RESUMO
Exemplares de Thaumastocoris peregrinus (Hemiptera: Thaumastocoridae), inseto-praga do gênero Eucalyptus, foram encontrados mortos em um plantio Eucalyptus grandis no município de Realeza, região sudoeste do estado do Paraná, Brasil, apresentando micélio-branco sobre o corpo. Foram realizados procedimentos para isolamento (em meio de cultura Batata-Dextrose-Agar) e identificação do patógeno, sendo que a relação entre o micro-organismo e o inseto foi estabelecida através do postulado de Koch. A partir de procedimento padrão, foi identificado o fungo Beauveria bassiana. Em laboratório foi realizado teste de patogenicidade, e o mesmo causou mortalidade confirmada em 72,2 % dos insetos, na concentração de 1,0 x 108 conídios.mL-1, após seis dias de inoculação. Assim, verificou-se que Beauveria bassiana infecta naturalmente Thaumastocoris peregrinus, com ocorrência espontânea no estado do Paraná.
Palavras-chave: percevejo-bronzeado; fungos entomopatogênicos; Eucalyptus.
ABSTRACT
Exemplars of Thaumastocoris peregrinus (Hemiptera: Thaumastocoridae), insect pest of the genus Eucalyptus, were found dead in the Eucalyptus grandis plantation in the city of Realeza, the southwest region of the state of Paraná, Brazil, with white mycelial growth on the surface of the body. Isolation procedures were performed (in Potato-Dextrose-Agar culture) and identification of the pathogen, whereas the ratio between the microorganism and the insect has been established by Koch’s postulate. The fungus through standard procedures, was identified as Beauveria bassiana. In the laboratory testing pathogenicity were performed and caused mortality confirmed in 72.2% of the insects at the concentration of 1.0 x 108 conidia.mL-1 after six days inoculation. Studies on the selection of isolates should be performed and justified by the growing demand of the forest sector in search of control strategies for this insect pest. Thus, was verified that Beauveria bassiana naturally infects Thaumastocoris peregrinus, occurring spontaneously in the Paraná state.
Keywords: bronze bug; entomopathogenic fungi; Eucalyptus
INTRODUÇÃO
Entre os insetos-praga que atacam o gênero Eucalyptus, tem se destacado o percevejo-bronzeado, Thaumastocoris peregrinus Carpintero & Dellapé (Hemiptera: Thaumastocoridae), pela elevada capacidade de adaptação, ausência de inimigos de ocorrência espontânea e rápida dispersão em diversas regiões do globo. No Brasil, acredita-se que o inseto esteja sendo disseminado por caminhões que transportam toras de eucalipto e resíduos, tais como ramos e folhas, nos quais normalmente observa-se a presença de Thaumastocoris peregrinus (WILCKEN et al., 2010).
O gênero Thaumastocoris é de origem australiana, e foi relatado na África do Sul e Argentina em 2005, no Uruguai em 2008 e na Europa em 2012 (JACOBS; NESER, 2005; CARPINTERO; DELLAPÉ, 2006; MARTÍNEZ; BIANCHI, 2010; LAUDONIA; SASSO, 2012). O primeiro registro no Brasil ocorreu em 2008, com a espécie Thaumastocoris peregrinus no estado do Rio Grande do Sul (WILCKEN et al., 2010), atingindo o Paraná em 2009 (BARBOSA et. al., 2010), além de vários outros estados. Os danos são provocados pelo hábito alimentar do inseto que suga a seiva das folhas. Este processo diminui a taxa de fotossíntese da planta, culminando em secamento e queda das folhas, com consequente prejuízo ao seu desenvolvimento (JACOBS; NESER, 2005). Têm-se buscado métodos de controle eficientes para este inseto-praga, com ênfase no uso do controle biológico, com o parasitoide de ovos Cleruchoides noackae Lin & Huber (Hymenoptera: Mymaridae), inimigo natural, originário da Austrália (LIN; HUBER; LA SALLE, 2007) e fungos entomopatogênicos (SOLIMAN et al., 2010; LORENCETTI et al., 2011).
Fungos entomopatogênicos são amplamente utilizados no controle de populações de insetos- praga agrícolas, por serem naturais do ambiente, tendo destaque Beauveria bassiana Vuill. (Ascomycetes: Clavicipitaceae). Em campo, Beauveria bassiana pode promover infecção em insetos da ordem Coleoptera, Lepidoptera, Hemiptera, Diptera, Hymenoptera e Orthoptera (ALVES, 1998), tem ocorrência mundial e é comercializado como inseticida para o controle de pragas em eucalipto, crisântemo, pepino, soja e erva-mate (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2012).
Para Thaumastocoris peregrinus, a patogenicidade de Beauveria bassiana foi confirmada em laboratório através do produto Boveril® (SOLIMAN et al., 2010) e de alguns isolados não comerciais (LORENCETTI et al., 2011), na concentração 1,0 x 108 conídios.mL-1. A ocorrência natural deste fungo sobre Thaumastocoris peregrinus foi registrada no Rio Grande do Sul, em plantios comerciais de Eucalyptus dunnii (SMANIOTTO et al., 2012). No Paraná, suspeitou-se da ocorrência do fungo em um plantio de Eucalyptus grandis, no município de Realeza (Coordenadas UTM SAD 69: 245000E 7153682S), no qual foram encontrados cadáveres deste inseto cobertos por micélio-branco. Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar, registrar e testar a patogenicidade deste isolado em laboratório.
MATERIAL E MÉTODOS
Os cadáveres de Thaumastocoris peregrinus foram coletados juntamente com as folhas de Eucalyptus grandis nas quais estavam aderidos, e encaminhados ao Laboratório de Controle Biológico da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Dois Vizinhos, para identificação. A coleta ocorreu no mês de agosto de 2011, após baixa na infestação da praga relacionada possivelmente às chuvas intensas de junho, com média 172 mm para a região sudoeste do Paraná (PARANÁ, 2013). De acordo com Lima (2011), a umidade relativa e a precipitação pluviométrica afetam populações de Thaumastocoris peregrinus, em correlação inversamente proporcional.
Inicialmente realizou-se a identificação do micro-organismo, com base nas características culturais (ALVES, 1998) e chave de identificação para os principais gêneros de fungos entomopatogênicos (ALVES, 1998; ALVES; FERRAZ; CASTELLO BRANCO JUNIOR, 1998). Posteriormente, a relação causal entre o patógeno e o inseto foi estabelecida através do postulado de Koch (ALVES et al., 1998b), conforme realizado em trabalhos de ocorrência natural de Beauveria bassiana sobre insetos (ALVES et al., 2005; 2012). O isolamento do fungo em culturas puras é necessário para confirmação, em face da inúmera população microbiana que, possivelmente, coloniza o inseto. Os métodos para isolamento foram baseados e adaptados de Alves (1998).
Em laboratório, utilizando material devidamente esterilizado, os insetos foram desinfectados em álcool 70% e um fragmento do inseto foi transferido para lâmina de vidro com coloração lactofenol azul de algodão para identificação em microscópio estereoscópico Tecnival®. O restante foi acondicionado em superfície de meio de cultura Batata-Dextrose-Ágar (BDA), em placas de Petri® de vidro, vedadas com filme plástico e mantidas em câmara climatizada tipo B.O.D. (26 ± 2°C, 14 h de fotofase e U.R. de 70 ± 10%), durante oito dias.
Observou-se o crescimento micelial do fungo, bem como de outros agentes patogênicos. Iniciou-se o processo de purificação com a transferência do fungo de interesse para 10 novas placas de Petri® contendo meio de cultura BDA. Com uma alça de platina, um toque foi realizado na superfície do fungo, e dois toques/pontos foram realizados em cada nova placa, as quais foram acondicionadas em câmara climatizada (26 ± 2°C, 14 h de fotofase e U.R. de 70 ± 10%) durante sete dias. Após a esporulação do fungo, as melhores colônias foram selecionadas e repicadas em novas placas, conforme procedimento anterior, obtendo o isolamento completo do fungo.
A comprovação da relação causal entre o patógeno e o inseto foi estabelecida através do postulado de Koch (ALVES et al., 1998). Este determina que os insetos devam ser novamente expostos ao patógeno, a fim de reproduzirem os sintomas. Em conjunto, foi realizado teste de patogenicidade, obtendo a porcentagem de mortalidade confirmada do fungo sobre Thaumastocoris peregrinus.
Insetos adultos sadios foram submetidos a um ambientecontendo folhas de Eucalyptuscamaldulensis, cortadas a 5 cm do pecíolo, mergulhadas em suspensão do fungo purificado, na concentração de 1,0 x 108 conídios.mL-1. O excesso de umidade foi retirado com a exposição das folhas à ventilação em câmara de fluxo laminar vertical. As folhas tiveram os pecíolos envoltos por pedaços de algodão umedecido para preservar a turgidez e foram oferecidas como único substrato para alimentação dos insetos. Tubos de vidro de fundo chato esterilizados receberam, cada um, uma folha e seis insetos adultos de Thaumastocoris peregrinus, sendo vedados com plástico filme. Os recipientes permaneceram em câmara climatizada tipo B.O.D., nas condições citadas anteriormente, durante seis dias. Foram realizadas 10 repetições. As avaliações ocorreram a cada 24 horas, durante seis dias, retirando-se os insetos mortos.
Os cadáveres foram desinfectados externamente, mergulhando por dois segundos em álcool 70% e, em seguida, em água destilada esterilizada e acondicionados em câmara úmida para promover a extrusão do patógeno. As câmaras úmidas foram preparadas em placa de 16 poços contendo papel-filtro esterilizado e úmido, alocadas em bandeja com algodão umedecido com água destilada e esterilizada. A esporulação do fungo foi verificada após três a cinco dias. O fungo foi então reisolado do hospedeiro e inoculado artificialmente em placas de Petri® e meio de cultura BDA, ficando em câmara climatizada por sete dias, para comparação das características com a amostra coletada. Os esporos reproduzidos foram raspados e armazenados em frascos tipo eppendorfs em freezer a -10ºC, recebendo a denominação de isolado UTFPR 01.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a classificação, feita com base na morfologia dos conídios, fiálides e hifas utilizando-se chave dicotômica (ALVES, 1998) e chave de identificação para os principais gêneros de fungos entomopatogênicos (ALVES; FERRAZ; CASTELLO BRANCO JUNIOR, 1998), ficou constatado tratar-se do fungo entomopatogênico da espécie Beauveria bassiana (Bals. Criv.) Vuill., 1912.
No teste de patogenicidade, a mortalidade confirmada em câmara úmida foi de 72,2 % dos insetos após seis dias de inoculação do fungo sobre as folhas de Eucalyptus camaldulensis. A média do registro de mortalidade esteve abaixo do relatado por Soliman et al. (2010) (97,3%), para a mesma concentração. No entanto, estes autores utilizaram um produto comercial à base Beauveria bassiana, o qual se espera maior virulência, visto que o mesmo já passou por diversos parâmetros de qualidade para então ser comercializado. Soma-se a este fator a metodologia utilizada, com aplicação direta sobre os insetos e não apenas sobre o substrato, conforme realizado neste estudo. A aplicação sobre o substrato possibilita a inferência de que o fungo possa contaminar partes do inseto que entram em contato no ato do caminhamento ou da sucção da seiva, aproximando-se do que ocorre em condições de campo. Isolados não comerciais de Beauveria bassiana, na mesma concentração utilizada neste teste, provocaram 78,6% de mortalidade confirmada em Thaumastocoris peregrinus (LORENCETTI et al., 2011), valor este muito próximo ao obtido no presente trabalho.
A utilização de fungos entomopatogênicos e a seleção de isolados de Beauveria bassiana mais virulentos para a Thaumastocoris peregrinus pode representar uma estratégia promissora para o controle deste inseto-praga.
CONCLUSÃO
O fungo entomopatogênico Beauveria bassiana infecta naturalmente Thaumastocoris peregrinus, com ocorrência espontânea no estado do Paraná. Beauveria bassiana é patogênico a Thaumastocoris peregrinus também em condições de laboratório.
REFERÊNCIAS
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Disponibilidade de dados
Citações de dados
PARANÁ. Secretaria da Agricultura e do Abastecimento. SEAB. Precipitação pluviométrica regional. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.agricultura.pr.gov.br/arquivos/File/deral/pluvio.xls >. Acesso em: 25 mar. 2013.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2017
Histórico
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Recebido
02 Maio 2013 -
Aceito
31 Mar 2016