Open-access Gastos públicos com veículos e aeronaves empregados no combate ao incêndio florestal ocorrido na Reserva Biológica de Sooretama

Public expenses with vehicles and aircraft used to fight forest fire in the Sooretama Biological Reserve

Resumo

Os incêndios florestais são considerados um dos maiores problemas ambientais em todo o mundo, comprometendo seriamente o desenvolvimento sustentável. No setor público, a prevenção e combate aos incêndios florestais tornaram-se um desafio para os gestores, que precisam lidar, entre outras questões, com a falta de recursos e de políticas públicas orientadas. Assim, o objetivo deste trabalho foi contabilizar os gastos operacionais dos veículos e aeronaves do setor público empregados no combate a um incêndio florestal de grande proporção na Reserva Biológica de Sooretama, estado do Espírito Santo, utilizando dados ex post facto na elaboração de equações matemáticas. Os resultados dizem respeito aos gastos com combustíveis, manutenções e seguros, não sendo possível contabilizar os dispêndios com pneus, lubrificantes e graxas, por falta de dados oficiais. Nos resultados, constatou-se o emprego de 36 veículos leves e 27 pesados e 3 aeronaves de origem militar, além da locação de 19 veículos de apoio. Concluiu-se que o maior gasto foi de instituições estaduais, representando 72% do total dos custos com manutenções das aeronaves e 50% do gasto total de combustível, incluindo querosene de aviação. Em média diária, foram queimados cerca de 180 hectares nos limites do entorno da Reserva, demandando um desembolso financeiro operacional médio diário de R$17.595,23 e mais R$64.264,47 de depreciação mensal dos equipamentos. Constatou-se, ainda, que esses gastos só não foram maiores em razão das significativas contribuições de empresas privadas.

Palavras-chave: Proteção florestal; Prevenção de incêndios; Despesas públicas

Abstract

Forest fires are considered one of the biggest environmental issues in the world as they seriously affect the sustainable development. In the public sector, prevention and fight of forest fires has become a challenge for the managers who need to deal, among other issues, with the lack of resources and targeted public policies. The objective of this work was to calculate the operational expenses of vehicles and aircraft of the public sector used in the fight against a large forest fire in the Sooretama Biological Reserve, state of Espírito Santo, using ex post facto data, in the preparation of mathematical equations. The results refer to fuel, maintenance and insurance expenses. Also, it is not possible to calculate expenses with tires, lubricants and greases due to lack of official data. The results showed the use of 36 light vehicles, 27 heavy vehicles and three military aircrafts, in addition to the rental of 19 supporting vehicles. It was concluded that the largest expenditure was from State institutions that accounted for 72% of total costs with aircraft maintenance and 50% of total expenditure with jet fuel (kerosene). On a daily average, around 180 hectares were burned in the limits and surroundings of the Reserve, which required an average daily operating expense of R$ 17,595.23 and a monthly depreciation of R$ 64,264.47. It was also found that these expenses were not higher due to the significant contributions of private companies.

Keywords: Forest protection; Fire prevention; Public expenditures

1 INTRODUÇÃO

Há décadas, os incêndios florestais são considerados um dos maiores problemas ambientais do mundo. Com previsão de contínuo crescimento tanto na frequência quanto na intensidade, de acordo com Anderson et al. (2019), esses incêndios ocasionam prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, à sociedade e à economia, influenciando negativamente o desenvolvimento sustentável do planeta, que é considerado o uso equilibrado dos recursos naturais e econômicos para atendimento das demandas da sociedade, sem prejudicar as necessidades das gerações futuras.

Considera-se como incêndios florestais a ocorrência do fogo em vegetação, sem controle e com potencial destrutivo, cuja incidência advém de causas naturais ou antrópicas, sendo estas últimas apontadas em muitas pesquisas como a principal origem dessas queimadas (RAMALHO et al., 2021; SILVA, 2017). Nunes et al. (2015) afirmam que os incêndios florestais descontrolados podem impactar negativamente a sociedade de diferentes maneiras, sobretudo colocando em risco vidas humanas, além de prejudicar o funcionamento dos ecossistemas, a proteção do solo e a qualidade do ar. Destarte, a discussão sobre os incêndios florestais entre as instituições públicas, privadas e a sociedade civil é de suma importância para a elaboração das atividades de prevenção (EUGENIO et al., 2016).

Conforme Torres et al. (2016), as últimas décadas trouxeram aumento significativo nas ocorrências de incêndios florestais no mundo. No Brasil, de acordo com Oliveira Júnior et al. (2017), o número de focos desses incêndios e de queimadas aumentou significativamente nos últimos 20 anos, ocasionando considerável interesse por eventos que dizem respeito ao tema. Nessa perspectiva, conforme os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2020), no ano de 2019 houve crescimento de 48% no total de focos de incêndios no Brasil em relação ao ano anterior, enquanto em 2020 ocorreu elevação de 12% em comparação com 2019.

No setor público, a prevenção e combate aos incêndios florestais em Unidades de Conservação tornaram-se um desafio para os gestores, que precisam lidar, entre outras questões, com a falta de recursos e de políticas públicas adequadas e atualizadas. Para Anderson et al. (2019), a capacidade de resposta aos incêndios florestais está nas habilidades, recursos e ações que uma sociedade ou órgão tem para responder ao evento deflagrado.

Contudo, a escassez de indicadores ambientais confiáveis reprime a análise eficiente dos gastos públicos (BUENO et al., 2013). Para Silva et al. (2020), todos os recursos gastos para o controle e preservação ambiental devem ser apurados por atividades. Nascimento Júnior (2011) afirma ser necessário buscar maior quantificação dos gastos com a destruição do meio ambiente para que se possam construir políticas públicas visando à sua recuperação.

De acordo com Silva (2017), a fragilidade dos registros no setor público acerca dos incêndios florestais e a inexistência de modelos científicos que mensurem os gastos nos combates, juntamente com a falta de critérios claros dos órgãos competentes para a distribuição de recursos voltados à prevenção, evidenciam quão distante está a gestão eficaz dos recursos públicos. Rodríguez et al. (2013) afirmam que a falta de informações relevantes sobre os incêndios pode levar a dois extremos: gastos muito altos em proteção, acima do potencial de dano, ou gastos muito pequenos, colocando em risco a sobrevivência das florestas. Para Anderson et al. (2019), a preocupação com os efeitos dos gastos públicos na economia é recorrente, sobretudo, com os impactos deles sobre o crescimento econômico.

Pelo exposto, o objetivo deste trabalho foi contabilizar os gastos operacionais com veículos e aeronaves do setor público empregados no combate a um incêndio florestal de grande proporção ocorrido na Reserva Biológica de Sooretama, no estado do Espírito Santo.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo é classificado como exploratório, porquanto realizou análise retrospectiva numa área onde há poucas informações sistematizadas. Trata-se, também, de uma pesquisa documental e descritiva, cujos dados e informações foram obtidos por meio de documentos públicos.

2.1 Área de estudo

Esta investigação é ex post facto em razão de ter sido baseada no segundo maior incêndio ocorrido na Reserva Biológica de Sooretama (RBS), em março de 2016, classificado como de grande proporção pela destruição de mais de 200 hectares (RAMSEY; HIGGINS, 1981). O incêndio na RBS durou 21 dias e foi causado por ação humana, conforme Laudo nº 040/2016, do setor de perícia do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo (CBMES).

A Reserva Biológica de Sooretama, localizada no estado do Espírito Santo, é uma Unidade de Proteção Integral pertencente ao Governo Federal gerenciada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), criada em 1982. De acordo com Silva (2017), trata-se da maior área de cobertura florestal nativa do Estado, possuindo aproximadamente 24.000 hectares. Sua formação vegetal predominante é de Floresta Ombrófila Densa nas terras baixas, caracterizada por árvores com mais de 30 metros de altura e grande diversidade de ecossistemas, cuja topografia compreende uma faixa plana com cerca de 20 a 200 metros acima do nível do mar. A Figura 1 apresenta as áreas incendiadas e as áreas adjacentes à RBS.

Figura 1
Áreas incendiadas e áreas adjacentes à RBS, no Espírito Santo

2.2 Fonte, coleta e elaboração dos dados

As informações deste estudo estão restritas a documentos emitidos por instituições públicas das autarquias federal, estadual e municipal. Sublinha-se que só foram consideradas as informações fornecidas oficialmente, as quais foram tabuladas por dia de ocorrência do incêndio e por instituição, pois as instituições trabalharam em dias diferentes. Na Tabela 1, é apresentada a metodologia desenvolvida para a coleta de dados deste estudo.

Tabela 1
Metodologia desenvolvida para a obtenção de dados

2.3 Metodologia para auferir os gastos operacionais dos veículos e aeronaves

Por meio do número de patrimônio e do Registro Nacional de Veículos Automotores (RENAVAN), conseguiram-se informações sobre as despesas com: (a) combustíveis, (b) manutenção e (c) seguros. Para tanto, por não haver métodos científicos para tal, foram elaboradas para este estudo as Equações (1)-(5), as quais foram balizadas nos critérios mensuráveis encontrados nos documentos analisados, como: tipo do recurso gasto, quantidade do recurso utilizada e valor pago pelo recurso. As unidades de medidas utilizadas aqui foram as mesmas constantes nos registros das despesas contábeis (combustível = litros; manutenção de aeronaves = horas de voo; locação de veículos = dias locados; e seguros dos veículos = quantidade de dias trabalhados no combate). As equações foram aplicadas sobre o quantitativo gasto de cada um dos recursos empregados nos dias de combate ao incêndio por todas as instituições participantes. Não foram considerados os gastos com pneus, lubrificantes e graxas, por falta de dados. Os custos com locação de veículos pesados foram contabilizados por meio da Equação (6). A depreciação patrimonial financeira foi obtida pela Equação (7) e, para a sua realização, foram obtidos os valores pagos pelas instituições competentes na aquisição dos veículos e das aeronaves.

2.3.1 Contabilização dos gastos com combustíveis

As informações dos veículos, a quantidade consumida e o valor pago foram levantados conforme os registros individuais no cartão corporativo e também por meio dos relatórios operacionais dos militares que já apresentavam valores gastos. Ressalta-se que não foi considerado o consumo dos veículos dos bombeiros que tiveram ocorrências paralelas nos dias de combate ao incêndio na RBS.

Quanto às aeronaves, a quantidade de combustível gasta foi fornecida pelo setor de manutenção do Núcleo de Operações e Transporte Aéreo do Espírito Santo (NOTAer), e o valor pago pelo litro do querosene de aviação, também conhecido como QAV ou GET A1, foi fornecido pelo setor de compras da Secretaria de Estado da Casa Militar do Espírito Santo, pois esse querosene foi obtido por meio de licitação, razão pela qual apresentou preços diferenciados do valor comercial. A Equação (1) representa como o valor total de combustível foi estimado:

C o m b u = Q G v * V p + Q D * V p + ( Q A V * V p l ) (1)

Em que: Combu = combustíveis; QGv= quantidade gasolina por veículos; Vp = valor pago por litro;

QD = quantidade de diesel; QAV = quantidade de querosene de aviação; Vpl = valor pago por litro, conforme licitação.

2.3.2 Contabilização dos gastos com manutenção

Foram considerados somente os veículos que passaram por manutenções nos meses em que houve combate ao incêndio florestal, foco deste estudo (parte de março e abril de 2016). De acordo com Oliveira (2000), em geral os custos com reparos e manutenções estão relacionados com a intensidade de uso. A Equação (2) apresenta as variáveis dos gastos da manutenção dos veículos:

M v e i = G P + G M O (2)

Em que: Mvei = manutenção de veículos (leves e pesados); GP = gasto com peças por veículo; GMO = gasto com mão de obra por veículo;

A Equação (3) apresenta as variáveis para os gastos com manutenção das aeronaves, cujo valor da manutenção informado, segundo o Setor de Manutenção do NOTAer, é contabilizado por hora de voo (registrado no diário de bordo) e já inclui o valor da mão de obra.

M a e r o = T h * V m a (3)

Em que: Maero = manutenção aeronaves; Th = total de horas trabalhadas no combate; Vma = valor da manutenção por hora.

2.3.3 Gastos com seguros

Foram considerados dois tipos de seguro, calculados proporcionalmente (Equação 4). O Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), cujos valores foram identificados individualmente; e o Seguro Aeronáutico para as aeronaves, sendo ambos informados pela Secretaria de Estado da Casa Militar do Espírito Santo.

S = ( S v e / T 1 / T 2 ) * D T + ( V a e r / T 1 / T 2 ) * D T (4)

Em que: S = seguros; Sve = valor seguro veículo; T1 = 12 meses; T2 = 30 dias; DT = dias trabalhados no combate; Vaer = valor seguro aeronave.

A Equação (5) apresenta a soma de todos os gastos operacionais dos veículos, a saber:

D o v a = C o m l u + M v e i + M a e r o + S (5)

Em que: Dova = despesas operacionais com veículos e aeronaves; Comlu = combustíveis e lubrificantes; Mvei = manutenções veículos; Maero - Manutenção aeronaves; S = seguros.

2.3.4 Locações de veículos

Após a identificação das instituições que locaram veículos pesados, foram investigados os modelos e valores pagos por cada locação de veículo, sendo todos classificados como pesados. A Equação (6) foi aplicada individualmente por instituição e por veículos que apresentavam os mesmos valores de locação, conforme a Equação (6):

L o v = Q 1 * P p (6)

Em que: Lov = locação de veículos; Ql = quantidade de locações; Pp = preço pago

2.3.5 Mensuração da Depreciação

Tendo em conta que a contabilização da Depreciação se tornou obrigatória no setor público desde 2011 (ANDRADE; SUZART; ANTÔNIO, 2019) e é considerada um gasto que altera a composição patrimonial das instituições (GRACILIANO; FIALHO, 2013), optou-se por mensurar essa perda patrimonial também, pois o valor total apurado na Depreciação representa a diminuição no Ativo patrimonial e não um elemento de despesa (STN, 2014), como os demais gastos avaliados neste estudo.

Para estimar a depreciação dos bens, foi utilizado o método linear (Equação 7), adaptado para encontrar, individualmente, o valor mensal dos veículos e das aeronaves. Para as taxas anuais de depreciação, bem como o período de vida útil, foram utilizados os valores estabelecidos pelo Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) (SIAFI, 2017). Embora o combate tenha durado 21 dias, foi considerado o período de 30 dias para fins de mensuração, conforme determinação da Secretaria do Tesouro Nacional (STN, 2014, p. 170): “... não havendo para os bens da entidade depreciação em fração menor que um mês”.

D m = ( ( V i - V r ) / n ) / T 1 (7)

Em que: Dm = depreciação mensal; Vi = valor inicial (investimento); Vr = valor residual; n = anos de vida útil do bem; T1 = 12 meses (acrescentado neste estudo para encontrar o valor da depreciação mensal); Dt = depreciação total; Dmv = depreciação mensal de veículos; Dma = depreciação mensal aeronaves.

3 RESULTADOS

3.1 Gastos com combustíveis, manutenção e seguros

O gasto operacional total com recursos empregados nos 21 dias de combate ao incêndio na RBS foi auferido por meio dos registros das despesas com combustíveis, manutenções e seguros, que perfizeram o montante de R$ 328.795,58 (autarquia estadual) e R$ 29.634,39 (autarquia federal), conforme Tabela 2. Sublinha-se que todos os valores apresentados se referem ao valor do ano de ocorrência do incêndio investigado (2016), não havendo nenhum tipo de correção monetária.

Tabela 2
Gastos operacionais dos veículos e aeronaves

Alguns veículos leves e pesados dos bombeiros eram provenientes do Batalhão do Município de São Mateus, estado do Espírito Santo, e os respectivos gastos no percurso até a RBS também foram contabilizados neste estudo.

A quantidade (em litros) de querosene de aviação consumido somente pelo NOTAer representou quase a metade do total gasto em toda a operação, assim como seu custo financeiro também foi maior (Figura 2).

Figura 2
Gasto financeiro com combustíveis

3.2 Gastos com locações de veículos

Dos 19 veículos pesados alugados, apenas 10% deles (caminhões-pipa) foram pagos pelo setor público, em que se gastaram R$ 11.061,00 (Equação 6). Os 90% dos demais veículos foram locados (alguns cedidos) por empresas da iniciativa privada.

3.3 Mensuração da Depreciação

O valor inicial total (valor pago na aquisição dos veículos e das aeronaves) utilizado na Equação (7) foi de R$ 29.641.295,61. Tal valor foi obtido por meio dos setores competentes que efetuaram as compras desses bens, com a ressalva de que 70% desse valor se referem a três aeronaves do NOTAer. Apurou-se que o valor total mensal da Depreciação foi de R$ 64.264,47 (Equação 7). A Figura 3 ilustra a distribuição do valor obtido na Depreciação dos veículos e das aeronaves.

Figura 3
Distribuição percentual do valor da Depreciação dos veículos e aeronaves

4 DISCUSSÃO

Em média diária, queimaram-se cerca de 180 hectares nos limites e entorno da Reserva, demandando um gasto operacional médio de R$17.595,23 por dia, com o emprego de veículos e aeronaves do setor público que trabalharam em diferentes dias, em que as instituições estaduais tiveram os maiores gastos, enquanto a instituição responsável pela Reserva, o ICMBio (autarquia federal), teve o menor gasto operacional, pois empregou o menor número de veículos. Salienta-se que, embora os recursos sejam de origem pública, a distribuição desses recursos ocorre conforme as demandas previstas no planejamento anual de cada instituição.

4.1 Dos gastos do Corpo de Bombeiros Militares do Espírito Santo (CBMES)

Sobre os combustíveis, constatou-se que, devido à gravidade do sinistro e da movimentação das viaturas para manutenções e traslado dos militares, os veículos eram abastecidos em diferentes postos de combustível mais próximos à demanda e, em decorrência disso, notaram-se consideráveis variações de preços pagos pelo litro de combustível, inclusive pelo mesmo veículo.

Para efeito de comparação, constatou-se que o volume total em litros de combustível gasto no combate foi 18% superior ao gasto total anual previsto no Plano operativo de prevenção e combate aos incêndios florestais para a RBS, conforme Programa Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PREVFOGO) (IBAMA/PREVFOGO, 2007). A esse respeito, Medeiros et al. (2011) afirmam que o investimento por hectare em Unidade de Conservação no Brasil é um dos mais baixos do mundo, e, mesmo em países que possuem o Produto Interno Bruto (PIB) menor do que o brasileiro, o financiamento das áreas protegidas é substancialmente mais elevado. Nessa perspectiva, o investimento nas atividades de combate e prevenção aos incêndios no Brasil fica muito aquém do feito em outros países.

Foi observado que algumas empresas privadas contribuíram com a doação de combustíveis (gasolina e diesel) para os veículos dos bombeiros e, se não fossem tais doações, os gastos públicos com combustíveis teriam sido muito superiores aos apurados.

No que tange às manutenções, todas foram realizadas por empresas terceirizadas, tanto a mão de obra quanto a aquisição de peças. Dos oito veículos que receberam manutenções para o período estudado, dois eram veículos pesados, específicos para combate a incêndios. Destaca-se que o combate aos incêndios florestais é uma atividade desgastante e envolve riscos ao homem e aos equipamentos (MAGALHÃES; LIMA; RIBEIRO, 2011).

4.2 Dos gastos do Exército brasileiro

Os gastos operacionais do Exército dizem respeito ao transporte de militares do 38º Batalhão de Infantaria do Estado do Espírito Santo, localizado no município de Vila Velha, cerca de 184,946 km do local do incêndio. Para o período investigado, não houve constatação de que os veículos utilizados tivessem passado por manutenções, segundo a 4ª Seção do Batalhão. Quanto aos seguros, os veículos do exército são de uso bélico e, por isso, são isentos de tal tributação, conforme o Artigo 130, §§ 1º e 2º da Lei nº 9.503, de 1997 (BRASIL, 2017).

Sublinha-se que os militares do exército ajudaram no combate ao incêndio em questão, em razão da falta de mão de obra de bombeiros, que atendiam a outras ocorrências de incêndios na região Norte do Espírito Santo.

4.3 Dos gastos com as aeronaves do Núcleo de Operações e Transporte Aéreo do ES (NOTAer)

Para o gasto total com combustíveis do NOTAer, foram empregadas três aeronaves no combate (helicópteros) em 10 dias de trabalho, perfazendo 61 horas de voo. As aeronaves foram utilizadas, principalmente, para sobrevoo de reconhecimento da área, mas, em alguns dias, foram utilizadas para lançamentos de água em locais de difícil acesso para veículos pesados, estimando-se cerca de 35.170 litros de água gasta em cerca de 60 lançamentos, não se obteve os resultados esperados segundo o NOTAer.

Nesse combate não foi utilizado nenhum veículo aéreo remotamente pilotado (VANT), que poderiam ter contribuído para a redução dos gastos das aeronaves. De acordo com Zeferino e Rosa (2019), os meios aéreos têm papel importante no combate aos incêndios florestais, em razão da celeridade com que se dirigem ao local da ocorrência e da grande quantidade de água que podem transportar, permitindo diminuir, de forma mais eficiente, a massa térmica de um incêndio.

Todas as aeronaves voltavam todos os dias à sua base militar em Vitória-ES (133,49 km) após o encerramento de suas atividades em Sooretama, pois são abastecidas somente no aeroporto de Vitória. Em razão disso, boa parte do combustível consumido pelas aeronaves foi gasto com deslocamento entre a base militar e o local do incêndio, perfazendo uma média de 20 viagens, o equivalente a cerca de 2.669,80 km. Assim, para as três aeronaves, estimou-se um gasto de operação de no mínimo R$4.193,00 por hora de voo.

Conforme a Seção de Manutenção do NOTAer, no valor das horas de voo estão incluídos os cálculos médios dos gastos com inspeções por hora e por calendário, inspeções essas que possuem caráter obrigatório e influenciam diretamente a aeronavegabilidade. Salienta-se que tais aeronaves são empregadas em diversas outras atividades aéreas, e elas foram autorizadas para ajudar no combate devido à gravidade do sinistro em área de elevado valor ambiental para o estado do Espírito Santo. Os gastos com as aeronaves do NOTAer não foram ainda maiores em virtude da presença de uma aeronave disponibilizada por uma empresa da iniciativa privada.

4.4 Dos gastos do ICMBio

O gasto com combustível abrangeu veículos de outras duas unidades de Conservação de responsabilidade do ICMBio, que também contribuíram no combate: a Reserva Biológica de Comboios e a Floresta Nacional de Goytacazes, que ficam distantes da RBS (35,5 e 73,4 km, respectivamente). O valor apurado na Tabela 1 sobre a manutenção diz respeito apenas a um veículo leve, e o valor com seguros diz respeito a 10 veículos leves. Não foi possível investigar se os demais veículos leves passaram por manutenções, em razão da falta de dados oficiais.

Constatou-se que o gasto total com combustíveis no combate foi 18% superior ao gasto total anual previsto pelo Plano de Prevenção de Incêndios da Reserva, corroborando diferentes pesquisadores sobre o fato de os gastos no combate aos incêndios florestais serem maiores do que os gastos com prevenção.

4.5 Gastos com locações de veículos

Em função da dimensão do sinistro, foi necessária a locação de 19 veículos pesados, pois não havia disponibilidade deles nas instituições que atuaram no combate. Foram locados os seguintes modelos: trator de esteira, retroescavadeira, escavadeira, caminhão munck, caminhão de abastecimento, autotanque e sete tipos de caminhões-pipa com capacidades para 8.000 a 25.000 litros de água, que tiveram maior demanda.

4.6 Depreciação total dos veículos e aeronaves

A depreciação dos veículos e das aeronaves aponta uma perda financeira de Ativos no setor público de cerca de R$ 64.264,47 no período de trabalho do combate. Ademais, constatou-se que alguns veículos foram muito danificados nessa operação, os quais, de acordo com a Seção de Manutenção dos Bombeiros Militares, na maioria das vezes, perdem sua capacidade funcional muito antes do seu tempo de vida útil previsto ao ser adquirido. Além disso, as danificações podem prejudicar o valor de venda desses bens quando leiloados. Destaca-se que conhecer o valor da depreciação dos bens permite o conhecimento dos impactos orçamentário e financeiro, contribuindo na eficácia do planejamento estratégico do setor público (VIANA et al., 2013).

5 CONCLUSÕES

Os gastos operacionais auferidos neste estudo foram referentes às despesas com combustíveis, manutenções e seguros de quatro instituições públicas que empregaram, nos 21 dias de combate ao incêndio na Reserva Biológica de Sooretama (RBS), no Espírito Santo, 36 veículos leves, 27 pesados e 3 aeronaves, cuja grande maioria pertencia aos Bombeiros Militares e ao Exército Brasileiro. Além dessas máquinas, apurou-se a participação de 19 veículos de apoio que foram locados.

Em média diária, queimaram-se cerca de 180 hectares nos limites e entorno da Reserva, demandando uma despesa pública média de R$ 17.595,23 por dia, em que 72% desse valor foi para a manutenção e abastecimento das aeronaves, que também apresentaram os maiores valores de depreciação financeira.

Constatou-se que o volume total em litros de combustível gasto no combate foi 18% superior ao custo total anual previsto no Plano Operativo de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais da reserva incendiada, que, no período dessa ocorrência, não possuía brigadistas contratados. A maior quantidade desse combustível foi gasta para traslado dos militares de municípios distantes do incêndio.

Embora a RBS seja de responsabilidade de uma autarquia federal, a autarquia estadual arcou com a maior parte das despesas financeiras. Os gastos operacionais públicos e a degradação ambiental não foram ainda maiores em razão das significativas contribuições de empresas da iniciativa privada.

Agradecimentos

Aos Militares do 38º Batalhão de Infantaria, Militares do NOTAer e, em especial, aos Bombeiros Militares do Estado do Espírito Santo, pela grandiosa colaboração e pelo esclarecimento das informações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2020
  • Aceito
    22 Nov 2021
  • Publicado
    22 Set 2022
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