Resumos
O objetivo do estudo foi analisar a associação entre os índices fisiológicos de potência aeróbia e capacidade aeróbia performance nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km. Nove corredores de endurance realizaram os seguintes protocolos: a) teste para determinação do VO2max, vVO2max e OBLA; b) 2-5 testes em dias alternados de 30 min com velocidade constante para determinar a vMLSS e c) determinação da performances. Foram empregadas correlação linear de Pearson ou Spearman e regressão múltipla para determinar as relações entre os índices e a performance nas corridas. Observou-se uma correlação significante somente da vVO2max com o tempo nas distâncias de 1,5 km (r = - 0,78) e 3 km (r = - 0,81). Dessa forma, pode-se sugerir a inclusão de sessões de treinamento em intensidade próxima ou superior à vVO2max na periodização semanal dos corredores. Com base nesses achados, foi possível concluir que a predição da performance por meio de índices de potência aeróbia e da capacidade aeróbia depende da distância e duração da prova.
Corredores; Lactato; Índices fisiológicos; Performance
The aim of this study was to analyze the association between physiological indices of aerobic power and aerobic capacity with the performance in the distances of 1.5 km, 3 km and 5 km. Nine endurance runners performed the following protocols: a) test to determine the VO2max, vVO2max and OBLA; b) 2-5 tests in alternate days of 30 minutes with constant speed to determine the vMLSS; and c) performances (P). The linear correlation of Pearson or Spearman and multiple regression were applied to determine the relationships among the indices and the performance. It was found a significant correlation only of the vVO2max with the performance of 1.5 km (r = 0.78) and 3 km (r =0.81). Thus, it can be suggested the inclusion of training sessions at or near vVO2max on weekly periodization. Based on the present findings, it can be concluded that the performance prediction through the indices of power and aerobic capacity depend on the distance and duration of the race.
Runners; Lactate; Physiological indices; Performance
ARTIGO ORIGINAL
Índices fisiológicos associados com a performance aeróbia de corredores nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km
Physiological indices associated with aerobic performance in the distances of 1,5 km, 3 km and 5 km
Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo; Rubens José Babel Junior; Francimara Budal Arins; Naiandra Dittrich
Laboratório de Esforço Físico (LAEF), Departamento de Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Endereço Endereço: Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo Universidade Federal de Santa Catarina Centros de Desportos - (LAEF) Campus Universitário - Trindade Florianópolis SC Brasil 00040-900 e-mail: luizguilherme@cds.ufsc.br
RESUMO
O objetivo do estudo foi analisar a associação entre os índices fisiológicos de potência aeróbia e capacidade aeróbia performance nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km. Nove corredores de endurance realizaram os seguintes protocolos: a) teste para determinação do VO2max, vVO2max e OBLA; b) 2-5 testes em dias alternados de 30 min com velocidade constante para determinar a vMLSS e c) determinação da performances. Foram empregadas correlação linear de Pearson ou Spearman e regressão múltipla para determinar as relações entre os índices e a performance nas corridas. Observou-se uma correlação significante somente da vVO2max com o tempo nas distâncias de 1,5 km (r = - 0,78) e 3 km (r = - 0,81). Dessa forma, pode-se sugerir a inclusão de sessões de treinamento em intensidade próxima ou superior à vVO2max na periodização semanal dos corredores. Com base nesses achados, foi possível concluir que a predição da performance por meio de índices de potência aeróbia e da capacidade aeróbia depende da distância e duração da prova.
Palavras-chave: Corredores. Lactato. Índices fisiológicos. Performance.
ABSTRACT
The aim of this study was to analyze the association between physiological indices of aerobic power and aerobic capacity with the performance in the distances of 1.5 km, 3 km and 5 km. Nine endurance runners performed the following protocols: a) test to determine the VO2max, vVO2max and OBLA; b) 2-5 tests in alternate days of 30 minutes with constant speed to determine the vMLSS; and c) performances (P). The linear correlation of Pearson or Spearman and multiple regression were applied to determine the relationships among the indices and the performance. It was found a significant correlation only of the vVO2max with the performance of 1.5 km (r = 0.78) and 3 km (r =0.81). Thus, it can be suggested the inclusion of training sessions at or near vVO2max on weekly periodization. Based on the present findings, it can be concluded that the performance prediction through the indices of power and aerobic capacity depend on the distance and duration of the race.
Keywords: Runners. Lactate. Physiological indices. Performance.
Introdução
Vários estudos têm procurado determinar os índices fisiológicos capazes de predizer a performance aeróbia e que, também, possam ser utilizados como referência para prescrição e controle dos efeitos do treinamento (BRANDON, BOILEAU, 1987; BRANDON, 1995; DENADAI, 1996; DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004).
Tradicionalmente, os índices aeróbios mais estudados para a predição da performance durante as corridas de endurance são o consumo máximo de oxigênio (VO2max), a velocidade correspondente ao VO2max (vVO2max), o tempo de exaustão na vVO2max e a economia de corrida (EC) (DENADAI, 1996; DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004; BILLAT et al., 1999; DENADAI, 1999).
Embora o VO2max seja o parâmetro fisiológico que melhor expressa a aptidão cardiorrespiratória do indivíduo (BASSETT; HOWLEY, 2000), o mesmo apresenta um baixo poder discriminatório da performance em um grupo homogêneo de corredores (DENADAI; ORTIZ: MELLO, 2004). Por outro lado, a velocidade correspondente ao VO2max (vVO2max) é um índice determinante para a predição de performance em provas de média e longa duração (NOAKES; MYBURGH; SCHALL, 1990). Sobretudo, porque este índice representa a associação entre potência aeróbia máxima e EC, ou seja, atletas com VO2max semelhantes podem apresentar valores distintos de vVO2max, explicando, em parte, as diferenças na performance de indivíduos treinados (GUGLIELMO, 2005). Além disso, esta variável tem mostrado uma importante relação com a performance de endurance em corridas que apresentam curtas e médias durações (1 a 10 min). Essas provas são predominantemente dependentes da potência aeróbia, enquanto que, em eventos de longa distância (> 10 km), a capacidade aeróbia parece apresentar a maior contribuição para o desempenho (BILLAT et al., 1999).
Índices relativos à resposta do lactato sanguíneo (onset of blood lactate acummulation - OBLA e a máxima fase estável de lactato - MLSS) são os que melhor representam a capacidade aeróbia, demonstrando relação com a performance de longa duração (CAPUTO et al., 2009). Contudo, a mensuração da capacidade aeróbia a partir de concentrações fixas de lactato (OBLA) parece ser uma importante limitação dos estudos que analisaram a relação dos índices fisiológicos com a performance aeróbia em corredores de endurance (BRANDON, 1995; DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004). Além disso, alguns pesquisadores têm apresentado que valores fixos de lactato podem subestimar ou superestimar a capacidade aeróbia dos atletas, sugerindo a utilização de métodos que permitem a determinação da MLSS (DENADAI, 1996; DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004; HECK et al., 1985; BENEKE, 2003). Neste sentido, a MLSS tem sido considerada o limite superior no qual ainda ocorre estabilidade nas respostas metabólicas e nas trocas gasosas pulmonares sendo frequentemente indicada para a prescrição do treinamento aeróbio, principalmente para atletas (BENEKE, 1995; JONES; DOUST, 1998).
No entanto, evidências científicas demonstram uma ausência de pesquisas que determinaram a MLSS de forma direta, e que verificaram as possíveis influências deste índice na performance aeróbia de corredores treinados (DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004).
Estudos utilizando modelos de regressão simples ou múltipla analisaram, no mesmo grupo de atletas, as relações entre os índices fisiológicos e a performance aeróbia em uma única distância - frequentemente entre 1,5 e 10 km (BILLAT, et al., 1999; TANAKA et al., 1984).
Contudo, não foram encontrados estudos que procuraram relacionar a performance aeróbia obtida nos mesmos atletas, em diferentes distâncias, com dois ou mais índices fisiológicos, particularmente utilizando a MLSS como padrão "ouro" para determinação da capacidade aeróbia. Visto que o percentual de contribuição aeróbia e a intensidade relativa à vVO2max são proporcionalmente diferentes entre as provas de 1,5 km, 3 km e 5 km, a hipótese desse estudo é que as relações entre as variáveis fisiológicas (VO2max, vVO2max, OBLA e MLSS) com a performance nessas distâncias possam ser diferentes.
Desse modo, o objetivo desta pesquisa foi analisar a relação dos índices fisiológicos referentes à capacidade aeróbia (OBLA e MLSS) e à potência aeróbia (VO2max e vVO2max) obtidos em laboratório com a performance de corredores nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km.
Material e métodos
Sujeitos
Participaram do estudo nove corredores de endurance do sexo masculino (29,2 + 10,9 anos; 64,2 + 8,5 kg; 171,8 + 5,7 cm; 11,3 + 3,7 %GC) moderadamente treinados nas provas de 1,5 km (5,1 ± 0,3 min), 3 km (11,0 ± 0,6 min) e 5 km (19,4 ± 1,1 min). No 1,5 km a média da velocidade foi de 17,7 ± 1,0 km.h-1, o que corresponde a 69,77 % do recorde brasileiro e a 67,47 % do recorde mundial. Nos 3 km a média da velocidade foi de 16,3 ± 0,9 km.h-1, o que corresponde a 69,20 % do recorde brasileiro e a 66,33 % do recorde mundial. Nos 5 km a média da velocidade foi de 15,5 ± 0,9 km.h-1, o que corresponde a 68,04 % do recorde brasileiro e a 65,20 % do recorde mundial. No momento que antecedeu a realização deste estudo todos os corredores estavam treinando seis dias por semana, com um volume médio semanal de 40 km.
Antes de iniciarem os procedimentos para a coleta de dados, os atletas foram esclarecidos sobre os objetivos e os métodos da pesquisa, para então assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sob o número de certificado 186, processo: 222/08.
Delineamento experimental
No primeiro dia foram realizadas as medidas antropométricas (massa corporal, estatura e dobras cutâneas), seguido pelo teste incremental em esteira ergométrica para a determinação do VO2max, vVO2max, vOBLA. No segundo dia os atletas foram submetidos ao primeiro teste de 30 min de carga constante na vOBLA para identificação da vMLSS. Para realização destas avaliações os atletas necessitaram de duas a cinco visitas ao laboratório em dias diferentes e com intervalo de 48 h. Com o término dos testes laboratoriais, foram realizadas as performances nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km em dias alternados. Os protocolos foram agendados previamente e aplicados no mesmo horário do dia para cada atleta. Todos participantes foram orientados a não realizar treinamentos intensos nos dias de avaliações e comparecerem alimentados e hidratados para realização das mesmas.
Medidas antropométricas
A massa corporal foi medida utilizando-se uma balança com precisão de 0,1kg (SOEHNLE, ALEMANHA). Para a determinação da estatura foi utilizado um estadiômetro com precisão de 1mm (SANNY, EUA). Para a mensuração do percentual de gordura corporal (% GC) foram realizadas as medidas de espessuras de sete dobras cutâneas (peitoral, axilar, média, tríceps, subescapular, abdômen, supra-ilíaca e coxa) com um adipômetro científico com precisão de 1 mm (CESCORF, Porto Alegre, BRASIL). A densidade corporal foi estimada a partir da equação específica para atletas do sexo masculino proposta por Jackson e Pollock (1978), com aplicação deste valor para estimar o percentual de gordura deste por meio da equação de Siri (1961).
Determinação do VO2max, vVO2max e OBLA
Para a determinação do VO2max foi utilizado um protocolo de cargas progressivas realizado em esteira rolante (IMBRAMED MILLENIUM SUPER ATL - modelo 10.200, Porto Alegre, Brasil). A velocidade inicial foi de 10 km.h-1 com incrementos de 1 km.h-1 a cada 3 min até a exaustão voluntária (BENTLEY; NEWEL; BISHOP, 2007). A inclinação da esteira foi mantida fixa em 1 %. O VO2max foi mensurado respiração a respiração durante todo o procedimento a partir do gás expirado (COSMED, modelo K4 b2, Roma, Itália), com posterior redução dos dados a médias de 15seg. O VO2max foi considerado como o maior valor obtido durante o teste nestes intervalos de 15 s. Para se considerar que durante o teste os indivíduos atingiram o VO2max foram adotados os critérios propostos por Taylor et al. (1955) e Lacour et al. (1991). A vVO2max foi considerada como sendo a menor velocidade de exercício na qual ocorreu o VO2max (BILLAT et al., 1999). O sistema o K4b2 foi calibrado antes de cada teste para assegurar medidas exatas do ar ambiente, do gás do cilindro, da turbina e do delay, de acordo com as recomendações do fabricante.
Entre cada estágio houve um intervalo de 30 s para coleta de sangue do lóbulo da orelha para a dosagem do lactato sanguíneo o qual foi imediatamente transferido para microtubos de polietileno com tampa (tipo Eppendorff) de 1,5 mL, contendo 50µL de solução de fluoreto de sódio (NaF) 1 % e armazenado em gelo. A análise do lactato foi realizada por intermédio de um analisador bioquímico (YSI, modelo 2700 SELECT, Yellow Springs, Ohio, USA). A vOBLA foi determinada por meio de uma interpolação linear (lactato x velocidade), considerando-se uma concentração fixa de 3,5 mmol.L-1. O tempo de teste foi determinado até o momento em que o indivíduo atingiu a exaustão voluntária.
Protocolo de determinação da MLSS
Para determinação da vMLSS, realizou-se uma série de testes com velocidades constantes em diferentes dias em esteira rolante. Cada teste teve duração de 30min, com intervalo mínimo para coleta de sangue do lóbulo da orelha para a dosagem do lactato sanguíneo no 10o e 30o min.
O primeiro teste foi realizado na vOBLA identificado no teste incremental. (HECK et al., 1985). Havendo um aumento na concentração de lactato sanguíneo inferior a 1 mmol.L-1 nos 20 min finais, outro teste de carga constante foi realizado, porém com o acréscimo de 0,5 km.h-1 da velocidade anterior, até que se determinou a vMLSS (BENEKE, 2003; JONES; DOUST, 1998). Caso houvesse o aumento na concentração de lactato sanguíneo superior a 1 mmol.L-1 nos 20 min finais, realizar-se-ia outro teste, porém com o decréscimo de 0,5 km.h-1 da velocidade anterior, e assim sucessivamente, até identificação da vMLSS (JONES; DOUST, 1998).
Análise estatística
Os dados foram expressos como média ± desvio-padrão (DP). A normalidade foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. A relação dos índices analisados foi realizada pelo teste de correlação de Pearson. Para verificar a contribuição dos índices fisiológicos (variáveis independentes) na performance de 1,5 km, 3 km e 5 km (variável dependente) foi aplicada a análise de regressão múltipla, utilizando o método Forward para seleção. Em todos os testes foi adotado o nível de significância de p < 0,05.
Resultados
As variáveis fisiológicas de potência (VO2max e vVO2max) e capacidade (vOBLA e vMLSS) aeróbia estão descritas na tabela 1.
Os valores de correlação (r) das variáveis obtidas em laboratório com o tempo de prova nas três distâncias analisadas estão apresentados na tabela 2. A vVO2max foi a única variável que apresentou correlação significante e negativa com o tempo obtido nas distâncias de 1,5 km (r = - 0,78) e 3 km (r = - 0,81) (figura 1).
Discussão
O principal achado do presente estudo foi que a predição da performance de endurance em corredores treinados a partir de índices fisiológicos (VO2max, vVO2max, vOBLA e vMLSS) é dependente das distâncias das provas que são realizadas em intensidades entre 95% a 105% da vVO2max. Isso pode ser justificado em função da vVO2max representar tanto a participação do metabolismo aeróbio como do anaeróbio o que poderia explicar a maior relação com a performance de provas de média distância (1,5 km e 3 km), visto que 16 % da energia utilizada durante o exercício realizado na vVO2max é derivada do metabolismo anaeróbio (FAINA et al., 1997) .
Um primeiro aspecto que deve ser destacado refere-se à contribuição relativa dos sistemas aeróbio e anaeróbio nas distâncias que foram analisadas no presente estudo. Embora existam críticas sobre a validade dos métodos que estimam a contribuição dos diferentes sistemas energéticos durante o exercício máximo e supramáximo (> vVO2max), estudos recentes têm verificado que a contribuição aeróbia no 1,5 km é superior a 84 % (FAINA et al., 1997; SPENCER; GASTIN, 2001; DUFFIELD; DAWSON; GOODMAN, 2005), ultrapassando 95 % na distância de 5 km (DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004).
O resultados encontrados são semelhantes aos obtidos por Denadai, Ortiz e Mello, (2004), que verificaram correlação significante da vVO2max com a performance nos 1,5 km (r = - 0,64) em um grupo homogêneo de atletas especialistas em corridas de longa distância. Esfarjani e Laursen (2007) também observaram o mesmo para distância dos 3 km quando analisaram o efeito do treinamento intervalado em intensidades acima da vVO2max com corredores moderadamente treinados, verificando que houve correlação dessa variável com a distância tanto no pré (r = - 0,76) quanto no pós treinamento (r = - 0,81). Mesmo para indivíduos ativos é possível obter uma boa predição de performance por meio da vVO2max com a distância de 3 km (r = 0,91), que pode ser constatado no estudo realizado por Silva et al. (2005). Por outro lado, Lacour et al. (1990), além de verificarem correlação da vVO2max com a velocidade média de 1,5 km (r = 0,62) e 3 km (r = 0,64), também observaram correlação com a performance de 5 km (r = 0,86). É importante ressaltar que a ausência de correlação dos índices de capacidade aeróbia e potência aeróbia com a performance na distância de 5 km pode ter ocorrido devido ao número reduzido de sujeitos que participaram do presente estudo.
Além disso, espera-se maior correlação entre os índices relativos à potência aeróbia máxima (vVO2max) em corredores altamente treinados nas provas de meio-fundo, devido, em parte, à elevada capacidade anaeróbia apresentada neste grupo de atletas. Este fato pode ser justificado em função do maior potencial e recrutamento das fibras de contração rápida durante as provas de meio fundo (2 a 10 min). Esse mecanismo proporciona um maior potencial de transferência de energia a partir do metabolismo anaeróbio (NAKAMURA; FRANCHINI, 2006), fazendo com que os mesmos suportem correr médias distâncias nas velocidades próximas ou maiores que a vVO2max (BRANDON, 1995; LACOUR et al., 1990; BOILEAU et al., 1982).
Brandon (1995) relata que as provas de média duração (2 a 10 min) podem apresentar considerável associação entre a potência e capacidade como determinantes da performance, ao contrário do presente estudo que não apresentou correlação entre a vMLSS e vOBLA com a performance nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km de corrida. Slattery et al. (2006) verificaram que a performance na distância de 3 km apresentou correlação, tanto com a vVO2max (r = - 0,91) quanto com as variáveis relacionadas à resposta do lactato sanguíneo (r = - 0,90). Por outro lado, o índice de potência aeróbia máxima ainda foi o melhor preditor da performance nessa distância (R2 = 0,82).
Outro aspecto importante do presente estudo refere-se à vVO2max que, de acordo com o modelo de regressão, foi a única variável capaz de predizer a performance dos 1,5 km e 3 km. Esses resultados corroboram os achados de Denadai, Ortiz e Mello (2004), os quais verificaram que a vVO2max (18,7 + 0,8 km.h-1) associada ao Tlim (381,7 + 152,6 s) é capaz de explicar em 88% a performance dos 1,5 km (19,9 + 0,8 km.h-1). Para a prova de 5 km, Souza (2008) observou que a vVO2max (18,4 ± 0,7 km.h-1), associada ao Tlim (343,82 + 71,28 s) e a vOBLA (14,9 + 0,7 km.h-1) explicaram 88 % da variação da performance na distância de 5 km (16,5 ± 0,7 km.h-1). A inclusão da vOBLA na predição dessa distância pode ser justificada pela maior participação do metabolismo aeróbio (BRANDON; BOILEAU, 1987; BRANDON, 1995; DENADAI, 1996; HILL, 1999; HOUSH et al., 1988). Portanto, em atletas treinados, a predição da performance pode-se dar não apenas por uma variável, mas por um conjunto delas e uma possível explicação somente por índices de capacidade aeróbia poderá ocorrer em distâncias maiores, como os 10 km e maratona (BRANDON, 1995; BOILEAU et al., 1982).
É consenso na literatura que a participação do sistema aeróbio nas provas com distância acima de 5 km é predominante, o que justifica a utilização da resposta do lactato sanguíneo para predição da performance (BRANDON; BOILEAU, 1987; DENADAI, 1996; BOILEAU et al., 1982; HOUSH et al., 1988; SPENCER; GASTIN, 2001). Contudo, a predição da performance de endurance de corredores moderadamente treinados a partir de variáveis fisiológicas (VO2max, vVO2max, vMLSS e vOBLA) parece ser dependente da distância da corrida (1,5 km, 3 km e 5 km). Porém, apesar da duração da prova apresentar efeitos na relação entre esses índices e a performance dos atletas nessas distâncias, é importante ressaltar que o sistema aeróbio de produção de energia é predominante em todas as provas estudadas (DENADAI; ORTIZ; MELLO, 2004; BILLAT, et al., 1999; SOUZA, 2008).
Segundo Grant et al. (1997), o volume elevado de treinamento provoca alterações nos níveis de densidade capilar e na quantidade de enzimas mitocondriais, o que promove a diminuição da produção de lactato, ocorrendo ainda o aumento da sua remoção pelo coração, fígado e músculos devido à utilização do lactato como substrato. Esse mecanismo ocorre devido à melhora do transporte do lactato por meio de suas lançadeiras, denominadas proteínas transportadoras de monocarboxilato (MCT) (SJÖDIN et al., 1982; HASHIMOTO; BROOKS, 2008). Todas as adaptações provocadas pelo treinamento, aliadas ao acréscimo dos estoques de glicogênio intramuscular, acarretam a elevação dos valores de vOBLA/vMLSS, aproximando-se das velocidades médias das performances e de outros índices como a vVO2max (HOUSH et al., 1988). Caputo e Denadai (2008) observaram uma variação significante no valor do percentual do OBLA em relação ao VO2max de acordo com o nível de treinamento dos sujeitos. Esses autores constataram que para um grupo de indivíduos sedentários, este percentual encontra-se a 76 % do VO2max, enquanto para corredores treinados o mesmo está situado a 82 %. Nessa perspectiva, esperava-se que os índices relativos à capacidade aeróbia da amostra analisada no presente estudo se aproximariam do VO2max, porém, devido ao inferior nível de performance dos atletas avaliados essa expectativa não foi confirmada.
Além disso, os corredores de endurance podem apresentar características genéticas diferenciadas, como um maior número de fibras do tipo I, as quais apresentam elevado número e tamanho das mitocôndrias, além de uma quantidade maior de enzimas oxidativas, resultando na melhora dos valores de VO2max. Esse mecanismo resulta na maior formação de adenosina trifosfato (ATP) proveniente do metabolismo aeróbio e também no aumento das variáveis de capacidade aeróbia, por meio da redução da produção de lactato e também do aumento de sua remoção (BRANDON; BOILEAU; 1992; BOILEAU et al., 1982; HOUSH et al., 1988). Adicionalmente, independente dos tipos de fibras, há redução do estímulo da enzima fosfofrutoquinase (PFK) responsável pela ativação da glicólise, e acréscimo da isoenzima lactato desidrogenase (LDH) presente também na mitocôndria facilitando a oxidação do lactato (SJÖDIN et al., 1982; HASHIMOTO; BROOKS, 2008). Dessa forma, espera-se melhores correlações da vOBLA/vMLSS com as performances de corredores de média e longa distância (BOILEAU et al., 1982). Entretanto, surpreendentemente, no presente estudo não foi observada correlação significante da vMLSS com a performance nas distâncias de 1,5 km, 3 km e 5 km, o que pode ser justificado, em parte, pelo numero reduzido de sujeitos que participaram do presente estudo.
Souza (2008), analisando um grupo homogêneo de corredores moderadamente treinados, observou relação da vOBLA (14,9 ± 0,7 km.h-1) com a performance nas distâncias de 1,5 km (18,8 ± 0,8 km.h-1), 5 km (16,5 ± 0,7 km.h-1) e 10 km (15,6 ± 0,6 km.h-1). Os dados encontrados pelo presente estudo confrontam a literatura, visto que, ao contrário do esperado, não foram observadas correlações entre os índices de capacidade aeróbia e as performances de média e longa duração.
Por outro lado, Grant et al. (1997) verificaram correlação da performance de 3 km e a vOBLA (r = 0,93) em um grupo heterogêneo de corredores bem treinados de média e longa distância. Além disso, a vOBLA explicou em 87 % da variação na performance nessa distância. Porém, diferente do presente estudo, a vOBLA foi calculada a partir da concentração de 4 mmol.L-1, o que pode justificar os diferentes achados. Da mesma forma, Tanaka et al. (1984) observaram o comportamento da vOBLA em um treinamento semanal na intensidade relativa a este índice com duração de seis semanas. Os achados demonstraram que houve correlação significante entre as performances no estado pré (r = - 0,79), durante (r = - 0,83) e pós (r = - 0,79) treinamento de atletas bem treinados na distância de 5 km (TANAKA et al., 1984).
Conclusão
A predição da performance de corredores, a partir das variáveis fisiológicas de potência aeróbia e capacidade aeróbia, é dependente da distância da prova. As performances de 1,5 km e 3 km podem ser determinadas pelo índice de potência aeróbia vVO2max, enquanto que nenhum índice foi capaz de predizer a performance nos 5 km para esse grupo de corredores de endurance moderadamente treinados. Dessa forma, a partir dos achados do presente estudo, sugere-se a utilização da intensidade relativa à vVO2max, como referencia para proporcionar a melhora da potência aeróbia máxima e, por consequência, a performance aeróbia de corredores moderadamente treinados.
Recebido em: 11 de janeiro de 2010.
Aceito em: 17 de outubro de 2012.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
-
Recebido
11 Jan 2010 -
Aceito
17 Out 2012