RESUMO
A fragmentação florestal é um processo em que áreas contínuas de vegetação natural são subdivididas em manchas de tamanhos diversos, originado por atividades antrópicas ou causas naturais associadas a mudanças ambientais e eventos de grande magnitude. O presente trabalho tem por objetivo caracterizar e analisar a dinâmica da fragmentação florestal e a vulnerabilidade das manchas de distúrbios resultantes de deslizamentos ocasionados por chuvas intensas na região serrana do estado do Rio de Janeiro em 2011. Para tanto foi realizada uma avaliação do padrão espacial das manchas antes e após os eventos por meio de índices métricos de paisagem, estimados a partir de mapas de cobertura da terra e das cicatrizes dos deslizamentos, produzidos através da análise de imagens orbitais. Houve uma redução de 6% da área de floresta e um acréscimo de 107% no número de fragmentos, principalmente de pequenos. Ocorreu uma perda de 17% da área nuclear, um acréscimo de 43% do número de núcleos e de 28% da densidade de borda. A distância média do fragmento mais próximo diminuiu 46%, em virtude da forma das cicatrizes, alongadas e estreitas. Os resultados mostram que os deslizamentos ocasionaram uma intensificação do processo histórico de fragmentação florestal, promovendo um aumento da vulnerabilidade e instabilidade ecológica dos remanescentes florestais, evidenciando como eventos naturais de grande magnitude podem alterar rapidamente a paisagem.
Palavras-chave: dinâmica da paisagem florestal; eventos naturais extremos; índices métricos da paisagem
ABSTRACT
Forest fragmentation is a process in which continuous natural vegetation areas are divided into patches of different sizes, originated by human activities or natural causes associated with environmental changes and high magnitude events. This work aims to characterize and to analyze the dynamics of forest fragmentation and the vulnerability of disturbance patches resulting from landslides, originated by heavy rainfall events that occurred in the mountain ranges of Rio de Janeiro state in the year 2011. The fragmentation pattern before and after the events was evaluated by the use of landscape metric indexes, extracted from land cover and landslide scars maps made by the analysis of satellite images. The indexes show a 6% reduction of the forest area and an increase of 107% in the number of forest patches, especially of small ones. A loss of 17% of forest core area and an increase of 43% in the number of forest cores and of 28% of edge density has occurred. The distance from the nearest neighbor decreased 46% due to the narrow and elongated shape of landslide scars. The overall results show that the rainfall events have caused an intensification of the historical process of forest fragmentation, promoting an increase of the ecological vulnerability and instability of the forest remnants, highlighting how high magnitude natural events can cause rapid landscape changes.
Keywords: forest landscape dynamics; extreme natural events; landscape metric indexes
INTRODUÇÃO
A fragmentação florestal é um processo no qual áreas contínuas de vegetação natural são subdivididas em manchas (i.e., fragmentos) de tamanhos diversos, ocasionando simultaneamente a perda de habitat e mudanças nos padrões de configuração espacial da cobertura vegetal (FAHRIG, 2003; FERRAZ, 2013). Pode ser originada por atividades antrópicas ou causas naturais. A ação antrópica é considerada como o principal fator na intensificação do processo de fragmentação, principalmente em função do crescimento acelerado da população, acompanhado do desmatamento e das mudanças no uso do solo, decorrentes da expansão urbana e agrícola (LINDENMAYER; NIX, 1993). Mudanças ambientais, como as flutuações climáticas ocorridas durante o período Quaternário, que provocaram a descontinuidade do habitat (CONSTANTINO et al., 2003), e eventos de grande magnitude, tais como queimadas, deslizamentos e outras catástrofes, também podem alterar a paisagem, originando manchas de distúrbios (FORMAN; GODRON, 1986).
As modificações na paisagem produzidas pela fragmentação florestal afetam a estrutura e a dinâmica dos ecossistemas (FORMAN; GODRON, 1986; FORMAN, 1995). Os principais impactos estão relacionados ao tamanho e forma dos fragmentos remanescentes, e à distância entre eles (SAUNDERS; HOBBS; MARGULES 1991). O tamanho e a distância são fatores que se relacionam diretamente com a biodiversidade, ou seja, fragmentos menores e mais isolados tendem a apresentar índices menores de diversidade (TURNER; CORLETT, 1996; TABARELLI; SILVA; GASCON, 2004). A forma está associada ao efeito de borda, relacionado a mudanças nos parâmetros físicos, químicos e biológicos observadas no limite dos fragmentos com a matriz circundante, e que tendem a se reduzir gradualmente na direção do seu interior, afetando a composição, estrutura e funcionamento do ecossistema florestal em função da maior ou menor tolerância ambiental das espécies (MURCIA, 1995; HARPER et al., 2005; RIGUEIRA et al., 2012; MAGNAGO et al., 2014).
A análise quantitativa da configuração espacial na paisagem e de sua dinâmica visa identificar os processos geradores da fragmentação e compreender os seus efeitos em processos ecológicos (TURNER; GARDNER; O’NEILL, 2001; FAHRIG, 2003). Para tanto foram desenvolvidos índices ou métricas da paisagem, que auxiliam na avaliação do estado da fragmentação de ambientes naturais ou alterados através da quantificação dos padrões espaciais dos fragmentos e de outros tipos de uso e cobertura da terra (LANG; BLASCHKE, 2009), e que podem ser relacionados a processos naturais ou antrópicos, ou à variação de parâmetros em nível de população, comunidade ou ecossistema (TURNER; GARDNER; O’NEILL, 2001).
Em áreas montanhosas úmidas, como a Serra do Mar, que se estende pelas regiões Sul-Sudeste do país, um dos distúrbios mais frequentes são os deslizamentos ou movimentos de massa, de magnitude variável, caracterizados pelo desprendimento e transporte de material rochoso, detritos e solos ao longo de encostas sob a ação da gravidade (CHRISTOFOLETTI, 1980). Neste trabalho adotou-se o termo deslizamento para designar os movimentos de massa rápidos e de elevada magnitude (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008).
Há uma série de classificações dos movimentos de massa, associadas a mecanismos específicos de transporte na encosta e a propriedades e características do tipo de movimento (GUIDICINI; NIEBLE, 1984; INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS, 1991; AUGUSTO FILHO, 1992). No entanto, de modo geral podem ser desencadeados por eventos naturais, como terremotos e chuvas intensas, associados à geologia e topografia (FERNANDES, 2004; NERY; VIEIRA, 2015), e serem intensificados por fatores antrópicos, tais como desmatamento, compactação de solos, abertura de estradas, urbanização e incêndios (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008). Embora as características geomorfológicas dos deslizamentos e sua gestão como desastres físicos sejam relativamente bem estudadas, as consequências sobre a estrutura e funcionalidade dos ecossistemas em diferentes escalas espaciais e temporais ainda são pouco conhecidas (WALKER; SHIELS, 2013).
Nos dias 11 e 12 de janeiro de 2011, a região serrana do estado do Rio de Janeiro foi atingida por chuvas intensas que alcançaram índices entre 130 mm a 250 mm em 24 horas, desencadeando um desastre natural de grandes proporções (CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS, 2012; INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE, 2011). O volume pluviométrico associado às características fisiográficas e aos padrões de urbanização e uso do solo locais provocaram a ocorrência de deslizamentos e inundações (PINTOI; FREITAS, 2012), ocasionando mais de 900 mortes, além de cerca de 600 desaparecidos e de 26 mil desalojados ou desabrigados em diversas cidades e comunidades rurais (SHAFFER et al., 2011). Esses eventos geraram inúmeras cicatrizes que redesenharam a paisagem local, afetando diretamente a configuração da cobertura vegetal. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo caracterizar e analisar a dinâmica da fragmentação florestal e da vulnerabilidade das manchas de distúrbios antes e após os deslizamentos de 2011, em um setor da região serrana localizado no município de Nova Friburgo fortemente atingido pelos eventos.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
A área de estudo, com 34,5 mil ha, compreende cerca de 35% do município de Nova Friburgo e corresponde à área mais atingida pelas fortes chuvas de 2011 (Figura 1). Pertencente à unidade geomorfológica Planalto Reverso da Região Serrana, é caracterizada pelo relevo montanhoso a escarpado, com altitude variando entre 900 e 1.700 m (DANTAS, 2011). O substrato rochoso é constituído por rochas intrusivas e metamórficas Pré-Cambrianas, que afloram extensamente em grande parte da área, sendo em sua maioria afloramentos compostos de granitos com formação de “pães de açúcar” ou monadknocks (AB’SABER, 1992). Nos alvéolos de relevo suave estão situados os sítios urbanos e as atividades agrícolas. Devido ao gradiente elevado do relevo montanhoso dominante, associado à expansão urbana e das atividades econômicas, como o turismo e a hortifruticultura, a área apresenta um alto potencial de vulnerabilidade a eventos de movimentos de massa e erosão (DANTAS, 2011). A orografia da região influencia também na variabilidade climática, com predomínio de clima subquente, com temperaturas médias que variam entre 13,8ºC e 24,3ºC (NIMER, 1989) e elevados índices pluviométricos, que atingem um total anual próximo a 2.500 mm nas áreas mais altas, diminuindo progressivamente para o norte até alcançar 1.300 mm (CANEDO; EHRLICH; LACERDA, 2011). Os terrenos íngremes, elevados e consequentemente pouco acessíveis facilitaram a manutenção da cobertura florestal em cerca de 60% do município (FRANCISCO; ALMEIDA, 2012), incluindo florestas secundárias em diferentes estágios de sucessão, sujeitas à exploração seletiva ou regeneradas após o abandono de áreas agrícolas e pastagens devido à baixa fertilidade dos solos, erosão, alta umidade, diminuição da população rural, mudanças na legislação e fiscalização ambiental, e à criação de unidades de conservação (CASTRO, 2015; REZENDE et al., 2015). A área pertence ao Bioma Mata Atlântica e tem como formação vegetal dominante a Floresta Ombrófila Densa Montana (VELOSO; RANGEL FILHO; LIMA, 1991), sendo considerada como de alta prioridade para a conservação de espécies vegetais e animais (GUEDES-BRUNI; LIMA, 1997; ROCHA et al., 2009).
Localização da área de estudo, município de Nova Friburgo - RJ.
FIGURE 1:
Location of the study area, municipality of Nova Friburgo, RJ state.
Mapeamento e Análise
A avaliação do padrão espacial das manchas antes e após os eventos de 2011 foi realizada com base na utilização dos índices métricos de paisagem. Para o cálculo das métricas foi utilizado o mapeamento de cobertura da terra de Nova Friburgo, elaborado por Francisco e Almeida (2012) a partir da análise de imagens baseada em objetos (Geographic Object-Based Image Analysis), utilizando imagens orbitais ALOS/ AVNIR-2 obtidas em 2009. Este sensor possui quatro bandas espectrais (três da faixa do visível e uma do infravermelho próximo), com resolução espacial de 10 m, que foram fusionadas à banda pancromática do sensor ALOS/PRISM, com resolução espacial de 2,5 m. Posteriormente, a classificação passou por uma revisão, realizada por Garcia e Francisco (2013), com base na interpretação visual das imagens ALOS, de ortofotos coloridas do projeto RJ-25 IBGE de 2005, com resolução espacial de 1 m e escala aproximada de 1:30.000, e em trabalhos de campo.
O mapeamento das cicatrizes dos movimentos de massa, fornecido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, foi feito por interpretação visual de imagens orbitais GeoEye obtidas em 20/01/2011, com resolução espacial de 50 cm no modo pancromático, e 2 m no multiespectral. Foram mapeadas 2.211 cicatrizes, cada uma representando um único evento ou vários que se uniram e formaram um complexo de cicatrizes, somando uma área total de 1,4 mil ha. A extensão das cicatrizes varia de 0,002 a 24,5 ha (média de 0,66 ha).
Para a geração do mapa dos fragmentos florestais após os eventos, foi realizado o cruzamento entre os mapas de cobertura da terra de 2009 e das cicatrizes, através do programa ArcGis 9.3. Posteriormente, os mapas vetoriais da cobertura vegetal antes e após o episódio das chuvas foram convertidos para raster (formato GRID) com resolução espacial de 10 m. Para conferência dos resultados obtidos, foi realizado trabalho de campo em janeiro de 2013.
As métricas dos fragmentos florestais dos anos de 2009 e 2011 relacionadas à área, borda, forma, núcleo (área central sem influência da borda) e agregação dos fragmentos (Tabela 1), foram calculadas no programa Fragstats 4.1, constituído por um conjunto de algoritmos que quantifica a composição e a configuração da paisagem (MCGARIGAL et al., 2002). Apenas os remanescentes totalmente contidos dentro da área de estudo foram considerados no cálculo. Considerou-se como borda a distância de 30 m do entorno para o interior dos fragmentos. Embora não haja um padrão para o interior funcional de florestas, já que este valor varia para cada espécie, tipo de ambiente e idade da borda (OLIVEIRA-FILHO; MELLO; SCOLFORO, 1997; HARPER et al., 2005), a definição da distância baseou-se nos trabalhos de Williams-Linera (1990), Kataoka-Silva (2006), Rigueira et al. (2012) e no trabalho de Barros (2006), realizado em área parcialmente sobreposta à deste trabalho, que indicam mudanças microambientais e estruturais em relação ao interior claramente perceptíveis até 30 m da borda.
Descrição das métricas de fragmentação utilizadas. Fonte: Adaptado de McGarigal et al. (2002) e Calegari et al. (2010).
TABLE 1:
Description of the fragmentation metrics used. Source: Adapteded from McGarigal et al. (2002) and Calegari et al. (2010).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com o mapeamento feito por Garcia e Francisco (2013), em 2009, a vegetação herbácea predominava como classe de cobertura da terra, representando 48% da área de estudo, correspondendo a pastagens, culturas anuais e produção de hortigranjeiros. A floresta constituía a segunda classe com maior área, representando 38%, e a área urbana a terceira, correspondendo a 7%. Os resultados oriundos do cálculo das métricas mostram que em 2009 os remanescentes de floresta se distribuíam em 241 fragmentos (NP), com área total (AREA) próxima a 6 mil ha, representando 18% da área (Figura 2, Tabela 2). Entretanto, 95% dos fragmentos possuíam menos de 100 ha, correspondendo a 50% da área florestal remanescente. Fragmentos abaixo de 10 ha predominavam na paisagem, representando 58% do número total de remanescentes, cobrindo, no entanto, apenas 9% da área total.
Estes resultados mostram que a cobertura florestal na área estudada já se encontrava consideravelmente fragmentada antes da ocorrência dos eventos pluviométricos em 2011 em virtude do histórico de uso da terra, com um grande número de fragmentos pequenos. De acordo com Laurance et al. (1998), fragmentos abaixo de 100-400 ha podem ser considerados como bastante alterados ecologicamente. O mapeamento cobrindo todo o município de Nova Friburgo (GARCIA; FRANCISCO, 2013) também mostrou a predominância de pequenos fragmentos (96% < 100 ha), indicando uma alta vulnerabilidade ecológica na maior parte dos remanescentes do município, embora uma parte da área florestal se estenda para municípios vizinhos (ou seja, parte dos fragmentos pode pertencer a fragmentos maiores, divididos pelo limite municipal), constituindo um dos principais núcleos florestais do estado do Rio de Janeiro, com diversas unidades de conservação reunidas no Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense (CASTRO, 2015). A predominância de pequenos fragmentos (< 100 ha) foi registrada também em estudos cobrindo o estado (93% do NP, 20% da área) e toda a Mata Atlântica (92% do NP, 30% da área), indicando que a paisagem local apresentava um padrão espacial de fragmentação florestal similar ao encontrado nas escalas do estado (FIDALGO et al., 2009) e do bioma (RIBEIRO et al., 2009).
Mapeamento dos fragmentos florestais atingidos pelas chuvas de 2011, Nova Friburgo - RJ. A) Antes da ocorrência dos deslizamentos. B) Após a ocorrência dos deslizamentos.
FIGURE 2:
Mapping of forest fragments hit by 2011 heavy rain events, Nova Friburgo, RJ state. A) Before the occurrence of landslides. B) After the occurrence of landslides.
Após os eventos de 2011, o número de fragmentos aumentou para 498, um pouco mais do que o dobro (107%) do valor anterior, cobrindo uma área de cerca de 5,7 mil ha, o que representa uma perda de 6% da área total de floresta. Desses fragmentos, 98% apresentavam tamanho abaixo de 100 ha, correspondendo a um acréscimo de cerca de 20% no total da área da classe, enquanto que os remanescentes acima de 100 ha (2% do NP) perderam cerca de 1 mil ha, ou 32% da área original. Fragmentos abaixo de 10 ha passaram a representar 77% do número total, num acréscimo de área da classe de 175 ha (176%).
Antes da ocorrência dos deslizamentos havia três fragmentos com área superior a 300 ha, correspondendo a 21% da área total de florestas. O maior fragmento, com 483 ha, perdeu 26 ha de floresta e foi subdividido em 32 fragmentos menores, 84% dos quais com área inferior a 1,3 ha (Figura 3). Nessa subdivisão restaram apenas dois fragmentos com área superior a 100 ha, e os restantes com área entre 20 e 100 ha.
O tamanho médio (AREA_MN) dos fragmentos, considerado como um bom indicador do grau de fragmentação (MCGARIGAL et al., 2002), sofreu uma redução de 24 ha para 10 ha (Tabela 3), indicando uma maior vulnerabilidade e instabilidade ecológica dos fragmentos florestais remanescentes na paisagem local. A redução e a fragmentação das maiores manchas podem afetar diretamente processos-chave na manutenção da biodiversidade local, como a polinização e a dispersão (FUSHITA, 2006). Populações de espécies arbóreas em pequenos fragmentos florestais são compostas em grande parte por poucos indivíduos, o que pode gerar um percentual considerável de endogamia e um aumento na probabilidade de extinção local de espécies (TABARELLI; SILVA; GASCON, 2004). Os impactos na fauna podem ser ainda maiores, com a diminuição e extinção de parte da população de espécies de aves, mamíferos e anfíbios, entre outras, especialmente em paisagens com um grau considerável de intensidade de uso e ocupação humana, com a presença de espécies domésticas e invasoras (TURNER; CORLETT, 1996; GIBSON et al., 2013).
Por outro lado, pequenos fragmentos podem cumprir funções importantes ao longo da paisagem (FORMAN, 1995), funcionando como pontos de ligação ou trampolins ecológicos (stepping stones), principalmente quando próximos a grandes núcleos de biodiversidade. Em uma situação similar, Magnago et al. (2014) não observaram mudanças significativas na riqueza funcional de pequenos fragmentos em relação a fragmentos maiores. Pequenos fragmentos dispersos pela matriz facilitam o fluxo de algumas espécies, promovem um aumento no nível de heterogeneidade da matriz e podem atuar como refúgio para a diversidade local, incluindo espécies endêmicas, além de prestarem diversos serviços ecossistêmicos (TURNER; CORLETT, 1996; HERNÁNDEZ-RUEDAS et al., 2014).
Métricas de fragmentação florestal antes e após as chuvas de 2011, Nova Friburgo - RJ.
FIGURE 3:
Fragmentation mapping of the largest forest patch in the area hit by the 2011 heavy rain events, Nova Friburgo, RJ state.
O índice médio de forma (SHAPE_MN) passou de 2,2 para 1,8, indicando que a paisagem pode ter passado a apresentar fragmentos florestais com formas menos complexas. Este resultado provavelmente reflete o incremento no número de pequenos fragmentos. Ocorreu também uma redução na distância média do vizinho mais próximo (ENN_MN) de 121 m para 65 m. Essa redução provavelmente é um reflexo dos impactos ocasionados pelos deslizamentos, que geralmente originam cicatrizes alongadas e estreitas, provocando a diminuição na média da distância entre os fragmentos.
Almeida (2008) propõe uma classificação que considera o grau de isolamento com base na distância entre fragmentos: baixo grau até 60 m, médio de 60 a 120 m, alto de 120 a 200 m, e muito alto acima de 200 m. De acordo com essa classificação, a paisagem da área de estudo apresentou grau de isolamento de médio a baixo no período avaliado. Alternativamente, a conectividade funcional da paisagem pode ser avaliada em função das demandas de movimentação das diferentes espécies que compõem os ecossistemas florestais (MARTENSEN; PIMENTEL; METZGER, 2008). Estudo de Awade e Metzger (2008) mostra que distâncias entre fragmentos superiores a 40 m já podem afetar o movimento de espécies de aves florestais.
A densidade de borda (ED) passou de 176 para 225 m/ha, correspondente a um acréscimo de 288 ha na área total de borda, o que aponta para um aumento do efeito de borda e, consequentemente, uma diminuição da área nuclear na paisagem, evidenciada pela diminuição de 641 ha na área total central da floresta (TCA). O índice de área central média (CAI_MN), que já era baixo, correspondendo a 37%, passou para 18%, ocorrendo um aumento de 43% no número de núcleos (NDCA). Esse acréscimo indica não somente o aumento do número de fragmentos, como também está associado à formação de bordas mais sinuosas, o que pode gerar mais de um núcleo por fragmento.
Segundo McGarigal et al. (2002), a área central é um melhor indicador da qualidade dos fragmentos do que a sua área total. Como este índice é altamente sensível à distância de borda adotada, a diminuição da área nuclear, bem como o aumento da densidade de borda e do número de núcleos, métricas também relacionadas a essa distância, devem ser interpretados com cautela. A distância em que o efeito de borda pode ser observado varia em função dos parâmetros utilizados, do tipo de vegetação, da idade da borda, das características estruturais e do manejo da matriz, entre outros fatores (MAGNAGO et al., 2014; 2015). Antes dos eventos, o maior fragmento possuía 20 núcleos, devido à sinuosidade das bordas, o que já evidenciava uma alta vulnerabilidade ecológica. Os índices pós-evento indicam uma diminuição na disponibilidade de habitat na paisagem para espécies não tolerantes, o que pode conduzir a uma redução nas suas populações ou extinções locais (TABARELLI; SILVA; GASCON, 2004). A floresta remanescente tornou-se também ainda mais sujeita aos impactos advindos dos diferentes tipos de uso na matriz. O estudo de Barros (2006) apontou um impacto relativamente maior da agricultura em relação à pecuária na composição e estrutura das bordas dos fragmentos, provavelmente devido ao manejo intensivo característico da olericultura e dos cultivos anuais, atividades predominantes na região.
Os índices apresentados correspondem à situação dos fragmentos logo após os eventos. No entanto, foi possível observar em campo que, passados dois anos, o sopé das encostas nas quais foi depositada a maior parte do material oriundo dos deslizamentos já se encontrava em processo inicial de regeneração natural, apresentando ervas e arbustos com altura de até 4 a 5 m, confirmando Guariguata (1990) e Wilcke et al. (2003), que observaram que as zonas deposicionais apresentam maior disponibilidade de propágulos e nutrientes. Verificou-se também que a regeneração ocorre preferencialmente nas cicatrizes de pequena extensão, localizadas em encostas de menor declividade.
A distribuição espacial e a forma das cicatrizes dos deslizamentos têm importantes implicações para o processo de restauração da cobertura florestal. As cicatrizes formam clareiras nas quais é criado um gradiente de recursos (solos, umidade, radiação), dentro e entre cicatrizes, afetando assim a sequência e a velocidade da sucessão vegetal (WALKER; SHIELS, 2013). A proximidade dos fragmentos, devido à forma alongada e estreita das cicatrizes, facilita a dispersão de propágulos, com a recolonização geralmente ocorrendo da borda para o centro da cicatriz (MONTEZUMA, 2007; CHIROL, 2009). Por outro lado, as cicatrizes largas, de área extensa e localizadas em encostas íngremes, mostram processos ativos de ravinamentos causados pelo escoamento superficial, o que pode comprometer a estabilidade das encostas e conduzir à perda dos horizontes mais profundos do solo, retardando o processo de regeneração natural (CHIROL, 2009; WILCKE et al., 2003). Como consequência, pode-se deduzir que o tamanho e a forma das cicatrizes, associados à intensidade do processo erosivo, afetam diretamente o processo de restauração da cobertura florestal e de reconexão dos fragmentos, influenciando assim na dinâmica de paisagem. O acompanhamento desse processo, através de estudos de dinâmica das comunidades vegetais e animais (VELAZQUEZ; SAL, 2007; WALKER et al., 2010; VELAZQUEZ; DE LA CRUZ; SAL, 2014), pode ajudar a esclarecer sobre a necessidade ou não de intervenções para o reestabelecimento da conectividade da paisagem, com a consequente diminuição do grau de fragmentação florestal e de suas consequências biológicas.
Por fim, as mudanças espaciais observadas na paisagem local apontam para a ocorrência de uma possível sinergia entre os eventos naturais e a ação humana (MONTEZUMA, 2007). Eventos com intensidade e níveis de danos ambientais e socioeconômicos similares foram registrados nos últimos 70 anos em diversos outros pontos da Serra do Mar, na Região Sudeste (DE POEY; CRUZ, 1979; GUERRA, 1995; FERNANDES, 2004; NERY; VIEIRA, 2015). Mudanças climáticas podem alterar a frequência e intensidade desses eventos (DALE et al., 2001), indicando a necessidade de medidas mais efetivas de gestão e prevenção dos desastres, incluindo a restauração florestal através de plantios e condução da regeneração natural (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008; CANEDO; EHRLICH; LACERDA, 2011), bem como do aprofundamento de estudos sobre as interações entre os ecossistemas florestais, o relevo e os processos erosivos nas encostas, em diferentes escalas espaciais e temporais (WALKER; SHIELS, 2013).
CONCLUSÃO
Em geral, os trabalhos publicados sobre o processo de fragmentação florestal e suas consequências ecológicas enfatizam o fenômeno sob a ótica da influência humana, subestimando o papel dos fatores naturais. Os resultados deste estudo mostram, no entanto, que, em decorrência de inúmeros deslizamentos ocasionados por precipitações intensas, ocorreram mudanças consideráveis na paisagem, com redução no tamanho médio dos fragmentos, aumento no número de fragmentos pequenos e diminuição no número de fragmentos maiores. Áreas nucleares dos fragmentos foram atingidas pelas cicatrizes dos deslizamentos, ocasionando um aumento do número de núcleos e a diminuição da sua área, e também o aumento da densidade de borda, indicando uma maior exposição ao efeito de borda e o consequente decréscimo na qualidade dos fragmentos. A distância média do fragmento mais próximo diminuiu, em virtude da forma das cicatrizes, alongadas e estreitas, que subdividiram fragmentos maiores. Considerando que as condições ecológicas locais sejam propícias, condicionadas também pela variação do substrato ao longo da encosta, a proximidade entre os fragmentos pode facilitar o processo de regeneração natural, minimizando os efeitos negativos das cicatrizes na paisagem.
Estes resultados reforçam o entendimento de que eventos naturais de grande magnitude, como os deslizamentos ocasionados por chuvas intensas, podem alterar rapidamente a paisagem, promovendo um aumento da heterogeneidade ambiental, criando uma maior diversidade de habitat a serem explorados pela biota e influenciando a distribuição de nutrientes e de matéria orgânica, ocasionando paralelamente uma intensificação no processo histórico de fragmentação florestal e um aumento da vulnerabilidade e instabilidade ecológica dos remanescentes florestais, afetando assim a sua biodiversidade.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Auxílio à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo financiamento deste trabalho, e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Nova Friburgo, pela disponibilização do mapeamento das cicatrizes dos deslizamentos ocorridos em janeiro de 2011.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2017
Histórico
-
Recebido
13 Nov 2015 -
Aceito
14 Jun 2016