Open-access Não é apenas uma questão de internacionalização...

O debate em torno da internacionalização da produção científica ganhou novo impulso quando a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) divulgou recentemente, em reunião com representantes de editoras internacionais e de revistas brasileiras, estratégias para a internacionalização dos periódicos. A coleção SciELO, que há mais de 15 anos concretiza uma política de acesso aberto desempenhando importante papel na difusão da produção científica brasileira, indica como uma das referências para a próxima revisão de seus critérios de indexação o propósito de promover a internacionalização dos periódicos incluídos na sua base.

As premissas que sustentam esse movimento são difíceis de contestar, pois se apoiam na maior difusão, no cenário internacional, da pesquisa nacional e dos seus produtos, dentre eles os artigos científicos.

Contudo, essa é apenas uma das faces desse processo que, em tese, estaria vinculado ao fortalecimento da pesquisa. Optamos por usar um cauteloso 'em tese' por compreender que qualificar a pesquisa no Brasil passa por diversos caminhos, como o de valorizar o sentido de produzir conhecimentos que possam contribuir para avançar frente a problemas relevantes no país. Portanto, essa qualificação requer assumir objetos de pesquisa cujajustificativa não se constitui no mesmo contexto no qual se originam os critérios de validação do que é uma pesquisa com a chancela para se tornar 'internacionalmente reconhecida'.

É preciso registrar que esta internacionalização do conhecimento científico tem como norte a busca de reconhecimento e prestígio de pesquisadores individuais, grupos, instituições e periódicos nacionais por outros pesquisadores estrangeiros prestigiados nos espaços científicos dos países de capitalismo central, cuja agenda de temas de pesquisa é elaborada sem que particularidades dos países periféricos sejam necessariamente contempladas.

Em consequência, não se trata de um percurso de mão dupla ou mesmo de interação com países que compartilham problemas. Cabe então pensar se, ao adotar esse formato de internacionalização, não estaríamos reincidindo em um processo de subordinação, de benefícios incertos, que nos desviaria da construção de autonomia e do aprofundamento do sentido social da nossa produção científica.

No caso da Trabalho, Educação e Saúde, essa intenção poderia trazer desdobramentos bastante preocupantes, como, por exemplo, não priorizar os manuscritos cuja investigação contribuísse para a compreensão de problemas locais, dentre eles o trabalho no SUS, a formação de trabalhadores de nível médio ou mesmo a implementação de políticas específicas da saúde pública ou da educação. Essa reflexão nos faz indagar o quanto um deslocamento dessa ordem, em uma escala ampliada, poderia desestimular grupos e pesquisas que se dedicam a esses temas.

Tal consideração nos remete a uma reflexão sobre o leitor que queremos alcançar. Se, em termos idealizados, pensamos em um pesquisador para o qual a leitura de um artigo científico pode representar um acréscimo significativo a uma pesquisa, devemos assumir que o valor do conhecimento científico e do artigo também reside em sua apropriação por profissionais, em seus processos de atualização e formação em vários níveis. Assim, a produção e a divulgação científica têm um valor social que deve ser defendido por impulsionar reflexões críticas, avanços e mudanças das práticas sociais. Procedimentos que vêm sendo apontados como critérios de qualidade, tais como a internacionalização do corpo de pareceristas, podem trazer benefícios se de fato for possível localizar pesquisadores cuja trajetória de estudos permita uma análise ao mesmo tempo profunda e renovada dos manuscritos.

Além de simplesmente julgar o texto, os pareceristas têm a oportunidade de qualificar as discussões desenvolvidas, e esse é o critério fundamental para a seleção de um parecerista, mais do que sua localização geográfica. Em periódicos cuja linha editorial incorpora estudos que investigam, de modo interdisciplinar, particularidades de nossa realidade social, prevê-se o enfrentamento de grandes dificuldades de garantir, simultaneamente, diversificação internacional de pareceristas e análise consistente dos estudos. Entendemos ainda que esse cenário poderia agravar a competição que, às vezes mais insidiosamente e às vezes agressivamente, cerca periódicos científicos cujos financiamentos são crescentemente restritos e também os pesquisadores cujo reconhecimento do trabalho em grande parte é decorrente do prestígio dos periódicos nos quais publicam. Tais elementos podem ter maior potencial para fragilizar do que para fortalecer a pesquisa nacional e também devem constar na pauta dessa discussão.

Certamente a projeção internacional não é um propósito a ser desconsiderado, mas seus meios e efeitos precisam ser problematizados, sobretudo num contexto em que visibilidade e número de citações vêm sendo igualados à qualidade de pesquisa, e ainda, do qual não se excluem os interesses mercadológicos dos publishers internacionais.

Assim, consideramos fundamental pautar uma discussão sobre as políticas na direção de uma real internacionalização do conhecimento de uma forma não subordinada à lógica mercadológica mencionada. Este passo - inicial - pressupõe, por sua vez, em nossa perspectiva, um duplo movimento: por um lado, aprofundar o sentido nacional e coletivo das pesquisas científicas, na relação com as singularidades das áreas de conhecimento e necessidades locais; e, por outro lado, promover estudos críticos, inclusive em colaboração com pesquisadores de distintos países, sobre o papel da ciência nas novas determinações da sociabilidade mundializada capitalista, com vistas à transformação desta realidade, à criação de parcerias internacionais e à conformação de uma ciência efetivamente global, emancipatória.

Angélica Ferreira Fonseca
Carla Macedo Martins
Marcela Alejandra Pronko

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015
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