Resumo
A Cryptomeria japonica é uma conífera, de origem japonesa, com potencial para produção de polpa celulósica, porém pouco se conhece sobre o seu comportamento quando submetida a diferentes cargas de reagentes. Dessa forma, o objetivo do estudo foi avaliar o efeito da carga alcalina nos parâmetros de polpação kraft da madeira de Cryptomeria japonica, visando entender a sua demanda química para obtenção de diferentes níveis de deslignificação. Para isso, utilizou-se a madeira de árvores com 13 anos de idade, que foi caracterizada quanto à densidade básica, composição química e morfologia dos traqueídeos e submetida a curvas de cozimento com diferentes níveis de álcali, variando de 14 a 28%. Após os cozimentos, a polpa e o licor negro obtidos foram avaliados com intuito de entender o efeito da carga alcalina sobre os mesmos. Com base nos resultados obtidos conclui-se que a madeira de Cryptomeria japonica é mais indicada para produção de polpa celulósica de fibra longa não branqueada. Isso devido a sua madeira apresentar alto teor de lignina, que dificulta o processo de deslignificação e baixa densidade básica, que resulta em baixo rendimento. Assim, para otimizar o uso da espécie, é mais indicado trabalhar com polpa celulósica com alto número kappa, a qual é possível aliar um bom rendimento em polpa.
Palavras-chave: Curvas de cozimento; Fibra longa; Polpa celulósica; Processo kraft
Abstract
The Cryptomeria japonica is a conifer, from Japan, with the potential for pulp production, but little is known about their behavior when subjected to different reagent loads. Thus, the objective of the study was to evaluate the effect of the alkaline charge on the kraft pulping parameters of Cryptomeria japonica wood, in order to understand its chemical demand to obtain different delignification levels. For this, we used the wood from trees with 13 years old, which was characterized as to the basic density, chemical composition and tracheids morphology and subjected to cooking curves with different levels of alkali, ranging from 14 to 28%. The pulp and black liquor obtained were evaluated in order to understand the effect of the alkaline charge on them. Based on the results obtained in the cooking curves, applying different alkaline charges, it's concluded that the Cryptomeria japonica wood is more suitable for producing unbleached pulp of long fiber. This is because of its wood present high lignin content, which complicates the delignification process, and low basic density, resulting in low yield. Thus, to optimize the use of this species, it's more indicated to work with pulp with high kappa number, which is possible to combine a good pulp yield.
Keywords: Cooking curves; Long fiber; Cellulosic pulp; Kraft process
1 INTRODUÇÃO
A polpa celulósica é um dos principais produtos florestais comercializados no mercado mundial, tendo em 2018 ocupado o posto de terceiro lugar entre os produtos exportados pelo agronegócio brasileiro, conforme o anuário da Indústria Brasileira de Árvores (INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES, 2019). Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de celulose, com 21,0 milhões de toneladas, em que ≈75% é exportado, e décimo em produção de papel, com 10,2 milhões de toneladas, com ≈20% destinados à exportação (INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORE, 2021).
O Brasil conta com uma área de 9,55 milhões de hectares de florestas plantadas, e cerca de 78% dessa área são com espécies do gênero Eucalyptus, 18% com espécies do gênero Pinus, e 4% com outras espécies nativas ou exóticas (INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES, 2021). O gênero Eucalyptus, que pertence ao grupo das folhosas, fornece a matéria-prima para a fabricação de papéis do segmento de “fibra curta”, já o gênero Pinus, que pertence ao grupo das coníferas, fornece para o segmento de “fibra longa”.
A Cryptomeria japonica é uma conífera, da família Cupressaceae, de origem japonesa e pode ser uma alternativa para produção de papéis de “fibra longa”, assim como algumas espécies do gênero Pinus. No seu país de origem, é utilizada para a fabricação de chapas, móveis, serrados em geral, e para produção de celulose e papel, pois sua madeira apresenta características que lhe conferem boa trabalhabilidade (PEREIRA; HIGA; SHIMIZU, 2003). No Japão, é chamada de “sugi”, já no Brasil a espécie é conhecida como cedrinho japonês, cedro japonês, ou simplesmente como criptoméria.
De acordo com Fonte (2016), a Cryptomeria japonica é empregada comumente no Brasil para fins ornamentais, em jardins e bonsais, sendo utilizada até como árvore de Natal. O mesmo autor menciona que a sua madeira apresenta alburno de cor clara como a do Pinus, cerne com coloração castanha e odor agradável. Carpanezzi et al. (1988) e Carneiro, Bittencourt e Muniz (2009) mencionam que a espécie apresenta fuste reto, crescimento rápido, facilidade no processamento e cor agradável, podendo ser usada para diversos fins, como serrados em geral.
Mesmo com o alto potencial que a espécie Cryptomeria japonica apresenta, não se tem muitos estudos referentes à qualidade de sua madeira, principalmente para a produção de polpa celulósica. Uma das possíveis explicações é em função do Brasil focar suas atenções no gênero Pinus, que é amplamente utilizado e consolidado no segmento de “fibra longa”, dificultando o ingresso de novas espécies de coníferas para essa finalidade. Entretanto, é essencial o estudo mais aprofundado com novas espécies que possam servir como alternativa para o setor industrial.
Dessa forma, o objetivo do estudo foi avaliar o efeito da carga alcalina nos parâmetros de polpação kraft da madeira de Cryptomeria japonica, visando entender a sua demanda química para obtenção de diferentes níveis de deslignificação.
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Coleta e caracterização da madeira
Foram utilizadas três árvores da espécie Cryptomeria japonica, com 13 anos de idade, coletadas em um plantio experimental pertencente à Empresa Florestal Gateados Ltda., localizado no município de Campo Belo do Sul, Santa Catarina, Brasil (latitude 27º57’06’’S, Longitude 50º49’08”O e 930 m de altitude). A partir dessas árvores foram obtidos cavacos, em picador industrial, que foram classificados em classificador laboratorial, seguindo a norma SCAN CM 40:01 (2001), da Scandinavian Pulp, Paper, and Board Testing Committee.
Para caracterização da madeira, foram realizadas as análises: 1) densidade básica, de acordo com a Norma Brasileira - ABNT NBR 11941 (2003), da Associação Brasileira de Normas Técnicas, pelo método do máximo teor de umidade, com 10 repetições; 2) composição química, seguindo as normas da Technical Association of the Pulp and Paper Industry, TAPPI T 211 om-02 (2002) (CZ - cinzas), TAPPI T 264 cm-97 (1997), adaptada pelo Laboratório de Química da Madeira, da Universidade Federal de Santa Maria (EX - extrativos totais), e TAPPI T 222 om-02 (2002) (LK - lignina Klason). Já a holocelulose (HC = celulose + hemicelulose) foi obtida por diferença (HC = 100 - (CZ + EX + LK)), com cinco repetições; 3) morfologia dos traqueídeos, para avaliação do comprimento, largura, diâmetro de lúmen e espessura da parede celular dos traqueídeos, seguindo a metodologia proposta por Barrichelo e Foelkel (1983) e as determinações da International Association of Wood Anatomists (1989), com 105 repetições. Os valores obtidos para a densidade, composição química, morfologia dos traqueídeos foram apenas descritivos para a espécie analisada.
2.2 Curva de cozimento
Os cavacos da madeira de Cryptomeria japonica foram submetidos a curvas de cozimento pelo processo de polpação kraft com diferentes níveis de carga alcalina, de acordo com as condições apresentadas na Tabela 1. Os cozimentos foram realizados em triplicata em um digestor rotativo, contendo quatro cápsulas de aço inoxidável individualizadas, com capacidade para 1600 mL cada.
Finalizado o processo de polpação, o licor negro foi recolhido para determinação do álcali ativo residual (AAR), do pH e do teor de sólidos totais, bem como para o cálculo do álcali ativo consumido (AAC), de acordo com a Tabela 2. Já a polpa foi lavada com água corrente até que todo o licor existente fosse visualmente removido. Na sequência, foi desagregada em “hidrapulper” laboratorial, acondicionada em sacos de microfibras e centrifugada. Para depuração, foi utilizado um depurador laboratorial com fenda de 0,5 mm; os rejeitos retidos na malha foram coletados e secos em estufa a 103 ± 2 ºC. Com base nos valores do teor de rejeitos secos calculou-se o rendimento depurado. Todos os parâmetros avaliados podem ser observados na Tabela 2.
Com base nos resultados obtidos nas curvas de cozimento, foram ajustadas equações para os principais parâmetros da polpação. Por meio destas, foram estimados os resultados que seriam alcançados para número kappa 35 (representando a polpa branqueável) e 60 (representando a polpa não branqueável). Os parâmetros estimados foram álcali ativo (necessário para obter o valor de número kappa estipulado), rendimento bruto, rendimento depurado, teor de rejeitos, álcali ativo residual e consumo específico de madeira.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Caracterização da madeira
Na Tabela 3, podem ser observados os valores de densidade básica, composição química e morfologia dos traqueídeos da madeira de Cryptomeria japonica. A densidade básica dos cavacos (0,284 g cm-3 ou 284 kg m-3) da madeira de Cryptomeria japonica (com 13 anos de idade neste estudo) permite classificá-la como leve ou de baixa densidade. A mesma encontra-se inserida na amplitude mencionada por outros autores na literatura, que varia de 0,255 e 0,360 g cm-3, para árvores com idades entre 14 e 22 anos (PEREIRA; HIGA; SHIMIZU, 2003; CARNEIRO; BITTENCOURT; MUNIZ, 2009).
Quanto ao Pinus, que é um dos gêneros mais utilizados para produção de celulose de fibra longa, a madeira de Cryptomeria japonica apresenta densidade inferior. Alguns pesquisadores citam para o Pinus taeda, densidade básica variando entre 0,410 a 0,435 g cm-3, em árvores com 14 a 21 anos de idade (ANDRADE, 2006; TRIANOSKI et al., 2013; VIVIAN et al., 2015).
A densidade básica da madeira de Cryptomeria japonica está abaixo da faixa ideal sugerida por Dias e Simonelli (2013) para produção de polpa celulósica, que é de 0,40 a 0,55 g cm-3, entretanto existem controvérsias na literatura sobre o tema. Alguns autores mencionam que madeiras de menor densidade são mais fáceis de picar, impregnar e cozinhar, porém resultam em menor rendimento em polpa (VIVIAN et al., 2020). Outros alegam que madeiras de baixa e alta densidade podem proporcionar os mesmos rendimentos, tendo cuidado com o fator H utilizado, relembrando que o rendimento é afetado também pelos parâmetros de cozimento (FANTUZZI NETO, 2012).
A composição química observada para a madeira de Cryptomeria japonica no presente estudo (Tabela 3) está situada entre os intervalos citados na literatura para a mesma espécie, com extrativos variando de 0,81 a 4,90%, lignina variando de 30,38 a 35,46%, e holocelulose de 62,50 a 68,81%, para árvores com idade entre 13 e 35 anos (PEREIRA; HIGA; SHIMIZU, 2003; FONTE et al., 2017; BONFATTI JÚNIOR et al., 2019). Quando comparada com as espécies do gênero Pinus, a madeira de Cryptomeria japonica apresenta teor de cinzas, extrativos e holocelulose próximos daquelas do gênero mencionado, porém maior teor de lignina. Dessa forma, em relação à composição química da madeira de Cryptomeria japonica, o principal ponto de atenção deve ser o seu alto teor de lignina (31,36%), que pode afetar negativamente na polpação, demandando maior carga de álcali ativo para sua deslignificação.
Os valores observados para a morfologia dos traqueídeos da madeira de Cryptomeria japonica estão em consonância com os citados na literatura por outros autores para a espécie (PEREIRA; HIGA; SHIMIZU, 2003; CARNEIRO; BITTENCOURT; MUNIZ, 2009). Já quando comparada com o gênero Pinus, todas as dimensões dos traqueídeos são inferiores. A madeira de Pinus taeda, por exemplo, apresenta traqueídeos com dimensões variando de 3,50 a 3,71 mm de comprimento, 40,55 a 41,67 µm de largura, 27,71 a 30,63 µm de diâmetro de lúmen, e 5,52 a 6,54 µm de espessura de parede celular, para árvores com idades entre 9 e 21 anos (GOMES, 2009; AMPESSAN et al., 2015; VIVIAN et al., 2015).
3.2 Curvas de cozimento
Os parâmetros obtidos nas curvas de cozimento da madeira de Cryptomeria japonica a partir do processo de polpação kraft com diferentes níveis de álcali ativo (AA) estão apresentados na Figura 1. Como pode ser observado, o rendimento bruto (Figura 1A) variou de 64,4% (14% de AA) a 47,4% (28% de AA), reduzindo com o aumento da carga alcalina. Isso porque a deslignificação foi intensificada com o aumento da carga alcalina, o que ocasiona também a maior degradação dos polissacarídeos da madeira, já que o licor de cozimento não é totalmente seletivo. Vivian et al. (2015) encontraram para a madeira de Pinus taeda, com 21 anos de idade, submetida a curva de cozimento com álcali ativo variando de 14 a 26%, rendimento bruto variando de 60,2 a 43,7%, respectivamente, ou seja, valores inferiores aos obtidos para a Cryptomeria japonica.
A análise do rendimento depurado (Figura 1B) é fundamental, pois leva em consideração a polpa livre de rejeitos, representando o rendimento real do processo, o que realmente será utilizado nas etapas subsequentes, como branqueamento e fabricação de papel. O rendimento depurado observado variou de 43,7% (14% de AA) a 52,6% (18% de AA), maior rendimento depurado observado neste estudo, voltando a reduzir até 46,9% (28% de AA). O rendimento depurado está diretamente atrelado ao teor de rejeitos, que são fragmentos de madeira ou feixes de traqueídeos ou fibras que não se individualizaram durante a polpação e que são removidos durante a depuração. O teor de rejeitos (Figura 1C) observado na polpa proveniente da madeira de Cryptomeria japonica diminuiu com aumento da carga alcalina, variando de 20,7% (14% de AA) a 0,5% (22% de AA), permanecendo constante até a maior carga alcalina (28% de AA).
Comparando com o estudo desenvolvido por Vivian et al. (2015) com a madeira de Pinus taeda, de 21 anos de idade, submetida a curva de cozimento com álcali ativo variando de 14 a 26%, os autores observaram rendimento depurado variando entre 52,2% (16% de AA), que foi o maior valor atingido, e 43,7% (26% de AA). Em relação ao teor de rejeitos, os autores observaram valores variando de 10,2 (14% de AA) a 0,0% (de 20 a 26% de AA).
Utilizando a carga de álcali ativo de 18% como referência, por ser a que proporcionou o maior rendimento depurado para a madeira de Cryptomeria japonica, e compará-la ao Pinus taeda na mesma carga de reagentes do estudo desenvolvido por Vivian et al. (2015), observa-se que a mesma apresenta maior rendimento depurado (Cryptomeria japonica = 52,6%; Pinus taeda = 51,5%), mesmo apresentando maior teor de rejeitos (Cryptomeria japonica = 4,3%; Pinus taeda = 0,1%), o que se deve ao seu maior rendimento bruto (Cryptomeria japonica = 56,9%; Pinus taeda = 51,6%). Destaca-se que as condições de cozimento foram semelhantes (ambas com sulfidez de 25%, relação licor:madeira de 4:1, temperatura máxima de 170 ºC), diferindo apenas no Fator H aplicado (Cryptomeria japonica = 935; Pinus taeda = 2040). O fator H expressa em uma única variável o tempo e temperatura de cozimento, que de forma geral, quanto menor o seu valor melhor, pois indica uma necessidade menor de energia no processo. Um fator H muito elevado pode resultar em perda de rendimento e de qualidade da polpa, como redução de viscosidade, causado pela degradação dos carboidratos da madeira.
Além dos valores de rendimento do processo, a avaliação do número kappa é importante, pois expressa o nível de deslignificação da polpa, que é o fator para tomada de decisão em uma fábrica de polpa celulósica. Como se observa na Figura 1D, o número kappa reduz com o aumento da carga de álcali aplicada, variando de 132,3 (14% de AA) a 32,3 (28% de AA). Cardoso et al. (2011) mencionam que a aplicação de cargas alcalinas mais elevadas aumenta a velocidade de deslignificação, gerando polpas com valores menores de número kappa.
É possível perceber com base nos valores de número kappa que a madeira de Cryptomeria japonica é mais difícil de deslignificar do que a madeira de Pinus taeda, por exemplo. Isso pode ser comprovado por meio da comparação com o estudo desenvolvido por Vivian et al. (2015), que submeteram a madeira de Pinus taeda a curva de cozimento com álcali ativo variando de 14 a 26%, e observaram números kappa no intervalo de 100,5 a 14,8, respectivamente. Levando em consideração o mesmo padrão de comparação a 18% de álcali ativo, a polpa obtida a partir da madeira de Cryptomeria japonica apresentou número kappa de 93,9 enquanto a de Pinus taeda 38,1. Uma das explicações para essa diferença na deslignificação, quando comparada ao Pinus taeda, é causado pelo alto teor de lignina que a madeira de Cryptomeria japonica apresentou (31,36%), enquanto para o Pinus taeda foi de 26,71%. O menor fator H aplicado no presente estudo também pode estar relacionado a tal aspecto, por isso resultou em menor nível de deslignificação, o que proporcionou maior rendimento, quando comparado ao estudo citado anteriormente.
O aumento da taxa de deslignificação está associado ao decréscimo do rendimento, em virtude da degradação da celulose e hemiceluloses, refletindo nas propriedades da polpa celulósica (CARVALHO, 1999). Nesse sentido, Vivian e Silva Júnior (2017) salientam que a carga alcalina e a taxa de deslignificação devem ser equilibradas, de acordo com o objetivo final da polpa. Já Cardoso et al. (2011) justificam que por razões econômicas e de qualidade da polpa, deve-se empregar o mínimo de álcali, visando a obtenção de determinado número kappa. Porém, isso deve ser muito bem avaliado, pois, de acordo com Bugajer, Lima e Pinho (1980), quando a carga de reagentes é demasiadamente baixa pode haver uma redução do pH do licor ao longo da polpação, ocasionando a reprecipitação de lignina sobre as fibras, o que reflete no aumento do número kappa.
A seletividade do processo de polpação pode ser expressa pela relação entre o rendimento depurado e o número kappa da polpa celulósica, e quanto maior for essa relação, maior será o rendimento, com um número kappa baixo, sem perder a qualidade da polpa (SILVA JÚNIOR, 1997). Observa-se na Figura 1E que quanto menor o número kappa, maior é a seletividade do processo. De acordo com Gomes (2009), na produção industrial de polpa de fibra longa não branqueada, o número kappa varia entre 50 a 65, tendo o autor encontrado para o Pinus taeda seletividade de 0,97 com número kappa de 56,5 e um rendimento depurado de 52,3%. Para essas condições de número kappa, no presente estudo, foram encontrados valores de seletividade entre 0,84 a 0,99, porém com rendimento menor.
Em relação ao consumo específico de madeira, obtiveram-se valores que variaram de 6,0 a 7,3 m³ de madeira por tonelada de celulose (Figura 1F). O menor consumo específico de madeira foi para a carga alcalina de 18%, o que se explica por essa carga ter resultado no maior rendimento depurado (52,6%) da curva de cozimento. Já o maior consumo específico foi para a carga de 14%, que resultou em baixo rendimento depurado (43,7%) em função do alto teor de rejeitos (20,7%). Analisando o consumo específico de madeira da Cryptomeria japonica, observa-se que a mesma necessita de um volume alto para gerar uma tonelada de polpa, o que está relacionado com a sua densidade básica, que é muito baixa (0,284 g cm-3). Diversos pesquisadores salientam que madeiras com densidade básica mais elevada tendem a reduzir o consumo específico de madeira (QUEIROZ et al., 2004; FERNANDES et al., 2011; SEGURA, 2015).
Conforme pode ser observado na literatura, em estudos com a madeira de Pinus destinada à produção de polpa celulósica, o consumo específico é bastante variável, dependendo das condições de cozimento que são empregadas. Lengowski et al. (2018) citam valores de consumo específico para o Pinus spp. entre 4,7 e 5,4 m3 t-1. Já Bassa, Silva Júnior e Sacon (2007) mencionam que o consumo específico para o Pinus taeda pode chegar até 7,0 m³ t-1. Dessa forma, deve-se tomar cuidado com as condições e processos de cozimento (por exemplo, convencionais ou modificados) utilizados.
Na Figura 2, podem ser observados os parâmetros referentes aos licores negros resultantes das curvas de cozimento, como álcali ativo consumido (AAC) e residual (AAR), pH e teor de sólidos totais, conforme a carga alcalina aplicada.
Parâmetros referentes aos licores negros obtidos em função da carga alcalina nas curvas de cozimento
Como pode ser observado nas Figuras 2A e B, o AAC e o AAR apresentaram o mesmo comportamento de aumento com a carga alcalina aplicada. Grace, Leopold e Malcon (1989) citam que o ideal é que o AAR se mantenha entre 5 e 12 g L-1 (base NaOH), que corresponde a pH acima de 12, visando evitar a reprecipitação de lignina sobre a polpa. Na Figura 2C, pode-se observar um aumento no pH do licor residual com o aumento da carga alcalina, o qual, conforme Santos (2005), deve-se manter acima de 11. Silva Júnior (1997) menciona que se o licor negro tiver pH inferior a 11,5 inicia-se um processo de reprecipitação da lignina sobre as fibras, o qual é indesejável, em especial para as polpas que serão destinadas ao processo de branqueamento. Para todos os níveis de álcali ativo aplicado para a madeira de Cryptomeria japonica, obtiveram-se pH acima do mínimo citado pelos autores, sendo 12,8 o menor valor observado com 14% de carga alcalina.
Para as cargas de álcali ativo de 14 a 18%, o AAR se manteve na faixa citada por Grace, Leopold e Malcon (1989), variando de 7,2 a 11,1 g L-1, já para as cargas variando de 20 a 28% observaram-se valores bem acima do indicado, entre 15,4 e 27,5 g L-1. De acordo com Gomide (1980), é importante conhecer o AAR, pois cerca de 2/3 de carga aplicada é utilizada para neutralização de ácidos orgânicos, e apenas 1/3 é efetivamente utilizado nas reações de deslignificação da madeira.
Em relação ao teor de sólidos totais (Figura 2D), estes aumentaram com a adição de maior carga alcalina, o que se explica pelo aumento dos compostos inorgânicos do álcali, bem como pela maior taxa de deslignificação que acelera a degradação dos carboidratos, principalmente hemiceluloses, levando ao aumento dos sólidos orgânicos, consequentemente esses aspectos contribuem para o incremento no teor de sólidos totais. O maior teor de sólidos compromete a capacidade de produção dentro de uma fábrica, pois diminui a capacidade de recuperação dos reagentes na caldeira de recuperação. Além disso, a degradação das hemiceluloses diminuiu o rendimento no processo de polpação (LONGUE JÚNIOR; COLODETTE, 2011).
Na Tabela 4, podem ser observadas as equações ajustadas para os principais parâmetros da polpação, a partir dos resultados das curvas de cozimento, bem como os respectivos coeficientes de determinação (R2). As equações geradas para cada parâmetro apresentaram coeficientes de determinação elevados, com exceção do rendimento depurado e do consumo específico da madeira, isso demonstra que as variáveis estudadas têm forte dependência da carga alcalina aplicada (VASCONCELOS, 2005). O rendimento depurado não apresenta um bom ajuste, pois oscila dependendo da carga de álcali, como pode ser observado na Figura 1B, já o consumo específico de madeira, por ser calculado a partir do rendimento depurado, também apresenta baixo coeficiente de determinação.
A partir dessas equações (Tabela 4), foram estimados os parâmetros para o número kappa 35, caracterizando a polpa de fibra longa branqueável, e para o número kappa de 60, caracterizando a polpa de fibra longa não branqueável, como é apresentado na Tabela 5.
Observa-se que para obtenção de polpa branqueável seria necessária uma quantidade elevada de álcali ativo (27,0%), a qual resultaria em um rendimento depurado baixo (46,8%), e uma demanda alta de madeira para produção de uma tonelada de polpa (6,4 m³ tsa-1). Esses aspectos estão relacionados com o alto teor de lignina que a madeira de Cryptomeria japonica apresenta, aliado a sua baixa densidade básica, como mencionado anteriormente. Já para produção de polpa não branqueável, com a utilização de uma carga alcalina menor, é possível obter um rendimento depurado interessante (51,3%), com menor consumo específico de madeira (5,9 m³ tsa-1). Dessa forma, a madeira de Cryptomeria japonica é mais indicada para produção de polpa não branqueada, o que demandaria menor carga de reagentes, proporcionando um bom rendimento.
4 CONCLUSÕES
Com base nos resultados obtidos nas curvas de cozimento, com aplicação de diferentes cargas alcalinas, conclui-se que a madeira de Cryptomeria japonica é mais indicada para produção de polpa celulósica de fibra longa não branqueada.
A madeira estudada apresenta alto teor de lignina, que dificulta o processo de deslignificação, e baixa densidade básica, que resulta em baixo rendimento. Assim, para otimizar o uso da espécie, é mais indicado trabalhar com polpa celulósica com alto número kappa, a qual é possível aliar um bom rendimento em polpa.
Nas condições utilizadas no estudo a carga de álcali ativo de 18% foi a que apresentou o maior rendimento depurado, com 52,6%, número kappa de 93,9, teor de rejeitos de 4,3%, com o menor consumo específico de madeira (6,0 m³ tsa-1).
Caso o intuito seja utilizar a madeira de Cryptomeria japonica para obtenção de polpa branqueada, sugere-se que sejam conduzidos novos estudos avaliando variações no fator H, visando melhorar a deslignificação da madeira.
Referências
- AMPESSAN, C. G. M. Idade da madeira na qualidade de polpa e do papel. 2015. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Lages, 2015.
- ANDRADE, A. S. Qualidade da madeira, celulose e papel em Pinus taeda L.: influência da idade e classe de produtividade. 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 11941/2003: Madeira: Determinação da densidade básica. Rio de Janeiro, 2003. 6 p.
- BARRICHELO, L. E. G.; FOELKEL, C. E. B. Processo nítrico-acético para maceração de madeiras. Silvicultura, São Paulo, v. 8, n. 28, p. 732-733, 1983.
- BASSA, A. G. M. C.; SILVA JÚNIOR, F. G.; SACON, V. M. Misturas de madeira de Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophylla e Pinus taeda para produção de celulose kraft através do Processo Lo-Solids®. Scientia Forestalis, Piracicaba, n. 75, p. 19-29, set. 2007.
-
BONFATTI JÚNIOR, E. et al Kraft pulping and papermaking of Cryptomeria japonica Scientia Forestalis , Piracicaba, v. 47, n. 124, p. 811-822, dez. 2019. DOI: 10.18671/scifor.v47n124.22
» https://doi.org/10.18671/scifor.v47n124.22 - BUGAJER, S.; LIMA, A. F.; PINHO, M. R. R. Otimização do processo de polpação kraft de eucalipto. O Papel, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 41-47, fev. 1980.
- CARDOSO, G. V. et al Efeito do teor de lignina da madeira de Eucalyptus globulus Labill. no desempenho da polpação kraft. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 21, n. 1, p. 133-147, jan./mar. 2011.
-
CARNEIRO, M. E.; BITTENCOURT, E.; MUNIZ, G. I. B. Qualidade da madeira de Cryptomeria japonica D. Don. Floresta, Curitiba, v. 39, n. 4, p. 913-920, out./dez. 2009. DOI: 10.5380/rf.v39i4.16328
» https://doi.org/10.5380/rf.v39i4.16328 - CARPANEZZI, A. et al Zoneamento ecológico para plantios florestais no Estado de Santa Catarina. Colombo: EMBRAPA; CNPF, 1988. 113 p. (Documento, 21).
- CARVALHO, M. G. V. S. Efeito das variáveis de cozimento nas características químicas de pastas kraft de Eucalyptus globulus 1999. Tese (Doutorado) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999.
- DIAS, O. A.; SIMONELLI, G. Qualidade da madeira para a produção de celulose e papel. Enciclopédia Biosfera, Goiânia, v. 9, n. 17, p. 3632-3646, dez. 2013.
- FANTUZZI NETO, H. Qualidade da madeira de eucalipto para produção de celulose kraft. 2012. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2012.
- FERNANDES, D. E. et al Influência da produtividade de clones híbridos de eucalipto na densidade da madeira e na polpação Kraft. Scientia Forestalis , Piracicaba, v. 39, n. 90, p. 143-150, jun. 2011.
- FONTE, A. P. N. Utilização da madeira de Cryptomeria japonica para a produção de painéis colados lateralmente e aplicação de acabamento superficial. 2016. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2016.
-
FONTE, A. P. N. et al Propriedades físicas e químicas da madeira de cerne e alburno de Cryptomeria japonica Revista de Ciências Agroveterinárias, Lages, v. 16, n. 3, p. 277-285, set. 2017. DOI: 10.5965/223811711632017277
» https://doi.org/10.5965/223811711632017277 - GOMES, F. A. Avaliação dos processos Kraft convencional e Lo-Solids para madeira de Pinus taeda 2009. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, 2009.
- GOMIDE, J. L. Antraquinona: um eficiente aditivo para polpação alcalina de madeiras. SIF, 1980. 27 p. (Boletim Técnico, 6).
- GRACE, T. M.; LEOPOLD, B.; MALCON, E. W. Pulp and paper manufacture: alkaline pulping. Atlanta: Tappi, 1989. 637 p.
- INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES. Relatório Anual 2019. Brasília, 2019. 80 p.
- INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES. Relatório Anual 2021. Brasília, 2021. 93 p.
- INTERNATIONAL ASSOCIATION OF WOOD ANATOMISTS COMMITTEE. List of microscopic features for hardwood identification. IAWA Bulletin, Leiden, v. 10, n. 3, p. 219-332, 1989.
-
LENGOWSKI, E. C. et al Desempenho de madeiras de Pinus spp. e Eucalyptus spp. frente ao processo de polpação kraft. In: SEMANA DE APERFEIÇOAMENTO EM ENGENHARIA FLORESTAL DA UFPR, 2., 2018, Curitiba. Anais [...]. 2018. Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/iiseaflor/99972-desempenho-de-madeiras-de-pinus-spp-e-eucalyptus-spp-frente-ao-processo-de-polpacao-kraft/. Acesso em: 15 dez. 2020.
» https://www.even3.com.br/anais/iiseaflor/99972-desempenho-de-madeiras-de-pinus-spp-e-eucalyptus-spp-frente-ao-processo-de-polpacao-kraft -
LONGUE JÚNIOR, D.; COLODETTE, J. L. Remoção de hemiceluloses da madeira por tratamento de auto-hidrólise. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 21, n. 3, p. 541-550, jul./set. 2011. DOI: 10.5902/198050983811.
» https://doi.org/10.5902/198050983811. -
PEREIRA, J. C. D.; HIGA, R. C. V.; SHIMIZU, J. Y. Propriedades da madeira do cedrinho japonês. Colombo: Embrapa Florestas, 2003. 4 p. (Embrapa Florestas. Comunicado Técnico, 88). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPF-2009-09/35544/1/Com_tec88.pdf Acesso em: 15 dez. 2020.
» https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPF-2009-09/35544/1/Com_tec88.pdf -
QUEIROZ, S. C. S. et al Influência da densidade básica da madeira na qualidade da polpa kraft de clones híbridos de Eucalyptus grandis W. Hill ex Maiden x Eucalyptus urophylla S. T. Blake. Árvore, Viçosa, MG, v. 28, n. 6, p. 901-909, nov./dez. 2004. DOI: 10.1590/S0100-67622004000600016
» https://doi.org/10.1590/S0100-67622004000600016 - SANTOS, S. R. Influência da qualidade da madeira de híbridos de Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophylla e do processo kraft de polpação na qualidade da polpa branqueada. 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, 2005.
- SCANDINAVIAN PULP, PAPER, AND BOARD TESTING COMMITTEE. CM 40:01/2001: Wood chips for pulp production. Stockholm, 2001. 4 p.
- SEGURA, T. E. S. Avaliação das madeiras de Corymbia citriodora, Corymbia torelliana e seus híbridos visando à produção de celulose kraft branqueada. 2015. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, 2015.
- SILVA JÚNIOR, F. G . Polpação kraft do eucalipto com adição de antraquinona, polissulfetos e surfactante. 1997. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.
- TECHNICAL ASSOCIATION OF THE PULP AND PAPER INDUSTRY. T 211 om-02: Ash in wood, pulp, paper and paperboard: combustion at 525°C. Atlanta, 2002. 5 p.
- TECHNICAL ASSOCIATION OF THE PULP AND PAPER INDUSTRY. T 222om-02: Acid-insoluble lignin in wood and pulp. Atlanta, 2002. 5 p.
- TECHNICAL ASSOCIATION OF THE PULP AND PAPER INDUSTRY. T 236 om-99: Kappa number of pulp. Atlanta, 1999. 4 p.
- TECHNICAL ASSOCIATION OF THE PULP AND PAPER INDUSTRY. T 264 cm-97: Preparation of wood for chemical analysis. Atlanta, 1997. 3 p.
- TECHNICAL ASSOCIATION OF THE PULP AND PAPER INDUSTRY. T 650 om-05: Solids content of black liquor. Atlanta, 2005. 3 p.
-
TRIANOSKI, R. et al Avaliação da estabilidade dimensional de espécies de pinus tropicais. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 20, n. 3, p. 398-406, ago. 2013. DOI: 10.4322/floram.2012.071
» https://doi.org/10.4322/floram.2012.071 - VASCONCELOS, F. S. R. Avaliação do processo SuperBatch™ de polpação de Pinus taeda 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, 2005.
- VIVIAN, M. A. et al Qualidade das madeiras de Pinus taeda e Pinus sylvestris para a produção de polpa celulósica kraft. Scientia Forestalis , Piracicaba, v. 48, n. 105, p. 183-191, mar. 2015.
-
VIVIAN, M. A. et al Caracterização tecnológica da madeira de Cupressus lusitanica visando à produção de polpa celulósica. Pesquisa Florestal Brasileira, Colombo, v. 40, e201901894, jan. 2020. DOI: 10.4336/2020.pfb.40e201901894
» https://doi.org/10.4336/2020.pfb.40e201901894 -
VIVIAN, M. A.; SILVA JÚNIOR, F. G. Efeito da antraquinona na curva de cozimento kraft para madeira do híbrido Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophylla Pesquisa Florestal Brasileira, Colombo, v. 37, n. 92, p. 457-464, out./dez. 2017. DOI: 10.4336/2017.pfb.37.92.1267
» https://doi.org/10.4336/2017.pfb.37.92.1267
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Set 2022 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2022
Histórico
-
Recebido
05 Dez 2020 -
Aceito
24 Set 2021 -
Publicado
24 Jun 2022