatura lombar. Porém, esse aumento não foi confirmado no Grupo 3, que possuía o maior tempo de prática de surf.
Além do aumento da curvatura lombar, existem evidências de que a lombalgia pode estar relacionada à diminuição da flexibilidade dessa região3030. Costa D, Palma A. O efeito do treinamento contra resistência na síndrome da dor lombar. Rev Port Ciênc Desporto. 2005;5(2):224-34.. Levando em consideração esses indícios, em nosso estudo não encontramos associação da lombalgia com a flexibilidade e/ou amplitude de movimento lombar. A maioria dos participantes (53%) apresentou valores de normalidade para flexibilidade, no entanto, 57,5% apresentaram diminuição da amplitude para flexão lombar, e 36,3% apresentaram restrição para extensão lombar. Portanto, neste estudo não foi é possível afirmar que restrições da mobilidade lombar podem acarretar dor nessa região.
Também não houve associação da dor lombar com a incapacidade lombar, avaliada por meio do Quebec, sendo que nenhum surfista apresentou escore maior do que 30 pontos. Isso sugere que a dor lombar em surfistas não é incapacitante - achado que corroborou com a avaliação da funcionalidade lombar, em que 95,5% dos surfistas apresentaram desempenho sem sinais de limitação (grau 0) ou pouco limitado (grau 1). O mesmo ocorreu com a avaliação da angulatura torácica, em que 95,5% dos surfistas apresentaram valores angulares dentro da normalidade. Portanto, em razão dos índices de normalidade encontrados na amostra deste estudo, os resultados dessas variáveis devem ser interpretados com cautela. Assim, estudos futuros devem investigar a relação entre incapacidade lombar e redução da angulatura torácica, angulatura lombar e flexibilidade em surfistas com lombalgia.
Apesar deste estudo ter explorado a associação entre dor lombar e aspectos cinético-funcionais, como incapacidade, funcionalidade, flexibilidade, amplitude de movimento e ângulos da coluna torácica e da lombar em praticantes de surf, algumas limitações podem ser apontadas, para que sejam investigados em trabalhos futuros, como o relato da prática de outros esportes concomitantes com o surf e treinamento específico. Além disso, podem ser utilizados outros métodos que não os retrospectivos por questionário ou entrevista para coleta dos dados referentes à lombalgia.
Enfatizamos que este trabalho fornece relevante contribuição clínica, já que mostra a importância da avaliação do ângulo de curvatura lombar para o direcionamento das terapêuticas que visem a prevenir e a reduzir a intensidade de lombalgias em surfistas. Os dados apresentados neste estudo mostram alguns fatores desencadeantes de dores lombares em surfistas, com destaque ao aumento do ângulo lombar. Sugere-se, portanto, a importância da adoção de condutas de reeducação postural para a normalização do ângulo da curvatura lombar na profilaxia e controle da lombalgia em surfistas.
CONCLUSÃO
Existe associação significativa entre a presença de dor lombar crônica e a prática de surf: maior tempo de prática do esporte parece se relacionar com maior intensidade da dor lombar e maior ângulo da curvatura lombar. Contudo, a dor lombar não está associada à incapacidade lombar, à funcionalidade, à flexibilidade, à amplitude de movimento da coluna lombar e ao ângulo da coluna torácica em surfistas.
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1
Fonte de financiamento: Nada a declarar
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3
Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná pelo parecer nº 335.941.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Dez 2016
Histórico
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Recebido
Fev 2016 -
Aceito
Jul 2016