Open-access POLÍTICA DE RESIDÊNCIA MÉDICA E CARÊNCIA DE ESPECIALISTAS EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA NO SUS EM PERNAMBUCO

MEDICAL RESIDENCY POLICY AND LACK OF SPECIALISTS IN GYNECOLOGY AND OBSTETRICS IN THE PERNAMBUCO UNIFIED HEALTH SYSTEM

POLÍTICA DE RESIDENCIA MÉDICA Y CARENCIA DE ESPECIALISTAS EN GINECOLOGÍA Y OBSTETRICIA EN EL SISTEMA ÚNICO DE SALUD EN PERNAMBUCO

Resumo

A distribuição eficiente de profissionais de saúde, em especial os médicos, é um dos principais problemas enfrentados pelos gestores de políticas públicas da saúde. Na tentativa de resolver essa problemática, o estado de Pernambuco está ampliando o número de graduandos de medicina, inclusive de maneira interiorizada, e incentivando os programas de residência médica, com aumento de vagas e programas. Tais ações são estratégias para a fixação e o provimento do profissional médico. O objetivo geral do estudo que deu origem a este artigo foi apresentar a política de residência médica como estratégia de formação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde e demonstrar a carência de médicos especialistas em ginecologia e obstetrícia para o Sistema Único de Saúde de Pernambuco, a partir da desassistência ao parto. Os resultados encontrados demonstraram maior procura dos médicos pela especialidade de ginecologia e obstetrícia ao longo dos anos, porém existe grande concentração dessa especialidade na região próxima à capital (Recife) e de partos em determinadas localidades do estado.

políticas públicas; residência médica; recursos humanos em saúde; obstetrícia e ginecologia

Abstract

The efficient distribution of health professionals, especially physicians, is one of the main issues public health policy managers face. In an attempt to solve this problem, the state of Pernambuco, Brazil, is increasing the number of medical graduates, including in the interior, and encouraging medical residency programs with more openings and programs. Such actions are strategies for the establishment and provision of medical professionals. The general objective of the study that gave rise to this article was to introduce the medical residency policy as a strategy for training human resources for the Unified Health System and to demonstrate the lack of specialists in gynecology and obstetrics for the Unified Health System of Pernambuco, based on the lack of childbirth care. The results demonstrated an increased demand among physicians for the gynecology and obstetrics specialty over the years, but there is a great concentration of this specialty in the region near the capital city (Recife) and of deliveries in certain locations of the state.

public policies; medical residency; human resources in health; obstetrics andgynecology

Resumen

La distribución eficiente de profesionales de la salud, especialmente los médicos, es uno de los principales problemas enfrentados por los gestores de políticas públicas de la salud. En un intento por resolver esta problemática, el estado de Pernambuco, Brasil, está aumentando el número de estudiantes de pregrado de medicina, incluso en forma interiorizada, e incentivando los programas de residencia médica, aumentando vacantes y programas. Tales acciones son estratégicas para la fijación y la designación del profesional médico. El objetivo general del estudio que dio origen a este artículo fue presentar la política de residencia médica como estrategia de formación de recursos humanos para el Sistema Único de Salud y demostrar la carencia de médicos especialistas en ginecología y obstetricia para el Sistema Único de Salud de Pernambuco, a partir de la falta de asistencia en el parto. Los resultados encontrados mostraron una mayor demanda por médicos con especialidad en ginecología y obstetricia a lo largo de los años; sin embargo, hay una gran concentración de esta especialidad en la región próxima a la capital (Recife) y de partos en determinadas localidades del estado.

políticas públicas; residencia médica; recursos humanos en salud; obstetricia y ginecología

Introdução

A alocação eficiente de profissionais médicos é um dos principais problemas enfrentados pelos formuladores e implementadores de políticas públicas. A elucidação desse problema motivou a formulação de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para políticas de recrutamento e fixação de médicos em áreas rurais ou remotas, com o objetivo de garantir o acesso à saúde para essas populações (Organização Mundial da Saúde, 2010).

Tradicionalmente, os países têm abordado as questões de planificação e gestão de recursos humanos nos serviços de saúde com a utilização de desenhos baseados unicamente em razões de profissionais por população (Machado, 2015). Essa abordagem, embora amplamente utilizada, ignora outros elementos importantes, tais como concentração espacial da população, indicadores sociais, perfil epidemiológico e envelhecimento da população. Esses elementos alteram o padrão de adoecimento e mudam, portanto, o perfil dos profissionais médicos necessários para atender à população. Outro fator que deve ser considerado é a incorporação de novas tecnologias no setor saúde, pois aumenta a necessidade de especialistas por meio da criação de novas funções para o médico desempenhar (Barber e López-Valcárcel, 2010).

A subdivisão do trabalho médico em especialidades pode ser explicada como uma consequência do avanço da racionalidade científica. O crescente nível de agregação tecnológica, tanto na investigação quanto na terapêutica médica, passou a exigir treinamento específico para a realização de procedimentos (Aguiar, 2003).

Nesse contexto, o objetivo geral do estudo que deu origem a este artigo foi apresentar a política de formação de recursos humanos por meio da residência médica e a necessidade de médicos especialistas em ginecologia e obstetrícia para o Sistema Único de Saúde de Pernambuco (SUS/PE).

O SUS como política pública e a residência médica como estratégia de formação de especialistas

O SUS teve como precursores, na década de 1970, os movimentos sociais e políticos contra a ditadura, as liberdades democráticas que se ampliavam e fortaleciam por uma sociedade justa e solidária e um novo Estado com políticas públicas para os direitos humanos básicos, universais e com qualidade. Na saúde, esse movimento libertário fortaleceu-se com a bandeira da Reforma Sanitária, antecipando o que viriam, anos depois, a ser as diretrizes constitucionais de universalidade, igualdade e participação da comunidade. Apenas com a Constituição Federal de 1988 é que houve a obrigação legal do Estado em garantir saúde a toda a população, por meio do Sistema Único de Saúde, posteriormente regulamentado pelas leis orgânicas n. 8.080 e n. 8.142, de 1990 (Santos, 2013).

Nesse contexto, a construção da política de recursos humanos para o atendimento das necessidades do SUS e, em consequência, para a distribuição dos profissionais teve de levar em consideração dois sistemas fundamentais: de um lado, aquele relacionado à produção de recursos humanos – a formação/preparação para o trabalho; de outro, o sistema responsável pela utilização da força de trabalho da saúde – a gestão do trabalho (Brasil, 2003).

Na interface da formação para o trabalho, a residência médica é um modelo educacional, em nível de pós-graduação, no qual os aprendizes aprofundam conhecimentos e melhoram habilidades e atitudes, ou seja, desenvolvem competências específicas dentro de cada área. O treinamento nas instituições de saúde articula ensino e aprendizagem de forma coesa e com base na realidade dos serviços de saúde (Michel, Oliveira e Nunes, 2011).

Para sua admissão em qualquer curso de residência médica, o candidato deverá submeter-se ao processo de seleção, estabelecido pelo programa aprovado pela Comissão Nacional de Residência Médica, e assumir suas atribuições como médico residente de acordo com a lei n. 6.932, de 7 de julho de 1981 (Brasil, 1981). A mensuração adequada da necessidade de médicos especialistas não é uma tarefa simples, já que vários fatores estão envolvidos. Entre estes, as corporações, que têm conseguido defender o interesse dos especialistas que primam pela reserva de mercado, ou seja, contrapõem-se a formar grande quantidade de especialistas, já que isso significaria maior oferta de profissionais, aumentando a concorrência entre eles (Amoretti, 2005).

Com base na residência como fator de fixação ou provimento de médicos, o Ministério da Saúde criou o Pró-Residência, por meio da portaria GM n. 1.248, de 24 de junho de 2013, segundo a qual o Estado assume a função de regular a oferta de formação para áreas prioritárias mediante incentivos financeiros no custeio das bolsas dos estudantes e na qualificação dos serviços de saúde. Esse programa fez com que houvesse uma redistribuição das novas vagas ofertadas priorizando as áreas mais carentes em formação de especialistas, garantindo que 70% fossem destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Brasil, 2012a). Além da redistribuição de vagas, o programa propôs prioridades em áreas estratégicas do SUS, no que se referia tanto à criação de novos programas como à ampliação do número de vagas. Entre as áreas prioritárias estava a formação em ginecologia e obstetrícia (Brasil, 2015a).

Nessa mesma linha, diante da necessidade de melhor compreender e subsidiar os ministérios da Saúde (MS) e da Educação (MEC) na parametrização de ações de saúde pública e de formação em saúde, por meio do dimensionamento do número de médicos, foi publicado o decreto n. 8.516, de 10 de setembro de 2015, que instituiu o Cadastro Nacional de Especialistas (Brasil, 2015a). Essa ferramenta se propôs a fornecer mais subsídios para o planejamento de políticas públicas que atendam às necessidades de cada região do país, tais como a expansão de serviços de saúde de atenção especializada e a ampliação de programas de residência médica, incentivando a formação de profissionais menos disponíveis (Brasil, 2015a). No estado de Pernambuco, houve um aumento de 117% nas vagas para formação de médicos especialistas a partir dos programas de residência médica no período de 2008 a 2015, passando de 342 para 743 vagas (Pernambuco, 2013).

Portanto, para atingir o objetivo geral da pesquisa, foi necessário estudar a residência médica como uma política pública de formação de profissionais para o SUS no estado de Pernambuco com foco na especialidade de ginecologia e obstetrícia, uma vez que a necessidade de médicos na área apenas poderá ser suprida por essa modalidade de formação.

Desenho metodológico

Ao se considerar a natureza da questão escolhida para o estudo, utilizou-se a abordagem quantitativa para responder ao objetivo proposto, com base em dados secundários. A escolha foi feita por se tratar de um tipo de estudo que pode ser mensurado em números classificados e analisados, mediante o emprego de técnicas estatísticas (Ramos, Ramos e Busnello, 2003). Para esse estudo específico, foram usados os dados dos programas de residência em saúde e da especialidade de ginecologia e obstetrícia no período de 2008 a 2014.

Os dados da residência médica, tais como número de vagas ofertadas, valores investidos nessa política pública, distribuição das vagas dos programas de ginecologia e obstetrícia ao longo do estado, por regiões de saúde, e concorrências de candidatos por vaga foram disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde do estado de Pernambuco. Com relação aos dados referentes à especialidade de ginecologia e obstetrícia, eles foram obtidos diretamente do site do Datasus por meio do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Brasil, 2015b) e incluíram número de partos e número de especialistas em ginecologia e obstetrícia, usando o Código Brasileiro de Ocupações (CBO) n. 225250. Para a análise dos dados secundários, foi empregada a estatística descritiva, utilizando para tabular o programa Statistical Package for Social Sciences Statistics versão 22.

O projeto foi apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco como parte para conclusão de mestrado, sem financiamento, e aprovado conforme o certificado de apresentação para apreciação ética (CAAE) n. 49347015.3.00005208, seguindo as orientações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e a resolução n. 466/12 (Brasil, 2012b) do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados encontrados

Ao longo dos anos, Pernambuco aumentou o número de vagas e, consequentemente, o investimento financeiro para formação de recursos humanos para o SUS/PE por meio do programa de residência em saúde, o que demonstra que esta é uma política pública de relevância para o estado (Quadro 1).

Quadro 1
Número de vagas de residência em saúde ofertadas pelo estado de Pernambuco e recursos financeiros investidos nesta política pública no período de 2008 a 2015

Ao se comparar o programa de residência médica com o de residência em área profissional – que engloba as demais 13 profissões de saúde de nível superior: biomedicina, ciências biológicas, educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina veterinária, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional –, a residência médica sempre esteve com um quantitativo de vagas maior – em média, 70% das vagas ofertadas pelo estado.

A soberania dos programas de residência médica pode ser explicada pelo fato de ela ter sido pioneira nesse tipo de formação de especialistas em serviço de saúde, com registro de início em 1940 em São Paulo, como cita Chehuen Neto e colaboradores (2009), e instituída pelo decreto n. 80.281, de 5 de setembro de 1977 (Brasil, 1977). Já os programas de residência em área profissional de saúde iniciaram suas atividades em Pernambuco na década de 1980 e foram regulamentados em âmbito estadual entre 1995 e 1999, e apenas em 2005 obtiveram regulamentação federal, a partir da promulgação da lei n. 11.129 (Brasil, 2005). Outra justificativa para essa grande diferença é o fato de ainda existirem culturas e valores dentro das atividades da saúde centradas no médico, o que Paim (2001) chama de modelo de atenção à saúde médico-hegemônico, que privilegia a assistência médica em detrimento das demais profissões de saúde, o que demanda grande formação de médicos.

Residência médica em ginecologia e obstetrícia

Em relação à residência médica na especialidade de ginecologia/obstetrícia, ao longo dos anos houve um aumento nas vagas ofertadas para ela, com aumento de quase dez vezes no número de inscritos (Quadro 2).

Quadro 2
Quantitativo de vagas e concorrência da especialidade de ginecologia e obstetrícia no estado de Pernambuco no período de 2008 a 2016

A distribuição dessas vagas de formação para especialista em ginecologia/obstetrícia no estado de Pernambuco se apresentou com grande concentração em uma única região de saúde (I Região) e na cidade de Recife. Até 2015, essas vagas estavam concentradas em Recife e Petrolina (I e VIII regiões de saúde). A partir do processo seletivo para preenchimento das vagas em 2016, houve uma expansão de três vagas em Caruaru; dessa forma, as vagas ainda estão concentradas em apenas três regiões de saúde do estado, I, IV e VIII (Recife, Caruaru e Petrolina), correspondentes às sedes de macrorregiões mais antigas do estado. Logo, a distribuição das 51 vagas de formação do programa de residência médica em ginecologia/obstetrícia para 2016 no estado de PE foram assim distribuídas: pouco mais de 6% das vagas em Caruaru, 8% em Petrolina e as demais 44 vagas, a maioria, 86% em Recife, como demonstra o Mapa 1. Esse fator demonstra uma concentração de formação dessa especialidade financiada pela gestão pública em Recife, uma tímida formação no agreste e vazio dela ao longo do estado, com mínima formação também a 712 quilômetros da capital, na cidade de Petrolina (Mapa 1).

Mapa 1
Distribuição das vagas de formação de especialistas em ginecologia/obstetrícia no estado de Pernambuco a partir dos programas de residência médica

Ao longo dos anos, a procura dos médicos pela especialidade de ginecologia e obstetrícia aumentou, apesar de ainda demonstrar baixa demanda, em comparação com outros programas de residência médica, como anestesiologia – que em 2016 apresentou uma concorrência de 10,6 candidatos por vaga. Esse aumento na procura pode ser justificado pela mudança do mercado profissional, que está com um quantitativo maior de profissionais médicos formados por ano, e por haver carência dessa especialidade no mercado de trabalho, que requer mais especialistas na área.

A grande concentração de formação da especialidade de ginecologista e obstetra na capital pernambucana corrobora a grande concentração de especialistas que atuam no SUS nessa localidade, como demonstra o Mapa 2.

Mapa 2
Distribuição dos especialistas em ginecologia/obstetrícia no estado de Pernambuco a partir da razão entre número de especialistas em GO/população-alvo* x 1.000 habitantes**

Para Maciel Filho (2007), de maneira geral houve um crescimento desordenado dos programas de residência médica, aliado ao aumento do número de escolas médicas, sem que ambos estejam efetivamente orientados pelas necessidades do sistema de saúde e do modelo de atenção. Apesar de o Ministério da Saúde ter representação na Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), entidade responsável pela ampliação dos programas, que está abrigada no próprio Ministério da Educação, a CNRM tem funcionado numa espécie de ‘mundo à parte’, não havendo tradição de diálogo entre o MS e o MEC. Assim, Feuerwerker (2001) afirma que a residência médica está situada na interface dos processos de prestação de serviços e formação e sofre particularmente com essa desarticulação entre MS e MEC – ficando as definições a respeito de programas, vagas e especialidades sem articulação com as políticas ou as necessidades do sistema de saúde.

O programa de residência médica se constitui na melhor estratégia para fixação dos profissionais, não só pela dedicação à formação – pois o especializando precisa cumprir uma carga horária de sessenta horas semanais de atividades no serviço de saúde no qual está sendo formado – mas também pela infraestrutura que muitas vezes o estudante precisa organizar para se instalar na cidade onde realiza essa formação. Segundo a Rede de Observatórios de Recursos Humanos em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, em média 82% dos residentes continuaram na mesma unidade da federação onde fizeram a residência (Brasil, 2012a).

Para fazer um comparativo entre a concentração de especialistas em ginecologia/obstetrícia e o número de partos, optou-se pelo dado de número de partos por município de internação, que são aqueles partos que o município realiza em seu serviço de saúde independentemente do município de origem da gestante, como, por exemplo, uma gestante residente no município de Olinda que realiza seu parto em Recife.

Em média, foram realizados 586,97 partos por município em Pernambuco durante o período examinado (2008-2014). O desvio padrão de 2.099,93 indicou que a distribuição do número de partos por município de internação é bastante heterogênea. Recife apresentou a maior média (24.915,29), enquanto 18 municípios não registraram nenhum nascimento.5 A maior média em Recife se justifica por ser a capital do estado e absorver os casos mais complexos e os vazios assistenciais ao longo de Pernambuco.

Esse fato de alta concentração de especialistas em ginecologia/obstetrícia no SUS demonstra grande centralização de partos em alguns municípios, gerando os constantes encaminhamentos das gestantes, o que fragiliza o vínculo com sua cidade natal e com sua família, que não pode estar presente nesse momento importante da vida da mulher, e ainda causa grave risco de complicações dos partos.

Um exemplo dessa problemática é o alto número de partos de outros municípios que a capital do estado realizou. No período de 2008 a 2014, o município de Recife realizou, de acordo com os dados do sistema de informação dos de nascidos vivos (Sinasc) (Brasil, 2015b), 73.212 partos de gestantes de outros municípios, o que pode ser justificado, entre outros aspectos, pela ausência de profissionais médicos especialistas em ginecologia e obstetrícia ao longo do estado. O Mapa 3 demonstra a concentração de partos por município de internação em Pernambuco no período de 2008 a 2014.

Mapa 3
Distribuição dos partos de 2008 a 2014 por município de internação – Pernambuco

Esse aspecto é explicado por Menezes et al. (2006) como uma verdadeira peregrinação de mulheres à procura de serviços de saúde, no momento do parto, o que pode gerar graves complicações. Frank e Pelloso (2013) afirmam a importância do acompanhamento da mulher em trabalho de parto muito além da competência técnica, mas com apoio emocional principalmente da família, o que explica a importância de a gestante realizar o parto nas proximidades de sua residência. Esse aspecto é reforçado por Acker et al. (2006), que citam a participação da família no parto como uma das prerrogativas para o resgate da humanização no nascimento. O afastamento familiar ao longo dos anos com a institucionalização do parto contribui para a artificialidade e a desumanização do nascimento.

Essa grande concentração de partos na I Regional de Saúde se justifica por ser a região com maior concentração de estruturas hospitalares e de oferta de médicos. A VIII Regional, nesse período, passou por grande reestruturação econômica e nos serviços de saúde, com implantação de curso de medicina e programas de residência médica, o que está tornando a regional atrativa para profissionais.

Os municípios que não realizaram nenhum parto no período indicado no Mapa 3 apresentaram no total 149 leitos de obstetrícia e dez especialistas de ginecologia e obstetrícia cadastrados prestando atendimento ao SUS. Esse alto número de leitos pode ser justificado pelo registro impróprio no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) para que os municípios continuassem recebendo recursos do MS, mesmo sem prestar o serviço à população. O município de Palmeirina, de pequeno porte e integrante da IV Regional de Saúde, apresentava 71 leitos cadastrados e nenhum profissional de ginecologia/obstetrícia cadastrado, o que demonstrava a prática de manter os leitos de ginecologia/obstetrícia ativos no CNES sem sua real utilização.

Há vários mecanismos utilizados pelos países para prover profissionais de saúde, desde bolsa com auxílios para alimentação e moradia, processos de educação continuada com envolvimento de instituições universitárias e até créditos educativos e ingresso em especialidades médicas ou bolsas de pós-graduação. Essas ações buscam o provimento e a fixação dos profissionais médicos (Carvalho e Sousa, 2013).

No enfrentamento da carência de médicos, Pernambuco vem incentivando os programas de residência médica, com amplo aumento das vagas e programas ao longo dos anos, e também ampliando o quantitativo de graduandos de medicina, inclusive de maneira interiorizada, com abertura de polos de universidades públicas no agreste e no sertão do estado (Caruaru, Garanhuns, Petrolina e Serra Talhada). Essa ação corrobora a orientação de Feuerwerker (2013), que afirma ser notória a necessidade de médicos generalistas e especialistas, mas é preciso enfrentar o problema de modo incisivo: ampliar as vagas de graduação de medicina de maneira descentralizada da capital e interiorizada.

Considerações finais

Entende-se a residência médica como um fator importante para o provimento e a fixação do profissional médico na região que o residente escolhe para essa formação. Ao longo dos anos, houve grande crescimento da política de residência médica em Pernambuco, com ampliação de vagas e criação de novos programas, o que demonstra ser uma importante política pública para formação de recursos humanos para o SUS. Pensando no provimento de médicos, principalmente em áreas prioritárias, observa-se uma expansão na área de ginecologia e obstetrícia. Porém, ainda se faz necessário ampliar essa formação em outras áreas do estado, distintas da capital (Recife), para garantir melhor assistência ao parto ao longo de Pernambuco.

Para isso, uma estratégia é descentralizar e interiorizar os programas e as vagas de residência médica em ginecologia/obstetrícia de maneira concomitante à interiorização dos cursos de medicina, pois ofertando a residência médica na mesma localidade da graduação seria possível diminuir o deslocamento dos médicos para outras cidades para se especializarem, estimulando sua fixação nas proximidades onde estariam se formando.

O município de Serra Talhada, especificamente, seria uma localidade estratégica por conta da sua localização geográfica, quase no centro do estado, e por possuir o curso de medicina da Universidade de Pernambuco (UPE) – assim como Garanhuns, que também tem o curso de medicina da UPE, e sua localização geográfica facilitaria para ser referência em ginecologia e obstetrícia para mais de vinte municípios da região. Outra consideração importante é a necessidade de rediscutir a política de assistência ao parto, estimulando práticas de parto que não dependam exclusivamente do profissional médico para se realizar, como os enfermeiros obstetras atuando nos centros de parto normal.

Referências

  • AGUIAR, Raphael A. T. A construção internacional do conceito de atenção primária à saúde (APS) e sua influência na emergência e consolidação do Sistema Único de Saúde no Brasil 2003. 136 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
  • AMORETTI, Rogério. A educação médica diante das necessidades sociais em saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 136-146 maio-ago. 2005.
  • ACKER, Justina I. B. V. et al. As parteiras e o cuidado com o nascimento. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 59, n. 5, p. 647-651, 2006.
  • BARBER, Patricia; LÓPEZ-VALCÁRCEL, Beatriz G. Forecasting the need for medical specialists in Spain: application of a system dynamics model. Human Resource for Health, 2010. Disponível em: <https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/1478-4491-8-24>. Acesso em: 5 set. 2015.
    » https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/1478-4491-8-24
  • BRASIL. Decreto n. 80.281, de 5 de setembro de 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D80281.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D80281.htm
  • BRASIL. Lei n. 6.932, de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico residente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6932.htm>. Acesso em: 27 abr. 2016.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6932.htm
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação-Geral da Política de Recursos Humanos. Política de Recursos Humanos para o SUS: balanço e perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_16.pdf>. Acesso em: 20. jun. 2017.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_16.pdf
  • BRASIL. Lei n. 11.129, de 30 de junho de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11129.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11129.htm
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Seminário nacional sobre escassez, provimento e fixação de profissionais de saúde em áreas remotas de maior vulnerabilidade Brasília: Ministério da Saúde, 2012a. (Série D. Reuniões e Conferências).
  • BRASIL. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012b. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2016.
    » http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
  • BRASIL. Decreto n. 8.516, de 10 de setembro de 2015a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8516.htm>. Acesso em: 27 abr. 2016.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8516.htm
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. 2015b. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/sistemas-e-aplicativos/eventos-v/sinasc-sistema-de-informacoes-de-nascidos-vivos, Acesso em: 2 jul. 2015.
    » http://datasus.saude.gov.br/sistemas-e-aplicativos/eventos-v/sinasc-sistema-de-informacoes-de-nascidos-vivos
  • CARVALHO, Mônica S.; SOUSA, Maria F. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface: Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 17, n. 47, p. 913-926, out.-dez. 2013.
  • CHEHUEN NETO, José A. et al. Cursinhos preparatórios para prova de residência médica: expectativas e opiniões.Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 205-211, 2009.
  • FEUERWERKER, Laura C. M. A formação de médicos especialistas e a residência médica no Brasil. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 57, p. 39-54, jan.-abr. 2001.
  • FEUERWERKER, Laura C. M. Médicos para o SUS: gestão do trabalho e da educação na saúde no olho do furacão. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 17, n. 47, p. 929-930, out.-dez. 2013.
  • FRANK, Tatiane C.; PELLOSO, Sandra M. Percepção dos profissionais sobre a assistência ao parto domiciliar planejado, Revista Gaúcha Enfermagem, Porto Alegre, v. 34, n. 1, p. 22-29, 2013.
  • MACIEL FILHO, Rômulo. Estratégias para a distribuição e fixação de médicos em sistemas nacionais de saúde: o caso brasileiro. 2007. 262f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
  • MACHADO, Claudia R.; DAL POZ, Mario R., Sistematização do conhecimento sobre as metodologias empregadas para o dimensionamento da força de trabalho em saúde, Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 238-253, 2015.
  • MENEZES, Daniela C. S et al. Avaliação da peregrinação anteparto numa amostra de puérperas no município do Rio de Janeiro, Brasil, 1999/2001, Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n.3, p. 553-559, mar. 2006.
  • MICHEL, Jeanne L. M.; OLIVEIRA, Ricardo A. B.; NUNES, Maria P. Tenório. Residência médica no Brasil. Cadernos da Abem, Rio de Janeiro, v. 7, p. 13-27, out. 2011.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention: global policy recommendations. 2010. Disponível em: <http://www.searo.who.int/nepal/mediacentre/2010_increasing_access_to_health_workers_in_remote_and_rural_areas.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2014.
    » http://www.searo.who.int/nepal/mediacentre/2010_increasing_access_to_health_workers_in_remote_and_rural_areas.pdf
  • PAIM, Jairnilson S. Modelos assistenciais: reformulando o pensamento e incorporando a proteção e a promoção. 2001. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6168/1/Paim%20JS.%20Texto%20Modelos%20Assistenciais.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2016.
    » https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6168/1/Paim%20JS.%20Texto%20Modelos%20Assistenciais.pdf
  • PERNAMBUCO. Secretaria Estadual de Saúde. Balanço de gestão 2011-2013. 2013. Disponível em: <http://portal.saude.pe.gov.br/relatorio-anual-de-gestao>. Acesso em: 27 abr. 2016.
    » http://portal.saude.pe.gov.br/relatorio-anual-de-gestao
  • RAMOS, Paulo; RAMOS, Magda M.; BUSNELLO, Saulo J. Manual prático de metodologia da pesquisa: artigo, resenha, projeto, TCC, monografia, dissertação e tese. Blumenau: Acadêmica, 2003.
  • SANTOS, Nelson Rodrigues SUS, política pública de Estado: seu desenvolvimento instituído e instituinte e a busca de saídas. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 273-280, 2013.
  • 5
    Os 18 municípios são os seguintes: Araçoiaba, Camutanga, Fernando de Noronha, Ferreiros, Itapissuma, Jucati, Manari, Palmeirina, Paranatama, Primavera, Quixaba, Salgadinho, Santa Filomena, Santa Maria do Cambucá, São José da Coroa Grande, Tacaimbó, Tracunhaém e Vertente do Lério.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2016
  • Aceito
    02 Ago 2016
location_on
Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Avenida Brasil, 4.365, 21040-360 Rio de Janeiro, RJ Brasil, Tel.: (55 21) 3865-9850/9853, Fax: (55 21) 2560-8279 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revtes@fiocruz.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro