O livro “Global Migration: Old Assumptions, New Dynamics”, organizado pelos professores Diego Arcarazo e Anja Wiesbrock, editado ainda em 2015ARCARAZO, Diego Acosta; WIESBROCK, Anja. Global Migration: Old Assumptions, New Dynamics. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2015, mas acessível ao público especializado apenas em 2016, trata-se de um compilado de capítulos divididos em três espessos volumes - uma espécie de enciclopédia -, com a participação de autores sobre migrações internacionais, refúgio e fronteiras, com uma leve tendência à concentração autoral no Norte Global, em detrimento da participação de autores do Sul Global.
Apesar disso, a obra que inicialmente se propunha a compilar verbetes, conceitos e exemplos relacionados às novas migrações, ou às novas dinâmicas, como sugere o título em inglês, está no mesmo patamar do dicionário das migrações de Cavalcanti et alii (2017CAVALCANTI, Leonardo et alii (orgs.). Dicionário crítico de migrações internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2017.), porém, com uma abordagem mais centrada em casos específicos do que generalizações sobre a nova ótica das migrações.
Entretanto, o volume um, que é composto de dez capítulos, brinda o leitor com questionamentos relevantes, tais como o porquê de as pessoas migrarem, os mitos sobre a migração e o desenvolvimento e as relações dos fluxos e dinâmicas migratórias com os conceitos de Estado, Cidadania e Nacionalidade, o que é muito pertinente.
O destaque do volume um é uma espécie de releitura que os novos autores migrantólogos fazem em relação aos conceitos que se tinham como pétreos, ou inalteráveis coeteris paribus, de especialistas como Sayad (1998SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.), Sassen (2007SASSEN, Saskia. Una sociología de la globalización. Buenos Aires: Katz Editores, 2007.) e até mesmo Milton Santos (1993SANTOS, Milton. Fim de século e globalização. São Paulo: Hucitec, 1993.), haja vista o papel da globalização nas migrações globais, quase uma redundância morfológica, porém, trazida com muitas peculiaridades analíticas e conceituais pelos autores desse primeiro volume, que se coloca como o tomo teórico-conceitual da enciclopédia em questão.
Já o segundo volume da enciclopédia é composto de nove capítulos, que avançam as discussões teóricas anteriores com destino às abordagens mais específicas e do que a literatura contemporânea chama de “novos temas”. Nesse diapasão, há uma evidente divisão entre partes, que trabalham as questões de militarização e securitização das fronteiras, detenção de imigrantes, regularização, direito ao voto, naturalização e reunião familiar, ou seja, tópicos evidentemente em voga.
Entretanto, os autores tendem a especificar casos nacionais, como da Turquia, México, Argentina e Nova Zelândia, além de Estados Unidos e regionais, como o da União Europeia, a fim de conceituarem os verbetes e os temas mencionados no parágrafo anterior, residindo aí uma das críticas a esta relevante obra.
Não é possível generalizar, por exemplo, o conceito de securitização fronteiriça do caso mexicano-norte-americano para outras partes do mundo, inclusive dentro do próprio continente americano, uma vez que não se verifica nem o mesmo tipo de dinâmica, sequer a mesma intensidade e agência estatal.
O mesmo é válido para outros conceitos trazidos no segundo volume, como naturalização e reunião familiar, que diferem quanto aos ordenamentos jurídicos nacionais e também quanto aos próprios grupos a que se destinam, por exemplo, o caso único dos palestinos na Jordânia (naturalização e cidadania) e o dos sírios e venezuelanos, casos mais recentes, no Brasil e Canadá (reunião familiar).
Todavia, o grande destaque para o volume dois está na discussão que os autores fazem sobre a “morte do multiculturalismo”, um tema que se apresenta ainda como tabu nos círculos acadêmicos, especialmente do Sul Global, onde há uma tendência, segundo o nosso entendimento, de não incorporação do conceito de multiculturalismo em nossas análises e estudos sobre migrações; no caso do Brasil, a título de exemplo, se discute o que é cultura e suas diversas manifestações, como brilhantemente o fizera Laraia (2008LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.), porém, o número de estudos sobre multiculturalismo no país é reduzido e, mormente, explorados e discutidos aquém do desejável.
Deste modo, é muito pertinente a discussão que os autores fazem sobre o declínio de um sistema de integração, inserção, adaptação e coletivização como o multiculturalismo, ao passo em que o mesmo ainda engatinha nos debates acadêmicos latino-americanos. Ou seja, a partir dessa leitura, emerge um questionamento sobre esse sistema, suas transformações, adaptações e interpretações, extremamente úteis para o cenário científico atual, de revisionismos e contestações.
Por fim, no terceiro volume, que congrega também nove capítulos, há um retorno às discussões conceituais, contudo, aplicadas a temas históricos e renovados com as novas dinâmicas migratórias globais, isto é, não são tópicos necessariamente novos, porém, que ganharam uma nova roupagem devido aos novos issues mundiais.
Assim, os autores retomam, com uma linguagem mais narrativa e semelhante ao storytelling das Ciências Jurídicas, o debate sobre xenofobia, migração qualificada, mobilidade de estudantes, reassentamento e remessas financeiras. Destacamos o uso corriqueiro, neste volume, da palavra “mito”, o que indica a superação de conceitos que eram tidos, conforme já mencionamos, como intransponíveis pela literatura de migrações.
Os autores aprofundam nesse terceiro volume, que se apresenta como o mais denso e relevante no concerto global das nações (e das migrações), no aspecto crítico, social, jurídico e cultural das migrações contemporâneas, apontando para o fato que, apesar dos avanços da globalização e da universalização de uma vasta gama de serviços, como a Internet, os migrantes, refugiados, apátridas e asylum-seekers nunca foram tão criminalizados, perseguidos e explorados pelo Estado, partidos políticos e pela mídia.
Contrariamente a boa parte da produção acadêmica sobre migrações, os autores deste terceiro volume assinalam uma face ainda muito ignorada deste tema: qual o papel do imigrante na sociedade global contemporânea?
A resposta está, já segundo a leitura completa do “Global Migration: Old Assumptions, New Dynamics”, muito além dos impactos econômicos, políticos e culturais trazidos com a imigração, mas sim também numa revisão crítica do que é ser Estado, sociedade civil, nação e cidadão, residindo aí o mérito da obra editada por Arcarazo e Wiesbrock; eles respondem o que poucos se arriscaram a afirmar e lançam mão de um debate necessário quando cada vez mais se discutem - especialmente em nível governamental - muros, detenções, separações de pais e crianças, campos de refugiados ao invés de uma verdadeira e profunda discussão sobre a integração global da espécie humana, mundialização laboral e econômica e acesso universal à cidadania e ao bem-estar social, independentemente de ideologias, sistemas políticos, país de nascimento e crenças sociais.
Em suma, os autores deixam em aberto uma questão muito cara a nós migrantólogos e cientistas sociais em geral: queremos um mundo de novas dinâmicas, mas de velhas suposições ou uma revisão global das velhas dinâmicas com novos pressupostos? Segundo eles, a resposta está num reexame crítico de conceitos e práticas, caso contrário, agravar-se-á a destruição de famílias e a falência dos Estados-nação, tanto no centro como na periferia, seja por populismos ou por fundamentalismos.
Referências:
- ARCARAZO, Diego Acosta; WIESBROCK, Anja. Global Migration: Old Assumptions, New Dynamics. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2015
- CAVALCANTI, Leonardo et alii (orgs.). Dicionário crítico de migrações internacionais Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2017.
- LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
- SANTOS, Milton. Fim de século e globalização São Paulo: Hucitec, 1993.
- SASSEN, Saskia. Una sociología de la globalización Buenos Aires: Katz Editores, 2007.
- SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2018
Histórico
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Recebido
10 Jan 2018 -
Aceito
27 Jun 2018