Open-access Uso de anti-inflamatórios e analgésicos por uma população de idosos atendida na Estratégia Saúde da Família

Resumo

Este estudo objetivou analisar a prevalência do uso de anti-inflamatórios e analgésicos em idosos da Estratégia Saúde da Família de Porto Alegre-RS, bem como investigar fatores associados: dados sociodemográficos e de saúde; uso contínuo ou se necessário da medicação; indicação médica ou automedicação. A coleta de dados ocorreu entre março de 2011 e dezembro de 2012. Os agentes de saúde comunitários aplicaram um questionário com dados sociodemográficos, de saúde e uso de medicamentos. Foram estudados os anti-inflamatórios não esteroidais, glicocorticoides, analgésicos não opioides e opioides de uso oral. Foram incluídos 758 idosos e o uso de anti-inflamatórios e analgésicos era feito por 28,8%. O paracetamol e o ibuprofeno foram os mais utilizados. No que diz respeito à autopercepção de saúde, quanto pior a saúde relatada, maior o uso da terapêutica (p<0,001). A doença hepática e artrose/artrite/reumatismo mostraram estar associadas ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos (p<0,001). A prevalência de uso de anti-inflamatórios e analgésicos foi considerada moderada quando comparada a estudos prévios (28,8%). Além disso, a maioria dos idosos fazia uso desses medicamentos quando era preciso, provavelmente porque sentia dores leves a moderadas, não sendo necessário o uso contínuo da medicação ou também por sofrer com os efeitos adversos desses medicamentos, optando por usá-los esporadicamente.

Idoso; Estratégia Saúde da Família; Anti-inflamatórios; Analgésicos/efeitos adversos

Abstract

The aim of this study was to analyze the prevalence of the use of anti-inflammatory and analgesic drugs among elderly persons from the Family Health Program in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, and investigate associated factors such as sociodemographic and health data; continuous or as needed use of drug, drug used subject to medical prescription or self-medicated. Data collection occurred between March 2011 and December 2012. Community health workers applied a questionnaire relating to sociodemographic and health data and medication use. Non-steroidal anti-inflammatory drugs, glucocorticoids, non-opioid analgesics and opioids were evaluated. A total of 758 elderly persons were included and anti-inflammatory and analgesic drugs were used by 28.8% of the population. Acetaminophen and ibuprofen were the most frequently used drugs. Regarding self-perception of health, the worse the perception of health, the greater was the use of therapy (p<0.001). Liver disease and osteoarthritis/arthritis/rheumatism were found to be associated with anti-inflammatory and analgesic use (p<0.001). The prevalence of anti-inflammatory and analgesic use was considered moderate when compared to previous studies (28.8%). In addition, most of the elderly persons used the drugs when only needed, most probably due to feeling minor to moderate pain or because they had suffered the adverse effects of these medications in the past and so chose to use them sporadically.

Elderly; Family Health Strategy; Anti-Inflammatory Agents; Analgesics/adverse effects

INTRODUÇÃO

O aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) é uma das principais características do atual processo de envelhecimento populacional.1 Dados nacionais apontam que as DCNTs elevam-se em idosos e respondem por 66,3% das patologias, enquanto as doenças infecciosas por 23,5% e causas externas por 10,2%.2

Em função da maior ocorrência de DCNTs em idosos, o consumo de medicamentos também se elevou nessa faixa etária.3 , 4 Diversos estudos farmacoepidemiológicos realizados em cidades brasileiras mostram que a prevalência de uso de medicamentos por idosos tem variado entre 70-92%, com média de utilização entre dois e cinco medicamentos por pessoa.5 , 6 O uso de vários medicamentos simultaneamente pode ser benéfico no tratamento de múltiplas doenças, mas aumenta também o risco de ocorrência de reações adversas e torna a manutenção da terapia mais difícil.7

Além disso, é importante relatar que muitas das DCNTs contribuem significativamente para o aparecimento de queixas de dor.8 Estima-se que 80 a 85% dos indivíduos com mais de 65 anos apresentem, pelo menos, um problema significativo de saúde que os predisponham à dor.9 A dor envolve componentes sensoriais, cognitivos e emocionais, que muitas vezes podem ser tratados com meios não farmacológicos, tendo o apoio de uma equipe multidisciplinar, porém, o tratamento com medicamentos anti-inflamatórios ou analgésicos ainda é o mais utilizado.10

Estudos brasileiros relatam que o consumo de analgésicos por automedicação costuma ocupar efetivamente um lugar de destaque entre os idosos, considerando que o seu consumo está relacionado ao tratamento da dor e inflamação, sintomas comuns nessa fase.11 - 13

O Painel da Sociedade Americana de Geriatria em "Dor Persistente em Idosos"14 verificou que os analgésicos não opioides são os medicamentos mais utilizados para manejo da dor, porém estudos12 , 14 , 15 têm mostrado um aumento do uso de analgésicos opioides na Europa e América do Norte. Os analgésicos opioides oferecem analgesia para dor moderada a severa, mas devem ser usados com cautela, uma vez que podem causar constipação, depressão respiratória e dellirium.14Para alívio da dor e inflamação, os anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) são os mais utilizados em três áreas terapêuticas: reumatismo inflamatório (artrite reumatoide, espondiloartrite anquilosante ou psoríase), osteoartrite e dores comuns como dor de cabeça, traumas pequenos ou tendinites.10 Os glicocorticoides também são muito prescritos para inflamação, principalmente em casos de osteoartrite, artrite reumatoide e doenças autoimunes, mas a prescrição deve ser previamente avaliada, pois possuem severos efeitos adversos.10 , 14

Alguns estudos americanos e europeus sugerem que os anti-inflamatórios orais devem ser raramente prescritos ou administrados com muita cautela para o tratamento de dor crônica em pacientes idosos. O uso de AINES em idosos está associado ao alto risco de toxicidade gastrointestinal e insuficiência renal, além de estar relacionado a eventos cardiovasculares e a inúmeras interações medicamentosas.15

A Sociedade Americana de Geriatria sugere que o paracetamol deve ser prescrito precedendo os anti-inflamatórios orais. Entretanto, sabe-se que o paracetamol possui um metabólito tóxico que pode ser acumulado no fígado, portanto deve ser prescrito em doses reduzidas para idosos e para pacientes com doença hepática.14 , 15

Os anti-inflamatórios em geral devem ser evitados em pacientes idosos, principalmente com úlcera péptica, doença crônica no fígado, cardíacos ou com hipertensão e que utilizam medicamentos com ação antiagregante plaquetária, como o ácido acetilsalicílico, corticosteroides ou inibidores da recaptação da serotonina.16 , 17 Muitos estudos têm indicado que a prevalência de prescrições com medicamentos que interagem entre si em pacientes usuários de anti-inflamatórios é muito alta e preocupante.18

Os idosos são grandes consumidores de serviços de saúde e, consequentemente, de medicamentos, incluindo anti-inflamatórios e analgésicos. Portanto, este estudo teve como objetivos analisar a prevalência do uso de anti-inflamatórios e analgésicos em uma amostra aleatória de idosos pertencentes à Estratégia Saúde da Família (ESF) do município de Porto Alegre-RS e investigar fatores associados como: dados sociodemográficos e de saúde; uso contínuo ou se necessário da medicação; indicação médica ou automedicação.

METODOLOGIA

Este estudo faz parte do "Estudo epidemiológico e clínico dos idosos atendidos pela Estratégia Saúde da Família do município de Porto Alegre (EMI-SUS)". O EMI-SUS foi uma pesquisa realizada em uma amostra aleatória de 1.080 idosos pertencentes à ESF de Porto Alegre-RS.19

A coleta de dados ocorreu no período de março de 2011 a dezembro de 2012. Os idosos foram convidados a participar do estudo e posteriormente entrevistados em suas residências pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que foram treinados especificamente para a coleta dos dados pela equipe do projeto. O instrumento aplicado foi um questionário contendo dados sociodemográficos (idade, sexo, escolaridade, renda, estado civil e aposentadoria), de saúde (autopercepção de saúde e patologias referidas) e quanto ao uso de medicamentos pelos idosos. Foram incluídos idosos cadastrados na ESF de Porto Alegre-RS e que aceitaram participar da pesquisa, e desses foram excluídos aqueles que não responderam a todo o questionário.

A coleta dos dados referente ao uso de medicamentos foi realizada por meio da prescrição do idoso no prontuário da família e conferida na sua residência com todos os medicamentos utilizados por ele. Para aqueles idosos que não eram capazes de responder ao questionário, o mesmo foi aplicado ao cuidador com o consentimento do idoso ou de seu representante legal. Durante a análise qualitativa do consumo individual de medicamentos, os ACSs fizeram registros do uso de medicamentos descritos por nome comercial ou princípios ativos. Foram observadas também as doses diárias utilizadas, quantidade da apresentação farmacêutica, tempo de uso (contínuo ou se necessário) e quanto à indicação (médica ou automedicação).

As variáveis de saúde foram classificadas como autopercepção de saúde, patologias relatadas pelos idosos (diabetes, doença cardiovascular, câncer, artrite/artrose, doença hepática e doença renal). As patologias relatadas foram respondidas por meio da pergunta "Algum médico já lhe disse que você tem ou teve alguma dessas doenças?" (as patologias estavam listadas e foram explicadas pelo ACS).

Os medicamentos foram classificados por princípio ativo com base no sistema de classificaçãoAnatomical Therapeutic Chemical (ATC, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).20Para este estudo foram incluídos e categorizados os AINES, glicocorticoides, analgésicos não opioides e analgésico opioides de uso oral.21 , 22 Foram excluídos do banco de dados os chás e tinturas e não foram considerados o ácido acetilsalicílico 100 mg e os anti-inflamatórios e analgésicos de uso tópico. Os anti-inflamatórios coxibes (inibidores seletivos de COX-2) não foram considerados, pois nenhum paciente fazia uso dessa classe medicamentosa.

Os questionários foram digitalizados e armazenados em um banco de dados desenvolvido pelos pesquisadores, exclusivo para o projeto, em software File Maker Pro Advanced Server(r) versão 12. Os dados foram digitados em duplicata e posteriormente analisados por meio do software estatísticoSPSS(r) versão 17. As variáveis foram descritas por meio de frequência, média e desvio-padrão. Para comparar as frequências das diferentes variáveis foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson. As variáveis ordinais foram comparadas pelo teste de tendência linear do Qui-quadrado. Foram considerados significativos valores de p<0,05. Para análise multivariada foi utilizada a regressão logística binária, sendo o critério de entrada todas as variáveis com p<0,300. No modelo final, foram mantidas as variáveis com valores de p independentes inferiores a 5 %.

Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul sob o nº 10/04967 e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre sob o número 001.021.434.10.07/2010. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Neste estudo foram incluídos 758 idosos, 271 (35,8%) homens e 487 (64,2%) mulheres, com idade média de 76,3±3,0 anos. O número de medicamentos variou entre 0 e 15, resultando em uma média de 4,0±0,1 medicamentos. O uso de anti-inflamatórios e analgésicos era feito por 218 (28,8%) idosos, variando de 1 a 4 medicamentos e uma média de 1,3±0,6. Entre as classes de anti-inflamatórios e analgésicos, 154 (70,6%) utilizavam analgésicos não opioides, 91 (41,7%), AINES, 36 (16,5%) eram usuários de glicocorticoides e três (1,4%), de analgésicos opioides. O paracetamol e o ibuprofeno foram os medicamentos mais utilizados, 148 (67,9%) e 69 (31,7%), respectivamente, seguido de diclofenaco de sódio, 19 (8,7%), prednisona 11 (5,0%), nimesulida, cinco (2,3%), entre outros.

Entre as variáveis sociodemográficas analisadas, a faixa etária não mostrou estar associada ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos, assim como estado civil, estar aposentado, renda familiar e escolaridade. O sexo feminino utilizava com maior frequência anti-inflamatórios e analgésicos, 154 (31,7%; p=0,022).

Diante das variáveis de saúde, a autopercepção de saúde mostrou estar relacionada ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos, sendo que quanto pior a saúde relatada, maior o uso da terapêutica (p<0,001). Entre as patologias descritas pelos idosos, a doença hepática e artrose/artrite/reumatismo mostraram estar associadas ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos, 23 (46,0%; p=0,004) e 121 (37,5 %, p<0,001), respectivamente. Foi observado que quanto maior o uso de medicamentos em geral, maior o uso de anti-inflamatórios e analgésicos (p<0,001) (tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas, de saúde e número de medicamentos e a frequência de uso de anti-inflamatórios e analgésicos (n=758). Porto Alegre, RS, 2011-2012.

No modelo de regressão logística foi possível confirmar que as variáveis autopercepção de saúde regular e má/péssima (p<0,001), doença hepática (p=0,021) e artrite/artrose/reumatismo (p<0,001) estavam relacionadas ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos de forma independente (tabela 2).

Tabela 2
Associação das variáveis sociodemográficas e de saúde de forma independente com o uso de anti-inflamatórios ou analgésicos. Porto Alegre, RS, 2011-2012.

A figura 1 descreve que a maioria dos idosos utilizava anti-inflamatórios e analgésicos perante prescrição médica. A figura 2 mostra que a maioria dos idosos que utilizava AINES e analgésicos não opioides fazia uso da medicação somente se necessário.

Figura 1
Frequência do uso de anti-inflamatórios e analgésicos, conforme prescrição médica ou automedicação. Porto Alegre, RS, 2011-2012.

Figura 2.
Frequência do uso de anti-inflamatórios e analgésicos, conforme o uso contínuo ou se necessário. Porto Alegre, RS, 2011-2012.

DISCUSSÃO

A prevalência de uso de anti-inflamatórios e analgésicos neste estudo foi considerada moderada (28,8%) quando comparada a estudos prévios. Uma pesquisa feita na Finlândia descreveu que 70,0% da comunidade de idosos acima de 75 anos de idade fazia uso de um ou mais anti-inflamatórios ou analgésicos.23 Pokela et al.14 também estudaram uma população de idosos finlandeses e relataram que 45,4% utilizavam anti-inflamatórios e analgésicos. Outro estudo feito na Suíça descreveu que 22,0% dos idosos participantes utilizavam anti-inflamatórios e analgésicos.24Já um estudo feito com idosos brasileiros, em Curitiba-PR, verificou que 37,0% da população estudada utilizavam anti-inflamatórios e analgésicos.25 Em pesquisa feita com idosos gaúchos do município de Santa Rosa-RS, a prevalência de uso de anti-inflamatórios e analgésicos foi de 11,12%.26

Além do uso moderado de anti-inflamatórios e analgésicos na população idosa, a maioria dos idosos estudados nessa pesquisa fazia uso desses medicamentos quando necessário, provavelmente porque sentia dores leves a moderadas, não sendo necessário o uso contínuo da medicação ou também podiam sofrer com os efeitos adversos desses medicamentos e optaram por usá-los esporadicamente. Porém, uma grande parte dos idosos utilizava esses medicamentos de forma contínua. Os protocolos clínicos para manejo da dor indicam que o ideal seria o uso esporádico de analgésicos e anti-inflamatórios, mas para aqueles pacientes com dor crônica, torna-se necessário o uso contínuo, portanto este deve ser bem avaliado e monitorado.27 , 28 Conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dor Crônica Brasileiro, o tratamento das dores crônicas deve respeitar a proposta da OMS de escalonamento (Degraus da Escada Analgésica), que inclui o uso de analgésicos, seguido da associação de analgésicos e anti-inflamatórios, fármacos adjuvantes e opioides (fracos e fortes).29

Constata-se também que a maioria dos idosos investigados nessa pesquisa utilizava esses medicamentos sob prescrição médica. A população estudada faz parte da ESF de Porto Alegre-RS, portanto, os medicamentos mais utilizados pelos idosos foram os existentes na lista de medicamentos dispensados gratuitamente na rede básica de saúde desse município, sendo necessária a prescrição médica para a retirada da medicação.

O uso de paracetamol (67,9%) se mostrou mais frequente entre a população estudada, seguido do ibuprofeno (31,7%). Estudos conduzidos com idosos no Canadá, Finlândia e Estados Unidos,24 , 30 - 32 entre os anos 1999 e 2008, mostram que os AINES eram usados com maior frequência do que o paracetamol. Essa mudança se deve, provavelmente, a programas educativos e publicação de novos protocolos que relatam o manejo apropriado para dor e inflamação em idosos.33 , 34 Os AINES provocam muitos efeitos adversos, principalmente no organismo envelhecido. Uma revisão sistemática com 13 estudos descreveu que das hospitalizações envolvendo medicamentos, 11,0% envolviam efeitos adversos e superdosagem referentes aos AINES.35

Os glicocorticoides eram usados por 16,5% da população estudada. Esses fármacos possuem inúmeros efeitos adversos, especialmente quando utilizados em altas doses e por períodos prolongados, uma vez que interferem no metabolismo geral do organismo.18 O uso de opioides era feito apenas por três (1,4%) idosos. Conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dor Crônica Brasileiro, os opioides devem ser recomendados para aqueles pacientes que não respondem ou não toleram o uso de AINES ou analgésicos simples como paracetamol e dipirona.29

Quanto aos aspectos sociodemográficos, cabe ressaltar que o uso de anti-inflamatórios e analgésicos era feito principalmente pelas mulheres idosas. O maior uso de medicamentos pelas idosas está descrito em inúmeros estudos, sendo que as mulheres normalmente possuem grande preocupação com a sua saúde e procuram mais os serviços que os homens.26 Além disso, sabe-se que o uso de anti-inflamatórios e analgésicos é mais frequente nas mulheres devido à maior prevalência de artrite, artrose e reumatismo.27 , 36 , 37

Neste estudo observa-se que ocorreu uma associação entre o uso de anti-inflamatórios e analgésicos com a autopercepção de saúde, sendo que quanto pior a autopercepção de saúde, maior o uso desses medicamentos. O uso de anti-inflamatórios e analgésicos está diretamente relacionado com dor. Estudos mostram que 51,8% dos idosos que possuem dor têm as suas atividades de vida diária comprometidas, piorando a qualidade de vida e a autopercepção de saúde.8 , 9

O uso de anti-inflamatórios e analgésicos foi associado aos idosos que relataram possuir doença hepática. Dado preocupante, uma vez que a utilização desses medicamentos deve ser feita com cautela em pacientes com problemas hepáticos. O paracetamol é um dos analgésicos que pode causar maior hepatotoxidade. A dosagem do paracetamol em idosos deve ser individualizada, pois o organismo idoso possui maior dificuldade em eliminar o metabólito ativo do paracetamol, causando maiores danos no fígado, principalmente em pacientes que já possuem comprometimento nesse órgão.27 O uso de anti-inflamatórios e analgésicos também foi associado aos idosos que relataram possuir artrite, artrose ou reumatismo. Sabe-se que o paracetamol é recomendado em protocolos atuais como primeira escolha de analgésico para dor leve a moderada devido à osteoartrite de joelho e quadril.15 Em pacientes em que o paracetamol não possui analgesia adequada ou pouco efeito anti-inflamatório, os AINES são usados como escolha.38

A polifarmácia está diretamente ligada ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos. O aumento do consumo de medicamentos acompanha a tendência do envelhecimento populacional, constituindo uma situação de normalidade na clínica médica. Entretanto, a introdução de um número crescente de especialidades farmacêuticas e de diferentes terapias apresentam, como consequência, os frequentes problemas da farmacoterapia (reações adversas, interações medicamentosas, utilização errada, tratamento inadequado etc.) e, ainda, com maiores agravos em face dos processos patológicos e das mudanças fisiológicas próprias da idade.25 Portanto, o uso de anti-inflamatórios e analgésicos deve ser bem avaliado antes de ser prescrito, já que possuem inúmeros efeitos adversos no organismo idoso e diversas interações medicamentosas.

As principais limitações deste estudo dizem respeito às informações relatadas pelos idosos ou cuidadores no momento da entrevista pelo questionário. Muitas informações, como o uso de medicamentos e patologias relatadas, foram conferidas no prontuário do usuário pelo ACS, porém, nem todos os prontuários estavam completos e em alguns momentos não continham a informação necessária.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostram a utilização moderada de anti-inflamatórios e analgésicos pelos idosos da Estratégia Saúde da Família do município de Porto Alegre-RS, sendo na sua maioria perante prescrição médica e por mulheres. Além disso, verificou-se que a faixa etária não mostrou estar associada ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos, assim como estado civil, estar aposentado, renda familiar e escolaridade. A maioria dos idosos relatou fazer uso desses medicamentos quando era preciso, provavelmente porque sentia dores leves a moderadas, não sendo necessário o uso contínuo da medicação. Neste estudo observa-se uma associação entre o uso de anti-inflamatórios e analgésicos e a autopercepção de saúde, sendo que quanto pior a autopercepção de saúde, maior o uso desses medicamentos.

Verificou-se, ainda, a associação do uso de anti-inflamatórios e analgésicos com o relato de doença hepática, o que suscita uma preocupação: tal patologia não está sendo indagada pelo prescritor ou está sendo causada pelo uso excessivo de analgésicos, principalmente o paracetamol?

Estudos como este são importantes, pois podem ser utilizados como ferramenta para reorientação da assistência farmacêutica. Portanto, identificar as características e os fatores associados ao consumo de medicamentos pelos idosos brasileiros pode auxiliar no planejamento de ações para promoção do uso racional de medicamentos e, consequentemente, favorecer uma melhor qualidade de vida para esse grupo etário, além de contribuir para a diminuição de gastos desnecessários com essas tecnologias pelo sistema de saúde.

Tornar a terapia medicamentosa da população idosa eficaz e racional é tarefa de todos os profissionais da saúde: médicos, farmacêuticos, enfermeiros e outros, que devem estar atentos à individualização do idoso e orientação da melhor terapia para esses indivíduos.

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  • Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS, através do Processo nº 09/0075-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2014
  • Revisado
    12 Jan 2015
  • Aceito
    28 Maio 2015
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