Open-access O acionamento do conceito de cultura em periódicos de comunicação: uma revisão sistemática da literatura

La utilización del concepto de cultura en los periódicos científicos brasileños de comunicación: una revisión bibliográfica sistemática

Resumo

Este artigo examina como ocorre a construção do conceito de cultura em 148 artigos científicos da área de Ciências da Comunicação, publicados entre 2017 e 2021, em 30 periódicos brasileiros. Para tanto, foi realizada uma Revisão Sistemática da Literatura e Análise de Conteúdo, em um aporte metodológico quanti-qualitativo. Complementarmente, utilizou-se o software KH Coder. Constatou-se uma ampla falta de delimitação conceitual, bem como a mobilização da cultura para a composição de conceitos derivados. Identidade e consumo são os conceitos mais frequentemente acionados em conjunto com a cultura. Sobressai, também, a referência realizada aos Estudos Culturais como corrente hegemônica, para a conceituação da cultura na pesquisa em comunicação, na atualidade.

Palavras-chave: Cultura; Comunicação; Revisão sistemática da literatura; Análise de conteúdo; KH Coder

Resumen

Este artículo examina cómo se construye el concepto de cultura en 148 artículos científicos del área de Ciencias de la Comunicación publicados entre 2017 y 2021 en 30 revistas brasileñas. Para ello, se llevó a cabo una Revisión Sistemática de la Literatura y un Análisis de Contenido nun enfoque metodológico cuantitativo-cualitativo. Además, se utilizo el software KH Coder. Se constató una amplia falta de delimitación conceptual, así como el uso de la cultura para la composición de conceptos derivados. Identidad y consumo son los conceptos más frecuentemente utilizados junto con cultura. Destaca La referencia a los estúdios culturales como corriente hegemónica para la conceptualización de la cultura en la investigación de la comunicación en la actualidad.

Palabras clave: Cultura; Comunicación; Revisión sistemática de la literatura; Análisis de contenido; KH Coder

Abstract

This article examines how the concept of culture is used in 148 scientific papers of Communication Sciences published between 2017 and 2021 in 30 Brazilian journals. To this end, a Systematic Literature Review and Content Analysis were carried out with a quantitative-qualitative methodological approach. In addition, the KH Coder software was used. A broad lack of conceptual delimitation was detected, as well as the use of culture for the composition of derived concepts. Identity and consumption are the most frequently used concepts in conjunction with culture. The reference made to cultural studies as the hegemonic current for the conceptualization of culture in communication research today also stands out.

Keywords: Culture; Communication; Systematic Literature Review; Content Analysis; KH Coder

Introdução

Este artigo sintetiza os resultados obtidos em uma pesquisa, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), que teve como objetivo geral examinar como ocorre a construção do conceito de cultura nos artigos científicos da área de Ciências da Comunicação, publicados, entre 2017 e 2021, em periódicos brasileiros. Nesta investigação, partiu-se da hipótese de inexistência de uma delimitação conceitual da cultura, bem como ausência de explicitação do marco epistêmico nessas publicações.

Para compor o corpus, elegeram-se artigos de periódicos, a partir do universo de revistas científicas da área, catalogadas pela Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS, 2022). Foram selecionadas as que apresentam as melhores avaliações no Qualis-Capes, quadriênio 2013/20161. O recorte da pesquisa conta, então, com revistas de abordagem ampla, de recorte mais delimitado e, também, com periódicos que dedicam à cultura um lugar de destaque. A partir de levantamento e triagem sistemáticos, o corpus foi fixado em 148 artigos científicos completos, publicados entre janeiro de 2017 e dezembro de 2021, em 30 diferentes periódicos de acesso aberto. Esse processo de seleção será detalhado no tópico seguinte.

Adotou-se, nesta investigação, dois procedimentos metodológicos: a Revisão Sistemática da Literatura (RSL) e a Análise de Conteúdo (AC). A primeira estabeleceu protocolos de busca estruturados, com critérios de inclusão e exclusão dos documentos. Já a segunda foi empregada para a organização, categorização e interpretação dos dados levantados na revisão, com o auxílio do software de processamento de linguagem natural KH Coder, ferramenta computacional para a visualização e criação de representações gráficas dos dados gerados pela codificação manual. Segue-se, então, para o tópico no qual esses aspectos são aprofundados.

Processos e procedimentos metodológicos

A revisão sistemática de literatura não deve ser considerada como uma revisão de literatura, no sentido tradicional, mas como um projeto de pesquisa em si, pois aborda um problema de pesquisa especificado, utilizando estudos existentes, seguindo protocolos de busca estruturados e tendo a reprodutibilidade como critério (GALVÃO; RICARTE, 2020).

A formulação da questão de investigação (“Como ocorre a construção do conceito de cultura nos artigos científicos da área de Ciências da Comunicação, publicados entre 2017 e 2021, em periódicos brasileiros?”) surgiu na interseção entre a pertinência da temática cultural para a área da Comunicação e a inspiração de iniciativas de meta-pesquisa, acionando critérios explícitos e sistemáticos. De acordo com o levantamento realizado por Sousa et al. (2022), a RSL se apresenta como um método emergente na grande área de Comunicação e Informação, com destaque para as iniciativas em Ciências da Informação, mas que tem crescido na Comunicação.

Para a seleção dos periódicos, partiu-se da lista de revistas ativas na área de comunicação, disponibilizada pela Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS, 2022), utilizando como critério de inclusão as três melhores avaliações (A1, A2, B1), no Qualis Capes vigente à época do levantamento dos dados, o quadriênio 2013-2016. O resultado foi: nenhum periódico nacional ativo com a avaliação máxima A1, seis (6) títulos com a avaliação A2 e vinte e seis (26) revistas avaliadas como B1. Destas últimas, foram excluídas a Brazilian Journalism Research, devido à impossibilidade de utilização dos critérios de busca nos arquivos, e a Devires: Cinema e Humanidades, por estar com a publicação suspensa desde 20172. Deste modo, o corpus de análise foi composto, a partir dos artigos publicados, por 30 diferentes periódicos da área em atividade.

A delimitação do período de análise foi pensada levando em consideração os recursos e tempo disponíveis, bem como os objetivos abrangentes da revisão. Como o foco principal era examinar como ocorre, na atualidade, a construção do conceito de cultura nos artigos científicos, foram selecionados artigos publicados num intervalo de cinco anos, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2021.

Primando pela abrangência dos resultados, fator crucial para a qualidade de revisões sistemáticas, de acordo com Pahlevan-Sharif et al. (2019), foi acionada a palavra “cultura” como marcador para a busca. Utilizando o vocábulo sem a presença de aspas foi possível incluir nos resultados textos com termos correlatos, tais como: culturas, aculturação, culturalidade, tecnocultura e cibercultura. Diante de tais critérios, as vistorias foram realizadas no mês de junho de 2022 e o resultado inicial contou com 1663 trabalhos, que foram submetidos ao processo de triagem – screening, detalhado na figura abaixo.

Figura 1
Gráfico de fluxo

Visto que o levantamento foi realizado individualmente nos arquivos de cada revista, o processo de triagem foi executado em duas etapas. Primeiro, nas bases de dados dos periódicos e, utilizando o software Microsoft Excel, foi construído um banco de dados, com as seguintes informações: periódico, título, autoria, resumo, palavras-chave, ano de publicação e link de acesso ou DOI3.

Foi, então, acionado o aporte metodológico da Análise de Conteúdo (BAUER, 2002; BARDIN, 2016) para a exploração do material, codificação e tratamento dos resultados. Este processo contou com o auxílio do software de processamento de linguagem natural KH Coder, no tratamento e visualização dos dados. Dentre uma variedade de softwares, o KH Coder foi escolhido por ser livre e possuir um baixo custo computacional, operando em máquinas de uso pessoal, com configurações básicas.

Esta ferramenta foi utilizada tanto para auxílio na visualização e criação de representações gráficas dos dados gerados pela codificação manual, quanto para a geração de dados por meio do cruzamento de variáveis e mineração dos textos dos artigos. Além disto, o software permite o acesso ao contexto de utilização das palavras, em diferentes partes da amostra, possibilitando a verificação dos sentidos contextuais de diversos termos de interesse.

Destaca-se a complexidade ao trabalhar com uma quantidade extensa de dados em um esforço analítico, que extrapola os indicadores numéricos. Ainda que os artigos científicos apresentem uma estruturação básica, a variabilidade da produção é uma característica marcante, para o campo da Comunicação, e indicadores como objetos, métodos ou vertentes teóricas são desafiadores, pois a pluralidade inerente às pesquisas se traduz em uma não padronização nas classificações – o que, de modo geral, agrega dificuldades ao processo de análise.

Explicitados os processos e procedimentos metodológicos, passa-se, agora, para os resultados alcançados, a partir de seus acionamentos. Casa-se a eles, uma análise, de viés qualitativo, tendo em vista alcançar o objetivo principal demarcado nesta pesquisa.

Resultados

Conforme já mencionado, foi priorizada a investigação das tendências teóricas atuais. Por isso, optou-se por um recorte temporal recente de cinco anos, diversificando fontes e abrangendo trinta periódicos ativos na área, que publicaram 148 artigos, contendo o termo “cultura” no título, entre 2017 e 2021.

Foram selecionados para compor a amostra apenas os artigos que fazem referência à cultura em seu título, pois, isso denota a importância do conceito para a pesquisa. Se fossem considerados os artigos que mencionam o termo e suas derivações no resumo, mais de mil artigos publicados surgiriam, neste período, nos mesmos periódicos, inviabilizando a pesquisa, dado o tempo de realização disponível. Frisa-se que este dado chama a atenção para a ampla utilização da ideia de cultura, nas diversas áreas das Ciências da Comunicação, atualmente.

Para Calhoun (2011, p. 289), enquanto campo de pesquisa e ensino, a Comunicação comporta uma heterogeneidade irremediável, mas se divide “entre o abraço do universalismo científico e o foco humanístico nos contextos e nos casos, entre a busca da precisão quantitativa e da profundidade interpretativa”, dualidade que deveria ser superada. Pensando, especificamente, a partir das investigações, aqui, analisadas, tal dualismo não se mostra representativo. Pelo contrário, o foco no contexto, nos casos e a profundidade interpretativa pretendida, mas nem sempre executada, pela abordagem qualitativa, são predominantes, como expresso na Tabela 1.

Tabela 1
Abordagem utilizada

De fato, existem domínios da vida social e dos fenômenos comunicacionais para os quais o viés qualitativo pode gerar compreensões e interpretações mais acuradas, uma vez que se situam no universo dos valores e significados intersubjetivos. Contudo, essa disparidade tão grande sugere uma lacuna, que denota a necessidade de ampliação das pesquisas de aporte quantitativo e, também, da triangulação dos dados, em abordagens mistas.

As abordagens quantitativas e mistas apresentam suas próprias limitações, mas podem ser ferramentas importantes para investigações com interesse nas implicações macrossociais dos fenômenos comunicacionais, na mensuração de indicadores com maior potencial de generalização ou no estabelecimento de modelos para investigações comparadas, entre diferentes contextos geográficos, históricos e sociais.

Neste sentido, entre os artigos sob análise, destaca-se “Consumo cultural e midiático dos jovens face às mídias sociais: Uma experiência no nordeste brasileiro” (BRAGA; FELIZOLA; MARQUES, 2021). Valendo-se de inspiração etnográfica, a análise utiliza dados de 100 entrevistas realizadas com jovens residentes na Microrregião de Propriá, no Sergipe, para mapear seus hábitos de consumo midiático. O texto apresenta resultados parciais de um projeto de pesquisa nacional, que agrega instituições das regiões Norte, Nordeste e Sul do país. Trata-se de um exemplo dos benefícios em coadunar amplitude analítica e profundidade interpretativa, além de prover um modelo teórico-metodológico com potencial de replicação em outros contextos.

O pragmatismo e a prática orientada à empiria são características fundadoras da pesquisa em comunicação, que nasce a partir dos fenômenos emergentes e se configura enquanto campo de conhecimento, ao longo do século XX (BRAGA, 2011). Os resultados desta investigação evidenciam esta tendência, vide Tabela 2.

Tabela 2
Natureza da pesquisa

Apesar de minoritários, considerando dados de outras investigações sistemáticas, 27% de estudos teóricos é uma proporção significativa. A título de comparação, em investigação longitudinal sobre as características das pesquisas em comunicação, que fazem interface com os estudos de gênero, Tavares et al. (2021) apontam para 90% de pesquisas empíricas, frente a apenas 10% de elaborações teóricas.

Conforme descrito no percurso metodológico, o software de mineração textual KH Coder foi utilizado para gerar visualizações gráficas das redes de palavras utilizadas nos títulos e resumos dos artigos sob análise. Na Figura 2, é possível observar a distribuição das palavras mais frequentemente acionadas, em relação à natureza empírica (E) ou teórica dos artigos (T).

Figura 2
Rede de palavras entre estudos empíricos e teóricos.

Os estudos de natureza empírica são importantes por conectarem o campo acadêmico à realidade social. Aspecto evidenciado pela posição das palavras: Espaço, Cidade, Vida e Caso. Estes, também, podem contribuir para a prospecção de novas abordagens teóricas, entrecruzando conceitos em suas explorações, tais como: Consumo, Representação, Conteúdo e Sujeito.

Também foi investigada a etapa do processo comunicacional, na qual as análises empíricas se detêm, conforme a Tabela 3:

Tabela 3
Etapa do processo comunicacional investigada nas pesquisas empíricas.

As pesquisas têm agregado as diversas dimensões envolvidas em seus objetos, atrelando a análise dos conteúdos à sua recepção, os contextos de produção com o conteúdo derivado e as influências da recepção do público nas modificações do contexto de produção e conteúdos derivados. Contudo, o foco nos conteúdos é premente, mesmo nas investigações Multi, que abordam mais de uma etapa.

Os termos mais comuns relacionados com cada categoria, para a etapa do processo comunicacional, explorada nas investigações empíricas, são expressos abaixo:

Figura 3
Rede de coocorrência de palavras por etapa do processo comunicacional.

Para Peruzzo (2018, p. 34), a predominância de estudos empíricos requer “o desafio em se complexificar os recortes objetuais, as metodologias empregadas e as análises”. Neste ponto, os artigos analisados são profícuos, pois, a partir da comunicação, traduzem a multiplicidade que a cultura encarna e as transformações que a contemporaneidade enseja. Para além dos recortes objetuais clássicos, como conteúdos jornalísticos, grupos sociais, produtos e eventos culturais, destacaram-se textos que se debruçam sobre as interações, os conteúdos e suas dinâmicas nas plataformas digitais.

Nota-se que, por um lado, a diversidade dos objetos culturais expressa uma certa complexidade metodológica, mas, por outro, observa-se a omissão, completa ou parcial, quanto às técnicas e métodos utilizados em determinados artigos, problema comum nas investigações da área, de acordo com Peruzzo (2018) e Lopes (2010).

Por exemplo, em “Mandume: a oralidade e a memória cultural”, que analisa um videoclipe do rapper Emicida, é apresentado um referencial teórico inicial, para contextualização do rap, com base na “historicidade da violência de representação que marcou a constituição das identidades nacionais latino-americanas e na formação das suas culturas populares por meio da oralidade” (FURTADO, 2018, p. 145). Contudo, ao realizar a passagem para o esforço empírico, o artigo não apresenta uma fundamentação metodológica, tampouco descreve os procedimentos técnicos e analíticos realizados para se chegar às conclusões listadas. Ele se detém na seguinte afirmação:

Para fins deste trabalho, será observada a linguagem verbal e visual da narrativa construída pelo videoclipe “Mandume” e por duas entrevistas que contextualizam o lançamento da obra, em uma análise orientada pelas formas de representação na reconstrução da identidade negra, pelas modalidades de comportamento apontadas nas interações entre os sujeitos e pelas formas de conhecimento valorizadas discursivamente (FURTADO, 2018, p. 155).

Chama a atenção que, na lista de referências, figure o texto clássico de Bauer sobre análise de conteúdo, que não foi sequer citado ao longo do artigo. Este é apenas um exemplo que expressa a necessidade de avançar nas fundamentações metodológicas e nas descrições dos procedimentos realizados, em se tratando das investigações em ciências da comunicação.

Nos artigos que apresentam suas metodologias, para além das técnicas usuais (como a análise de conteúdo, discurso, enquadramento, semiótica e etnografia), o que se vê é um modus operandi eclético, que coaduna técnicas e miradas distintas aos objetos e sujeitos em questão. Dentre os aportes apresentados estão: Análise de construção de sentido em redes digitais; Análise do Discurso social, de Agenot; Análise enunciativa; Análise textual de material audiovisual, de Casetti e Chio; Estrutura de sentimento, de Raymond Williams; Mapas das mediações e das mutações culturais, de Jesús Martín Barbero; Método histórico; Metodologia das molduras; Metodologia do Software Studies; Percurso Gerativo de Sentido; Semiótica da Cultura, de Iuri Lotman; Teoria ator rede, de Latour; e Teoria de reconhecimento, de Axel Honneth.

Vale destacar que a Folkcomunicação, apesar de ser nativa da Comunicação e elaborada no Brasil, foi pouco utilizada, estando presente em apenas três artigos. Já a mobilização de referencial latino-americano foi mais expressiva e se concretizou por meio da utilização das proposições de Jesús Martin Barbero, em nove artigos.

Não é novidade que ocorra a apropriação de métodos e técnicas desenvolvidos em outras áreas do conhecimento, embora exista um esforço de tradução e adaptação às especificidades da comunicação. Neste sentido, destaca-se a utilização do método etnográfico como importante fonte de inspiração, fato que reforça as influências da corrente antropológica, nas abordagens comunicacionais.

Entre a Identidade e o Consumo

Em um segundo momento da pesquisa, foram investigadas as categorias analíticas mobilizadas junto à cultura e como elas se articulam. A partir das palavras-chave utilizadas nos artigos, foi elaborada uma nuvem de palavras, apresentada na Figura 4. Para tal, além do termo “cultura”, foram excluídos os termos “comunicação” e “jornalismo”, por tratarem-se de palavras-chave utilizadas para demarcar a área de pesquisa dos artigos, tendo ampla prevalência.

Figura 4
Nuvem com palavras-chave dos artigos.

Os conceitos mais expressivos são identidade e consumo, que são mobilizados enquanto categorias analíticas e fazem parte de um campo semântico mais amplo sobre as questões culturais elaboradas pelas Ciências Humanas e Sociais. Não é possível falar de cultura do consumo sem compreender o processo atual de midiatização, seu impacto nas representações que formam o imaginário e em como estes aspectos operam nos processos de elaboração identitária, considerando conceitos como mediação, hegemonia e ideologia.

A análise da rede de ocorrência de palavras, apresentada na Figura 5, exemplifica o campo semântico no qual se inserem as pesquisas investigadas. Veja que a palavra “identidade” se liga, diretamente, a “sujeito” e “construção”. Além disso, este nódulo se liga à “cultura” (substantivo), por meio daquilo que é “cultural” (adjetivo) e da “representação”.

Figura 5
Rede de coocorrência de palavras utilizadas nos resumos.

Já o consumo passa pela ação para se ligar à experiência, que é a chave até a cultura e o cultural. A proximidade gráfica dessas redes é indiciária de sua indissociabilidade analítica, mas é importante salientar que, nos artigos analisados, o consumo está, necessariamente, ligado a uma dimensão constitutiva da identidade, em diferentes graus, de acordo com o referencial adotado e os objetos empíricos em questão. Por outro lado, as discussões que se utilizam da identidade, não são, necessariamente, vinculadas à ideia de consumo.

Como exemplificado por trechos extraídos de artigos da amostra, que exploram, respectivamente, o papel da subjetividade na construção do texto jornalístico; os aspectos culturais e relações de poder, em postagens no Twitter (hoje, X); e as manifestações da cultura e da identidade, em documentos midiáticos de instituições financeiras:

Entender as relações entre jornalismo e subjetividade a partir dos estudos culturais e para nós, portanto, significa, então, entender as relações entre os sujeitos e sua atuação social e política. Significa entender, também, que os lugares a partir dos quais nos reconhecemos enquanto indivíduos são construídos para nós por uma ampla rede de relações de poder, de tradições culturais, de representações de identidades (ARAUJO, 2017, p. 36).

O reconhecimento de que a luta e a contestação possuem um ponto central na construção cultural de identidades, em uma diversidade de contextos, eleva a importância dos sistemas de representação, como os midiáticos (MALTA; COSTA; MEIRELLES, 2019, p. 38).

Considerar a construção da imagem de si pela construção do discurso é dar voz às instituições e aos atores sociais. Para tanto, o enunciador constrói uma apresentação de si por meio da enunciação de seu discurso (SANTOS; FREITAS, 2017, p. 281).

Percebe-se uma ênfase nos aspectos subjetivos e discursivos da construção identitária, tanto em termos individuais quanto coletivos. Ainda assim, os condicionamentos materiais destes processos são caros às análises, em grande parte, devido à influência dos Estudos Culturais. Os trabalhos de Stuart Hall se mostraram referências importantes para a questão da identidade e da representação, ao longo da análise.

Por outro lado, partindo das teorias da linguagem e da semiótica, Hall assume uma concepção de representação associada às práticas de significação, atravessadas por relações de poder enquanto elemento chave da cultura (SILVA; PIEDRAS, 2018, p. 99).

Aqui, Hall (2003) mais uma vez contribui ao afirmar que, nas situações das diásporas, “as identidades se tornam múltiplas” onde existem “elos que as ligam a uma ilha de origem específica”, mas também “outras forças centrípetas” (HALL, 2003, p. 28) (CURI; BRIGNOL, 2021, p. 19).

Por “representação”, entenda-se, também, a forma construcionista dada a uma relação simbólica estabelecida entre objeto e imagem, ambos, aqui, referidos em um sentido mais amplo (Hall, 1997) (PEREIRA, 2017, p. 6).

A tematização da identidade cultural brasileira foi pouco expressiva na amostra, tendo sido assunto central de apenas um artigo: “Crise política e conflitos discursivos em redes sociodigitais: emoções, cultura e identidade no Brasil contemporâneo” (OLIVEIRA; COELHO, 2019). Houve, contudo, uma mudança de quantitativo, quando incide o interesse por aspectos ligados à identidade e cultura regional, presente em 17 artigos da amostra.

Para melhor compreender o binômio consumo-identidade, é necessário lembrar que, ao longo das primeiras fases da Revolução Industrial, a cultura se estabeleceu como uma ferramenta crítica aos princípios iluministas e aos resultados negativos dos avanços da modernização das sociedades. Slater (2002, p. 17) sublinha o caráter contraditório da cultura do consumo enquanto sistema no qual “a reprodução cultural é geralmente compreendida como algo a ser realizado por meio do exercício do livre-arbítrio pessoal na esfera privada da vida cotidiana”. Logo, na atual midiatização do cotidiano, é a mercantilização das experiências que melhor traduz a cultura do consumo contemporâneo.

Assim como os britânicos Slater e Daniel Miller, os franceses Boltanski e Chiapello (2009) são citados ao longo da amostra

para contextualizar o cenário contemporâneo e compreender as relações entre capitalismo, empreendedorismo e comunicação, a partir do que os autores denominam como “o espírito do capitalismo”. Os dois autores assinalam a necessidade de elaboração de ideologia que justifique o engajamento ao capitalismo (…) (ZANFORLIN; AMARAL, 2019, p. 7).

O modus operandi desse engajamento é objeto tanto de artigos que investigam as práticas de ciberativismo e cancelamento on-line, quanto daqueles que se interessam pelo consumo identitário.

Às vezes, esse tipo de “militância” funciona como suporte moral ao posicionamento dos consumidores junto a seus círculos de interação. Afinal, no atual espírito do tempo, formas e conteúdos advindos das culturas do consumo e do entretenimento constituem marcadores distintivos sociais mobilizados nesta peculiar e ambivalente manifestação comunicacional desses consumidores-cidadãos (POSTINGUEL; GONZATTI; ROCHA, 2020, p. 8-9).

Essa prática está também ligada ao exercício de cidadania, e se dá em um processo de apoio onde consumidores negros buscam fortalecer as ações dos indivíduos que compartilham de uma cultura próxima da sua, criando uma rede colaborativa que visa consolidar aspectos econômicos, sociais e culturais da negritude. O afroconsumo é uma ação de cidadania carregada de simbologia política que visa o enfrentamento às lógicas do racismo (CAROLINE, 2020, p. 66).

Salvo exceções, é recorrente ao longo da amostra um tom descritivo, ao qual escapa um posicionamento mais crítico. A ideia de consumo enquanto exercício de livre-arbítrio pessoal, da esfera privada à pública, não representa uma celebração de direitos individuais e conquistas sociais, mas um apagamento dos condicionamentos macrossociais, que moldam a constituição desigual da realidade.

Destaca-se, uma exceção em particular, o artigo “Conservadorismo e masculinidade tóxica na cultura gamer: uma aproximação a Magic: The Gathering” (FALCÃO et. al., 2021), que se vale de inspiração etnográfica para correlacionar os contextos sociotécnicos particulares da cultura nerd e das mecânicas inscritas no design e na experiência do jogo, com o reforço de valores conservadores, na comunidade em torno do card game. O artigo não se limita a descrever as expressões da masculinidade tóxica, mas investiga suas condições de existência e como as variações materiais influenciam nas expressões dos valores conservadores.

Assim, percebe-se que o consumo se apresenta, ao longo da amostra, como uma ferramenta analítica acionada para a descrição das formas como nos relacionamos com os produtos culturais e com as práticas de consumo, que transcendem a posse de bens materiais e estão cada vez mais ligadas à experiência e representação, em seu caráter identitário na contemporaneidade.

A Cultura como Categoria

Partiu-se do entendimento de categoria analítica enquanto conceitos estruturados como recursos teórico-metodológicos, evocados para apreender as particularidades dos fenômenos empíricos e suas reflexões, cuja compreensão depende diretamente de seu contexto sócio-histórico de elaboração e manuseio teórico (SCOTT, 1995; ALVES, 2008). No caso do conceito de cultura, tal contexto foi detalhado no capítulo 2, da pesquisa completa, não sendo agregada tal discussão nesta publicação.

Tendo como objetivo investigar se a cultura tem se constituído como uma categoria de análise, foi verificada a presença e ausência de descrições conceituais para a noção de cultura adotada pelos artigos da amostra. Foi constatado que apenas 25% (n=37) dos artigos apresentam uma definição explícita para o conceito de cultura empregado, em 75% (n=111), o termo é utilizado sem conceituação.

A proporção do resultado corroborou a hipótese inicial de que faltaria uma delimitação conceitual da cultura, nos artigos científicos da área da comunicação. Resultados semelhantes foram encontrados por Sommier (2014), em análise de artigos internacionais, em língua inglesa, publicados entre 2003 e 2013.

Ressalta-se a importância da apresentação clara dos conceitos utilizados, para a sua efetiva instrumentalização enquanto recurso teórico-metodológico. Especialmente, no caso da cultura, a omissão de sua descrição e vinculação a determinado contexto teórico pode significar um esvaziamento de sentido e banalização de seu uso científico.

Ao longo da amostra, estão presentes casos extremos como o artigo “Desafios e dilemas da institucionalidade cultural no Brasil” (RUBIM, 2017), em cujo texto o termo cultura é utilizado em torno de 250 vezes, sem, no entanto, apresentar uma descrição para o mesmo, nem assumir uma filiação teórica explícita. Destacam-se os seguintes trechos:

A cultura e sua institucionalidade não possuem uma história exemplar no Brasil. Apesar do discurso da nação afirmar, hegemonicamente, desde os anos de 1930 do século XX, a cultura brasileira como resultante da mestiçagem das culturas branco-ocidental, indígenas e negras, a institucionalidade não expressa, ainda hoje, tal sintonia (RUBIM, 2017, p. 58-59, grifo nosso).

Após uma breve passagem sobre o contexto de violência, que assolou tanto “as culturas e os povos originários” quanto “as culturas negras”, Rubim (2017, p. 59) continua e afirma que “a persistência das manifestações desses povos na cultura brasileira deriva mais de suas capacidades de resistir e criar mecanismos de afirmação simbólica do que de quaisquer apoios e institucionalidades culturais”. Neste sentido, cabe indagar: ao que se refere o autor, quando trata de cultura brasileira?

Mélodine Sommier (2014) aponta para uma tendência internacional nos estudos de mídia, à associação entre as ideias de cultura e nação, e sublinha que o uso de contextos nacionais para personificar culturas pode ser problemático, ao propagar uma imagem homogeneizada e redutora da cultura, ainda que visibilize manifestações de populações marginalizadas.

Outro caso extremo que se depreende da amostra é o artigo “Desafios extremos da internet e contágio psíquico: sintomas da cultura do espetáculo” (CONTRERA; TORRES, 2021). Nele, a cultura do espetáculo, mesmo sendo uma chave interpretativa central para a discussão, é tomada por garantida, não sendo descrita apropriadamente. O próprio termo cultura não é utilizado uma única vez, ao longo de todo o texto do artigo, que se ancora, superficialmente, no conceito de sociedade do espetáculo, de Guy Debord (2007).

A utilização da cultura para a composição de conceitos derivados é recorrente ao longo da amostra, especialmente, nos artigos que não apresentam descrição conceitual explícita para o termo. Nestes, a cultura aparece como prefixo para certo tipo de prática ou contexto sócio-histórico específico. Para além de conceitos como indústria cultural, cultura organizacional, guerra cultural, cultura de massa, cultura popular e cultura pop, destacam-se as seguintes composições: cultura aural, cívica, digital, desportiva, empreendedora, gamer, material, midiática, nerd, participativa, terapêutica, visual; cultura da conectividade, da convergência, da inspiração, da intolerância; cultura de arquivo, de fã, de jogo digital, de memes; cultura dos videogames; do cancelamento, do clique, do consumo, do espetáculo, do estupro; e ideologia da cultura.

Vale citar que, entre os 37 artigos que apresentam descrições conceituais explícitas para cultura, depreendem-se bons exemplos da estruturação do conceito enquanto recurso teórico-metodológico. Como o artigo “Culturas juvenis, identidades e estilo de vida: sentidos do ‘alternativo’ no Baixo Augusta/São Paulo” (PEREIRA; PONTES, 2017), que busca compreender a construção identitária ligada a um “ethos alternativo”, entre jovens frequentadores da região. Os autores utilizam referencial vinculado aos Estudos Culturais britânicos e aderem a um conceito de cultura, que engloba as dimensões de disputa, apropriação e negociação existentes entre os diferentes grupos sociais e suas experiências e expressões coletivas.

As diversas temporalidades existentes em cada formação cultural propostas por Williams (1979) se fazem presentes aqui. Dominante, residual e emergente surgem como elementos temporais em luta por hegemonia e numa constante dinâmica no interior dos circuitos culturais como os que aqui analisamos. (…) Nesta fluidez que articula elementos da cultura de massas e hegemônica até aqueles mais inovadores e fora dos padrões (na moda, no estilo de vida ou nas cenas musicais) vai se compondo este “ethos-alternativo” entre grupos juvenis no Baixo Augusta (PEREIRA; PONTES, 2017, p. 123-124).

Nota-se que a cultura é utilizada pelos autores como chave teórica, para analisar os elementos da produção de sentido, no meio investigado, por meio dos eixos moda, cena musical e estilo de vida, com foco na construção do alternativo em relação complexa com o hegemônico, não em oposição simplista, mas em um fluxo de negociação, apropriação e resignificação constantes.

Outro exemplo interessante para a operacionalização do conceito está presente no artigo “Jornalismo e ideologia da cultura: os conflitos entre indígenas e ruralistas em Mato Grosso do Sul” (SILVA; RAPOSO, 2021). A partir da perspectiva da framing analysis, a cultura é apresentada como estoque de quadros primários, acionados no processo comunicativo, no qual,

Entende-se que os referentes primários têm sua origem, significação e ressignificação em articulações simbólicas que disputam os sentidos do mundo e são expressões das diferenças e das desigualdades da realidade sociocultural: tal como a questão da ideologia da cultura sul-mato-grossense, abordada neste estudo (SILVA; RAPOSO, 2021, p. 253).

O estudo investiga o enquadramento adotado pelos conteúdos opinativos veiculados na imprensa regional, com relação à narrativa de conflitos entre indígenas e produtores rurais, no Mato Grosso do Sul. O foco está em demonstrar as representações, valores, ambiguidades, contradições e tendências, assim como os personagens e os papéis que estes desempenham em tais narrativas, correlacionando-os à ideologia da cultura sul-mato-grossense, uma narrativa regionalista, que tem construído, discursivamente, o que seria a formação ideal deste povo em relação aos outros, externos e internos. Tal constructo tem sido retomado pelas elites econômicas locais, como demarcador social, desde a década de 1930.

Neste sentido, assevera-se que o uso da cultura enquanto categoria analítica pode ser realizado a partir de referenciais diversos, não demandando, necessariamente, uma contextualização histórica do conceito, nem tampouco descrição extensa. De maneira breve, é possível localizar o estudo dentro do horizonte de possibilidades que o conceito de cultura provê e demonstrar, de maneira prática, como ele será utilizado como ferramenta teórico-metodológica, na análise em questão.

Finaliza-se, o exame da construção do conceito de cultura nos artigos científicos da área de Ciências da Comunicação, em periódicos brasileiros, tendo como delimitação temporal o período entre os anos de 2017 e 2021. Segue-se, então, para as considerações finais, a partir do que foi identificado, neste tópico analítico.

Considerações finais

Tendo em vista o objetivo principal supracitado, esta pesquisa atravessou decisões metodológicas que contribuíram qualitativamente para os resultados alcançados. A opção por artigos científicos se mostrou acertada, visto que a extensão reduzida deles possibilitou a leitura completa da amostra e, assim, uma maior profundidade de análise. Já a delimitação conceitual restrita à cultura permitiu compreender a base fundamental dos desdobramentos identitários atuais, aspecto que foi corroborado pelos resultados do tópico anterior.

A partir da articulação entre uma Revisão Sistemática da Literatura e a Análise de Conteúdo, contando, ainda, com o auxílio do software de análise de linguagem natural KH Coder, conseguiu-se realizar o levantamento dos dados, que se mostraram diversos, em termos temáticos e metodológicos, assim como próprio campo da comunicação o é.

A análise apontou que os conceitos mais acionados em conjunto com a cultura foram identidade e consumo, que, mobilizados enquanto categorias analíticas, fazem parte de um campo semântico mais amplo sobre as questões culturais elaboradas pelas Ciências Humanas e Sociais. Sendo assim, não é possível falar de cultura do consumo, sem compreender o processo atual de midiatização, seu impacto nas representações que formam o imaginário e como tais aspectos operam no processo de elaboração identitária de determinados grupos, considerando conceitos como mediação, hegemonia e ideologia.

O Consumo foi uma ferramenta analítica acionada para a descrição das formas como nos relacionamos com os produtos culturais e com as práticas de consumo, que transcendem a posse de bens materiais e estão, cada vez mais, ligadas à experiência e representação, em seu caráter identitário na contemporaneidade. Estando o conceito, necessariamente, ligado a uma dimensão constitutiva da identidade, de acordo com o referencial adotado e os objetos empíricos em questão, na amostra analisada. Já as discussões que tratam da Identidade, não são, necessariamente, vinculadas à ideia de consumo. Há uma ênfase nos aspectos subjetivos e discursivos de sua construção, em termos individuais e coletivos.

Com relação à descrição conceitual e ao status de categoria de análise atribuídos ou não à cultura, os dados mostraram que apenas 37 artigos (25%) apresentaram elaborações explícitas para o conceito, em sua articulação analítica. A proporção do resultado corroborou a hipótese inicial de que falta uma delimitação deste conceito nos artigos científicos da área da comunicação. Ao mesmo tempo, a utilização da cultura para a composição de conceitos derivados se mostrou recorrente na amostra, especialmente, nos artigos que não apresentam descrição conceitual explícita para o termo. Neles, a cultura aparece como prefixo para um tipo de prática ou contexto sócio-histórico específico. Frisa-se a importância da apresentação explícita dos conceitos utilizados, para a sua efetiva instrumentalização enquanto recurso teórico-metodológico. Especialmente, no caso da cultura, por encarnar uma trajetória epistemológica longa e diversa. Tal omissão de sua descrição e vinculação a determinado contexto teórico tende a significar um esvaziamento de sentido e banalização de seu uso científico.

Exemplos retirados da amostra demonstram como é viável utilizar a cultura enquanto categoria analítica, mesmo a partir de referenciais diversos, não demandando, necessariamente, uma contextualização histórica do conceito, tampouco descrição extensa.

Sobressai, neste escopo, a ampla referência realizada aos trabalhos de Raymond Williams, bem como a outros autores característicos dos Estudos Culturais, tanto britânicos quanto estadunidenses, latino-americanos e brasileiros. Estas referências consolidaram os Estudos Culturais como corrente hegemônica, para a conceituação da cultura, em artigos de ciências da comunicação, na atualidade.

É temerário que quando posições dissonantes são acionadas no corpus analisado, no geral, sejam para citar, superficial e rapidamente, construções conceituais do passado, há muito superadas, ou para buscar paralelos e intersecções entre campos semânticos distintos. Salvo exceções, a abordagem teórica mais crítica é escassa. Neste sentido, não se propõe questionar o valor das contribuições teóricas dos Estudos Culturais às Ciências da Comunicação, mas apontar as suas peculiaridades atuais, como uma instância de formação de consenso, diante de um discurso hegemônico. Isto enseja o esforço de colocar a atual elaboração do conceito de cultura sob rasura, ao modo do próprio Stuart Hall.

Os resultados desta investigação, assim como suas limitações, abrem caminho para novos estudos, a partir das pesquisas contemporâneas em ciências da comunicação, tais como: analisar a apropriação dos trabalhos de Raymond Williams; investigar a construção e articulação teórica do conceito de identidade; examinar as dinâmicas envoltas na emergência de correntes teóricas, no contexto brasileiro, ou mesmo o acionamento da ideia de cultura nos diferentes suportes da narrativa jornalística.

Conclui-se, fortalecendo que a cultura continua tão complexa quanto presente. Consiste, ainda, em um conceito fértil para as Ciências da Comunicação, em tempos de neoliberalismo e frente às alterações impostas pelas redes sociotécnicas.

  • 1
    Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, vigorou o quadriênio 2013/2016. Contudo, no início de 2023, foi publicada uma nova avaliação, referente aos anos de 2017/2022, que não foi abordada na investigação.
  • 2
    Esta verificação foi realizada em junho de 2022.
  • 3
    Os dados referentes ao corpus de análise estão disponíveis no link: https://drive.google.com/file/d/1VW60XbP6LDhrMiiCVPu8x2CHNASSY7IZ/view?usp=sharing

Disponibilidade de dados

Dados que suportam a pesquisa estão disponíveis em repositório público, com ou sem DOI.

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Editado por

  • Editora responsável: Maria Ataide Malcher
    Assistente editorial: Aluzimara Nogueira Diniz, Julia Quemel Matta, Suelen Miyuki A. Guedes e Weverton Raiol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2023
  • Aceito
    02 Nov 2023
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