Resumo
Objetivo Estimar a prevalência de baixa reserva muscular e identificar os fatores associados em pessoas idosas.
Método Estudo transversal realizado com 784 idosos (60 anos ou mais) não institucionalizados, residentes em Viçosa, Minas Gerais no ano de 2009. As características de interesse foram sociodemográficas, hábitos de vida, condições de saúde e antropométricas. A baixa reserva muscular (BRM) foi definida como o perímetro da perna (PP) < 33 cm para mulheres e < 34 cm para homens. Realizou-se análise descritiva, análise bivariada e múltipla, por meio da regressão de Poisson com variância robusta, para identificar os fatores independentemente associados ao desfecho de interesse.
Resultados Mais da metade da amostra era composta por mulheres (52,9%), maior frequência de idosos mais jovens (60 – 69 anos :49,5%), com no máximo quatro anos de estudo (79,9%). A prevalência de baixa reserva muscular foi de 21,7% (IC 95% 18,9%-24,7%) e os fatores independentemente associados foram a faixa etária de 70 a 79 anos (RP:1,31; IC95%: 0,96-1,795), 80 anos ou mais (RP:1,64; IC95%:1,12-2,70), histórico de internação hospitalar (RP: 1,46; IC95%: 1,02-2,09) e baixo peso (RP: 5,45; IC95%:3,77-7,88).
Conclusões A prevalência da BRM na amostra é expressiva, se relaciona com a idade mais avançada, hospitalização e com o baixo peso. O monitoramento do PP mostra-se importante para o rastreamento de alterações relacionadas à baixa reserva muscular na pessoa idosa e os fatores associados devem ser considerados nas avaliações antropométricas destinadas a esta população.
Palavras-Chave: Pessoa Idosa; Envelhecimento; Composição Corporal; Estado Nutricional
Abstract
Objective To estimate the prevalence of low muscle reserve and identify associated factors in older people.
Method Cross-sectional study carried out with 784 non-institutionalized older people (60 years or older), living in Viçosa, Minas Gerais, in 2009. The characteristics of interest were sociodemographic, life habits, health and anthropometric conditions. Low muscle reserve (LMR) was defined as leg circumference (LC) < 33 cm for women and < 34 cm for men. Descriptive analysis, bivariate and multiple analysis were performed, using Poisson regression with robust variance, to identify the factors independently associated with the outcome of interest.
Results More than half of the sample consisted of women (52.9%), more frequently younger seniors (60 – 69 years old :49.5%), with a maximum of four years of study (79.9%). The prevalence of low muscle reserve was 21.7% (95%CI 18.9%-24.7%) and the independently associated factors were the age group from 70 to 79 years (PR:1.31; 95%CI: 0.96-1.795), 80 years or older (PR:1.64; 95%CI:1.12-2.70), history of hospitalization (PR: 1.46; 95%CI: 1.02-2.09) and low weight (PR: 5.45; 95%CI: 3.77-7.88).
Conclusions The prevalence of LMR in the sample is expressive, it is related to older age, hospitalization and low weight. LC monitoring is important for tracking changes related to low muscle reserve in older people and associated factors should be considered in anthropometric assessments for this population.
Keywords Older Person; Aging; Body composition; Nutritional status
INTRODUÇÃO
Um dos fenômenos de maior proeminência neste século XXI é o envelhecimento populacional, a população idosa tem aumentado consideravelmente e segundo projeções, em 2060, 33,7% da população será de pessoas idosas1,2,3. Tal fato reflete conquistas, mas se constitui em desafios para a promoção de um envelhecimento saudável. Ressalta-se a prevenção e adequado controle da elevada prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e síndromes geriátricas em pessoas idosas, as quais tem forte relação com o estado nutricional e a composição corporal dos indivíduos4,5.
Durante o processo de envelhecimento ocorrem modificações de ordem fisiológica, destacando-se as mudanças associadas à composição corporal, como o acúmulo de gordura abdominal e a perda de massa muscular. Nesse sentido, a avaliação da massa muscular para estimar a reserva proteica a partir da medida do perímetro da perna é uma alternativa relevante para avaliar a perda de massa muscular nessa população6.
Dentre os possíveis desfechos decorrentes da baixa reserva muscular em idosos, ressalta-se a sarcopenia, doença de origem multifatorial, que consiste na depleção da massa muscular associada a perda de força. Essa condição se relaciona ao aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, inflamação, resistência à insulina, além de alterações na funcionalidade, podendo gerar um estado de dependência do idoso em tarefas cotidianas, maior risco de quedas, fragilidade, hospitalização e óbito7,8.
Tendo em vista estas consequências, tem sido crescente o interesse pelo estudo dos fatores associados ao déficit de reserva muscular. No Brasil, ainda se conhece pouco sobre a magnitude e os determinantes dessa condição na população idosa. Assim, o presente estudo teve como objetivo investigar a prevalência da baixa reserva muscular e identificar os fatores associados em pessoas idosas não institucionalizadas no município de Viçosa (MG) no ano de 2009.
MÉTODOS
Estudo transversal, oriundo do projeto de pesquisa intitulado “Condições de saúde, nutrição e uso de medicamentos por idosos do município de Viçosa (MG): um inquérito de base populacional”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa (No 027/2008).
Amostra
O estudo foi composto por idosos com idade de 60 anos de idade ou mais, não institucionalizados, totalizando 7980 residentes no município de Viçosa, MG. A população fonte foi identificada a partir de um recenseamento durante a Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em 2008 (80% de cobertura vacinal). A partir desse censo, foi gerado um banco de dados, que foi complementado com informações das bases dos registros ocupacionais e dos serviços de saúde do município.
O tamanho da amostra foi calculado considerando nível de confiança de 95%, prevalência estimada de 50% (em função de diferentes desfechos de interesse do projeto maior) e erro tolerado de 3,5%8. Ao adotar estes parâmetros, a amostra mínima final foi de 714 idosos, à qual se acrescentou 20% para suprir possíveis perdas, totalizando 858 pessoas idosas a serem estudadas. Essas foram selecionadas por amostragem aleatória simples.
A coleta de dados foi realizada no domicílio do participante, no período de junho a dezembro de 2009. Questionários semiestruturados foram aplicados e foi realizada aferição de medidas antropométricas, seguindo os protocolos preconizados. Os questionários foram submetidos a revisão de preenchimento por um supervisor de campo. Após a revisão, foi realizada dupla digitação dos dados para controle de qualidade.
Variáveis do estudo
Variável dependente
A variável dependente é a baixa reserva muscular (BRM), obtida pela medida do perímetro da perna (PP). Para tanto, foi utilizada uma fita métrica milimetrada, flexível e inelástica, com respectivas capacidade e precisão de 1,80 m e 0,1 mm. Para a aferição dessa medida, verificou-se a parte mais protuberante da perna esquerda, estando o idoso sentado, com a perna esquerda dobrada, formando um ângulo de 90° com o joelho6. No presente estudo, foi considerada a classificação proposta por Pagotto et al. (2018)11 que estabeleceram valores de ponto de corte inferiores a 33 cm para mulheres e 34 cm para homens.
Variáveis independentes
As variáveis independentes avaliadas neste estudo foram selecionadas a partir da revisão de literatura e da sua disponibilidade no banco de dados do projeto. São as que se seguem:
Sociodemográficas
Foram avaliadas as informações sobre sexo (masculino e feminino), idade (contínua em anos e categorizada em 60 a 69 anos; 70 a 79; 80 anos ou mais), escolaridade (nunca estudou; 1 a 4 anos de estudo; mais de 4 anos de estudo) e coabitação (vive só; vive acompanhado).
Hábitos de vida
Foram incluídas no estudo as variáveis prática de atividade física (sim; não) e qualidade da dieta avaliada segundo o Índice de Alimentação Saudável (IAS) revisado e validado para a população brasileira11. Para o cálculo do IAS foram utilizadas informações do recordatório de ingestão habitual. Este índice considera 12 componentes, sendo nove dos grupos de alimentos contidos no Guia Alimentar Brasileiro (2006), dois nutrientes (sódio e gorduras saturadas) e SoFAAS (calorias provenientes de gordura sólida, álcool e açúcar de adição)12.
Condições de saúde
Foram consideradas as variáveis autopercepção de saúde (muito boa/boa; regular; ruim), histórico de internação hospitalar no ano anterior à entrevista (nenhuma; 1 ou mais), e histórico das seguintes doenças (sim; não): hipertensão arterial, diabetes mellitus, acidente vascular encefálico (AVE), infarto, asma ou bronquite, osteoporose, artrite, artrose ou reumatismo (doença reumática), dislipidemia e depressão.
Para a avaliação da incapacidade funcional foi utilizada uma escala com 14 tipos de atividades, que contemplam as ABVD (Atividades Básicas da Vida Diária) e as AIVD (Atividades Instrumentais da Vida Diária). A seleção das atividades a serem incluídas foi baseada na proposta de Katz et al. (1963)13 para avaliação das ABVD e de Lawton e Brody (1969)14 para avaliação das AIVD. As ABVD selecionadas neste estudo foram: banhar-se; vestir-se; alimentar-se; e levantar-se da cama para uma cadeira. As AIVD contempladas foram: preparar os alimentos ou cozinhar; usar o telefone; sair de casa ou tomar um ônibus; tomar os medicamentos sem ajuda; administrar o dinheiro; fazer compras; arrumar a casa; realizar trabalhos manuais domésticos; e lavar e passar sua roupa.
Para cada uma das atividades avaliadas, foram consideradas as seguintes classificações quanto a dificuldade na realização: 1: Não tem dificuldade; 2: Tem pequena dificuldade; 3: Tem grande dificuldade, 4: Não consegue e 5: Não faz a atividade. A classificação da incapacidade funcional foi adaptada a partir da metodologia de Fielder e Peres (2008)15. A partir do conjunto de ABVD e AIVD, foi classificado com “incapacidade funcional” o indivíduo que declarou alguma dificuldade para realizar seis ou mais atividades (categorias 2 e 3) ou quando o não se sentiu hábil para realizar três atividades ou mais do total proposto (categoria 4). Os demais indivíduos foram classificados “sem incapacidade funcional”.
Indicadores antropométricos
O estado nutricional foi avaliado a partir do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) (peso corporal em quilogramas dividido pela estatura em metros elevada ao quadrado – kg/m2). Os pontos de corte utilizados para o IMC foram os propostos pela Organização Pan-Americana de Saúde16, considerando-se baixo peso <23 kg/m2, eutrofia 23 a 27,9 kg/m2, sobrepeso 28 a 29,9 kg/m2, obesidade ≥ 30 kg. Para fins do estudo, considerou-se sobrepeso ou obesidade como excesso de peso.
Análise dos dados
Foi realizada análise descritiva dos dados, por meio de distribuição de frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas, e, estimativa de medidas de tendência central e de dispersão para variáveis quantitativas. A avaliação da normalidade da distribuição das variáveis quantitativas foi realizada pelo teste de Shapiro-Wilk. Foi estimada a prevalência de BRM com seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC 95%). As prevalências de BRM foram comparadas conforme as variáveis independentes de interesse, por meio dos testes qui-quadrado de Pearson e qui-quadrado de tendência linear. As comparações das médias das características de interesse, conforme a ocorrência de BRM foram realizadas com o teste t de Student.
Para a identificação dos fatores associados à BRM foram realizadas análises bivariada e múltipla a partir da regressão de Poisson com variância robusta. As variáveis que, na análise bivariada se associaram ao desfecho com um valor p ≤ 0,20 foram selecionadas para a análise de regressão múltipla. Na regressão múltipla utilizou-se a estratégia backward, sendo mantidas no modelo final aquelas variáveis que se associaram a baixa reserva muscular com valor p <0, 05. O nível de significância adotado para todas as análises foi α = 0,05.
RESULTADOS
Após excluir as perdas (falecimento, recusa, mudança para endereço não localizado) a amostra final foi de 796 pessoas idosas. No entanto, foram considerados para análise apenas os que tinham dados de perímetro da perna, totalizando 784 indivíduos. A média de idade foi de 71 anos (dp= 8,1 anos), sendo mais da metade composta do sexo feminino 52,9% (IC 95%: 49,0%-56,0%).
A prevalência de baixa reserva muscular foi de 21,7% (IC95%: 18,9-24,7). Conforme se observa na Tabela 1, houve um aumento significante na prevalência de BRM conforme aumento da idade, 24,2% (RP=1,77; IC95%: 1,28-2,45) e 42,0% (RP=3,07; IC95%: 2,22-4,27) e conforme diminuição da escolaridade 9,6% (RP=0,28; IC95%: 0,16-0,49), 22,5% (RP=0,67;0,50-0,90) e 33,6%. Em relação aos hábitos de vida, a prevalência de BRM foi significantemente menor entre idosos que praticavam algum exercício físico regular (17,3% vs. 23,3% (RP= 0,74; IC95%: 0,54-1,03).
Baixa reserva muscular de acordo com características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos. Viçosa, MG, 2009.
De acordo com as condições de saúde, a prevalência de BRM foi significantemente maior entre idosos com histórico de internação no último ano 29,5% vs. 20,4%; RP= 1,45; IC95%:1,06-1,98) e com incapacidade funcional 33,3% vs. 19,2%; (RP=1,74; IC95%: 1,31-2,31). Contrariamente, observou-se menor prevalência de BRM entre aqueles com dislipidemia 17,7% vs.82,3%; RP=0,66; IC95%: 0,51-0,87). Ao se considerar os indicadores antropométricos, a prevalência de BRM entre idosos com baixo peso foi 4,69 vezes maior que a prevalência entre idosos eutróficos (RP = 5,69; IC 95%: 3,94 – 8,23) e a prevalência entre aqueles com excesso de peso foi 72% menor do que entre os eutróficos (RP = 0,28; IC 95% 0,13 -0,64) (Tabela 2).
Baixa reserva muscular de acordo com condições de saúde e indicadores antropométricos da amostra. Viçosa, MG, 2009.
Na análise de regressão múltipla, observou-se que os fatores independente e positivamente associados à baixa reserva muscular foram faixa etária de 70 a 79 anos (RP:1,31; IC95%: 0,96-1,79), 80 anos ou mais (RP:1,64; IC95%:1,12-2,70), baixo peso (RP: 5,45; IC95%:3,77-7,88) e histórico de internação hospitalar (RP: 1,46; IC95%: 1,02-2,09). O excesso de peso esteve negativamente associado ao desfecho (Tabela 3).
Modelo final da análise de regressão múltipla da associação entre as variáveis sociodemográficas, hábitos de vida, condições de saúde e indicadores antropométricos com a baixa reserva muscular entre idosos. Viçosa, MG, 2009.
DISCUSSÃO
O presente estudo identificou elevada prevalência de baixa reserva muscular, visto que mais de 1/5 dos idosos apresentaram essa condição. Esse achado corrobora com os resultados de Martins Resende et al. (2017)18 que ao observar idosos de Uberaba, encontraram prevalência de BRM de 20,9%, aferida pelo PP, utilizando o ponto de corte proposto pela Organização Mundial da Saúde (1995)9 (< 31 cm de PP para massa muscular reduzida). Por outro lado, foi inferior ao encontrado por Machado et al. (2019)19, os quais observaram uma prevalência de 28,4% de baixa reserva muscular em idosas da comunidade em São Paulo, a partir de absorciometria de raios X de dupla energia (DXA). Valores superiores também foram observados por Pagotto et al. (2018)10, por meio da medida do PP, sendo 25,9% de prevalência de BRM em mulheres e 30,8 % em homens idosos atendidos na atenção primária de Goiás.
As diferenças nas prevalências de BRM aferidas pelo perímetro da perna podem estar relacionadas ao método de aferição e aos pontos de corte adotados para classificar a baixa reserva muscular, bem como à população fonte dos idosos que fizeram parte das amostras dos estudos. Importante destacar que não há critério validado para a população idosa e o critério adotado pelo presente estudo é mais sensível do que o proposto pela WHO (1995)9, de forma a repercutir no aumento da prevalência de BRM.
Estudos mais recentes têm focalizado a sarcopenia, uma condição associada a baixa reserva muscular e diminuição da força muscular7. No Brasil, uma revisão sistemática sobre o tema evidenciou prevalência de sarcopenia de 20% entre as mulheres e de 12% entre os homens20. O diagnóstico da sarcopenia é realizado pela combinação de diferentes métodos, incluindo métodos de detecção da massa muscular como DXA, bioimpedância elétrica (BIA) e predição da massa muscular pelo PP. Associados à essa quantificação, preconiza a avaliação da força muscular, na qual se utiliza o dinamômetro, instrumento que mede a força de preensão palmar6. Neste sentido, estudos recentes destacam o PP como um marcador mais acessível, quando comparado aos demais, importante para a triagem de indivíduos acometidos pela doença10,18,21 e muito utilizado para a avaliação indireta da massa muscular em estudos populacionais21,22,23.
Quanto aos fatores associados, observou-se que a prevalência de baixa reserva muscular foi maior nas faixas etárias mais avançadas, o que pode ser parcialmente explicado por alterações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento como inapetência, menor consumo de fontes proteicas devido a dificuldades na mastigação e mudanças na composição corporal24,25. Essa associação é reportada de forma consensual na literatura. Gonzalez et al. (2021)26 observou forte correlação entre o PP e a reserva de massa muscular, com uma diminuição dos valores conforme a o avanço da idade, principalmente em mulheres.
No presente estudo a baixa reserva muscular esteve associada ao histórico de internação hospitalar. A literatura aponta que a baixa reserva muscular é um dos fatores determinantes para maiores chances de hospitalização, propensão a doenças respiratórias e incapacidade funcional em idosos27. Por outro lado, também reconhece que a internação hospitalar, por diferentes motivos, predispõe a perda de massa magra7. No presente estudo, o desenho transversal limita o estabelecimento da direção dessa relação, de forma a não ser possível estabelecer se o histórico de internação é consequência da perda muscular ou se a perda muscular decorre do histórico de hospitalização.
A despeito dessa limitação, esse resultado evidencia a importância de se minimizar perdas de reserva muscular a fim de se evitar condições que predispõem internação e outras consequências. Deste modo, é importante garantir condutas que permitam a prevenção da baixa reserva muscular como monitoramento regular da medida do PP, promoção da saúde bucal, incentivo à atividade física, além de condutas nutricionais como a oferta adequada de alimentos proteicos nas refeições de idosos, e caso seja necessário, a suplementação. Tais estratégias são importantes também em âmbito hospitalar a fim de minimizar a perda muscular e seus desfechos, tendo em vista que a sarcopenia acomete cerca de 13% a 24% dos indivíduos hospitalizados28.
Em relação aos hábitos de vida, a prática de atividade física auxilia na formação e manutenção da massa muscular, no entanto, esta não se manteve independentemente associada à baixa reserva muscular em nosso estudo. A ausência dessa associação pode ser atribuída, em parte, à forma pouco precisa de mensuração dessa variável, obtida por autorrelato, sem detalhamento do tempo gasto na realização de atividades físicas.
O baixo peso se associou independentemente com a baixa reserva muscular nos idosos, em consonância com o observado por Nunes et al. (2021)29 com idosos da comunidade, em um município do interior de São Paulo. Em indivíduos idosos o déficit no consumo de proteína e na síntese muscular implicam em uma adaptação do organismo, caracterizada por uma compensação fisiológica que resulta em maior armazenamento de gordura corporal24,25. Dessa forma, há um desequilíbrio entre a massa gorda e a massa muscular que resulta em um processo inflamatório devido as alterações nos mediadores anabólicos e catabólicos. Com a redução das concentrações de hormônios anabólicos como a testosterona, hormônio do crescimento (GH), insulina e IGF-1, observa-se o catabolismo, o que impede a síntese muscular30.
Observou-se que o excesso de peso em pessoas idosas teve uma associação negativa com a BRM, embora se espere que no envelhecimento ocorra uma depleção da massa muscular e aumento do tecido adiposo, localizado principalmente na região abdominal de indivíduos mais velhos. No entanto, a associação entre o excesso de peso e risco à saúde ainda carece de consenso. Na população idosa, de acordo como “paradoxo da obesidade” o excesso de peso tem demonstrado efeito protetor sobre a mortalidade. Apesar disso, estudos mostram que a redistribuição da gordura é capaz de permear tecidos e órgãos. Deste modo, é importante controlar e monitorar comorbidades associadas ao excesso de peso, pois estas podem levar a uma redução na qualidade de vida, com aumento da ocorrência de incapacidade funcional e fragilidade31. A capacidade funcional, por sua vez, tem importante relação com a reserva muscular.
Esse estudo por ter um delineamento transversal, não permite estabelecer relação de causa e efeito entre as associações observadas. Destacam-se como pontos fortes, o fato de ser um estudo com amostra representativa de idosos, realizado por entrevistadores adequadamente treinados para aferição de medidas antropométricas a partir de protocolos bem estabelecidos. Destaca-se a utilização do PP, medida de fácil mensuração e não invasiva e que tem sido considerada um importante marcador para diagnóstico de sarcopenia em idosos10,21.
CONCLUSÃO
Mais de 1/5 das pessoas idosas do estudo foram classificadas com baixa reserva muscular a partir do perímetro da perna. Esse evento mostrou relação com a idade, histórico de internação hospitalar e baixo peso. Ações que promovam o envelhecimento saudável da população devem contemplar a implementação de medidas que atuem na melhoria dos hábitos de vida, com destaque para a promoção da alimentação saudável e prática de atividade física. Tais medidas podem ter grande impacto na manutenção da massa muscular, força e desempenho físico. Estudos subsequentes são necessários para estabelecer o melhor ponto de corte do PP para predição da BRM, tendo em vista a inexistência de um ponto de corte validado para a população idosa brasileira. A despeito dessa limitação, o monitoramento do PP em pessoas idosas é importante para o rastreamento e acompanhamento de alterações relacionadas à baixa reserva muscular.
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Editado por
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Editado por: Tamires Carneiro de Oliveira Mendes
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
10 Out 2022 -
Aceito
18 Jan 2023