RESUMO
Este artigo apresenta uma análise para os adjetivos em - vel dentro do quadro teórico da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993). A proposta apresentada, desenvolvida com base em Oltra-Massuet (2014), postula que as leituras modais (possibilidade, probabilidade e obrigação) e a não modal (gatilho) associadas aos adjetivos em - vel resultam da presença de diferentes núcleos funcionais que compõem sua estrutura (v o, Asp e Mod). Nessa linha, argumenta-se que /vel/ corresponde a um único item de Vocabulário que realiza o núcleo adjetivizador (a o) na presença de um núcleo funcional ModP e também nos contextos de um traço [CAUSA]. Isso explica os diferentes sentidos que os falantes do PB associam a esses adjetivos. Os adjetivos que licenciam uma interpretação modal têm na sua estrutura a projeção de um núcleo ModP; ao passo que os adjetivos com leitura não modal não projetam esse núcleo. Este artigo propõe uma importante distinção estrutural entre os adjetivos em - vel com leitura modal, qual seja: apenas os que geram uma leitura de possibilidade projetam o núcleo Voz; os demais projetam apenas o núcleo vP, que introduz leitura de evento, mas não licencia a projeção do argumento externo (cf. KRATZER, 1996; ALEXIADOU, 2001). Essa proposta postula ainda um traço [CAUSA] presente no categorizador adjetival, o qual atribui a leitura de gatilho aos adjetivos em - vel com leitura não modal.
Morfologia distribuída; Adjetivos em - vel; Modalidade
ABSTRACT
This paper presents an analysis of Portuguese vel-adjectives based on Distributed Morphology (HALLE and MARANTZ 1993). This proposal, developed on Oltra-Massuet’s (2014) paper, argues that the modal (possibility, probability and obligation) and the non-modal (trigger) readings associated to vel-adjectives result from the presence of different functional heads composing their structure (vP, Asp and Mod). Considering of that point of view, this paper claims that /vel/ corresponds to a single Vocabulary item spelling out the adjectival head (ao) in the environment of both ModP morpheme and [cause] feature. This explains the different readings, which Brazilian Portuguese speakers relate to these adjectives. Adjectives licensing a modal interpretation have a ModP morpheme in their structure, whereas the ones with a nonmodal reading do not project it. This study proposes an important structural distinction among vel-adjectives licensing a modal reading, namely, only the ones presenting a possibility-reading project VoiceP, the other ones project only vP, which inserts the event-reading, but does not license the extern-argument projection (see KRATZER 1996; ALEXIADOU 2001). Finally, the present analysis suggests the occurrence of a [cause] feature at adjectival head, which assigns the trigger reading to vel-adjectives with a non-modal reading.
Distributed morphology; vel-Adjectives; Modality
Introdução
Já é de longa data dentro dos estudos linguísticos o reconhecimento de certas propriedades comuns ao repertório lexical/gramatical de uma língua no que tange à expressão da modalidade, a saber, (i) a modalidade pode ser expressa por recursos linguísticos pertencentes a diferentes categorias, tais como verbos (poder, dever), advérbios (provavelmente, necessariamente), afixos (- vel); (ii) esses mesmos recursos podem ser usados para expressar diferentes tipos de modalidade, tais como deôntica, epistêmica, circunstancial etc., 1 e (iii) os elementos que veiculam leituras modais, às vezes, se prestam igualmente a outros empregos, como é o caso do verbo dever em (1) e do sufixo - vel em (2).
(1)
(2)
Em (1a), dever é lexical e denota uma situação de dívida; em (1b), assume uma denotação modal (deôntica ou epistêmica). Muitos trabalhos já se debruçaram sobre as propriedades (morfo)sintáticas e semânticas de dever e, por essa razão, essa discussão não aparece contemplada no presente artigo. O exemplo em (2a) dispara uma leitura modal, o que pode ser atestado pela paráfrase correspondente com o verbo poder e a leitura de possibilidade, já (2b) parece veicular uma leitura não modal, dada a má formação da paráfrase com poder – o que sugere que - vel é igualmente compatível com diferentes interpretações.
Um tratamento possível para as diferentes ocorrências de - vel (assim como de dever) seria considerá-lo um item polissêmico ou, alternativamente, considerar a existência de diferentes sufixos - vel, que disparariam diferentes interpretações, mas que contêm uma mesma forma fonológica, ou seja, tratar esse fenômeno como instância de homonímia. Naturalmente, ambos os tratamentos têm que lidar com o fato de que essa multiplicidade de empregos e de interpretações é atestada translinguisticamente (o que é um argumento forte contra a homonímia) e, além disso, com a dimensão psicológica da língua que inviabiliza a proliferação de afixos.
Alternativamente, trabalhos como Pires de Oliveira e Ngoy (2007), Pereira, Silvestre e Villalva (2013), Moreira (2014), Jovem e Silva (2016), defendem que muitas das interpretações semânticas veiculadas pelos adjetivos em - vel podem ser capturadas pela natureza da base, isto é, as diferentes leituras podem ser resultado das propriedades dos verbos ou dos nomes que servem de base para sua derivação. Cabe observar, no entanto, que se as diferentes interpretações desses adjetivos dependessem, ainda que minimamente, de uma palavra que servisse de base para sua formação, seria difícil explicar o comportamento de casos como aqueles que aparecem em (3), para os quais não há nenhum verbo ou nome morfologicamente relacionado.
Os dados em (3) levantam a questão de que, qualquer que seja o tratamento atribuído aos adjetivos em - vel, este deve levar em conta outras propriedades que não a de uma base (verbal ou nominal), já que essa unidade não é encontrada em um número expressivo de casos – diferentemente do que é sugerido na análise de Jovem e Silva (2016), por exemplo. Naturalmente, há quem defenda que os exemplos em (3) são casos de lexicalização e que só uma análise diacrônica pode dar conta dessas ocorrências – essa é a posição de Pereira, Silvestre e Villalva (2013). De qualquer forma, como discutido na seção A sintaxe dos adjetivos em -vel, a inércia morfológica da raiz não impede que a leitura do adjetivo em - vel seja transparente.
Entretanto, do ponto de vista da aquisição da linguagem, esse não é um argumento válido, já que, para uma criança adquirindo a língua, tudo é português, independentemente do trajeto histórico-linguístico da palavra. Além disso, verifica-se que algumas das leituras semânticas (inclusive a modal) estão disponíveis também para esses casos, como pode ser visto em potável (= que pode ser bebido), comestível (= que pode ser comido), plausível (= que pode ser sustentado), maleável (= que pode ser manipulado) etc.
Adicionalmente, existem casos em que ainda é possível estabelecer uma relação entre o adjetivo em - vel e um item de outra categoria, como verbo ou nome, como apontam os exemplos em (4). De todo modo, uma proposta que assume que palavras derivam de outras ou, mais especificamente, que adjetivos em - vel são deverbais (porque derivam de verbos) ou denominais (porque são derivados de nomes) deve explicitar de que forma as bases se relacionam ao seu produto em contextos de alomorfia, ou seja, se adjetivos com alomorfia na raiz constituem uma entrada lexical diferente ou se a regra que permite formar o adjetivo em - vel é sensível à variação na forma.
(4)
A respeito disso, Pereira, Silvestre e Villalva (2013, p.46) defendem que “[...] é possível estabelecer um nexo semântico entre visível e ver ou entre sensível e sentir, mas essas derivações não são explicáveis na morfologia do português.” Uma morfologia baseada em palavras tem, de fato, dificuldade de relacionar diferentes formas de uma mesma raiz; contudo, não parece ser o caso de não haver uma explicação para essas derivações, uma vez que a alomorfia é um fenômeno bastante recorrente e não exclusivo dos adjetivos em - vel, já que pode ser encontrado – para citar apenas um exemplo – em formas de particípio como abrir / aberto, ver / visto, pôr / posto etc. Além disso, vale a pena notar que a alomorfia ocorre também em casos em que a forma raiz é mais facilmente relacionável a um nome do que a um verbo, como pode ser visto em (5).
(5)
Dadas essas considerações, o presente artigo tem como objetivo principal propor um tratamento para a morfologia e a sintaxe dos adjetivos em - vel que capture suas propriedades morfofonológicas, sintáticas e semânticas sem, contudo, desconsiderar os casos que apresentam alomorfia na raiz – como em (4) e (5) – ou ainda aqueles cuja raiz não é produtiva de um ponto de vista sincrônico – como em (3).
No que concerne ao tratamento proposto para os adjetivos em - vel, a presente análise assume o quadro teórico da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993), em uma abordagem sintática para a formação de palavras. Com base nesse modelo e, mais especificamente na proposta de Oltra-Massuet (2014), este trabalho defende que as diferentes leituras disparadas pelos adjetivos em - vel não resultam das propriedades de sua base, mas advêm da presença dos diferentes núcleos funcionais que compõem sua estrutura, tais como v o, Asp e Mod.
Além disso, ao prescindir de um modelo em que os “itens lexicais” são os átomos da derivação sintática, é possível gerar palavras que não dependem – estrutural ou semanticamente – de outras palavras, mas somente de suas raízes e dos núcleos sintáticos que elas contêm. Assim, dentro do quadro da Morfologia Distribuída (MD), este trabalho entende que a alomorfia na raiz vista em casos como (4) e (5) pode ser capturada por meio de uma regra que determina a forma fonológica de uma dada raiz a depender do ambiente (morfo)sintático em que ela ocorre. Por fim, em detrimento de polissemia e de homonímia, este trabalho defende que /vel/ é um único item de Vocabulário que realiza o núcleo adjetivizador a o no contexto de uma projeção ModP e também de um traço [CAUSA], independentemente da sua interpretação – o que explica sua multiplicidade de ocorrências.
Para tanto, este trabalho está divido da seguinte maneira: na seção A semântica dos adjetivos em -vel, é feita uma discussão a respeito das possíveis interpretações que os adjetivos em - vel podem veicular e, em seguida, é apresentada uma proposta para a tipologia desses adjetivos, seguindo Kratzer (1981, 1991). Na seção A sintaxe dos adjetivos em -vel, este estudo introduz brevemente o modelo da Morfologia Distribuída e apresenta a análise proposta para os adjetivos em - vel com base nesse quadro, na esteira de Oltra-Massuet (2014), focando em suas propriedades sintáticas. Finalmente, na seção A morfologia dos adjetivos em -vel, são feitas considerações específicas às propriedades morfofonológicas dessa classe de adjetivos, ancoradas no mesmo modelo.
A semântica dos adjetivos em - vel
Já se tornou uma conclusão consensual dos trabalhos sobre os adjetivos em - vel (independentemente da filiação teórica) que, pelo menos, um dos seus empregos veicula uma interpretação modal ou, mais especificamente, uma leitura de possibilidade. O ponto em que esses trabalhos diferem (além de, naturalmente, a implementação teórica) diz respeito a (i) o conjunto total de interpretações que esse afixo pode veicular, ou seja, quantas e quais leituras estão disponíveis além da de possibilidade e (ii) o lugar de onde vem essa multiplicidade de sentido. O Quadro 1 resume a classificação dos principais trabalhos encontrados na literatura para o português de acordo com as interpretações semânticas dos adjetivos em - vel atribuídas pelos diferentes autores.
Diferentemente dos autores listados no Quadro 1, Jovem e Silva (2016) não apresentam propriamente uma tipologia dos adjetivos em - vel, classificando-os de acordo com suas propriedades sintáticas e/ou semânticas. De todo modo, esses autores reconhecem que um dos empregos de - vel (quando formados a partir de verbos transitivos) envolve uma leitura de “possível/passível de ser” e que essa interpretação não está disponível para adjetivos derivados de bases nominais. Seja como for, uma rápida observação da classificação proposta pelos autores citados no Quadro 1 revela que ainda que a definição acerca dos tipos de leitura não seja consensual, esses autores – incluindo Jovem e Silva (2016) – compartilham de alguma intuição.
Não obstante, no que tange à tipologia para os adjetivos em - vel proposta no presente trabalho, um dos empregos desses adjetivos, como também é consenso na literatura, é aquele que dispara uma leitura de possibilidade. Essa leitura é facilmente parafraseável por construções do tipo pode ser X, como visto em lavável (‘pode ser lavado’), montável (‘pode ser montado’), clonável (‘pode ser clonado’) e, igualmente, em um contexto de negação, como em invencível (‘não pode ser vencido’) e inquebrável (‘não pode ser quebrado’) etc.
Há adjetivos em - vel que denotam probabilidade e, por isso, essa classe é melhor parafraseada por construções com dever (e não, poder) o que pode ser visto em durável (‘que dura’/‘que deve durar’), agradável (‘que agrada’/‘que deve agradar’), inflável (‘que infla’/‘que deve inflar’). Vale a pena notar que a leitura de probabilidade ocorre também no domínio verbal, como na diferença entre pode chover e deve chover – cf. Resende (2015) para uma discussão sobre esses casos.
Um terceiro caso é o de adjetivos em - vel que disparam uma leitura de obrigação moral (PIRES DE OLIVEIRA; NGOY, 2007), isto é, casos como admirável (‘deve ser admirado’), louvável (‘deve ser louvado’), lamentável (‘deve ser lamentado’). Conforme Oltra-Massuet (2014), esses adjetivos correspondem a um julgamento avaliativo do falante em relação a um dado elemento. A leitura modal desse tipo de adjetivo parece advir da ideia de obrigação, daí a correspondência com paráfrases que empregam o auxiliar modal dever, em uma leitura deôntica. Adicionalmente, a leitura de “obrigação moral” admite também paráfrases com o verbo merecer, como em essa atitude é louvável (‘essa atitude merece ser louvada’). Esse tipo de obrigação se relaciona ao que Feldmann (1986) denomina obrigação do tipo ought-to-be, que descreve como um estado de coisas deve ser, não responsabilizando um participante específico pelo cumprimento de uma lei ou regra.
Finalmente, há um tipo de emprego dos adjetivos em - vel que, diferentemente dos apresentados anteriormente, não dispara uma leitura modal. Esse é o caso de amável (‘que desperta amor’), confortável (‘que traz conforto’), horrível (‘que causa horror’), terrível (‘que causa terror’). Estes parecem acionar uma leitura de causatividade – o que está em convergência com Oltra-Massuet (2014). A paráfrase, nesses casos, é feita com verbos como causar, despertar, trazer, os quais envolvem uma ideia de gatilho.
Dadas essas considerações e em convergência com outros estudos discutidos na literatura, este artigo argumenta que adjetivos em - vel podem disparar quatro tipos de leitura, a saber, (i) possibilidade, (ii) probabilidade, (iii) obrigação e (iv) gatilho, o que aparece resumido no Quadro 2.
Conforme sintetizado no Quadro 2, dos quatro empregos dos adjetivos em - vel, três envolvem leitura modal. A multiplicidade de diferentes leituras modais é um assunto que tem sido abordado na literatura no que concerne aos verbos modais – cf. Pires de Oliveira e Scarduelli (2008), Rech (2010), Pessotto (2011), Resende (2015) para discussão e referências. Exemplos desses casos podem ser vistos em (6).
(6)
Como ilustram os dados em (6), um item com a mesma forma morfofonológica pode disparar diferentes leituras modais. Em (6a), pode tem uma leitura epistêmica, que pode ser parafraseada por de acordo com tudo o que o falante sabe sobre o mundo e sobre Maria, Maria chega atrasada hoje. Diferentemente, em (6b), o verbo poder tem uma interpretação deôntica e veicula uma leitura de permissão semelhante a dadas as regras vigentes, Maria tem permissão para chegar atrasada hoje. Por fim, (6c) aciona uma leitura circunstancial, igualmente recuperável em devido ao mau tempo, é possível que Maria chegue atrasada hoje.
Não é objetivo deste artigo apresentar uma análise semântica detalhada (ou formalizada) para esses casos ou para aqueles dos adjetivos em - vel – para isso, cf. Pires de Oliveira e Ngoy (2007) –, mas é importante mostrar que a veiculação de diferentes leituras modais por um mesmo elemento é possível também em outros domínios. Os dados em (7) ilustram as diferentes leituras modais associadas aos sufixo - vel.
(7)
A partir dos exemplos em (7), ancorando-se na proposta de Kratzer (1981, 1991), este artigo entende que os ingredientes responsáveis pelas diferentes leituras modais são os que aparecem no Quadro 3. Seguindo essa proposta, paráfrases para os dados em (7) podem ser encontradas em (8).
(8)
Assim como no caso dos verbos, lançando mão de conceitos como força modal, base modal e fonte de ordenação, podem-se capturar as diferentes leituras modais associadas aos adjetivos em - vel. A maneira como codificar esses ingredientes na estrutura desses adjetivos aparece na seção A sintaxe dos adjetivos em -vel.
A sintaxe dos adjetivos em - vel
Na seção A semântica dos adjetivos em -vel, foi apresentada uma proposta para classificar os adjetivos em - vel de acordo com o tipo de leitura que dispara. Esta seção apresenta uma proposta para as estruturas sintáticas para esses adjetivos, a qual é capaz de refletir os seus diferentes tipos de leitura semântica. Na seção A morfologia dos adjetivos em -vel, são mostradas as suas especificidades morfofonológicas.
Como já referido, a análise proposta neste artigo argumenta que um modelo de morfologia baseado em palavras – isto é, um modelo que assume que as palavras derivam de outras, no léxico – enfrenta sérias dificuldades para dar conta do conjunto de fenômenos empíricos que envolve os adjetivos em - vel. Por essa razão, este artigo propõe um tratamento antilexicalista, valendo-se dos pressupostos da Morfologia Distribuída, com o objetivo de mostrar que um modelo sintático para formação de palavras apresenta vantagens em relação a um modelo lexicalista, à luz das propriedades dos adjetivos em - vel.
Mais especificamente, diferentemente de modelos lexicalistas baseados em palavras, a MD defende que o único componente gerativo da gramática é a sintaxe e que tanto palavras quanto sintagmas/sentenças são formados pelo mesmo conjunto de operações (concatenação, movimento e Agree). Dentro do quadro da MD, “palavra” não tem nenhuma estatuto teórico privilegiado, e as informações fonológicas, sintáticas e semânticas dos então chamados “itens lexicais” estão distribuídas em três listas, que são acessadas em diferentes momentos da derivação. Segundo Marantz (2015), a Lista 1 (o Léxico estrito) alimenta a sintaxe com raízes e feixes de traços morfossintáticos/semânticos abstratos (isto é, desprovidos de conteúdo fonológico e de conteúdo semântico não composicional); essa primeira lista fornece ao sistema computacional (a sintaxe) as peças para a formação das estruturas, e este gera palavras, sintagmas e sentenças.
Sob essa perspectiva, adjetivos não podem ser deverbais ou denominais, são as operações sintáticas que vão determinar a categoria da palavra por meio da concatenação de raízes a núcleos funcionais (e, dentre eles, núcleos categorizadores). Posteriormente, as estruturas geradas pela sintaxe são enviadas para as interfaces: a caminho de PF, a estrutura morfológica (MS) realiza operações adicionais na estrutura (fusão, fissão, empobrecimento, inserção de morfemas dissociados etc.), atendendo, assim, aos requerimentos de boa formação morfológica específicos a cada língua e, em seguida, uma operação denominada inserção de Vocabulário atribui às estruturas geradas pelo sistema computacional a sua informação fonológica, a qual aparece na Lista 2 (o Vocabulário) juntamente com a informação contextual para a sua inserção.
Simultaneamente, na ramificação para LF, a Lista 3 (a Enciclopédia) fornece às estruturas o seu conteúdo semântico não composicional, extralinguístico, por meio de instruções contextuais para a sua interpretação. Portanto, diferentemente de modelos lexicalistas nos quais as palavras são os átomos da derivação sintática, na MD, os primitivos sintáticos são as raízes (morfemas lexicais), desprovidas de categoria, e os feixes de traços gramaticais abstratos (morfemas funcionais). A derivação sintática articula, então, desde morfemas até sentenças – propriedade conhecida na literatura como estrutura sintática hierárquica por toda derivação (HALLE; MARANTZ, 1994).
Especificamente com relação aos adjetivos em - vel, uma análise sintática para a sua formação envolve um morfema lexical (a raiz) e morfemas funcionais (nós terminais sintáticos) que licenciam as propriedades morfológicas, sintáticas, semânticas encontradas nos itens formados. Sendo assim, em se tratando de uma classe de adjetivos, a derivação deve conter, pelo menos, um núcleo funcional adjetivizador (a o) e uma raiz (√). Outros núcleos funcionais entre esses dois morfemas vão ser responsáveis pelas nuances sintáticas e semânticas dessa classe. Assim, partindo dos Quadros 2 e 3, a estrutura básica proposta neste artigo para os adjetivos em - vel com interpretação modal pode ser vista em (9):
(9)
Conforme argumentado na seção A semântica dos adjetivos em -vel, três dos quatro empregos dos adjetivos em - vel envolvem interpretação modal. Oltra-Massuet (2014) entende que esse tipo de leitura pode ser capturado por meio da projeção de um núcleo funcional modal (Mod) na estrutura, como indicado em (9). Contudo, conforme mostrado no Quadro 3, a interpretação modal resulta de mais de um fator. Assim, seguindo a proposta de Oltra-Massuet, este estudo propõe que o núcleo funcional Mod deve ser especificado quanto à força modal (existencial ou universal). Este ingrediente deve aparecer codificado na estrutura. Já o tipo de modalidade é especificado pela base modal e pela fonte de ordenação, dadas contextualmente a partir do fundo conversacional (KRATZER, 1981, 1991).
Adicionalmente ao elemento modal, muitos trabalhos concordam que alguns adjetivos em - vel contêm propriedades verbais. Essa constatação serviu de motivação para outros estudos – por exemplo, Pereira, Silvestre e Villalva (2013), Jovem e Silva (2016) etc. – considerarem que esses adjetivos vêm de verbos (ou de bases verbais). Todavia, como já afirmado, este trabalho defende que as palavras são formadas na sintaxe e não derivam de outras palavras (ou bases). Ainda assim, é possível capturar generalizações empíricas importantes a respeito de propriedades normalmente atribuídas a verbos (ou a elementos “deverbais”) também nessa teoria.
Marantz (2015), Alexiadou (2001), Harley (2009), Oltra-Massuet (2014), para citar apenas alguns, defendem que as propriedades verbais de uma dada estrutura podem ser licenciadas pela presença de uma camada funcional verbal na estrutura, isto é, um vP – como aponta (9). Talvez a propriedade verbal mais evidente seja a de interpretação eventiva (a mesma que aparece nos verbos); tal leitura de evento faz com que seja possível introduzir adjuntos temporais na estrutura, como mostra (10) para os três tipos de adjetivos modais – (a) possibilidade, (b) probabilidade e (c) obrigação.
(10)
Adicionalmente, seguindo Fu, Roeper e Borer (2001) e Alexiadou (2001), a presença de uma camada verbal na estrutura é capaz de licenciar advérbios de VP (no caso, advérbios de modo), como exemplificado em (11).
(11)
Além disso, a presença de uma camada verbal e, por consequência, a possibilidade de interpretação eventiva deve ser capaz de licenciar a ocorrência de agentes. Os exemplos em (12) se referem a esse licenciamento.
(12)
O que os dados em (12) mostram é que os três tipos de adjetivos modais diferem com relação ao licenciamento de agente, isto é, somente os adjetivos em - vel com leitura de possibilidade permitem adjuntos agentivos. Seja como for, isso não serve de contraevidência para a postulação de uma camada verbal, mas apenas sugere – contra Oltra-Massuet (2014) – que o argumento externo não é licenciado por vP. Assim, seguindo Kratzer (1996) e Alexiadou (2001) – entre outros –, este artigo propõe que o argumento externo seja licenciado por um núcleo funcional diferente daquele que projeta o argumento interno e dispara uma leitura de evento, a saber, Voz. Portanto, esta análise sugere que os três empregos modais dos adjetivos em - vel contêm em sua estrutura um vP, mas apenas os adjetivos de possibilidade têm um núcleo Voz.
Além disso, quanto às propriedades do núcleo verbalizador, uma distinção a mais deve ser feita. Alguns autores – como Marantz (2015), Alexiadou (2001), Harley (2009), Oltra-Massuet (2014), para citar alguns – entendem que nem todos os categorizadores verbais têm as mesmas propriedades. Por exemplo, alguns devem vir especificados quanto a serem verbalizadores de estruturas passivas ou ativas e, valendo-se dessa ideia, Oltra-Massuet (2014) argumenta que o v o dos adjetivos com leitura modal seja especificado com o traço [PASS] de sintaxe passiva – uma intuição também presente nos trabalhos de Pereira, Silvestre e Villalva. (2013) e Moreira (2014).
A postulação desse traço explica, por exemplo, por que a paráfrase correspondente à leitura de possibilidade (contável = “pode ser contado”) e à de obrigação (lastimável = “deve ser lastimado”) envolve uma construção passiva, diferentemente do que ocorre com os adjetivos com leitura de probabilidade (agradável = que deve agradar, mas não #“que deve ser agradado”). Logo, esta análise defende que o núcleo verbalizador dos adjetivos em - vel com leituras modais circunstancial (possibilidade) e deôntica (obrigação) são especificados com o traço [PASS], mas aqueles com leitura epistêmica (probabilidade), não – e, portanto, têm uma “sintaxe ativa”.
Como relação ao núcleo Asp que aparece em (9), segundo Oltra-Massuet (2014), ele deve vir com especificação de aspecto resultativo (R). Seguindo Embick (2004), para Oltra-Massuet, trata-se de um morfema que cria um estado resultante de um evento anterior (dado por vP), ou seja, um livro publicável é um livro que, dadas as circunstâncias, tem a propriedade de ser publicado ou de atingir o estado resultante de um evento de publicação. Sob a mesma perspectiva, um produto durável é um produto que, se tudo ocorrer como normalmente ocorre, atinge um estado “duradouro” que resulta da eventualidade de durar. Por fim, seguindo a mesma linha, um incidente lamentável é um incidente que, segundo as leis morais vigentes, atinge um estado resultante de um evento de lamentação (“lamentado”).
Adicionalmente a esses casos, esta proposta tem a vantagem de poder lidar com adjetivos que apresentam uma leitura modal circunstancial, mas que não possuem um verbo relacionável, como é o caso de alguns membros da lista (3), a saber, comestível (‘que pode ser comido’), compatível (‘que pode coexistir’), flexível (‘que pode adaptar-se’), inefável (‘que não pode ser descrito’), inexorável (‘que não pode ser corrompido’), maleável (‘que pode ser manipulado’), plausível (‘que pode ser sustentado’), potável (‘que pode ser bebido’), suscetível (‘que pode receber/ser atingido por’), vulnerável (‘que pode ser prejudicado’). O mesmo se aplica a adjetivos como responsável (‘que deve responder (por algo ou alguém)’), memorável (‘que deve ser lembrado’) e razoável (‘que deve ser considerado’), que têm uma leitura deôntica.
Ainda que nem todas as paráfrases sugeridas sejam totalmente equivalentes, a leitura modal é facilmente recuperável, como parece ser o caso de água potável (“é possível, dadas as circunstâncias, se tudo ocorrer como normalmente ocorre, beber essa água”) ou projeto suscetível a mudanças (“é possível, dadas as circunstâncias, se tudo ocorrer como normalmente ocorre, mudar esse projeto”); sob a mesma perspectiva, um evento memorável (“é necessário, devido às circunstâncias, dadas as leis morais vigentes, lembrar desse evento”).
Finalmente, pondo de lado os adjetivos em - vel com leitura modal, cumpre tecer algumas considerações acerca do conjunto de exemplos com leitura de gatilho. Dada a ausência de interpretação modal, esses adjetivos não apresentam em sua estrutura a projeção ModP. Como se depreende a partir dos dados em (13), essa classe também não contém um vP – o que é capturado pela postulação de uma base nominal em propostas lexicalistas como a de Pereira, Silvestre e Villalva (2013) e Jovem e Silva (2016).
(13)
Assim, na esteira de Embick (2004) e Oltra-Massuet (2014), este artigo propõe que a leitura de gatilho desses adjetivos pode ser gerada por uma estrutura em que a raiz se concatena diretamente com um núcleo Asp com especificação estativa (E), e não resultativa (como no caso dos modais). Posteriormente, ocorre a formação de um adjetivo pela subsequente concatenação a um categorizador adjetival a o (como nos outros casos). A leitura de gatilho poderia ser capturada, nesses casos, por meio de um traço [CAUSA], presente no categorizador adjetival.
Nessa perspectiva, um sofá confortável é um sofá cuja propriedade é a de causar/gerar um estado de conforto; um cãozinho amigável significa um cãozinho que traz/ desperta um estado de amizade; uma atitude desprezível é uma atitude que tem a propriedade de provocar/desencadear um estado de desprezo. Vale a pena notar que um subconjunto dos exemplos em (3) se encaixa também na classe de leitura de gatilho, o que pode ser visto em afável (‘que desperta cortesia/acolhimento’), deplorável (‘que causa pesar/sofrimento’), formidável (‘que causa admiração/espanto’).
Em síntese, conforme a análise defendida neste artigo, cada um dos empregos dos adjetivos em - vel envolve uma estrutura sintática diferente, a qual dá conta de explicar suas propriedades sintáticas e semânticas, como aparece em (14).
(14)
A morfologia dos adjetivos em - vel
A seção A semântica dos adjetivos em -vel teve por objetivo classificar os adjetivos em - vel de acordo com suas propriedades semânticas (e, consequentemente, os tipos de leituras que elas disparam) ao passo que, na seção A sintaxe dos adjetivos em -vel, foi proposta uma estrutura (sintática) para esses adjetivos de modo que fosse possível recuperar suas propriedades semânticas e gramaticais. Finalmente, esta seção tem vistas a tecer alguns comentários especificamente sobre as propriedades morfofonológicas dos adjetivos em - vel que tangem não às suas propriedades sintáticas e semânticas, mas às suas características estritamente formais.
Como já referido, dentro do quadro da MD, depois que o sistema computacional gera as estruturas, estas são enviadas para as interfaces. Na ramificação em PF, a MS é o componente que opera sobre as estruturas geradas pela sintaxe para dar conta das suas condições de boa formação morfológica como, por exemplo, a inserção de morfemas dissociados. De acordo com Embick (1997), estes são morfemas inseridos apenas na estrutura morfológica para atender a essas condições, sem qualquer relevância sintática ou semântica; esse é o caso das vogais temáticas, por exemplo. Harris (1999) propõe que todo núcleo categorizador (x o) na sintaxe vai projetar uma posição temática th em MS – como exemplificado em (15).
(15)
Assumindo (15), a partir das estruturas em (14), é esperada a ocorrência de duas vogais temáticas, uma projetada por a o e outra por v o (os dois núcleos categorizadores da estrutura). Quanto à vogal temática do núcleo adjetivizador, a análise assumida neste trabalho entende que ela tem realização Ø no singular e só recebe fonologia nos contextos de plural, o que é visto no contraste entre quebrável e quebráveis, por exemplo, em que há alternância sistemática entre Ø (singular) e - i- (plural). Vale a pena notar que essa alternância é igualmente vista em contextos nominais como, por exemplo, amor e amores, em que a vogal temática Ø no singular se opõe à vogal temática - e- no plural. No que concerne à posição temática projetada por v o, como esperado, ela deve ser a mesma que aparece nos verbos, como ilustrado em (16).
(16)
Como (16) mostra, a vogal temática que aparece nos adjetivos em - vel é a mesma que aparece nos verbos. A ocorrência de - i- e não - e- para os casos da segunda conjugação pode ser entendida como uma alomorfia da vogal temática, a mesma que aparece nos particípios como bebido, mas não * bebedo. 4 Seja como for, a presença da vogal temática verbal nesses casos serve como evidência adicional para a postulação de um vP nesses adjetivos – cf. Harley (2009) e Oltra-Massuet (2014) para outros exemplos.
Além disso, pares como desprezável e desprezível, ambos derivados da raiz √PREZ, antecedidas pelos prefixo des-, ilustram o fato de que, no primeiro caso, quando há leitura modal (e conforme a presente análise, um morfema v o), a vogal temática que aparece é a mesma do verbo: desprezar. Por outro lado, no segundo caso, com leitura de gatilho (desprezível: “que causa/desperta desprezo”), a vogal temática é diferente – o que, neste trabalho, é explicado pela ausência de vP nessas construções.
Adicionalmente, um outro fenômeno mais facilmente explicável dentro de uma abordagem sintática para a formação de palavras diz respeito à alomorfia da raiz. Como ilustrado pelos dados em (4) e (5), muitos dos adjetivos em - vel apresentam uma realização fonológica diferente daquela encontrada em itens de outras categorias – como nomes ou verbos. Dentro da MD, a realização fonológica da raiz pode depender do contexto sintático em que ela ocorre. Assim, por exemplo, a alomorfia vista em rentável (‘que traz/gera renda’) pode ser capturada por uma regra contextual de inserção de Vocabulário como a que aparece em (17). 5
(17)
O conjunto de regras em (17) prevê que a raiz √REND tenha realização fonológica /re n t/ no contexto de um núcleo adjetivizador (formando, por exemplo, rentável), mas que seja realizado como /re n d/ nos demais ambientes (verbal como render ou nominal como renda). Dessa forma, é possível determinar a realização fonológica da raiz a depender do contexto sintático em que ocorre, evitando a proliferação de itens lexicais com as mesmas propriedades sintáticas/semânticas. Tal mecanismo é igualmente aplicável a qualquer um dos casos em (4) e (5).
Por fim, no que concerne à morfofonologia dos adjetivos em - vel, falta explicar por que tantas interpretações diferentes (modais e não modal) com propriedades (/estruturas) sintáticas diferentes albergam o mesmo afixo. Oltra-Massuet (2014), para línguas como o catalão e o espanhol, propõe uma regra contextual de inserção de Vocabulário sensível à presença do núcleo funcional modal. Assim, na esteira dessa proposta, (18) poderia ser a regra para a inserção de Vocabulário para os adjetivos modais em - vel.
(18)
A regra em (18) prevê que o núcleo adjetivizador vai ter a realização fonológica /vel/ no contexto de uma projeção funcional modal (ou seja, ModP), como mostra (14a-c). Isso explica por que (independentemente da leitura modal veiculada) os adjetivos modais sempre se realizam como - vel. No entanto, (18) não explica por que os adjetivos em - vel com leitura (não modal) de gatilho são realizados pelo mesmo item de Vocabulário, dada a ausência da projeção que serve de contexto para sua inserção – isto é, ModP. Para esse caso, seria necessário, então, postular uma regra de inserção de Vocabulário que fosse sensível não a uma projeção presente na estrutura, mas a um traço presente em um determinado núcleo, como mostra (19), com base em (14d).
(19)
A regra em (19) determina que o traço [CAUSA] (responsável pela leitura de gatilho) seja realizado como /vel/ no contexto de um a o – mas não de um v o, por exemplo – gerando assim, a forma fonológica esperada. Cumpre notar que a inserção dos itens de Vocabulário a partir de traços é bastante produtiva principalmente no domínio verbal, como ilustram as regras em (20), extraídas de Halle e Marantz (1993, p.126) para a morfologia verbal do inglês, sendo todos estes traços de T.
(20)
Assim, com base em (18) e (19), criam-se dois contextos de inserção para o (mesmo) item de Vocabulário - vel, ainda que estes tenham propriedades sintáticas e semânticas bastante distintas. Vale a pena notar que a ocorrência de um mesmo item de Vocabulário para estruturas com sentidos diferentes não é exclusividade dos adjetivos em - ve l, e pode ser observada também para o nominalizador - ção, em que a leitura iterativa presente em matação (de aula), bateção (de lata), arrumação (da casa) não aparece em realização (de um sonho), alteração (no projeto), observação (dos resultados).
Considerações finais
Neste artigo, foi proposta uma análise para os adjetivos em - vel que permite explicar as suas propriedades morfofonológicas, sintáticas e semânticas. Esta análise, embasada em Oltra-Massuet (2014), postula que as leituras associadas a esses adjetivos resultam da presença das projeções funcionais que compõem sua estrutura – vP, AspP e ModP. Neste estudo, foi assumido que - vel corresponde a um único item de Vocabulário que sempre realiza o núcleo adjetivizador a o em contextos de uma projeção ModP e no contexto de um traço [CAUSA], independentemente da sua interpretação. Isso explica o fato de poder gerar diferentes leituras modais e, ainda, uma leitura não modal. A análise assumida para a derivação dos adjetivos em - vel com essas duas leituras considera que os itens formados recebem suas propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas da raiz e de nós terminais sintáticos. As leituras modais resultam da projeção do núcleo funcional Mod, o qual deve conter a especificação da força modal. O tipo de modalidade é dado pelo fundo conversacional.
Outro aspecto importante apontado no artigo é o fato de os adjetivos com leitura modal diferirem em relação à presença de um agente na estrutura. Foi mostrado que a ocorrência de adjuntos agentivos só é possível em construções em que os adjetivos em - vel têm leitura de possibilidade. Por isso, foi proposto nesta análise, diferentemente de Oltra-Massuet (2014), que o argumento externo é licenciado pelo núcleo VozP, o qual é projetado apenas na estrutura dos adjetivos em - vel com leitura de possibilidade – cf. (14a).
Já o núcleo v o é projetado em todas as leituras modais desses adjetivos. Esse núcleo difere, portanto, em relação à verbalização de estruturas passivas ou ativas. Essa especificação explica a diferença entre leituras modais de possibilidade e obrigação de um lado – as quais admitem correspondência passiva – e de outro, uma leitura de probabilidade (que não admite tal correspondência). Para dar conta desse fato, propôs-se que o núcleo v o dos adjetivos em - vel com interpretação de possibilidade, em (14a), e de obrigação moral, em (14b), são especificados com o traço [PASS], diferenciando-se estruturalmente dos de leitura epistêmica, em (14c).
Os adjetivos em - vel com leitura de gatilho não projetam as categorias ModP e vP na estrutura, conforme (14d). Nesse caso, a raiz se concatena com um núcleo aspectual estativo, e a leitura de gatilho é dada pelo traço [CAUSA], presente no categorizador adjetival (a o). Em relação às propriedades morfofonológicas dos adjetivos em -vel, foi observada a ocorrência de duas vogais temáticas: uma projetada por a o, que se realiza como Ø no singular, recebendo fonologia em contextos de plural; e outra projetada por v o, que aparece igualmente nos verbos. Entretanto, o estatuto da vogal que precede /vel/ na leitura não modal (bem como a propriedade que licencia sua projeção) deve ser explorado em trabalhos futuros.
Por fim, a explicação de por que os adjetivos em - vel geram leituras modais e não modal está na aplicação de duas regras. A que garante leitura modal, formulada em (18), prevê que o núcleo adjetivizador seja realizado como /vel/ em contextos em que há a projeção ModP. Já a regra correspondente a leitura não modal, formulada em (19), prevê que o traço de [CAUSA] no contexto de um adjetivizador (a o) seja realizado como - vel.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq pelo auxílio (processo 424025/2016-7), concedido pelo Edital Universal 01/2016 e pelo financiamento da pesquisa de Doutorado (processo 141644/2016-8).
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-
1
Kratzer (1981, 1991), Hacquard (2006, 2010), Pires de Oliveira e Ngoy (2007), Moreira (2014), entre outros.
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2
É verdade que comestível pode ser relacionado ao verbo comer, porém, o fato de que há mais material morfofonológico no adjetivo (no caso, - est-) sugere que comestível não pode vir diretamente do verbo, já que não há o verbo * comestar.
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3
Para alguns falantes, pode ser que responsável esteja relacionado ao verbo responder, como em você precisa falar com o responsável pela criança, com o significado de “você precisa falar com aquele que responde pela criança”; no entanto, casos como João é um homem responsável, a relação com responder é bem menos evidente. Seja como for, a inclusão ou não de responsável nesse conjunto de dados não invalida a generalização feita.
-
4
Pereira, Silvestre e Villalva (2013) entendem que essa variação alomórfica nesses casos é explicada se for postulado que os adjetivos em -vel derivam do tema do passado.
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5
Esse fenômeno poderia ser igualmente capturado por meio de regras de reajuste fonológico (HALLE; MARANTZ, 1993) sem prejuízos para a análise.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jun 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
31 Ago 2018 -
Aceito
7 Mar 2019