Professor titular do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Monclar Valverde, em sua obra “Pequena Estética da Comunicação” (VALVERDE, 2017VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017.), se debruça em mais um movimento reflexivo sobre as particularidades da relação entre o sensível e o comunicacional. O autor situa a obra como uma retomada sintética de seu livro “Estética da Comunicação” (VALVERDE, 2007VALVERDE, M. Estética da Comunicação. Salvador: Quarteto, 2007.), entendendo que a discussão desenvolvida naquele primeiro esforço merecia uma segunda chance. Para construir tal discussão, o autor recorreu a uma divisão da obra em duas partes: a primeira lança o foco na questão da sensibilidade e tecnologia na experiência estética; e a segunda se volta para as noções de gosto e formatividade nas áreas da Arte e da Comunicação.
Valverde (2017)VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017. inicia a primeira parte tratando da relação entre comunicação e experiência, situando a experiência nova em uma condição de transformação, algo que escaparia da redundância do campo de experiências prévias e que, mesmo que mediada ou não vivenciada diretamente, poderia gerar sentido e ser compreendida por um sujeito.
É desse ponto que o autor parte para a primeira discussão chave do livro: a relação da subjetividade e da objetividade com o processo de comunicação. Entendendo que a tradição e os costumes a partir dos quais somos educados agem sobre nós para além das referências conceituais e do nosso repertório, Valverde (2017, p. 15)VALVERDE, M. Estética da Comunicação. Salvador: Quarteto, 2007. considera que esse fundo cultural age como “um modo inconsciente de estruturação”, concebendo a nossa forma de perceber, compreender e julgar o mundo do qual fazemos parte, de certa forma ocupando também o processo de desenvolvimento do que reconhecemos como subjetividade. Já no campo da objetividade e sua relação com a comunicação, o autor cita a tendência que estudos anteriormente consolidados tiveram em subestimar o caráter específico das formas de comunicação contemporâneas, construindo o conhecimento da área com bases formais e duras de análise e compreensão da nossa relação com os media.
Nesse contexto, é relevante recorrer a McLuhan e sua noção dos meios como extensões do homem, para reconhecer que essa relação entre sujeito e comunicação (midiática ou interpessoal) faz parte de uma ambiência que envolve de maneira dinâmica as nossas ações e que também formata, no âmbito cultural, a já citada forma de perceber o mundo e criar sentido a partir dele. Surge, então, a necessidade de reconhecer o papel do corpo nessa ambiência dinâmica, não apenas como receptáculo sensível, mas, também, como sede de significação e de construção ativa e sinestésica da nossa relação com o exterior. Não estamos fora do mundo; ao percebê-lo, participamos dele.
Dando prosseguimento à discussão, Valverde (2017)VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017. novamente referencia McLuhan, dessa vez em articulação com Benjamin, para pensar a relação entre sensibilidade e tecnologia. Ainda que ambos os autores tratem das mudanças que novas tecnologias (e, nesse caso, especialmente novos meios de comunicação) podem causar na nossa sensibilidade, é necessário reconhecer que nem toda nova tecnologia gera necessariamente uma nova faculdade sensível. O desenvolvimento tecnológico parece não possuir limites, de maneira que, considerar que a expansão da nossa sensibilidade acompanha esse ritmo ilimitado resultaria numa banalização do caráter transformador necessário para a ocorrência de experiências estéticas.
A ideia de que a sensibilidade não pode ser pensada a partir de parâmetros cartesianos é reforçada ao longo do texto por uma proposta constante de relativização que busca tensioná-la junto a noções de entendimento comumente associadas ao pensamento racional. Esse tensionamento se revela como a base necessária para a reflexão estética.
No centro dessa proposta de relativização, talvez esteja o pensar sobre a comunicação contemporânea e seu espaço digital. Esse espaço aproximaria a arte e a tecnologia em um processo que não diz respeito somente aos avanços e possibilidades técnicas de produção artística, mas, também, ao caráter estético e sensível reconfigurado (embora não revolucionado) nesse espaço.
O artista, num contexto digital ou não, na medida em que desenvolve a sua obra, também a frui, a percebe ainda como inacabada, até que decida pelo desfecho do processo. Tratando da formatividade artística, conceito trabalhado por Pareyson (1992)PAREYSON, L. Estética: teoria da formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1992., Valverde (2017)VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017. coloca que a ideia de construção e produção deve ser pensada como um processo não totalmente “ativo”, inovador, mas como algo inserido em um contexto cultural e permeado, na experiência do próprio artista, de fruição e também recepção.
O sentido de conhecimento atribuído à arte também deve ser repensado, partindo de uma reflexão etimológica que o considere “co-nascimento”, um nascimento simultâneo do sujeito e do objeto, não havendo dicotomia entre ambos. A ideia de expressão também deve superar sua conotação romântica de exteriorização de uma subjetividade, cabendo reconhecer que o sujeito é indissociável da mesma, se reconhecendo nela e através dela.
Nesse processo complexo, o criador, assim como o jogador, parte para o investimento formativo carregado de um elemento lúdico. Ambos os agentes produzem no limiar de uma tensão entre o padrão e o desvio. Não há um grau de experiência nula, somos acolhidos por uma experiência coletiva a partir do momento que existimos no mundo e a tensionamos em toda atividade criativa. Daí a inconsistência de uma utopia vanguardista, que cobra originalidade e quebra de padrões em cada movimento desse tipo.
Considerando que o processo comunicacional depende do compartilhamento de um “sentimento de existência” (VALVERDE, 2017VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017., p. 133) e que essa comunhão estética é que o permite o exercício do gosto e a consolidação de um senso comum, torna-se importante observar que existe algo de transcendental na comunicação. Esse elemento que ultrapassa o empírico teria sido ignorado por boa parte da produção de conhecimento da área, sendo objeto central da Estética da Comunicação.
Toda a construção conceitual e histórica trazida por Valverde (2017)VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017. resulta, então, na defesa desse transcendental relacionado à sensibilidade como centro das reflexões sobre o processo comunicacional. A recepção estética consistiria num “jogo entre sensibilidade, entendimento e imaginação, no qual forma, sentido e valor se reenviam continuamente” (VALVERDE, 2017VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação. 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017., p. 131).
Esse compartilhamento de sentido no qual todos somos inseridos a partir da nossa presença no mundo não é reduzido à transmissão de ideias, mas diz respeito ao sentimento próprio de existência, de ser no mundo, ao ato de criar e tensionar as nossas referências nessa comunhão sensível.
Referências
- PAREYSON, L. Estética: teoria da formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1992.
- VALVERDE, M. Estética da Comunicação Salvador: Quarteto, 2007.
- VALVERDE, M. Pequena estética da comunicação 1. ed. Salvador: Arcádia, 2017.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2 Dez 2019 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2019
Histórico
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Recebido
18 Maio 2019 -
Aceito
26 Jul 2019