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Efeito do fogo sobre a riqueza de formigas (Hymenoptera: Formicidae) associadas à Pinus elliottii Engelm. no sul do Brasil

The effect of fire over richness of ants (Hymenoptera: Formicidae) associated to Pinus elliottii Engelm. in southern Brazil

Resumos

Este trabalho objetivou avaliar o efeito do fogo sobre a fauna de formigas associada à Pinus elliottii Engelm. O estudo foi desenvolvido no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, numa área experimental junto ao Campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em um plantio de um hectare de Pinus elliottii com 28 anos de idade e espaçamento de 2 m x 2 m, no qual ocorreu um incêndio ao final de novembro de 2008. Um mês após, iniciou-se uma amostragem da fauna de formigas, concluída em novembro de 2009. Utilizou-se o método de interceptação de insetos perambulantes através do uso de armadilhas de solo sem atrativo, distribuídas no centro do povoamento, sendo dispostas 10 armadilhas em transecto linear simples, em intervalos de 10 metros permanecendo enterradas por 48 horas. Ao final deste período, o material biológico foi acondicionado em potes plásticos e encaminhado ao laboratório para triagem, onde as formigas foram separadas em morfoespécies e prosseguiram para identificação. A partir dos levantamentos foram encontradas 25 espécies de formigas distribuídas em onze gêneros, oito tribos e quatro subfamílias. Destas, as que apresentaram maiores frequências de ocorrência em suas respectivas subfamílias foram Pseudomyrmex termitarius (46,7%), Acromyrmex crassispinus e Pachycondyla striata (ambas com 35,8%), e Camponotus blandus (25,0%). O fogo é um agente de distúrbio ambiental por vezes significativo, causando efeitos positivos e negativos sobre a fauna edáfica. Sua ação pode ter gerado efeito indireto negativo sobre Crematogaster victima e positivo sobre Pseudomyrmex termitarius, Acromyrmex crassispinus, Pachycondyla striata e Camponotus blandus presentes no sub-bosque de Pinus elliottii, pós-incêndio.

entomologia florestal; incêndio florestal; insetos bioindicadores


This work aimed at assessing the effect of fire over an ant fauna associated to Pinus elliottii Engelm. The study was developed in the city of Santa Maria, Rio Grande do Sul, in an experimental area next to the Campus of Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), in a 28-year-old plantation of an hectare of Pinus elliottii, spacing 2m x 2m, on which a fire happened in the end of November, 2008. One month later, an ant fauna sampling was initiated, being concluded in November, 2009. The method of interception of wandering insects has been used through soil traps without attraction, distributed in the center of the population, being prepared 10 traps in simple linear transection, in intervals of 10 meters that remained buried for 48 hours. After such period, the biological material was packed in plastic pots, transported to the laboratory for a triage, where the ants were separated into morphospecies and proceeded to identification. From the surveys, 25 ant species were found, distributed in eleven genera, eight tribes and four subfamilies. From these, the ones who presented the biggest occurrence frequencies in their respective subfamilies were Pseudomyrmex termitarius (46,7%), Acromyrmex crassispinus, and Pachycondyla striata (both with 35,8%), and Camponotus blandus (25,0%). Fire is an agent of environmental disturbance many times significant, causing positive and negative effects over the edaphic fauna. Its action might have caused a negative indirect effect over Crematogaster victima and positive over Pseudomyrmex termitarius, Acromyrmex crassispinus, Pachycondyla striata and Camponotus blandus present in the understory of Pinus elliottii, after the fire.

forest entomology; forest fire; bioindicator insects


INTRODUÇÃO

Pinus elliottii Engelm. é uma gimnosperma da família Pinaceae originária do sudeste dos Estados Unidos, onde é tida como sensível ao fogo; apresenta excelente crescimento nas regiões de clima subtropical úmido, sendo muito cultivada no sul do Brasil, possui fibras longas adequadas para a fabricação de papel (MARCHIORI, 1996MARCHIORI, J. N. C. Dendrologia das angiospermas. Santa Maria: Ed. UFSM, 1996. 162 p.). Sua madeira destina-se também ao processamento mecânico e à extração de resina (SHIMIZU, 2006SHIMIZU, J. Y. Pinus na silvicultura brasileira. Revista da Madeira, Curitiba, v. 16, n. 99, p. 4-14, set. 2006.).

Em áreas cultivadas com pináceas observa-se um grande acúmulo de serapilheira, formado pelas acículas caídas das árvores. Isto porque, segundo Kleinpaul et al. (2005) KLEINPAUL, I. S. et al. Suficiência amostral para coletas de serapilheira acumulada sobre o solo em Pinus elliottii Engelm, Eucalyptus sp. e floresta estacional decidual. Revista Árvore, Viçosa, v. 29, n.6, p. 965-972, nov./dez. 2005., as acículas possuem alto teor de lignina, o que dificulta a atividade de organismos decompositores. Desta forma, o acúmulo de serapilheira sobre a superfície do solo lhe confere elevado risco de fogo (LORO e HIRAMATSU, 2004 LORO, L. V..; HIRAMATSU, N. A.. Comportamento do fogo, em condições de laboratório, em combustíveis provenientes de um povoamento de Pinus elliottii L. Floresta, Curitiba, v. 34, n. 2, p. 127-130, mai./ago. 2004.).

De acordo com Pippi et al. (2000) PIPPI, M. C..; KRIEGER, J. M..; HOPPE, J. M.. Quantificação do material combustível na serapilheira e vegetação de sub-bosque e inventário florestal de uma floresta de Pinus elliottii aos 9 anos. In: CONGRESSO FLORESTAL ESTADUAL DE NOVA PRATA, 8., 2000. Nova Prata. Anais... Nova Prata, 2000., incêndios florestais ocorrem em todo o mundo, onde extensas áreas de florestas são atingidas pelo fogo devido à irresponsabilidade humana, e por vezes, pela ação da própria natureza, podendo causar impactos irreparáveis aos ecossistemas e prejuízos para as populações de espécies da fauna e da flora locais. Nesse sentido, para punir quem provoca incêndio criminoso em mata ou floresta, a legislação brasileira prevê no Art. 41 da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, pena de reclusão de dois a quatro anos, e multa (BRASIL, 1998BRASIL. Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 fev. 1998.).

O fogo é um distúrbio que pode afetar a riqueza das comunidades bióticas através de efeitos diretos ou indiretos. Os efeitos diretos são: mortes, queimaduras e intoxicações. Já os indiretos tendem a ser mais amplos, tardios e diversos, sendo as alterações ocasionadas na estrutura das comunidades animais, provenientes de modificações que ocorrem na paisagem (FRIZZO et al., 2011FRIZZO, T. L. M. et al. Revisão dos efeitos do fogo sobre a fauna de formações savânicas do Brasil. Oecologia Australis, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 365-379, 2011.).

Desta forma, segundo Araújo e Ribeiro (2005) ARAÚJO, E. A.; RIBEIRO, G. A. Impactos do fogo sobre a entomofauna do solo em ecossistemas florestais. Natureza & Desenvolvimento, Viçosa, v. 1, n. 1, p. 75-85, 2005., a ação do fogo causa impactos à fauna do solo, e tais alterações irão depender do tipo e da intensidade do fogo, bem como das variáveis ambientais e da adaptação dos organismos. Isso pode resultar na redução ou no aumento da abundância e sucessão ecológica desses animais.

A fauna edáfica presente na serapilheira responde às perturbações do ambiente, pelo fato de apresentar uma codependência dos processos que ocorrem no sistema serapilheira-solo (CORREIA e PINHEIRO, 1999CORREIA, M. E. F.; PINHEIRO, L. B. A. Monitoramento da fauna de solo sob diferentes coberturas vegetais em um sistema integrado de produção agrícola, Seropédica (RJ). Seropédica: EMBRAPA Agrobiologia, 1999, 15 p. (Embrapa-CNPAB. Circular técnica, 3).). Nesse sentido, o fogo pode causar um impacto imediato, através da mortalidade direta; em longo prazo, os artrópodes que habitam o solo respondem aos seus efeitos em função da alteração dos processos ecológicos fundamentais, tais como a ciclagem de nutrientes e a produção primária (MILLER et al., 1955 MILLER, R. B.; STOUT, J. B..; LEE, K. E.. Biological and chemical changes following scrub burning on a New Zealand hill soil. New Zealand Journal of Science Technology, New Zealand, v. 37, p. 290-313, 1955.).

Devido a esta sensibilidade, as modificações do meio onde vive a fauna edáfica, ou determinados grupos que dela fazem partes, vêm sendo utilizados como biodindicadores das alterações causadas pelo fogo em diversos ecossistemas (OLIVEIRA e FRANKLIN, 1993 OLIVEIRA, E. P..; FRANKLIN, E.. Efeito do fogo sobre a mesofauna do solo: Recomendações em áreas queimadas. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 28, n. 3, p. 357-369, mar. 1993.; NUNES et al., 2009 NUNES, L. A. P. L..; ARAÚJO FILHO, J. A..; MENEZES, R. I. Q.. Diversidade da fauna edáfica em solos submetidos a diferentes sistemas de manejo no semi-árido nordestino. Scientia Agraria, Curitiba, v. 10, n. 1, p. 43-49, 2009.; VASCONCELOS et al., 2009VASCONCELOS, H. L. et al. Dynamics of the Leaf-Litter Arthropod fauna following fire in a Neotropical Woodland Savanna. PLoS ONE, United Kingdom, v. 4, n. 11, p.1-9, nov. 2009.).

As formigas são tidas como potenciais indicadores da qualidade ambiental, por apresentarem muitas características esperadas dos bioindicadores, como: abundância local alta, alta riqueza local e global, possuírem muitos táxons especializados, facilidade nas amostragens e separação em morfoespécies, assim como por serem organismos sensíveis às mudanças do ambiente (MAJER, 1983MAJER, J. D. Ants: Bio-indicators of minesite rehabilitation, land-use, and land conservation. Environmental Management, New York, v. 7, n. 4, p. 375-383, 1983.). Desse modo, estudos da biodiversidade e dinâmica, desenvolvidos com esse grupo em ambientes alterados permitem o entendimento das perturbações ambientais ocorridas (MAJER, 1996MAJER, J. D. Ant recolonization of rehabilitated bauxite mines at Trombetas, Pará, Brazil. Journal of Tropical Ecology, Winchelsea, v. 12, p. 257-273, 1996.; RIBAS et al., 2012RIBAS, C. R. et al. Ants as indicators in Brazil: A review with suggestions to improve the use of ants in environmental monitoring programs. Psyche, p. 1-23, 2012.). Por este motivo, o grupo das formigas tem sido utilizado, em vários estudos como indicador dos efeitos decorrentes do fogo (COELHO et al., 2007 COELHO, I. R.; COUTO-SANTOS, F. R; KRETTLI, L. G. Efeito do fogo sobre os padrões de co-ocorrência de formigas na Serra do Cipó, Brasil. In: CONGRESSO DE ECOLOGIA DO BRASIL, 8., 2007, Caxambu. Anais... Caxambu, 2007. p. 1-2.; FRIZZO et al., 2007 FRIZZO, T. L. M.; CAMPOS, R. I.; VASCONCELOS, H. L. Efeito do fogo sobre a riqueza e abundância de formigas em área de Cerrado no Brasil Central. Biológico, São Paulo, v. 69, Suplemento 2, p. 275-278, 2007.; LOPES et al., 2007LOPES, C. T. et al. Efeitos do fogo e da sazonalidade sobre formigas em três espécies arbóreas do Cerrado do Brasil Central. Biológico, São Paulo, v. 69, Suplemento 2, p. xx-xx, 2007.; SANTOS et al., 2008 SANTOS, J. C..; DELABIE, J. H. C..; FERNANDES, G. W.. A 15-year post evaluation of the fire effects on ant community in an area of Amazonian forest. Revista Brasileira de Entomologia, Curitiba, v. 52, n. 1, p. 82-87, mar. 2008.).

Os incêndios florestais podem ser facilmente mensuráveis economicamente, quando atingem a produção florestal ou agrícola e, imensuráveis, nesse sentido, quando se tratam dos impactos causados pelo fogo sobre a biodiversidade animal e vegetal associada a tais culturas. Restando para esses últimos, estudos que indiquem os efeitos sobre o comportamento das espécies. Assim, o presente estudo objetivou avaliar o efeito do fogo sobre a fauna de formigas associada a um plantio de Pinus elliottii na região central do Rio Grande do Sul, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

Caracterização e localização da área de estudo

O estudo foi conduzido no município de Santa Maria, localizado na região fisiográfica da Depressão Central do Estado do Rio Grande do Sul. Possui clima temperado chuvoso e quente que se enquadra na categoria "Cfa" na classificação de Köppen. As precipitações são regulares ao longo do ano, com índices pluviométricos anuais de 1500 a 1750 mm (PEREIRA et al., 1989PEREIRA, P. R. B. et al. Contribuição à geografia física do município de Santa Maria: unidades de paisagem. Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 3, p. 37-68, 1989.). Apresenta temperatura média do mês mais quente superior a 22°C, e a temperatura do mês mais frio entre -3°C e 18°C (MORENO, 1961MORENO, J. A. Clima do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Agricultura, 1962. 42 p.).

O experimento foi instalado em uma área experimental de um hectare, plantada com Pinus elliottii, em espaçamento de 2 m x 2 m, implantado no ano de 1981 (PES et al., 1995PES, L. et al. Comportamento da erva-mate (Ilex paraguariensis St.Hil.) em consórcio silvicultural. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 5, n. 1, p. 19-32, 1995.). Nessa área (29°42'S 53°42'O, altitude aproximadamente 95 m) ocorreu um incêndio, sem causa conhecida, ao final de novembro de 2008. A área encontra-se inserida ao Campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e pertence ao Departamento de Ciências Florestais.

O fogo durou por um dia, consumindo a serapilheira existente na área. As chamas não atingiram os galhos nem a copa das árvores. Verificaram-se marcas de carbonização nas cascas das árvores de Pinus elliottii, até um metro de altura a partir do nível do solo. Troncos e galhos mais grossos (com diâmetros superiores a 10 cm) de árvores, que se encontravam caídos sob o plantio, também foram acometidos pela ação do fogo, porém, verificou-se carbonização somente da casca.

Amostragem da mirmecofauna

Para amostragem da fauna de formigas, foi escolhido o método por interceptação de insetos perambulantes (fauna epigeica), utilizando-se armadilhas de solo, adotadas, pela simplicidade, baixo custo, e por possuir ação uniforme no ambiente, amostrando tanto espécies diurnas quanto noturnas (MAJER, 1997MAJER, J. D. The use of pitfall traps for sampling ants - a critique. Memoirs of Museum Victoria, Melbourne, v. 56, n. 2, p. 323-329, 1997.). Assim, instalaram-se armadilhas de tipo pitfall, adaptadas do modelo sugerido por Almeida et al. (2003), compostas por um recipiente plástico de 10 cm de altura, área de captura de 78,5 cm2 e capacidade para 500 mL. Como conservante, utilizou-se uma solução heterogênea formada por 200 mL de água, cinco gotas de detergente líquido e 10 gramas de cloreto de sódio. As armadilhas foram enterradas no solo de maneira que ficassem com a borda ao nível da serapilheira. Como proteção contra a chuva, e queda de acículas e sementes, utilizou-se um prato plástico, do tipo descartável, de 176,7 cm2 fixado ao solo com três ganchos de arame, a aproximadamente 10 cm acima da serapilheira.

As armadilhas foram posicionadas no interior do povoamento, de maneira a minimizar um possível efeito de borda, sendo dispostas 10 armadilhas em transecto linear simples, a intervalos de 10 metros. Essa metodologia é sugerida por Sarmiento-M (2003) SARMIENTO-M, C. E. Metodologías de captura y estudio de las hormigas. In: FERNÁNDEZ, F. (Ed.). Introducción a las hormigas de la región Neotropical. Bogotá: Acta Nocturna, 2003. p. 201-210. com a finalidade de padronizar os levantamentos realizados com a família Formicidae, a fim de que se possam comparar diferentes estudos, uma vez que, segundo o mesmo autor, não existiriam variações na composição de formigas em distâncias de até 100 metros, dentro de uma área de floresta.

As séries de coletas foram realizadas mensalmente, no período de 16 de dezembro de 2008 a 20 de novembro de 2009, totalizando 12 ao final do período de um ano de amostragem. As armadilhas permaneceram expostas por um período de 48 horas (SARMIENTO-M, 2003SARMIENTO-M, C. E. Metodologías de captura y estudio de las hormigas. In: FERNÁNDEZ, F. (Ed.). Introducción a las hormigas de la región Neotropical. Bogotá: Acta Nocturna, 2003. p. 201-210.), sendo que, ao final deste período, o material coletado foi acondicionado em potes plásticos, devidamente rotulados, e em seguida levado ao Laboratório de Entomologia Florestal do Centro de Ciências Rurais da UFSM. Em laboratório procedeu-se à triagem do material, separando as formigas em nível de gênero, a partir da chave dicotômica de Bolton (1994) e em morfoespécies. Em seguida, espécimes foram enviados ao Laboratório de Mirmecologia do Centro de Pesquisas do Cacau, Ilhéus, Bahia, para identificação.

Análise dos parâmetros ecológicos

A partir dos dados levantados, realizou-se uma análise dos parâmetros ecológicos de frequência de ocorrência e riqueza de espécies de formigas, bem como uma avaliação da flutuação populacional das espécies mais representativas.

Para evitar a superestimativa, devido ao efeito do tamanho das colônias, os dados de abundância foram calculados com base na frequência de ocorrência das espécies nas arma-dilhas e não quanto ao número de indivíduos coletados (ROMERO e JAFFÉ, 1989 ROMERO, H..; JAFFÉ, K.. A comparison of methods for sampling ants (Hymenoptera, Formicidae) in savannas . Biotropica, Kansas, v. 21, n. 4, p. 348-352, 1989.; LONGINO, 2000 LONGINO, J. T. What to do with the data. In: AGOSTI, D.; MAJER, J. D.; ALONSO, L. E.; SCHULTZ, T. R. (Ed). Ants: Standard Methods for Measuring and Monitoring Biodiversity. Washington, London: Smithsonian Institution Press, 2000. p.186-203.). Nesse sentido, a frequência de ocorrência absoluta constituiu-se do número de armadilhas em que foi encontrada determinada espécie, enquanto que a frequência de ocorrência relativa é calculada com base na frequência absoluta, utilizando-se a equação % = N/n * 100, em que % = frequência de ocorrência relativa, N = frequência de ocorrência absoluta, e n = corresponde ao número de armadilhas de solo utilizadas ao longo do estudo, neste caso 120.

A riqueza (S) consiste em uma medida ou contagem do número de espécies encontrado em determinada área (RICKLEFS, 1996RICKLEFS, R. E. A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. 470 p.). Para estimar a riqueza de espécies presentes na área em estudo foi utilizado o índice de Jackknife 1ª Ordem, que, segundo Palmer (1990), é um dos índices não paramétricos mais precisos para estimar a riqueza de uma comunidade. Este foi calculado com o auxílio do programa EstimateS versão 7.5.2 (COLWELL, 2009COLWELL, R. K. EstimateS: estatistical estimation of species richness and shared species from samples. Version 7.5.2. 2009. Disponível em: < http://viceroy.eeb.uconn.edu/estimates>. Acesso em: 23 nov. 2011.
http://viceroy.eeb.uconn.edu/estimates...
), levando-se em consideração cada data de coleta como uma amostra, totalizando, assim, 12 amostras. Ainda, com base nas frequências de ocorrência nas armadilhas de solo observou-se a flutuação populacional das espécies mais abundantes em cada subfamília, expressa na forma gráfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos levantamentos foram identificadas 25 espécies de formigas distribuídas em onze gêneros, oito tribos e quatro subfamílias (Tabela 1).

O índice de Jackknife de 1ª Ordem estimou em 29,58 o número de espécies que seriam capturadas nas armadilhas de solo se a amostragem fosse continuada infinitamente; portanto, obteve-se, com base nesta metodologia de amostragem, cerca 84% da comunidade total estimada (Figura 1).

Figura 1
Curva cumulativa de riqueza de espécies de formigas observadas (Sobs) e estimadas (Sest) capturadas em armadilhas de solo associadas à Pinus elliottii após incêndio em Santa Maria - RS, Brasil (2008/2009). Método não paramétrico Jackknife de 1ª Ordem empregando-se 100 aleatorizações (EstimateS v. 7.5.2).

Em uma área da floresta amazônica, após 15 anos de incidência de fogo, Santos et al. (2008) verificaram uma configuração similar quanto ao número de subfamílias encontradas (seis): Myrmicinae (S = 56), Formicinae (S = 1), Dolichoderinae (S = 9), Ectatomminae (S = 5), Ponerinae (S = 4), e Paraponerinae (S = 1). No presente estudo, não ocorreram Ectatomminae, Paraponerinae e Dolichoderinae, e sim Pseudomyrmecinae.

Nos mais diversos ecossistemas, assim como ocorreu no presente estudo, Myrmicinae constitui-se como a maior e mais diversa subfamília de Formicidae, tanto na escala regional ou global (HÖLLDOBLER e WILSON, 1990HÖLLDOBLER, B.; WILSON, E. O. The ants. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1990. 732 p.). Crematogaster victima (Myrmicinae) foi encontrada nas amostragens em uma única amostra da última serie no mês de novembro de 2009, ou seja, um ano após a ocorrência do incêndio. Este fato pode estar ligado ao efeito negativo indireto do fogo, através da destruição de abrigo, da alimentação, e da consequente exposição de Crematogaster victima à ação de predadores. Porém, sugerem-se estudos nesse sentido, em trabalhos futuros.

Em contrapartida, Acromyrmex crassispinus, apresentou-se como a mais abundante entre as Myrmicinae, com ocorrência de 35,8 % (Tabela 1). Esta espécie, conhecida popularmente como "formiga-de-cisco" é comumente encontrada na Região Sul do Brasil ((RANDO e FORTI, 2005RANDO, J. S. S..; FORTI, L. C.. Ocorrência de formigas Acromyrmex Mayr, 1865, em alguns municípios do Brasil. Acta Scientiarum Biological Sciences, Maringá, v.27, n. 2, p.129-133, abr./jun. 2005.). Alguns estudos mostram que espécies de Acromyrmex, incluindo Acromyrmex crassispinus, causam danos significativos em plantas jovens de espécies pertencentes ao gênero Pinus com dois a três meses de idade ((LINK et al., 2001 LINK, D.; LINK, F. M.; OLIVEIRA, A. A. de. Potencia de dano da formiga preta, Acromyrmex crassispinus, em mudas de eucalipto e de pinus. In: SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO SOBRE MANEJO FLORESTAL, 2., 2001, Santa Maria. Anais... Santa Maia: UFSM, 2001. p. 671-676.). Este fato pode explicar a flutuação populacional verificada para Acromyrmex crassispinus (Figura 2), uma vez que, dois meses após a ocorrência do incêndio, observou-se intensa brotação de sementes de Pinus elliottii no sub-bosque do povoamento, provocada possivelmente, pela quebra de dormência das sementes pela ação do fogo e remoção da camada de serapilheira que permitiu a fixação da radícula da semente germinada ao solo mineral, o que resultou, em um "tapete" de plântulas (Figura 3), aumentando assim, a disponibilidade de recursos para esta espécie que cultiva um fungo simbiótico com esse substrato. Nesse sentido, o fogo apresentou um efeito positivo indireto sobre Acromyrmex crassispinus.

Figura 2
Flutuação populacional de quatro espécies, representantes das subfamílias de Formicidae (Hymenoptera) associadas a um povoamento, pósincêndio, de Pinus elliottii, em Santa Maria - RS, Brasil (2008/2009).

Figura 3
"Tapete" de plântulas no sub-bosque de Pinus elliottii, em janeiro de 2009, dois meses após incêndio, Santa Maria - RS, Brasil.

Na subfamília Formicinae predominaram espécies do gênero Camponotus, tendo sido encontradas sete no total (Tabela 1). De acordo com Wilson (1976), espécies deste gênero, juntamente com as de Crematogaster e Pheidole, apresentam-se como as mais abundantes e frequentes do mundo. Por sua vez, Camponotus blandus apresentou maior frequência de ocorrência dentro da subfamília Formicinae, sendo encontrada em 25,0 % das amostras. Esta espécie é onívora e generalista, constitui-se como insaciável predadora de cupim e, possui ação predatória agressiva, invadindo as galerias de enxameagem dos termiteiros, apresentando forte redução populacional quando os cupins encontram-se numa fase crítica do ciclo de vida (SANTOS e RESENDE, 1996 SANTOS, G. M. de M..; RESENDE, J. J.. Predação de Syntermes molestus (Burmeister, 1839) (Isoptera-Termitidae) por Camponotus blandus (Fr. Smith, 1858) (Hymenoptera-Formicidae) em Feira de Santana-Ba. Sitientibus, Feira de Santana, n. 15, p. 175-182, 1996.). Este fato pode explicar o aumento de Camponotus blandus após o incêndio, uma vez que, alguns troncos de árvores encontravam-se caídos e com a ação do fogo, as possíveis colônias de cupins teriam ficado expostas. Ressalta-se, no entanto, que não se levantou a presença desses insetos na área.

A subfamília Ponerinae é considerada o grupo de formigas mais primitivo, tanto por aspectos morfológicos como comportamentais. Conforme se observa na Tabela 1, Ponerinae apresentou neste estudo três espécies: Odontomachus chelifer, Pachycondyla harpax e Pachycondyla striata. A última citada é a mais abundante (35,8%). Segundo Lattke (2003) LATTKE, J. E. Subfamilia Ponerinae. In: FERNÁNDEZ, F. (Ed.). Introducción a las hormigas de la región Neotropical. Bogotá: Acta Nocturna, 2003. p. 261-276., espécies do gênero Pachycondyla (Tribo Ponerini) possuem distribuição pantropical e peritropical, sendo comumente encontradas em florestas úmidas onde predam sobre ou dentro do solo, ou na vegetação, porém, também habitam florestas secas e de galeria em savanas. Todas as espécies do gênero são predadoras, sendo algumas especialistas e outras generalistas, incluindo espécies mirmecocóricas (PETERNELLI et al., 2004 PETERNELLI, E. F. de O..; DELLA LUCIA, T. M. C..; MARTINS, S. V.. Espécies de formigas que interagem com as sementes de Mabea fistulifera Mart. (EUPHORBIACEAE). Revista Árvore, Viçosa, v. 28, n. 5, p. 733-738, set./out. 2004.).

Conforme pode ser observado na Figura 2, Pachycondyla striata manteve a segunda maior frequência de ocorrência, após Pseudomyrmex termitarius. Essa intensa atividade verificada por Pachycondyla striata, nos meses subsequentes aos da ocorrência do fogo, pode ser entendida, pelo comportamento alimentar detritívoro desta espécie, tendo em vista a quantidade de alimento ofertada após a ação do fogo, através de carcaças, e a falta de abrigo para os demais organismos favorecendo sua atividade de predação, e também porque no verão as populações estão mais resistentes e há mais operárias disponíveis para forragear. Segundo Gianotti e Machado (1994) GIANOTTI, E.; MACHADO, V. L. L. Notes on the foraging of two species of ponerine ants: food resources and daily hunting activities (Hymenoptera, Formicidae). Bioikos, Campinas, v. 6, n. (1/2), p. 7-17, jan./dez. 1994., Pachycondyla striata possui hábito generalista, coletando especialmente carcaças de insetos e predando cupins, formas jovens de artrópodes e minhocas. Medeiros (1997) MEDEIROS, F. N. da S. Ecologia comportamental da formiga Pachycondyla striata Fr. Smith (Formicidae: Ponerinae) em uma floresta do Sudeste do Brasil. 1997. 70 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. verificou 132 itens na constituição da dieta das colônias de Pachycondyla striata, destes, 32,8% constituíram-se de formigas adultas e suas formas imaturas (ovos, larvas e pupas), sendo que das formigas adultas consumidas, apenas 7,0% estavam vivas.

Já Pseudomyrmecinae apesar de representada somente pela espécie Pseudomyrmex termitarius, esta, dentre todas as espécies coletadas, apresentou a maior frequência de ocorrência, com 46,7 % (Tabela 1). Espécies desse grupo, geralmente têm comportamento onívoro e não patrulham em grandes grupos (SILVESTRE e SILVA, 2001SILVESTRE, R. Estrutura de comunidades de formigas do Cerrado. 2000. 216 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2000.). Segundo Silveste (2000), Pseudomyrmex termitarius nidifica em troncos caídos ou em cupinzeiros, o que pode explicar a alta frequência de ocorrência encontrada para esta espécie ao longo do ano de avaliação, já que seus locais de nidificação encontram-se protegidos da ação do fogo.

A partir da análise do gráfico de flutuação (Figura 2), percebe-se que as quatro espécies apresentaram uma maior frequência após a ocorrência do incêndio. Este fato parece estar relacionado aos efeitos indiretos do fogo, tanto positivos quanto negativos, sobre os hábitos alimentares e comportamentais das espécies de formigas.

O efeito do fogo sobre as espécies formigas depende da intensidade e comportamento do incêndio. Segundo York (1994) YORK, A. The long-term effects of fire on Forest ant communities: managenent implications for the conservation of diversity. Memoirs of the Queensland Museum, Queensland, v. 36, p. 231-239, 1994., a riqueza de espécies de formigas tende a aumentar após a incidência do fogo, no entanto, também tende a diminuir com a perda desses efeitos sobre a fauna de formigas. No Cerrado brasileiro, uma diminuição da riqueza de formigas foi observada, devido, possivelmente, à eliminação de colônias e à escassez de alimento pela diminuição de recursos alimentares disponíveis nas plantas (LOPES et al., 2007LOPES, C. T. et al. Efeitos do fogo e da sazonalidade sobre formigas em três espécies arbóreas do Cerrado do Brasil Central. Biológico, São Paulo, v. 69, Suplemento 2, p. xx-xx, 2007.). Outras variáveis também devem ser levadas em consideração, para Hölldobler e Wilson (1990) HÖLLDOBLER, B.; WILSON, E. O. The ants. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1990. 732 p., tanto a variação sazonal quanto a complexidade do ambiente são fatores predominantes nas mudanças diárias e mensais do horário de atividade de forrageamento das formigas.

O método utilizado, também interfere no resultado, no presente estudo, as armadilhas de solo tipo pitfall coletaram principalmente espécies com maior mobilidade no ambiente, sendo assim, em um ambiente mais frio, haveria a diminuição da riqueza observada de espécies de formigas (VARGAS et al., 2007VARGAS, A. B. et al. Efeitos de Fatores Ambientais sobre a Mirmecofauna em Comunidade de Restinga no Rio de Janeiro, RJ. Neotropical Entomology, Londrina, v. 36, n. 1, p. 28-37, jan./fev. 2007.). Este fato pode explicar a menor riqueza de espécies encontradas nos meses frios de inverno, período de junho a setembro (Figura 4).

Figura 4
Riqueza observada de espécies de Formicidae (Hymenoptera) associadas a um povoamento, pós-incêndio, de Pinus elliottii, em Santa Maria - RS, Brasil (2008/2009).

Com base nas discussões propostas acerca dos resultados do levantamento e da análise comportamental das espécies encontradas neste trabalho, pode-se inferir que houve uma alteração na riqueza de espécies de formigas epigeicas após a ocorrência do fogo, principalmente, pela maior oferta imediata de alimentos para Pachycondyla striata e Acromyrmex crassispinus. Ressalta-se que, para avaliar os efeitos em longo prazo, é necessário revisitar o local e realizar novos estudos.

CONCLUSÕES

O fogo é um agente de distúrbio ambiental por vezes significativo, causando efeitos positivos e negativos sobre a fauna edáfica. Sua ação pode ter gerado efeito indireto negativo sobre Crematogaster victima e positivo sobre Pseudomyrmex termitarius, Acromyrmex crassispinus, Pachycondyla striata e Camponotus blandus presentes no sub-bosque de Pinus elliottii, pós-incêndio. Para um melhor entendimento sobre os possíveis impactos do fogo sobre essas espécies, sugerem-se estudos futuros em áreas acometidas por incêndios.

AGRADECIMENTOS

Ao Departamento de Defesa Fitossanitária da Universidade Federal de Santa Maria pelo apoio na realização do trabalho, disponibilizando espaço físico, materiais e produtos utilizados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2012
  • Aceito
    24 Abr 2013
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