Capacidade intrínseca e mortalidade entre pessoas idosas residentes em uma microrregião de saúde de Minas Gerais

Resumo

Objetivo

Analisar a capacidade intrínseca e sua capacidade preditiva sobre a mortalidade por todas as causas em pessoas idosas residentes em uma microrregião de saúde de Minas Gerais, Brasil.

Método

Estudo tipo inquérito domiciliar, de abordagem quantitativa. Os dados foram coletados no domicílio com instrumentos validados no país.

Resultados

A média do escore de capacidade intrínseca foi de 5,8 (±1,63) pontos. No período de acompanhamento, com média de tempo de seguimento de 58,0 (±13,1) meses, ocorreram 142 óbitos (16,4%). Observou-se que para cada acréscimo no escore de capacidade intrínseca, ocorreu diminuição do risco de mortalidade em 21% (p<0,001).

Conclusão

A capacidade intrínseca exerceu papel preditivo sobre a mortalidade das pessoas idosas.

Palavras-Chave:
Idoso; Envelhecimento Saudável; Mortalidade; Registros de Mortalidade

Abstract

Objective

To analyze intrinsic capacity and its ability to predict all-cause mortality in older adults living in a health microregion of Minas Gerais state, Brazil.

Method

A household survey study with a quantitative approach was conducted. Data were collected at homes using instruments validated for use in Brazil.

Results

Mean intrinsic capacity score was 5.8 (±1.63) points. During the follow-up period, with a mean follow-up time of 58.0 (±13.1) months, 142 deaths (16.4%) occurred. For each 1 point increase in intrinsic capacity score, there was a 21% reduction in the risk of mortality (p<0.001).

Conclusion

Intrinsic capacity served as a predictor of mortality in older adults.

Keywords
Aged; Healthy Aging; Mortality; Mortality Registries

INTRODUÇÃO

No campo da Epidemiologia, os indicadores quantitativos são indispensáveis para a descrição de desfechos de saúde e seus respectivos fatores de risco, além de auxiliarem no planejamento de ações e designação de recursos na saúde pública¹. A mortalidade é uma das medidas comumente utilizadas na prática²,³ e exprime o número total de óbitos resultantes de um evento de saúde avaliado².

A mortalidade é representada em termos de proporções, taxas ou números absolutos e pode fornecer não somente informações demográficas e geográficas, mas também da causa do óbito³. Esses dados são úteis, pois a estrutura da população etária ainda está passando por um processo de mudanças¹ e necessita de indicadores que auxiliem na caracterização da evolução e intensidade das repercussões resultantes de eventos de saúde² em grupos específicos, como as pessoas idosas.

Uma das principais linhas de investigação em estudos sobre mortalidade é a causa de óbitos segundo a faixa etária⁴. Especificamente em pessoas idosas, verifica-se que a presença de doenças crônicas é considerada como uma das principais causas de morte⁵, pois as alterações do processo de envelhecimento humano podem causar a deterioração progressiva das funções dos sistemas orgânicos, aumentando a predisposição às condições crônicas de saúde, com consequente redução da capacidade intrínseca e, por fim, o óbito⁶.

A capacidade intrínseca representa a articulação das habilidades físicas e mentais que um indivíduo tem disponível⁷, sendo composta por domínios inter-relacionados que abrangem o cognitivo; o psicológico; o sensorial, a locomoção e a vitalidade⁷–⁹. É considerada um indicador multidimensional relacionado ao estado funcional, que pode ser utilizado no planejamento e avaliação dos modelos de atenção à saúde recomendados nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre Atenção Integrada ao Idoso⁷,⁹.

Assim, há evidências que a capacidade intrínseca, em escore composto e/ou seus domínios, prediz resultados negativos em pessoas idosas da comunidade como a transição de condições de fragilidade¹⁰, a incapacidade funcional para as atividades de vida diária¹¹–¹³, o tempo em instituições de longa permanência¹² e a ocorrência de quedas¹³,¹⁴. Entretanto, quando se trata do desfecho óbito, verifica-se que ainda são escassos os estudos que consideraram esses componentes agrupados em pessoas idosas da comunidade¹⁵–¹⁷ e ainda existem lacunas sobre o papel preditor da capacidade intrínseca sobre a mortalidade, especificamente no Brasil, que não foi identificada investigação sobre o tema até o momento.

Considerando a lacuna do conhecimento científico sobre a temática, o objetivo do estudo foi analisar a capacidade intrínseca e sua capacidade preditiva sobre a mortalidade por todas as causas em pessoas idosas residentes em uma microrregião de saúde de Minas Gerais, Brasil.

MÉTODO

Estudo analítico com abordagem quantitativa, norteado pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), que utilizou as variáveis observáveis do banco de dados do projeto “Envelhecimento Ativo, Funcionalidade Global e Qualidade de Vida entre idosos da Microrregião de Saúde de Uberaba (MG)” conduzido pelo Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva. Na pesquisa em questão, foi adotada a amostragem por conglomerado em múltiplo estágio, sendo entrevistadas 977 pessoas idosas em 2018. Foram incluídas na amostra as pessoas com 60 anos ou mais de idade e que residiam na área urbana da Microrregião de Saúde de Uberaba (MG), Brasil. Excluíram-se as pessoas idosas que apresentavam sequelas graves de acidente vascular cerebral com afasia e perda localizada de força nos membros inferiores e superiores; doença de Parkinson em estágio grave ou instável com comprometimentos graves da motricidade, fala ou afetividade; e com declínio cognitivo. Considerou com declínio cognitivo a pessoa idosa que, após avaliação pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM)¹⁸, apresentou classificação para declínio e não possuía informante para responder ao Questionário de Atividades Funcionais (PFEFFER)¹⁹ e/ou que apresentou escore final maior ou igual a seis pontos no PFEFFER¹⁹.

No banco de dados, observou-se que entre as 977 pessoas idosas entrevistadas, 31 apresentaram declínio cognitivo após a aplicação do questionário PFEFFER e cinco não realizaram a entrevista completa. Assim, 941 pessoas idosas constituíram a amostra basal de referência para a segunda fase da coleta de dados, que consistiu no levantamento dos falecimentos ocorridos entre 31 de janeiro de 2018 a 31 de janeiro de 2023. No follow-up do estado vital foram excluídas 77 pessoas idosas, após três tentativas de contato (n=38) e por ausência de telefone (n=39). Assim, a amostra final do estudo foi composta por 864 pessoas idosas.

No primeiro momento, os dados foram coletados no domicílio das pessoas idosas, por meio de entrevista direta e testes de desempenho físico, com o uso de instrumentos validados para a realidade brasileira. Foram selecionados dez entrevistadores da área da saúde, os quais passaram por treinamento, capacitação e abordagem sobre questões éticas da pesquisa. Ressalta-se que os entrevistadores foram treinados pelos pesquisadores do grupo de pesquisa e acompanhados até demonstrarem as habilidades necessárias para aplicação dos instrumentos.

Os dados sociodemográficos, econômicos e número de morbidades foram obtidos por meio do questionário estruturado, elaborado pelos membros do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva, com base na literatura científica.

A capacidade intrínseca foi avaliada considerando os domínios: cognitivo, psicológico, sensorial, locomoção e vitalidade⁷,⁹.

O domínio cognitivo foi avaliado por meio da aplicação do MEEM, traduzido e validado no Brasil¹⁸, que fornece informações sobre diferentes parâmetros cognitivos. O escore varia de 0 ponto, o qual indica maior grau de comprometimento cognitivo dos indivíduos, até 30 pontos, que por sua vez, corresponde a melhor capacidade cognitiva¹⁸.

Na mensuração do domínio psicológico, utilizou-se a Escala de Depressão Geriátrica Abreviada (GDS-15), validada no Brasil, composta por 15 questões e com escore total que varia de 0 a 15 pontos²⁰.

Para a avaliação do domínio locomoção, foi utilizada a versão brasileira da Short Physical Performance Battery (SPPB), composta pela somatória da pontuação adquirida nos testes de equilíbrio, velocidade da marcha e levantar-se da cadeira²¹. O escore total varia de 0 (incapacidade) a 12 (melhor desempenho) pontos²¹. As pessoas idosas que obtiveram de 0 a 3 pontos, foram classificadas com incapacidade; 4 a 6 pontos, baixo desempenho físico; 7 a 9 pontos, moderado desempenho físico e 10 a 12 pontos, bom desempenho físico²¹. Assim, quanto maior a pontuação, melhor o desempenho físico.

Quanto ao domínio sensorial, foi mensurado por meio da questão “Como o (a) senhor (a) avaliaria o funcionamento da audição, visão, paladar, olfato, tato?” na qual as pessoas idosas apresentavam as seguintes opções de respostas: muito bom, bom, nem ruim/nem bom, ruim e muito ruim.

O domínio vitalidade foi mensurado por meio dos itens: perda de peso não intencional; exaustão/fadiga; força de preensão manual (FPM) e índice de massa corporal (IMC), descritos a seguir.

A perda de peso não intencional foi avaliada pela pergunta: “No último ano, o(a) senhor(a) perdeu mais do que 4,5kg ou 5% do peso corporal sem intenção?”. O autorrelato de exaustão/fadiga foi mensurado por meio das questões 07 e 20 da versão brasileira da escala de depressão do Center for Epidemiologic Studies. As pessoas idosas com pontuação dois ou três em qualquer uma das questões preencheram o critério para esse item²².

Para a medida da diminuição da força muscular, foi utilizada a FPM, aferida pelo dinamômetro hidráulico, modelo Saehan®. Seguiram-se as recomendações da American Society of Hand Therapists: a pessoa idosa permaneceu sentada e posicionada de maneira confortável em uma cadeira normal sem apoio para os braços, com os dois pés apoiados no chão, ombro aduzido, cotovelo fletido a 90º, o antebraço em posição neutra, com o polegar apontado para cima; e o punho com posição confortável entre 0 e 30º de extensão; a alça móvel na posição II. O examinador realizou um estímulo por meio de comando verbal, em volume alto, para que a pessoa idosa puxasse a alça do dinamômetro com a mão dominante e a mantivesse pressionada por seis segundos e depois relaxasse. Obtiveram-se três medidas, apresentadas em quilograma/força (kgf), com um intervalo de um minuto entre elas, sendo considerado o valor médio²³.

Para a mensuração do peso corporal, foi utilizada balança eletrônica digital portátil, tipo plataforma, com capacidade para 150 kg e precisão de 100 g, com a pessoa idosa descalça e usando roupas leves. A estatura (m) foi aferida utilizando fita métrica flexível e inelástica, com extensão de dois metros, dividida em centímetros e subdivida em milímetros fixados na parede em um local plano e regular, sem rodapé, com a pessoa idosa descalça, colocada em posição ortostática com os pés unidos, de costas para o marcador, com o olhar no horizonte. O IMC foi calculado mediante a fórmula: IMC = peso (kg) / [estatura]² (m). A classificação do estado nutricional foi realizada conforme valores do IMC, considerando como pontos de corte: baixo peso (≤22 kg/m²), eutrofia (>22 e <27 kg/m²) e sobrepeso (≥27 kg/m²)²⁴.

Em relação aos óbitos, os dados foram obtidos mediante consulta no sistema de sepultamentos da Prefeitura Municipal de Uberaba, Minas Gerais, Brasil²⁵ e o Cadastro Nacional de Falecidos²⁶. Em caso de dúvidas ou divergências quanto ao registro exato, foram realizadas ligações telefônicas nas residências das pessoas idosas, segundo o número de contato telefônico fornecido no momento da coleta de dados.

As variáveis foram: sexo (feminino; masculino); faixa etária, em anos (60├70; 70├80; 80 ou mais; média dos anos completos de vida); escolaridade, em anos completos de estudo (nenhum; 1├5; 5 ou mais; média dos anos completos de estudo); morbidades (0; 1├5; 5 ou mais; média do número de morbidades) e óbito (sim; não). As variáveis referentes aos domínios da capacidade intrínseca foram representadas na mesma escala de valores (1 a 10)²⁷. Na capacidade cognitiva, foi atribuído o valor de 1 a menor pontuação do MEEM (19 pontos), à próxima o valor de 2 e assim por diante. Para as pontuações 28, 29 e 30 foi conferido o valor 10. As pontuações na GDS-15 (capacidade psicológica) que variaram de 0 a 10 foram utilizadas como tal e para valores acima foi atribuído o valor 10. Posteriormente, os escores foram transformados pela expressão: pontuação na GDS-15 =11 – pontuação original. Na capacidade de locomoção, foram conferidos os valores para as classificações do desempenho físico: 1 para incapacidade/ruim; 3,5 para baixo; 7,5 para moderado; 10 para bom. Tal como na capacidade sensorial, sendo: 1 para muito ruim/ruim; 3,5 para nem ruim/nem bom; 7,5 para bom e 10 para ótimo. No domínio vitalidade, a variável perda de peso não intencional recebeu o valor 0 para resposta sim e 1 para não; o mesmo para a FPM (0 – diminuição; 1 – ausência de diminuição), exaustão/fadiga (0 – sim; 1 – não) e IMC (0 – eutrofia; 1 – baixo peso/ sobrepeso). A partir dos valores de cada variável o escore de vitalidade foi obtido ponderando os indicadores: perda de peso não intencional x4; FPM x3; exaustão/fadiga x2; IMC x1, assim, o escore final variou de 0 a 10²⁷. O escore final de capacidade intrínseca foi calculado por meio da média aritmética das pontuações em cada domínio, sendo possível pela representação dos mesmos na escala de 1 a 10²⁷.

Os dados foram submetidos à análise descritiva por meio de frequências, absoluta e relativa, para variáveis categóricas; e média e desvio padrão para as quantitativas. O escore de capacidade intrínseca foi calculado por meio da média aritmética das pontuações em cada domínio, sendo possível pela representação dos mesmos na escala de 1 a 10. Para analisar a capacidade intrínseca e sua capacidade preditiva sobre a mortalidade por todas as causas utilizou-se a regressão de Cox multivariada ajustada para calcular as razões de risco (p<0,05).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), sob parecer n° 2.053.520. Aos participantes foram apresentados os objetivos e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e oferecidas as informações pertinentes. Após a anuência da pessoa idosa e assinatura do referido termo, conduziu-se a entrevista seguindo os preceitos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.

RESULTADOS

Entre as 864 pessoas idosas, verificou-se o predomínio de mulheres (67,1%), na faixa etária de 70├79 anos (41,7%), com 1├4 anos de estudo (52,5%) e com 5 ou mais morbidades (67,6%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das variáveis sociodemográficas e de saúde das pessoas idosas residentes na área urbana de uma microrregião de saúde de Minas Gerais, Brasil, 2018. (N = 864)

Variáveis	n (%)	Média e desvio padrão
Sexo
Masculino	284 (32,9)
Feminino	580 (67,1)
Faixa etária (em anos completos)
60├ 69	324 (37,5)
70├ 79	360 (41,7)
80 ou mais	180 (20,8)
Idade (em anos completos)		73,2(±8,0)
Escolaridade (em anos completos)		4,5(±3,9)
Nenhum	151 (17,5)
1├ 4	454 (52,5)
5 ou mais	259 (30,0)
Morbidades		6,5(±3,4)
Nenhuma	12 (1,4)
1├ 4	268 (31,0)
5 ou mais	584 (67,6)

Referente à capacidade cognitiva, a média do escore do MEEM foi de 25,0 (±3,8) pontos. Na avaliação da capacidade psicológica, observou-se que 24,0% das pessoas idosas possuíam indicativo de sintomas depressivos. Quanto à capacidade de locomoção, houve predomínio do bom desempenho físico (39,1%). Na capacidade sensorial, a maioria avaliou o funcionamento dos sentidos como bom (52,4%). No domínio vitalidade, 13,3% das pessoas idosas apresentaram perda de peso não intencional; 37,2% diminuição da FPM; 36,9% exaustão/fadiga e 44,2% sobrepeso (Tabela 2). A média do escore de capacidade intrínseca foi de 5,8 (±1,6) pontos (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos domínios e do escore de capacidade intrínseca das pessoas idosas (N=864) residentes na área urbana de uma microrregião de saúde de Minas Gerais, Brasil, 2018.

Variáveis	n (%)	Média e desvio padrão
Capacidade cognitiva		6,9(±3,1)
Capacidade psicológica (indicativo de sintomas depressivos)		7,3(±2,8)
Sim	207 (24,0)
Não	657 (76,0)
Capacidade de locomoção (desempenho físico)		7,2(±3,0)
Ruim	94 (10,9)
Baixo	109 (12,6)
Moderado	323 (37,4)
Bom	338 (39,1)
Capacidade sensorial (funcionamento dos sentidos)		6,2(±2,7)
Muito ruim/ruim	110 (12,7)
Nem ruim/nem bom	187 (21,6)
Bom	453 (52,4)
Muito bom	114 (13,3)
Vitalidade		6,9(±2,5)
Perda de peso não intencional
Sim	115 (13,3)
Não	749 (86,7)
Diminuição da força de preensão manual
Sim	321 (37,2)
Não	543 (62,8)
Exaustão/Fadiga
Sim	319 (36,9)
Não	545 (63,1)
Índice de massa corporal
Baixo peso	213 (24,7)
Eutrofia	269 (31,1)
Sobrepeso	382 (44,2)
Capacidade intrínseca		5,8(±1,6)

No período de acompanhamento considerado para o estudo, com média de tempo de seguimento de 58,0±13,1 meses, ocorreram 142 óbitos (16,4%).

Referente à capacidade preditiva da capacidade intrínseca sobre a mortalidade, observou-se que para cada acréscimo no escore de capacidade intrínseca, ocorreu diminuição do risco de mortalidade em 21% (p<0,001). Ademais, pessoas idosas do sexo feminino (p<0,001) e idade avançada (p<0,001) apresentaram maior risco para o óbito (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo final da regressão de Cox para o escore de capacidade intrínseca sobre a mortalidade em pessoas idosas (N=864) residentes na área urbana de uma microrregião de saúde de Minas Gerais, Brasil, 2018-2023.

Variáveis	Óbito
	HR	IC (95%)	p*
Capacidade intrínseca	0,79	0,71-0,88	<0,001
Idade	1,05	1,03-1,07	<0,001
Morbidade	1,04	0,99-1,09	0,063
Sexo
Masculino	1**	-	-
Feminino	1,87	1,33-2,63	<0,001

• HR: Hazard Ratio ; IC: Intervalo de Confiança; * p<0,05; ** 1 – valor de referência.

DISCUSSÃO

Essa investigação buscou analisar a capacidade intrínseca e sua capacidade preditiva sobre a mortalidade por todas as causas em pessoas idosas. Em síntese, verificou-se que o aumento da pontuação do escore composto da capacidade intrínseca reduziu o risco de mortalidade. Acredita-se que a atual pesquisa é uma das primeiras a investigar o efeito da capacidade intrínseca e demais preditores sobre a mortalidade por todas as causas entre pessoas idosas brasileiras residentes na comunidade. Destaca-se que, para atender ao objetivo, o atual estudo considerou os domínios sugeridos pela OMS⁷, semelhante às abordagens de pesquisas prévias¹²,¹⁶,²⁸–³⁰, mas com variações nos instrumentos e forma de pontuação do escore.

A média do escore de capacidade intrínseca identificada nesta pesquisa foi inferior ao encontrado no inquérito que utilizou dados da Rede de Pesquisa e Fragilidade em Idosos do Brasil²⁷. Entretanto, há evidências que a capacidade intrínseca de pessoas idosas brasileiras é heterogênea e está associada a características sociodemográficas e condições de saúde²⁷. Nessa perspectiva, destaca-se que pessoas idosas que apresentam diminuição da pontuação do escore composto ou que pertencem a classificações indicativas de comprometimento da capacidade intrínseca, também possuem maior risco de óbito¹²,¹⁵–¹⁷,²⁸–³².

No atual estudo, constatou-se que 16,4% das pessoas idosas faleceram, dado que se aproxima ao encontrado pelo 10/66 Dementia Research Group (DRG), uma investigação realizada em áreas geográficas de oito países distintos, no qual 18,4% das 14.923 pessoas idosas faleceram em um período médio de 4,2 anos³¹. Entre 220 pessoas idosas chinesas com idade maior ou igual a 75 anos, durante um acompanhamento de três anos, ocorreram 11,8% óbitos³².

O principal resultado encontrado no atual estudo foi a diminuição no risco de mortalidade em 21%, para cada acréscimo no escore da capacidade intrínseca. Resultado inferior foi identificado no I-Lan Longitudinal Aging Study (ILAS), no qual o aumento de um ponto percentual na pontuação da capacidade intrínseca, considerando cinco domínios, reduziu a razão de risco de mortalidade em 5% (HR=0,95; IC95% 0,93-0,97)²⁸. Entre 754 pessoas idosas nos Estados Unidos, houve um aumento de 5% na razão de risco de morte para cada redução de um ponto na capacidade intrínseca, composta pelos domínios: cognição, vitalidade, mobilidade, psicossocial e sensorial¹².

Na Bélgica, o aumento de um desvio padrão no escore Z composto da capacidade intrínseca diminuiu em 49% o risco de morte (HR=0,51; IC95% 0,36-0,72)¹⁵. Apesar do achado, o estudo destaca que o domínio sensorial não pôde ser avaliado, devido à indisponibilidade de dados, considerando somente cognição, nutrição, mobilidade e psicossocial¹⁵.

Dois estudos que adotaram os domínios indicados pela OMS para a composição da capacidade intrínseca (cognição, locomoção, sensorial, psicológico e vitalidade) também encontraram associações do construto com o óbito¹⁶,³⁰. Em Taiwan e China, pessoas com baixa capacidade intrínseca apresentaram 2,19 e 2,56 maior razão de risco para o óbito, respectivamente, quando comparadas ao grupo de capacidade intrínseca alta¹⁶,³⁰.

É preciso destacar que embora a OMS considere cinco domínios integrantes da capacidade intrínseca⁷, os estudos prévios mostram variações na forma como cada um deles é avaliado, no que concerne aos instrumentos¹⁵,³³ e às pontuações do escore composto, o que pode determinar a diferença nos achados¹²,²⁹. Ainda, compreende-se que existem múltiplos fatores que podem contribuir para o declínio da capacidade intrínseca³⁴,³⁵ e que interferem no curso de vida, do nascimento até a morte⁹.

Apesar das questões mencionadas, o conjunto das evidências científicas sugere que a capacidade intrínseca exerce papel na determinação da maior razão de risco para mortalidade entre pessoas idosas da comunidade¹²,¹⁵,¹⁶,²⁸–³⁰, assim como demonstrado na presente pesquisa. O conceito de capacidade intrínseca é um componente fundamental para a promoção do envelhecimento saudável⁶,⁷, sendo considerado melhor preditor para desfechos adversos em saúde do que a presença de comorbidades³².

Na interpretação dos achados, limitações do estudo devem ser sinalizadas. Primeiro não houve acompanhamento da capacidade intrínseca em diferentes pontos do tempo, o que impossibilitou a identificação e compreensão das trajetórias e a ocorrência de possíveis mudanças. Segundo, existem questões pertencentes aos domínios, como o sensorial, que foram obtidas por meio de autorrelato, o que pode interferir nos resultados. Terceiro, por considerar a capacidade intrínseca como um composto, não foi realizada a análise individual do efeito dos domínios sobre o desfecho. Quarto, apesar de adotar os domínios da capacidade intrínseca segundo a OMS, houve variação nos instrumentos. Em contrapartida, o presente estudo traz como vantagem, uma amostra de base populacional de pessoas idosas residentes na comunidade, que são potenciais alvos para intervenções voltadas para o envelhecimento saudável. Além disso, por ser conduzida em um país em desenvolvimento, pode fornecer informações para outras regiões com perfil semelhante e auxiliar no planejamento de ações individuais e coletivas.

CONCLUSÃO

A capacidade intrínseca exerceu papel preditivo sobre a mortalidade entre pessoas idosas residentes na comunidade, mesmo após ajuste para potenciais variáveis confundidoras, demonstrando que cada acréscimo no escore de capacidade intrínseca diminuiu o risco de óbito.

Assim, a avaliação e o acompanhamento da capacidade intrínseca devem ser realizados em comunidades e domicílios, para que os declínios, ainda que discretos, sejam detectados e considerados no planejamento de cuidados individualizado. Dessa forma, desfechos adversos em saúde, como a mortalidade, também podem ser evitados ou postergados.

• Financiamento da pesquisa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nº do processo: 303907/2022-3.

• DISPONIBILIDADE DE DADOS

  Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação a autora correspondente.

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Editado por

Editado por: Letícia Sampaio Figueiredo

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  04 Dez 2023
• Aceito
  29 Abr 2024