Resumo
Este artigo discute a ocupação indígena de uma aldeia circular no século XV, a partir da forma de assentamento e da análise da cerâmica identificada no sítio arqueológico Novo Engenho Velho, localizado no alto rio Madeira. Esses componentes espaciais são analisados em relação aos padrões de assentamento conhecidos na Arqueologia. A análise técnico-funcional da cerâmica aponta para uma padronização na produção das vasilhas, e a variabilidade existente é atribuída às diferentes atividades e funções dos artefatos. Esses elementos têm sido pensados como correlatos dos produtores da cerâmica Jatuarana (Tradição Polícroma) e a deposição em uma aldeia circular traz implicações para os atuais modelos arqueológicos propostos para a Amazônia.
Palavras-chave
Alto rio Madeira; Aldeia circular; Montículos; Cerâmica
Abstract
This article discusses indigenous occupation of a circular village in the fifteenth century in terms of its shape and analysis of pottery found at the Novo Engenho Velho archaeological site on the upper Madeira river. These spatial components are analyzed against known archaeological settlement patterns. Technical and functional analysis of the ceramics indicates standardized vessel production, with variations according to different functions and activities. These elements are been considered to be associated with Jatuarana ceramics (polychrome tradition); the presence of these objects in a circular village has implications for the current archaeological models proposed for the Amazon.
Keywords
Upper Madeira river; Circular village; Mounds; Pottery
INTRODUÇÃO
Rondônia apresenta uma sequência histórica e cultural de ocupações indígenas durante todo o Holoceno, marcada pela diversidade de contextos arqueológicos e tecnologias líticas e cerâmicas. O arqueólogo Eurico Miller (1987Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987. Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A.; Miller et al., 1992Miller, E. T. (1992). Adaptação agrícola pré-historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum.) iniciou as pesquisas com a realização de extensos levantamentos arqueológicos e a classificação dos materiais em diferentes fases e tradições, por meio do método de seriação.
Nos últimos anos, um renovado interesse fez com que a Arqueologia na calha do alto rio Madeira despontasse para uma série de questões importantes, que implicam repensar a longa trajetória indígena e suas transformações na paisagem. Esses dados inéditos têm discutido questões como: a antiguidade da ocupação humana e um rápido processo de sedentarismo evidenciado pelas mais antigas terras pretas da Amazônia (Kipnis, 2011Kipnis, R. (2011). Amazonian Anthropogenic Soils‘Antiquity at Upper Rio Madeira, Northwestern Amazon, and Its Implications for the Colonization of South American Neotropics. Abstracts of the SAA 76th Annual Meeting. Recuperado de https://ica2012.univie.ac.at/index.php?id=116625&no_cache=1&tx_univietablebrowser_pi1%5Bbackpid%5D=116623&tx_univietablebrowser_pi1%5Bfkey%5D=872&tx_univietablebrowser_pi1%5Buid%5D=11027
https://ica2012.univie.ac.at/index.php?i...
; Tizuka et al., 2013Tizuka, M. M., Santi, J. R., & Kipnis, R. (2013). Um olhar além rio: ocupações pretéritas entre ilhas e cachoeiras no Alto rio Madeira-RO. In J. C. R. Rubin & R. T. Silva (Eds.), Geoarqueologia (Vol. 2, pp. 113-134). Goiânia: PUC., Mongeló, 2015Mongeló, G. Z. (2015). O formativo e os modos de produção: ocupações pré-ceramistas no Alto Rio Madeira-RO (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Neves, 2016Neves, E. G. (2016). Não existe Neolítico ao Sul do Equador: as primeiras cerâmicas amazônicas e sua falta de relação com a agricultura. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 32-39). Belém: IPHAN.); a compreensão da domesticação e do cultivo de importantes plantas a partir de evidências de fitólitos (Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
); padrões de assentamentos e o uso do espaço intrassítio (Pessoa, 2015Pessoa, C. (2015). Os contextos arqueológicos e a variabilidade artefatual da ocupação Jatuarana no alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, PA, Belém, Brasil.; Almeida, 2016Almeida, F. O. (2016). The organics of settlement patterns of Amazonia. In L. Kellett & E. Jones (Orgs.), Settlement ecology of the ancient Americas (pp. 278-312). Nova York: Routledge.; Costa, 2016Costa, A. F. (2016). A multifuncionalidade da cerâmica no sítio Ilha Dionísio, alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Rio de Janeiro, Brasil.; Costa & Gomes, 2018Costa, A. F., & Gomes, D. M. C. (2018). A multifuncionalidade das vasilhas cerâmicas do alto rio Madeira (séculos X-XII d.C.): comensalidade cotidiana e ritual. Revista de Antropologia, 61(3), 52-85. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2018.152040
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.20...
); o refinamento cronológico e estilístico de tradições arqueológicas cerâmicas e a incorporação de modelos linguísticos Arawak e Tupi na construção de longos processos de expansão ou migração (Neves, 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia Central (6.500 AC-1.500 DC) (Tese de livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Almeida & Moraes, 2016Almeida, F. O., & Moraes, C. P. (2016). A cerâmica Polícroma do Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 402-413). Belém: IPHAN.; Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil., 2016Zuse, S. (2016). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 385-401). Belém: IPHAN.; Kater, 2018Kater, T. (2018). O sítio Teotônio e as reminiscências de uma longa história indígena no Alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.).
Este artigo explora uma breve revisão da Arqueologia em antigas aldeias circulares amazônicas. Um estudo de caso dos contextos arqueológicos do sítio Novo Engenho Velho, localizado na margem esquerda do alto rio Madeira, assim como os resultados da análise técnico-funcional da cerâmica, buscam trazer novas contribuições para os padrões de ocupação indígena e seus correlatos materiais classificados como cerâmica Jatuarana. Outros dados de dois sítios próximos, temporalmente contemporâneos e mais recentes que este, Campelo e São Domingos, somam-se para subsidiar este padrão de assentamento e a produção cerâmica, a fim de demonstrar que existem outras variações desta ocupação. Por fim, os resultados da presente pesquisa apontam que a Arqueologia da Amazônia tem se dedicado a entender a materialidade das aldeias antigas por meio do registro arqueológico.
ALDEIAS CIRCULARES NA AMAZÔNIA ANTIGA
Em diversas partes das terras baixas sul-americanas, as populações indígenas organizam suas aldeias em formato circular. Melatti (1974)Melatti, J. C. (1974). Por que a aldeia Krahó é redonda? Informativo Funai, 3(11/12), 34-41., ao responder por que a aldeia Kraô é redonda, demostrou que a configuração espacial das casas tem a ver com a solidariedade que os grupos domésticos multifamiliares têm uns com os outros. É na aldeia que os laços de amizade são reforçados, por meio de ritos com componentes duais entre as metades, envolvendo disputas simbólicas e trocas entre os grupos domésticos. Essa oposição, sempre protagonizada por um homem e uma mulher, encontra-se materializada na figura da aldeia, com a casa dos homens no centro da praça e as das mulheres na periferia. Lévi-Strauss (1996 [1955], p. 229)Lévi-Strauss, C. (1996 [1955]). Tristes trópicos (R. F. Aguiar, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. já havia encontrado a relação de metades entre os Bororo, mantida por uma grandiosa cosmologia inscrita na planta de suas aldeias circulares e no arranjo de suas casas.
As aldeias anelares do Brasil central foram documentadas em pesquisas arqueológicas de modo a fornecer dados e interpretações valiosas sobre suas primeiras manifestações e continuidades culturais com populações falantes do tronco linguístico Macro-Jê, conhecidas no presente etnográfico. É significativo o fato de esses assentamentos resultarem do desenvolvimento local de populações agricultoras e ceramistas das tradições Uru e Aratu, desde o século IX, em momento de pressões externas que podem ter resultado em alianças multiétnicas e integração inter-regional (Wüst & C. Barreto, 1999Wüst, I., & Barreto, C. (1999). The ring villages of central Brazil: a challenge for Amazonian Archaeology. Latin American Antiquity, 10(1), 3-23. doi: https://doi.org/10.2307/972208
https://doi.org/10.2307/972208...
; C. Barreto, 2011Barreto, C. (2011). A construção social do espaço: de volta às aldeias circulares do Brasil Central. Habitus, 9(1), 61-80.).
A presença de aldeias circulares entre os povos Macro-Jê é vista pelas pesquisas arqueológicas como uma influência ou inovação trazida pelas populações amazônicas, especificamente de línguas Arawak, cujas evidências materiais mais antigas para uma aldeia circular encontram-se nas Antilhas há 2.500 anos relacionadas aos produtores da cerâmica Saladoide (Heckenberger & Petersen, 1995Heckenberger, M. J., & Petersen, J. B. (1995). Concentric circular village patterns in the Caribbean: comparisons from Amazonia. In Proceedings of the 16th International Congress for Caribbean Archaeology. Conseil Regional de Guadeloupe, Guadeloupe.; Heckenberger, 2001Heckenberger, M. J. (2001). Estrutura, história e transformação: a cultura Xinguana na longue durée (1000 a 2000 d. C.). In B. Franchetto & M. Heckenberger (Eds.), Povos indígenas do alto Xingu: história e culturas (pp. 21-62). Rio de Janeiro: UFRJ., pp. 45-46; Neves, 2010Neves, E. G. (2010). A Arqueologia da Amazônia Central e as classificações na Arqueologia Amazônica. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica, (Vol. 2, pp. 561-579). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi., pp. 571-573; C. Barreto, 2011Barreto, C. (2011). A construção social do espaço: de volta às aldeias circulares do Brasil Central. Habitus, 9(1), 61-80., p. 70).
Heckenberger (2001, pp. 29-31)Heckenberger, M. J. (2001). Estrutura, história e transformação: a cultura Xinguana na longue durée (1000 a 2000 d. C.). In B. Franchetto & M. Heckenberger (Eds.), Povos indígenas do alto Xingu: história e culturas (pp. 21-62). Rio de Janeiro: UFRJ. aponta que os povos que partilharam do modo de vida das populações falantes Arawak na periferia meridional da Amazônia destacam-se por certos traços culturais que parecem ser únicos, como: aldeias anulares densamente distribuídas, interligadas por caminhos; agricultura intensiva e ênfase em recursos aquáticos; integração sociopolítica e padrões desenvolvidos de troca; ideologias não predatórias, com estratégias defensivas; e, por fim, hierarquia social. Esta estrutura sociocultural ficou retida durante mais de mil anos no alto Xingu. Apesar das transformações, elas foram amplamente partilhadas em toda a Amazônia antiga e tiveram o alto rio Madeira como um centro secundário da ‘diáspora Arawak’. Portanto, a imensa região do sul da Amazônia foi cenário de importantes formações regionais de sociedades complexas, relacionadas ou intercaladas com aldeias autônomas (Heckenberger & Neves, 2009Heckenberger, M. J., & Neves, E. G. (2009). Amazonian Archaeology. Annual Review of Anthropology, 38, 251-266.; Heckenberger, 2011Heckenberger, M. J. (2011). Forma do espaço, língua do corpo e história xinguana. In B. Franchetto (Org.), Alto Xingu: uma sociedade multilíngue (pp. 235-279). Rio de Janeiro: Museu do Índio., p. 241).
Aos povos indígenas da região do rio Xingu é atribuído alto grau de sedentarismo e forte fixação na aldeia. Heckenberger (2001, pp. 32-33)Heckenberger, M. J. (2001). Estrutura, história e transformação: a cultura Xinguana na longue durée (1000 a 2000 d. C.). In B. Franchetto & M. Heckenberger (Eds.), Povos indígenas do alto Xingu: história e culturas (pp. 21-62). Rio de Janeiro: UFRJ. nota que esse aspecto do modo de vida mais permanente não envolve uma dependência ecológica, apesar de seus assentamentos posicionarem-se em lugares extremamente vantajosos, no limiar entre a floresta de terra firme e córregos, rios ou áreas alagadas, cuja base econômica esteve fundada no cultivo intensivo de mandioca e pesca. É o modelo concêntrico da aldeia que organiza as relações espaciais com as casas em volta de uma praça limpa. O sedentarismo, assim como a hierarquia social e o regionalismo, compõe os esquemas culturais presentes no ethos Arawak, detalhados por Heckenberger (2001)Heckenberger, M. J. (2001). Estrutura, história e transformação: a cultura Xinguana na longue durée (1000 a 2000 d. C.). In B. Franchetto & M. Heckenberger (Eds.), Povos indígenas do alto Xingu: história e culturas (pp. 21-62). Rio de Janeiro: UFRJ., e manifestam-se claramente nos significados político, público e ritual da figura da aldeia concêntrica em torno da praça central.
Essas aldeias serviram de base para a construção do modelo de urbanismo no alto rio Xingu, a partir da identificação de 28 assentamentos de diferentes tamanhos (até 50 ha), distribuídos em uma área de estudo de 1.250 km2, organizados de forma hierárquica e interligados por estradas radiais, em torno de dois grandes centros políticos rituais (Heckenberger et al., 2008Heckenberger, M. J., Christian Russell, J., Fausto, C., Toney, J. R., Schmidt, M. J., Pereira, E., Franchetto, B., & Kuikuro, A. (2008). Pre-Columbian urbanism, anthropogenic landscapes, and the future of the Amazon. Science, 321(5893), 1214-1217. doi: 10.1126/science.1159769
https://doi.org/10.1126/science.1159769...
). Tais lugares compreendem, além dos assentamentos – alguns dos quais apresentam valas defensivas em volta –, áreas com terra preta antrópica que são evidências de práticas agrícolas. As datações situam o início destas aldeias circulares no século V, evidenciando transformações destes povos e das paisagens ao longo do tempo (Heckenberger & Neves, 2009Heckenberger, M. J., & Neves, E. G. (2009). Amazonian Archaeology. Annual Review of Anthropology, 38, 251-266., p. 258; Heckenberger, 2011Heckenberger, M. J. (2011). Forma do espaço, língua do corpo e história xinguana. In B. Franchetto (Org.), Alto Xingu: uma sociedade multilíngue (pp. 235-279). Rio de Janeiro: Museu do Índio.).
Em toda a Amazônia meridional, os povos indígenas modificaram a paisagem de muitas formas, entre elas, com estruturas em terra (canais, montículos, aterros, estradas) para múltiplas funções. Na região de Baures, Erickson et al. (2008)Erickson, C. L., Álvarez, P., & Calla, S. (2008). Zanjas circundantes: obras de tierra monumentales de Baures en la Amazonia boliviana. La Paz: Unidad Nacional de Arqueología. mostraram que valas anulares em ilhas de savanas, embora documentadas historicamente como estruturas defensivas, com paliçadas em torno das aldeias dos índios Baure (Arawak) para se protegerem dos ataques dos Guarayo (Tupi) no período colonial, podem ter servido também para cultivo, gerenciamento de água, armadilhas para animais, limites territoriais, recinto sagrado, público e ritual. Apesar das semelhanças com os assentamentos do alto rio Xingu, as zanjas circundantes bolivianas apresentam pouco material cerâmico no registro arqueológico.
No leste do estado do Acre, as pesquisas de Saunaluoma et al. (2018)Saunaluoma, S., Pärssinen, M., & Schaan, D. P. (2018). Diversity of Pre-colonial Earthworks in the Brazilian state of Acre, Southwestern Amazonia. Journal of Field Archaeology, 43(5), 362-379. doi: https://doi.org/10.1080/00934690.2018.1483686
https://doi.org/10.1080/00934690.2018.14...
mostraram que, entre as centenas de sítios, geoglifos coexistem com outras estruturas de terra mais recentes. No alto rio Iquiri, o padrão de ocupação datado entre os séculos XV e XVII é composto por 20 a 25 montículos (de 1 a 2 ha), distribuídos em torno de uma área plana, havendo estradas radiais em todas as direções entre os montículos, cujos fragmentos de vasilhas cerâmicas não decoradas concentram-se nos montículos, sugerindo uso doméstico. Por sua vez, recintos com mureta em forma circular, com uma estrada igualmente murada na direção sudeste, caracterizam outras ocupações entre o alto rio Iquiri e o rio Abunã, com datas do início do século XV a meados do século XVIII.
O sítio Sol de Campinas do Acre, localizado a cerca de 18 km a leste do rio Iquiri, no interflúvio das bacias hidrográficas dos rios Acre e Abunã, originalmente possuía 24 montículos, distribuídos ao redor de uma praça central em forma ovalada ou elipsoide, associados a três estradas ou caminhos para o noroeste, sul e sudeste. A escavação de um dos montículos identificou 16 camadas estratigráficas, predominantemente construtivas, mais espessas, entremeadas por camadas de ocupação, menos espessas, com presença de fogueiras, líticos, cerâmicas e materiais orgânicos, destacando-se a ausência de feições como buracos de poste ou esteio que poderiam indicar a construção de casas. Cinco datações radiocarbônicas situam o início da construção do montículo no século XI, sendo que a intensificação das ocupações ocorreu do final do século XIII até o século XVII. Para os pesquisadores, o início da construção de montículos na região, em torno de 1.000 d.C., representa um processo de mudança cultural a partir de deslocamentos populacionais, tendo em vista que os geoglifos são mais antigos (Neves et al., 2016Neves, E. G., Pugliese Jr., F. A., Schock, M. P., Furquim, L. P., Zimpel Neto, C. A., & Carneiro, C. G. (2016). Pesquisa e formação nos sítios arqueológicos Espinhara e Sol de Campinas do Acre - PESC (Relatório final).).
Outro exemplo de estudo de aldeias circulares ou semicirculares está nas pesquisas realizadas na Amazônia central, na confluência dos rios Negro e Solimões (Neves, 2010Neves, E. G. (2010). A Arqueologia da Amazônia Central e as classificações na Arqueologia Amazônica. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica, (Vol. 2, pp. 561-579). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi., 2012). Estas ocupações, algumas das quais são multicomponenciais, estão associadas às cerâmicas das fases Manacapuru e Paredão, ambas da Tradição Borda Incisa. Os grandes assentamentos de terra preta são evidências da intensificação demográfica naquela região, entre os séculos VII e XII; além de possuírem a mesma morfologia da aldeia, indicam ter compartilhado estilos cerâmicos. As escavações em montículos artificiais demonstram que tais estruturas, que atingem até 3 m de altura, foram construídas como plataformas para unidades habitacionais e em um desses sítios ocorre sepultamento. Os dados e as interpretações a respeito dessas ocupações possuem estreita relação com o modelo de ‘expansão Arawak’, proposto por Heckenberger (2001)Heckenberger, M. J. (2001). Estrutura, história e transformação: a cultura Xinguana na longue durée (1000 a 2000 d. C.). In B. Franchetto & M. Heckenberger (Eds.), Povos indígenas do alto Xingu: história e culturas (pp. 21-62). Rio de Janeiro: UFRJ., uma vez que há fortes correlações entre o padrão de assentamento circular, terra preta (sedentarismo), cultura material (cerâmicas Barrancoide/Borda Incisa) e o aparecimento de chefias regionais (Lima, 2008Lima, H. P. (2008). História das caretas: a tradição borda incisa na Amazônia central (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.; Moraes, 2013Moraes, C. P. (2013). Amazônia ano 1000: territorialidade e conflito no tempo das chefias regionais (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.).
Esse quadro começou a mudar a partir do século IX, com o surgimento de outra indústria cerâmica, desta vez da Tradição Polícroma da Amazônia. Estas cerâmicas, conhecidas como Guarita, muitas vezes aparecem sobrepostas às camadas Manacapuru e Paredão, no registro arqueológico da Amazônia central, e possuem um padrão de assentamento linear paralelo ao rio (Moraes & Neves, 2012Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia Central. Amazônica, 4(1), 122-148. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884
https://doi.org/10.18542/amazonica.v4i1....
). Atualmente, tem sido discutida a possibilidade da expansão dos povos portadores desta cerâmica ter se originado no alto rio Madeira (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), e que sua chegada à Amazônia central teria ocasionado diversos conflitos com os portadores da cerâmica Paredão e Manacapuru, uma vez que a construção de valas defensivas em volta das aldeias circulares seria evidência de que os encontros entre esses diferentes povos foram marcados por conflitos (Moraes & Neves, 2012Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia Central. Amazônica, 4(1), 122-148. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884
https://doi.org/10.18542/amazonica.v4i1....
; Neves, 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia Central (6.500 AC-1.500 DC) (Tese de livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). É possível que esse comportamento bélico de alguns desses povos possa ter permanecido até o período histórico, notadamente quando se sugere que os produtores da cerâmica da Tradição Polícroma da Amazônia são os ancestrais dos Omágua/Cocama, povos Tupi que estavam organizados em confederações para combater inimigos comuns observados pelos primeiros cronistas (Neves, 2010Neves, E. G. (2010). A Arqueologia da Amazônia Central e as classificações na Arqueologia Amazônica. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica, (Vol. 2, pp. 561-579). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi.; Moraes & Neves, 2012Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia Central. Amazônica, 4(1), 122-148. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884
https://doi.org/10.18542/amazonica.v4i1....
; Moraes, 2013Moraes, C. P. (2013). Amazônia ano 1000: territorialidade e conflito no tempo das chefias regionais (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.).
O rio Madeira pode ter funcionado no passado como um corredor que possibilitou conectar a Amazônia central e meridional. Entre a cachoeira do Teotônio até o rio Marmelos, 32 sítios foram caracterizados como assentamentos elipsoides e retanguloides de terra preta, próximos a lagos, igarapés e igapós, contendo a cerâmica inicialmente classificada na Subtradição Jatuarana, da Tradição Polícroma da Amazônia, com dois mil anos de duração, entre os séculos VIII a.C. e XVIII d.C. (Miller, 1987Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987. Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A., 1992). Em áreas de barrancos altos adjacentes ao baixo rio Jamari, afluente da margem direita do rio Madeira, também foram registrados sítios com formatos circulares e elipsoides de terra preta, entre os séculos VI a.C. e XVIII d.C., 88 deles associados a povos que produziam cerâmicas classificadas como Tradição Jamari (Miller et al., 1992Miller, E. T. (1992). Adaptação agrícola pré-historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum.).
Novas pesquisas arqueológicas nessa região mostram que existem diferentes tipos de assentamentos com forma circular, semicircular, presença de montículos com ou sem terra preta (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., 2016Almeida, F. O., & Moraes, C. P. (2016). A cerâmica Polícroma do Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 402-413). Belém: IPHAN.; Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.; Costa, 2016Costa, A. F. (2016). A multifuncionalidade da cerâmica no sítio Ilha Dionísio, alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Rio de Janeiro, Brasil.; Caldarelli & Kipnis, 2017Caldarelli, S. B., & Kipnis, R. (2017). A ocupação pré-colonial da Bacia do rio Madeira: novos dados e problemáticas associadas. Especiaria: Cadernos de Ciências Humanas, 17(30), 229-289.; Bespalez et al., 2020Bespalez, E., Zuse, S., Pessoa, C., Venere, P. P., & Santi, J. R. (2020). Arqueologia no sítio Santa Paula, alto Madeira, Porto Velho, Rondônia, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190076. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0076
https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELD...
). Além disso, a antiguidade da Subtradição Jatuarana foi questionada, apresentando datas a partir do século VIII d.C. (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Almeida & Moraes, 2016Almeida, F. O., & Moraes, C. P. (2016). A cerâmica Polícroma do Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 402-413). Belém: IPHAN., p. 410). Nesse cenário, o sítio Novo Engenho Velho apresenta depósitos arqueológicos mais recentes, com cerâmicas Jatuarana, seguindo um padrão de assentamento circular. As implicações dessa forma de aldeia, do ponto de vista etnográfico, são particularmente importantes porque nos ajudam a entender as manifestações mais tardias associadas à Tradição Polícroma da Amazônia na margem da última cachoeira do rio Madeira, antes e depois da chegada dos europeus às Américas.
MONTÍCULOS COMO EVIDÊNCIAS DE UMA ALDEIA CIRCULAR NO ALTO RIO MADEIRA
Os sítios arqueológicos Novo Engenho Velho, Campelo e São Domingos foram identificados e escavados no âmbito do projeto “Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção da UHE Santo Antônio” (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.). Estavam localizados na margem esquerda do alto rio Madeira, próximos a cachoeira de Santo Antônio, e foram impactados pela construção da usina hidrelétrica (Figura 1).
A construção de uma agrovila para o reassentamento de famílias da comunidade Engenho Velho, desapropriadas pela Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, foi o ponto de partida para as investigações arqueológicas. O lugar do reassentamento é um terraço fluvial na margem esquerda do rio Madeira, 4 km a jusante da antiga cachoeira de Santo Antônio.
Na área, foram identificadas pequenas elevações de 60 cm de altura e cerca de 15 m de comprimento. A cobertura vegetal, principalmente de palmeiras de urucuri e tucumã, distribuía-se por um espaço de pasto anteriormente utilizado para agropecuária. A área limitada a leste por um igarapé foi obstruída por uma estrada para veículos pelos recentes moradores ribeirinhos, transformando-a em um lago que serve como tanque natural para piscicultura (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.).
Estas primeiras observações na paisagem levaram arqueólogos(as) em campo a indagar se estas elevações seriam montículos construídos por atividades humanas no passado, assim como se as palmeiras de urucuri circunscritas às elevações seriam resultado da antropização do espaço. Outros vestígios de ocupações indígenas, como cerâmicas encontradas na superfície, atestaram que o lugar era um sítio arqueológico, intitulado a partir daí de Novo Engenho Velho.
Para tentar resolver essas questões, foi realizada a delimitação da dimensão e da forma de dispersão dos materiais arqueológicos, por meio de sondagens com cavadeira boca de lobo, sobre uma malha de pontos distando 20 m entre si, plotados com uma estação total, aprofundados em níveis artificiais de 20 cm. O sedimento coletado foi integralmente peneirado e separado de acordo com os níveis artificiais, assim como o material coletado recebeu um número de proveniência a cada nível. Foram executados 100 furos, dos quais 38 apresentaram material cerâmico ou lítico e 62 não possuíam nenhum tipo de material (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.). A distribuição da cerâmica proveniente da delimitação foi compatível com a área de distribuição dos montículos, ocupando um espaço de 3,4 hectares, incluindo uma área central, que apresentou pouco material arqueológico (Figura 2) (Oliveira et al., 2009Oliveira, V. E. H., Kipnis, R., & Neves, E. G. (2009). Sítio arqueológico Novo Engenho Velho. In 61 Reunião Anual da SBPC. Recuperado de http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/resumos/resumos/6070.htm
http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/res...
).
À direita, topografia do sítio Novo Engenho Velho, com furos de sondagens positivas e localização dos montículos. À esquerda, mapa de densidade dos materiais cerâmicos provenientes das sondagens.
As escavações no sítio Novo Engenho Velho ocorreram em duas etapas, nos anos de 2008 e 2010. Foram escavados 21 m2 em seis montículos e uma área do setor sul, fora dos montículos, sendo coletados, ao todo, 8.659 fragmentos cerâmicos e 249 líticos.
Na parte mais alta do montículo I, foi escavada a unidade N1000 E954 e, no declive suave, outras seis unidades (N1000 E953; N1000 E952; N1000 E951; N1000 E950; N999 E951; N1001 E951), compondo uma trincheira que secciona o montículo e uma área ampliada, onde foi evidenciada uma estrutura (Figura 3). Os materiais arqueológicos concentraram-se, principalmente, na camada III, que, no ponto mais alto (N1000 E954), estava ‘enterrada’, entre 45 e 60 cm de profundidade, ao passo que, nas demais unidades, no declive suave, aproximava-se da superfície, por se tratar de uma camada horizontal, que não acompanha a forma do montículo. Nas camadas inferiores (I e II), ocorreram poucos materiais arqueológicos, com destaque para o contexto da unidade N1000 E952, no nível 60-70 cm, em que a camada II possuía muitos carvões e solo queimado, uma possível fogueira (Figura 4). As camadas superiores (IV e V) são de colorações mais claras e apresentam pouco ou nenhum material cerâmico, indicando que o montículo não foi construído, mas é produto do desmoronamento da habitação sobre uma superfície plana (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.). A leste, no desnível acentuado, a escavação da unidade N1000 E957 revelou uma quantidade menor de materiais arqueológicos.
Estrutura 1 no montículo I do sítio Novo Engenho Velho. O pontilhado em vermelho indica a forma da estrutura, composta por trempes de argila, blocos de laterita e fragmentos de cerâmica. Os círculos amarelos mostram exemplos de fragmentação in situ das vasilhas.
A estrutura 1, evidenciada na camada III das unidades escavadas no declive suave, na porção oeste do montículo, apresenta um aglomerado de fragmentos cerâmicos de diversas partes de vasilhas, quebradas in situ, distribuídas horizontalmente em formato elipsoide, associadas a blocos lateríticos, carvões, líticos, trempes de argila, uma casca de semente de urucuri queimada e nódulos de argila queimados, caracterizada como estrutura de combustão (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.).
Essa estrutura em refugo primário (Schiffer, 1972Schiffer, M. B. (1972). Archaeological context and systemic context. American Antiquity, 37(2), 156-165.) mostrou que ali seria uma unidade habitacional, mais especificamente os fundos de uma casa. As evidências materiais apontam para um espaço de produção e consumo de alimentos, similar ao que acontece em aldeias contemporâneas, nas quais o local de processamento de alimentos coexiste com o das refeições coletivas (F. Silva, 2009aSilva, F. A. (2009a). As atividades econômicas das populações indígenas amazônicas e a formação das Terras Pretas: o exemplo dos Asurini do Xingu. In W. G. Teixeira, D. C. Kern, B. E. Madari & W. Woods (Eds.), As Terras Pretas de Índio da Amazônia: sua caracterização e uso deste conhecimento na criação de novas áreas (pp. 53-61). Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental., pp. 58-59). Tal ideia é apoiada pela própria configuração do montículo I, que apresentou maior densidade de vestígios arqueológicos, incluindo a estrutura 1, na porção oeste, onde o desnível era mais suave, contrastando com a porção leste, que tinha menor frequência de material arqueológico e desnível acentuado, supostamente a frente da casa. Essa habitação é do período pré-colonial tardio, conforme a datação radiocarbônica de 490 ± 50 AP (Tabela 1), obtida na unidade N1000 E952 (Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.; Pessoa, 2015Pessoa, C. (2015). Os contextos arqueológicos e a variabilidade artefatual da ocupação Jatuarana no alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, PA, Belém, Brasil.).
No montículo II, situado na porção leste do sítio (Figura 5), onde havia várias palmeiras de urucuri, foram abertas quatro unidades de escavação. Três delas (N964 E1011, N965 E1011 e N966 E1011) concentraram-se na porção norte do montículo, com declividade mais acentuada, onde evidenciou-se a camada III, com cerca de 20 cm de espessura, argilo-arenosa, cor marrom-amarelada e presença de fragmentos cerâmicos que, como no montículo I, estão orientados horizontalmente. Embora as unidades sejam marcadas por bioturbações, elas apresentaram duas bem preservadas bordas de vasilhas cerâmicas com gargalo, mas a quantidade de material arqueológico é baixa, se comparada ao montículo I. Na quarta unidade (N956 E1011), aberta ao sul, onde o desnível era mais suave, a camada mais escura e com maior frequência de materiais é a IV, mais próxima à superfície.
Para obter mais informações, foram realizadas 12 sondagens com cavadeira boca de lobo. Os furos ao sul apresentaram maior quantidade de vestígios arqueológicos do que ao norte. Em uma comparação da contagem de fragmentos cerâmicos em campo, as três unidades escavadas ao norte apresentaram 536 fragmentos em relação a 523 da única escavada ao sul do montículo II (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.).
O contexto do montículo II é muito semelhante ao do montículo I, em relação à distribuição dos vestígios arqueológicos associados aos desníveis suave e acentuado. No entanto, a explicação formulada que justifica a diferença quantitativa de material arqueológico, considerando que a coloração escura do solo é consequência de atividades antrópicas, é a de que a parte sul do montículo II tenha sido uma área de descarte, portanto em refugo secundário (Schiffer, 1972Schiffer, M. B. (1972). Archaeological context and systemic context. American Antiquity, 37(2), 156-165.). A lixeira apresentou terra preta (Figura 6), possivelmente formada pelo descarte e acúmulo de restos orgânicos e artefatos, onde também poderia ter ocorrido a incineração do lixo, contribuindo para a formação da terra preta, como apontam exemplos etnoarqueológicos (F. Silva, 2009aSilva, F. A. (2009a). As atividades econômicas das populações indígenas amazônicas e a formação das Terras Pretas: o exemplo dos Asurini do Xingu. In W. G. Teixeira, D. C. Kern, B. E. Madari & W. Woods (Eds.), As Terras Pretas de Índio da Amazônia: sua caracterização e uso deste conhecimento na criação de novas áreas (pp. 53-61). Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental., p. 59, 2009bSilva, F. A. (2009b). A etnoarqueologia na Amazônia: contribuições e perspectivas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 4(1), 27-37. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222009000100004
https://doi.org/10.1590/S1981-8122200900...
, p. 30; Schmidt, 2016Schmidt, M. J. (2016). A formação de Terra Preta: análise de sedimentos e solos no contexto arqueológico. In M. P. Magalhães (Org.), Amazônia Antropogênica (pp. 121-176). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi., pp. 131-139). Desta forma, resíduos de diferentes atividades cotidianas são geralmente varridos para a periferia da aldeia, de forma a produzir montículos (Almeida & Rocha, 2016Almeida, F. O., & Rocha, B. (2016). Uma tradução do clássico DeBoer e Lathrap: “O fazer e o quebrar da cerâmica Shipibo-Conibo”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 11(1), 315-339. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222016000100016
https://doi.org/10.1590/1981.81222016000...
, p. 334).
Perfil norte do montículo II. Desenho de Bruna Rocha, Mirtes de Oliveira e William Almeida. Digitalização de Angislaine Costa. Adaptado pelos autores.
Situado a sudeste, o montículo III apresenta desnível mais abrupto a noroeste e mais suave a sudeste, onde foram abertas duas unidades de escavação (N906 E984 e N906 E985). Foram identificadas quatro camadas, sendo a segunda a camada arqueológica com cor marrom-amarelada escura, de cerca de 30 cm de espessura, porém com poucos fragmentos cerâmicos e presença de seixos com arestas, os quais podem ter sido utilizados como trempes em atividades domésticas (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.).
A cerca de 30 m do montículo III, foi escavada uma unidade no setor sul do sítio (20L N90298222/E398154), sem elevação, porém com leve declive ocasionado por processos erosivos expondo a cerâmica. Na delimitação, essa área, fora dos montículos, apresentou alta frequência de fragmentos cerâmicos, até 40 cm de profundidade.
Ao norte do sítio, estava o montículo IV (M-IV), uma elevação bastante discreta na paisagem. Foram feitas duas unidades de escavação (N1040 E987 e N1040 E997) nos extremos leste e oeste. As escavações foram levadas até os níveis 70 e 80 cm, com a identificação da camada arqueológica de cor marrom, ‘enterrada’, onde foi encontrada a maior quantidade de material cerâmico, no entanto em número muito inferior, se comparado aos outros montículos.
O montículo V, localizado na porção noroeste do sítio, diferente dos demais, não foi escavado por unidades de 1 m2, mas seccionado nas direções norte-sul e leste-oeste por dez sondagens, realizadas com cavadeira boca de lobo, em níveis artificiais de 20 em 20 cm, todas com material cerâmico, e maior frequência na porção central do montículo.
Por fim, o montículo VI só foi escavado quando a comunidade finalmente estava assentada na agrovila, no ano de 2010, na ocasião da abertura de fossas sanitárias pelos moradores. Na escavação de 3 m2 (UTM 20L L398167 N9029920), foi evidenciada uma camada de 70 cm de aterro, construída pela UHE Santo Antônio, para nivelar o terreno por conta do desnível do montículo. Entre 80 e 120 cm, ocorreu a camada arqueológica com terra preta, contendo pequenas vasilhas cerâmicas semi-inteiras quebradas in situ, associadas a carvões e a sementes de urucuri queimadas, configurando-se como uma estrutura em refugo primário de deposição, muito semelhante à do montículo I (Scientia Consultoria Científica, 2011Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro.).
As palmeiras de urucuri, inseridas tanto nos montículos quanto na área do entorno, assim como a presença de sementes associadas às deposições primárias, permitem apontar que essas plantas estavam sendo manejadas por esses povos. Miller (1992Miller, E. T. (1992). Adaptação agrícola pré-historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., p. 221, 1999Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala., pp. 334-335) chamava a atenção para a prática do manejo dessa palmeira na região do alto rio Madeira, tanto pelos povos produtores dos artefatos e da terra preta associada à fase Massangana, há mais de 4.000 anos, quanto pelos povos ceramistas que produziram a cerâmica da Tradição Jamari e da Subtradição Jatuarana, com a dispersão da palmeira circunscrita às formas e às dimensões da terra preta. Espacialmente, os montículos do Novo Engenho Velho distribuem-se ao redor de uma área central (praça), a qual parece ter sido limpa periodicamente, tendo em vista que apresentou poucos vestígios arqueológicos (Almeida & Rocha, 2016Almeida, F. O., & Rocha, B. (2016). Uma tradução do clássico DeBoer e Lathrap: “O fazer e o quebrar da cerâmica Shipibo-Conibo”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 11(1), 315-339. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222016000100016
https://doi.org/10.1590/1981.81222016000...
, p. 334; Gomes, 2008Gomes, D. M. C. (2008). Cotidiano e poder na Amazônia pré-colonial. São Paulo: Edusp., p. 91). Os contextos escavados nos montículos estão associados às estruturas habitacionais (Oliveira et al., 2009Oliveira, V. E. H., Kipnis, R., & Neves, E. G. (2009). Sítio arqueológico Novo Engenho Velho. In 61 Reunião Anual da SBPC. Recuperado de http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/resumos/resumos/6070.htm
http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/res...
; Pessoa, 2015Pessoa, C. (2015). Os contextos arqueológicos e a variabilidade artefatual da ocupação Jatuarana no alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, PA, Belém, Brasil.), e é provável que outras elevações identificadas no sítio, porém não escavadas, possam também corresponder a unidades domésticas. O contexto de refugo primário identificado nos montículos I e VI está relacionado com atividades de cocção, enquanto, no montículo II, o refugo secundário remete à deposição de uma lixeira, ambos evidenciam atividades relacionadas às áreas domésticas (Schiffer, 1972Schiffer, M. B. (1972). Archaeological context and systemic context. American Antiquity, 37(2), 156-165.; LaMotta & Schiffer, 1999LaMotta, V. M., & Schiffer, M. B. (1999). Formation processes of house floor assemblages. In P. M. Allison (Ed.), The archaeology of household activities (pp. 19-29). London: Routledge.).
Esse padrão de deposição que altera profundamente a paisagem em volta das aldeias circulares é conhecido como middenscape e ocorre amplamente na Amazônia (Schmidt et al., 2014Schmidt, M. J., Py-Daniel, A. R., Moraes, C. P., Valle, R. B. M., Caromano, C. F., Teixeira, W. G., . . . Heckenberger, M. J. (2014). Dark earths and the human built landscape in Amazonia: a widespread pattern anthrosol formation. Journal of Archaeological Science, 42, 152-165. doi: https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.002
https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.00...
). Os solos de terra preta resultam de diferentes atividades domésticas do cotidiano pelo acúmulo de lixo nos quintais, principalmente nos fundos das habitações, incluindo fragmentos cerâmicos, que, constantemente empilhados, criam amontoados de terra enriquecida com nutrientes, proporcionando uma zona fértil de plantio (Schmidt, 2016Schmidt, M. J. (2016). A formação de Terra Preta: análise de sedimentos e solos no contexto arqueológico. In M. P. Magalhães (Org.), Amazônia Antropogênica (pp. 121-176). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.).
Os montículos do Novo Engenho Velho, mais do que acúmulo de resíduos, e diferente dos montículos artificialmente construídos na Amazônia central (Machado, 2005Machado, J. S. (2005). Montículos artificiais na Amazônia central: um estudo de caso do sítio Hatahara (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.; Moraes, 2010Moraes, C. P. (2010). Aldeias circulares na Amazônia Central: um contraste entre fase Paredão e fase Guarita. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica (Vol. 2, pp. 582-604). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi., p. 590), denotam locais de habitações. A camada arqueológica, nesse sítio, apresentou-se horizontal, não acompanhando a declividade dos montículos, os quais se formaram a partir de fenômenos pós-deposicionais, pelo desabamento das estruturas habitacionais, na ocasião ou após o abandono da aldeia. De acordo com LaMotta e Schiffer (1999, pp. 22-23)LaMotta, V. M., & Schiffer, M. B. (1999). Formation processes of house floor assemblages. In P. M. Allison (Ed.), The archaeology of household activities (pp. 19-29). London: Routledge., durante a fase de abandono, a deposição de alguns objetos no interior das habitações pode mascarar reconstruções de atividades domésticas, porém é possível prever que alguns tipos de artefatos podem ser abandonados ou retirados da estrutura doméstica, dependendo da circunstância do abandono. Objetos portáteis, com alto custo de substituição e constantemente utilizados, tendem a ser retirados dessas estruturas pela viabilidade que têm no transporte. No sítio Novo Engenho Velho, pequenas vasilhas quebradas foram evidenciadas in situ, nos locais onde foram utilizadas, nas estruturas habitacionais do M-I e M-VI, as quais parecem ter sido abandonadas repentinamente.
A aldeia estava situada em um local estratégico na paisagem, em um terraço com ampla visibilidade para o rio Madeira, que corre 300 m a sul e a oeste. Do outro lado, nas porções norte e leste, era delimitada por um igarapé, onde os moradores locais relatam atividades de pesca. No passado, a aldeia, além de estrategicamente implantada em local defensável, também estava próxima a ambientes com rica fauna aquática, no igarapé e na cachoeira de Santo Antônio, no rio Madeira.
A sudoeste do Novo Engenho Velho, na margem esquerda do rio Madeira, em uma distância de 3,2 e 6,2 km, havia dois sítios unicomponenciais, Campelo e São Domingos, também implantados em terraço fluvial, e limitados por lago e igarapé. As informações desses sítios são interessantes não apenas pela proximidade geográfica, mas porque apresentam cerâmicas semelhantes e são contemporâneos (Tabela 1) (Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.).
No sítio Campelo, foram identificadas três concentrações de materiais em superfície, distribuídas em forma semicircular, uma delas sobre um montículo de aproximadamente 12 m de diâmetro. O sítio foi delimitado em uma área de 600 x 250 m. No montículo, foi identificada uma estrutura de combustão, semelhante ao Novo Engenho Velho, o que reforçou a interpretação de ser uma unidade habitacional. Além disso, também apresentou inclinação mais abrupta de um lado e mais suave de outro, onde foram encontradas as maiores frequências de cerâmica.
No outro sítio, São Domingos, não foram evidenciados montículos, e seu formato é linear, paralelo ao barranco do rio Madeira, em uma área de 200 x 500 m, porém parte dele havia sido erodida pela ação fluvial. A cronologia obtida demonstra que as ocupações identificadas nas diferentes formas de assentamentos (circular, semicircular e linear) apresentam contemporaneidade.
A CERÂMICA E AS PRÁTICAS DOMÉSTICAS
Para entender a variabilidade formal dos artefatos e suas respectivas funções (Schiffer & Skibo, 1997Schiffer, M. B., & Skibo, J. M. (1997). The explanation of artefact variability. American Antiquity, 62(1), 27-50.), a análise comparou atributos tecnológicos (antiplástico, técnica de confecção, tipo de queima, tratamento de superfície), morfológicos (parte da vasilha, espessura, diâmetro, espessamento da borda, tipo de lábio, forma e inclinação da borda e tipo de base), decorativos (tratamentos crômicos e plásticos) e marcas de uso (fuligem, depósito de carbono e corrosão), associadas às reconstituições gráficas das vasilhas (Shepard, 1956Shepard, A. O. (1956). Ceramics for the archaeologist. Washington, D.C.: Carnegie Institution of Washington Publications.; Rice, 1987Rice, P. (1987). Pottery analysis, a sourcebook. Chicago: University of Chicago Press.). Essa metodologia possibilitou fazer inferências sobre as práticas domésticas, como cocção, processamento, armazenamento e consumo de alimentos, seguindo proposições de analogias etnográficas (Rice, 1987Rice, P. (1987). Pottery analysis, a sourcebook. Chicago: University of Chicago Press.; Skibo, 1992Skibo, J. M. (1992). Pottery function: a use-alteration perspective. New York: Plenum Press., 2015Skibo, J. M. (2015). Pottery use-alteration analysis. In J. M. Marreiros, J. F. G. Bao & N. F. Bicho (Eds.), Use-wear and residue analysis in Archaeology (pp. 189-198). London: Springer.) e interpretações funcionais para os contextos arqueológicos da Amazônia (Gomes, 2008Gomes, D. M. C. (2008). Cotidiano e poder na Amazônia pré-colonial. São Paulo: Edusp.).
O conjunto de materiais cerâmicos analisados para essa discussão é constituído por dez vasilhas inteiras e semi-inteiras, e 536 fragmentos cerâmicos, provenientes dos três sítios arqueológicos apresentados (Tabela 2).
As vasilhas foram produzidas com uma pasta que possui alta inclusão de antiplásticos de caraipé e baixa frequência de mineral e carvão. O caraipé é bastante visível nas superfícies das vasilhas com tamanhos que alcançam até 0,5 cm. A técnica de confecção predominante é acordelada, utilizando o modelado apenas em bases e assadores. A queima ocorre em dois ambientes, sendo majoritariamente oxidante e ocasionalmente redutora.
Um aspecto preponderante da indústria cerâmica destes sítios é o tratamento de superfície com um fino alisamento e polimento em ambas as faces da maior parte dos fragmentos analisados. Em número inferior, mas bastante significativo, são os acabamentos com brunidura, especialmente na face interna.
O uso de técnicas crômicas é uma característica decorativa comum às vasilhas desses sítios. O engobo vermelho aparece isolado em diversos fragmentos cerâmicos, em contraposição ao engobo branco, que ocorre raramente associado às pinturas (Figura 7).
A aplicação da pintura ocorre de diferentes maneiras no sítio Novo Engenho Velho, em pelo menos 51 fragmentos, geralmente aplicada na face externa (Figuras 7A, 7I, 7M e 7N). É mais comum a utilização de pigmento vermelho sobre branco, vermelho diretamente sobre a superfície da vasilha, vermelho e preto sobre branco, e branco sobre vermelho. No sítio São Domingos, sete fragmentos apresentam pintura vermelha sobre engobo branco e dois somente pintura vermelha, ambas na face externa (Figuras 7J e 7K). Já no sítio Campelo, quatro fragmentos têm pintura vermelha sobre engobo branco na face externa, ao passo que a vermelha sobre engobo branco na face interna ocorre em outros seis e a pintura vermelha na face interna em dois fragmentos (Figuras 7L, 7O e 7P). Nos três sítios os motivos parecem ser em linhas ou faixas horizontais, porém a difícil visualização da pintura deve-se a processos pós-deposicionais que ocasionaram a erosão dos pigmentos. Processo semelhante foi identificado em um sítio-cemitério em Manicoré, Amazonas, em que as pinturas de urnas antropomórficas da Tradição Polícroma, datadas do século XV, se desprenderam da superfície das cerâmicas, ficando aderidas ao solo argiloso e ácido (Miller, 1987Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987. Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A., p. 16).
Em relação ao tratamento plástico, no sítio Novo Engenho Velho, ocorrem 22 fragmentos com apliques, nove com incisos (três na face interna e seis na face externa) e dois com acanalados paralelos à face externa da borda (Figuras 7A, 7F, 7G, 7Q e 7T). O sítio Campelo apresentou dez fragmentos com incisões na face externa e dois na face interna (Figuras 7U e 7V). No São Domingos, são apenas oito fragmentos com incisos na face externa (Figuras 7W e 7X). É interessante notar que muitos tratamentos plásticos do sítio Novo Engenho Velho estão sobrepostos por engobo branco com vestígios de pintura.
Quanto às marcas de uso, foram verificados fuligem na face externa e depósito de carbono na face interna, muito frequentes, possibilitando identificar as vasilhas que desempenharam a função de cocção (Figura 8). No sítio Campelo, 33 vasilhas possuem fuligem e, destas, 17 também apresentam depósito de carbono, o que endossa a ideia de que eram utilizadas como panelas. No sítio Novo Engenho Velho, a fuligem está presente em fragmentos de pelo menos 23 vasilhas e foram vistos vestígios de fermentação de bebida em uma base plana. No sítio São Domingos, foram analisados fragmentos de apenas cinco vasilhas com fuligem e um deles apresenta vestígios de fermentação em uma parede. Embora a maioria dessas peças possua tratamentos de superfície com alisamento e polimento, ocasionalmente algumas delas receberam acabamento de brunidura ou engobo para impermeabilizar as panelas (Almeida & Rocha, 2016Almeida, F. O., & Rocha, B. (2016). Uma tradução do clássico DeBoer e Lathrap: “O fazer e o quebrar da cerâmica Shipibo-Conibo”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 11(1), 315-339. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222016000100016
https://doi.org/10.1590/1981.81222016000...
, p. 326; F. Silva, 2016Silva, F. A. (2016). Tipos cerâmicos ou modos de vida? Etnoarqueologia e as tradições arqueológicas cerâmicas na Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 40-49). Belém: IPHAN., p. 44).
Em termos morfológicos, os três sítios apresentam acentuada padronização e sua variação associa-se às funções desempenhadas pelas vasilhas. A espessura dos fragmentos cerâmicos pode variar muito, desde panelas de 0,3 cm a assadores de 2 cm. O sítio Novo Engenho Velho apresenta, em média, espessuras mais finas, de 0,5 cm, enquanto nos sítios Campelo e São Domingos a média é de 0,8 cm. Os principais tipos de bordas possuem formas diretas inclinadas externamente e extrovertidas (incluindo com ponto angular), e raramente aparecem bordas introvertidas e diretas verticais. Os espessamentos das bordas são caracterizados por serem lineares, reforçados externamente e expandidos. No sítio Novo Engenho Velho, bordas contraídas são recorrentes, mas menos frequentes nos outros dois sítios. Os tipos de lábios mais comuns são arredondados e biselados, enquanto os planos e apontados são menos frequentes. Em relação às bases, predominam as planas e as convexas.
Um padrão que relaciona função e morfologia, especificamente entre vasilhas para cozinhar e vasilhas para servir ou consumir alimentos (F. Silva, 2016Silva, F. A. (2016). Tipos cerâmicos ou modos de vida? Etnoarqueologia e as tradições arqueológicas cerâmicas na Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 40-49). Belém: IPHAN., pp. 42-43), mostra que, nesses sítios, as primeiras possuem diâmetro da boca menor ou igual ao corpo e base plana, enquanto as segundas possuem o diâmetro da boca maior do que o corpo e base convexa.
Ao produzir as reconstituições gráficas e relacioná-las com as variantes tecnológicas, morfológicas e marcas de uso, foi possível esboçar um quadro hipotético de seis funções desempenhadas pelas vasilhas (Figura 9).
-
Vasilhas para tostar/torrar alimentos: forma plana com paredes grossas. Na literatura, são conhecidas por assador ou torrador (F1);
-
Vasilhas para cozinhar: formas abertas com corpo esférico, semiesférico, elipsoide, ovoide e cilíndrico. De modo geral, as paredes apresentam resistência ao choque térmico. Possuem fuligem e depósito de carbono (F2, F3, F4, F5, F6 e F9);
-
Vasilhas para processar alimentos: formas abertas com corpo esférico e elipsoide. As paredes são grossas, oferecendo resistência a força mecânica (F3 e F4);
-
Vasilhas para armazenar: formas abertas com corpo cilíndrico. As paredes são grossas e possuem altas capacidades volumétricas (F6);
-
Vasilhas para transporte: formas fechadas com gargalo e corpo esférico. São leves e possuem baixas capacidades volumétricas (F7);
-
Vasilhas para serviço/consumo: formas abertas com corpo em formato de calota e semiesférico. São também agrupadas nessa função formas fechadas com corpo esférico de tamanho pequeno. As formas abertas possuem acesso facilitado (F8, F9 e F10).
Nos sítios Novo Engenho Velho, Campelo e São Domingos, predominam vasilhas com corpo em forma de calota e semiesférica (pratos, cuias e tigelas) e vasilhas com corpo esférico (panelas). As primeiras foram interpretadas como artefatos destinados às atividades de consumo de alimentos pastosos e líquidos, bem como para serviço, dadas as baixas capacidades volumétricas, enquanto as segundas seriam utilizadas para cocção de alimentos, apresentando fuligem (Pessoa, 2015Pessoa, C. (2015). Os contextos arqueológicos e a variabilidade artefatual da ocupação Jatuarana no alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, PA, Belém, Brasil.). Outras formas de vasilhas com corpo ovoide, cilíndrico, esférico com gargalo e esférico com estrutura fechada (decorada com pintura vermelha e branca) foram identificadas até o momento somente no sítio Novo Engenho Velho.
No montículo I, vasilhas de consumo e serviço que possuem alta reposição no registro arqueológico, e as panelas de baixa rotatividade (Almeida & Rocha, 2016Almeida, F. O., & Rocha, B. (2016). Uma tradução do clássico DeBoer e Lathrap: “O fazer e o quebrar da cerâmica Shipibo-Conibo”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 11(1), 315-339. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222016000100016
https://doi.org/10.1590/1981.81222016000...
, pp. 331-332) estavam associadas ao refugo primário de uma estrutura de combustão, evidência que endossa a interpretação de seu caráter doméstico na produção e no consumo de alimentos. No sítio Campelo, as cerâmicas analisadas são do contexto de um montículo com processo de formação muito semelhante ao Novo Engenho Velho. Já no sítio São Domingos, as vasilhas alisadas com fuligem e outras com pintura estão associadas a uma feição, cuja inversão estratigráfica das datações indica seu enterramento. Essas diferenças contextuais e a ausência de determinadas formas de vasilhas relacionadas à baixa densidade de material arqueológico no sítio São Domingos sugerem funções distintas dos assentamentos.
A análise demonstrou que o material dos três sítios arqueológicos apresenta certa regularidade em termos tecnológicos, formais e marcas de uso. Esses resultados contribuem para discutir o significado da cerâmica conhecida regionalmente como Jatuarana, da Tradição Polícroma da Amazônia, à qual as cerâmicas desses sítios parecem estar relacionadas.
Primeiramente definida por Miller (1987Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987. Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A., pp. 15-17, 1992Miller, E. T. (1992). Adaptação agrícola pré-historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., pp. 223-224), a cerâmica Jatuarana foi classificada com pasta temperada com caraipé, cauixi, areia e carvão; acabamentos de superfície alisado e polido; e contornos simples, globulares, carenados, compostos e urnas antropomórficas (semelhante a Guarita). Em relação à decoração, seria caracterizada por diversas técnicas de tratamentos plásticos: exciso, inciso, ponteado, ungulado, serrungulado, acanalado, carimbado e estampado, assim como apliques zoomórficos, antropomórficos, asas, alças e flanges. As decorações crômicas incluem engobo vermelho e pintura sempre sobre engobo branco, nas cores vermelha, branca, preta, marrom, amarela, laranja e magenta. Embora os tratamentos plásticos possam ocorrer associados aos crômicos, Miller (1987)Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987. Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A. enfatizou que as cerâmicas com técnicas plásticas eram mais frequentes nos níveis mais profundos da estratigrafia, enquanto as com técnicas crômicas tinham maior expressão nos níveis mais superficiais, o que o arqueólogo interpretou como uma inversão de popularidades das técnicas decorativas ao longo do tempo.
Segundo pesquisas arqueológicas realizadas em sítios localizados entre as cachoeiras de Teotônio e Santo Antônio, essa inversão corresponde a diferentes tecnologias cerâmicas, associadas a uma sequência de ocupações, na qual os materiais da Subtradição Jatuarana estão nos estratos mais superficiais de sítios multicomponenciais (Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil., 2016Zuse, S. (2016). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 385-401). Belém: IPHAN.). No sítio Teotônio, onde Miller (1987Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987. Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A., 1992)Miller, E. T. [outros não especificados]. (1992). Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte: resultados preliminares. Brasília: Eletronorte. obteve a data mais antiga para a ocupação Jatuarana, pesquisas no âmbito do Projeto Alto Madeira (PALMA) contestaram esta antiguidade. Esta ocupação teria início no século VIII d.C. nesse sítio, enquanto outra policromia mais antiga vincula-se possivelmente a cerâmicas Pocó-Açutuba (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Almeida & Moraes, 2016Almeida, F. O., & Moraes, C. P. (2016). A cerâmica Polícroma do Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 402-413). Belém: IPHAN.; Kater, 2018Kater, T. (2018). O sítio Teotônio e as reminiscências de uma longa história indígena no Alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.).
As cerâmicas dos sítios Novo Engenho Velho, Campelo e São Domingos, ocupados entre os séculos XV e XVIII, apresentaram variações em relação às cerâmicas Jatuarana com datas mais recuadas. Apesar das continuidades na escolha de pasta (caraipé), técnicas (acordelada), acabamentos (alisamento, polimento e pintura) e morfologias (bordas majoritariamente extrovertidas e diretas inclinadas externamente; bordas expandidas; lábios arredondados e biselados), algumas mudanças puderam ser observadas, especialmente nas formas e decorações das vasilhas. Entre elas, destaca-se a presença de bordas com reforço externo e bases majoritariamente planas, atributos mais compatíveis com as cerâmicas Guarita do rio Solimões (Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio rio Solimões, Estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.). Apesar disso, marcadores cerâmicos importantes da Tradição Polícroma estão ausentes na indústria cerâmica dos três sítios aqui analisados, como os flanges com acanalados e as vasilhas com carenas (Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio rio Solimões, Estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.; Almeida & Moraes, 2016Almeida, F. O., & Moraes, C. P. (2016). A cerâmica Polícroma do Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 402-413). Belém: IPHAN.; Lopes, 2018Lopes, R. C. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.). Em relação aos “pratos polícromos” (Belletti, 2016Belletti, J. S. (2016). A Tradição Polícroma da Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 348-364). Belém: IPHAN., p. 358), a correspondência mais próxima são as vasilhas abertas em forma de calota para consumo, mas raramente decoradas com pintura e incisos.
Ocorre aplicação da pintura sobre o engobo, e não em áreas delimitadas, combinando traços com diferentes espessuras (finos, médios e grossos), e os tratamentos plásticos incisos finos, médios e largos, incluindo a face interna das bordas; algumas vezes são sobrepostos por engobo branco. Entretanto, a baixa frequência de tratamentos plásticos e a maior incidência de engobo vermelho levantam a possibilidade, mais uma vez, dos contatos entre os produtores das cerâmicas Jatuarana e Jamari (Almeida, 2017Almeida, F. O. (2017). A arqueologia do rio Jamari e a possível relação com os grupos Tupi-Arikém – Alto Madeira (RO). Especiaria: Cadernos de Ciências Humanas, 17(30), 63-91.). No Novo Engenho Velho, algumas características da cerâmica, como um aplique semelhante a uma ‘tiara’ (Figura 7A), são semelhantes às da cerâmica Guarita (Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio rio Solimões, Estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.), e estão ausentes nas cerâmicas policrômicas mais recuadas no tempo no alto rio Madeira. A variação nos contextos da Tradição Polícroma nessa região tem levantado a hipótese de que pode ser problemático associar todas estas cerâmicas à categoria chamada Subtradição Jatuarana (Zuse et al., 2020Zuse, S., Costa, A. F., Pessoa, C., & Kipnis, R. (2020). Tecnologias cerâmicas no alto rio Madeira: síntese, cronologia e perspectivas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190082. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0082
https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELD...
).
Estas características, presentes nas cerâmicas do Novo Engenho Velho, Campelo e São Domingos, foram anteriormente identificadas nos sítios Itapirema e Associação Calderita, que apresentam datações até o século XIV (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Nos dois sítios, foram evidenciados montículos, sendo que, no Itapirema, estão posicionados paralelos ao rio Madeira, enquanto, no Associação Calderita, um único montículo parece denotar a residência na confluência dos rios Candeias e Jamari. Ao olhar para esses diferentes contextos, a distribuição de sítios com cerâmicas Jatuarana representa um eixo geograficamente conectado com os povos produtores da cerâmica Jamari do rio homônimo.
CONCLUSÃO
Os montículos do sítio Novo Engenho Velho, na margem esquerda da cachoeira de Santo Antônio, possuem os processos de formação resultantes do tombamento das estruturas habitacionais sobre o piso de ocupação, contendo evidências de descarte, acúmulo de cerâmicas e outros materiais. É relevante a discussão sobre os processos que originaram essas estruturas monticulares, cuja natureza se aproxima mais de middens, resultantes do acúmulo de lixo nos fundos das supostas habitações, do que mounds, que definem montículos artificialmente construídos (Neves, 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia Central (6.500 AC-1.500 DC) (Tese de livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., p. 203). Esta é, certamente, uma diferença marcante em relação a outros sítios com montículos da Amazônia, mas não elimina o fato de ser um assentamento com forma circular passível de comparação.
Na Amazônia central, as aldeias circulares são associadas aos povos portadores das cerâmicas da Tradição Borda Incisa, e não aos povos portadores das cerâmicas da Tradição Polícroma da Amazônia, cujos sítios são lineares. Nesses casos, como no alto rio Xingu, as aldeias circulares estão relacionadas às expansões dos povos de matriz cultural Arawak. A reocupação pelos produtores da cerâmica Guarita em assentamentos lineares foi interpretada como uma rápida expansão que envolveu conflito por populações de línguas Tupi provindas do alto rio Madeira em meados do primeiro milênio, um modelo que emula o contraste entre Tupis e Tapuias na costa brasílica (Neves, 2010Neves, E. G. (2010). A Arqueologia da Amazônia Central e as classificações na Arqueologia Amazônica. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica, (Vol. 2, pp. 561-579). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi., 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia Central (6.500 AC-1.500 DC) (Tese de livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Moraes & Neves, 2012Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia Central. Amazônica, 4(1), 122-148. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884
https://doi.org/10.18542/amazonica.v4i1....
; Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Moraes, 2013Moraes, C. P. (2013). Amazônia ano 1000: territorialidade e conflito no tempo das chefias regionais (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.). Porém, na região do Lago Tefé, próximo ao rio Solimões, as ocupações com cerâmicas da Tradição Polícroma da Amazônia estão presentes desde o século V d.C., contemporâneas ao registro de assentamentos com cerâmicas Borda Incisa que ocorrem até o século XII, com uma clara influência mútua na produção dessas indústrias cerâmicas, interpretadas como fluxos e interações entre os povos produtores destas vasilhas durante esse período, ao passo que, posteriormente, a cerâmica da Tradição Polícroma da Amazônia aparece isolada até o século XVII (Belletti, 2016Belletti, J. S. (2016). A Tradição Polícroma da Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 348-364). Belém: IPHAN.; Lopes, 2018Lopes, R. C. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.).
Em diferentes partes da Amazônia, a presença de aldeias circulares tem sido explicada como parte da expansão Arawak. Mas nem sempre os componentes cerâmicos associados a elas correspondem aos modelos interpretativos. No baixo rio Jari (Amapá), B. Barreto (2015)Barreto, B. S. (2015). Diacronia e cultura material no sítio Laranjal do Jari 01: um assentamento associado às cerâmicas Jari e Koriabo, baixo rio Jari, sul do Amapá (670-1450 AD) (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Arqueologia, Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil. reconstituiu contextos de unidades domésticas por meio de buracos de estacas, feições com estruturas cerâmicas, líticas e de combustão, que correspondem a evidências de casas distribuídas em volta de uma praça. Esta ocupação vincula-se aos produtores das cerâmicas Jari e Zonada-Hachurada, a partir do século VII d.C., e com a presença de contextos de cerâmicas Koriabo, que datam do século IX até o período da colonização europeia.
Como em alguns contextos ceramistas antigos do rio Amazonas, é possível que sistemas regionais multiétnicos tenham início em um período recuado no alto rio Madeira, por volta de 3.000 anos atrás, com a chegada dos povos portadores da cerâmica Pocó-Açutuba, associada à primeira expansão dos povos Arawak à região (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.). A diversidade cultural e a densidade demográfica aumentaram no decorrer do tempo, especialmente no século XII, quando povos associados a pelo menos quatro tecnologias cerâmicas distintas conviviam na região das cachoeiras (Zuse, 2016Zuse, S. (2016). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 385-401). Belém: IPHAN.; Kater, 2018Kater, T. (2018). O sítio Teotônio e as reminiscências de uma longa história indígena no Alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.; Zuse et al., 2020Zuse, S., Costa, A. F., Pessoa, C., & Kipnis, R. (2020). Tecnologias cerâmicas no alto rio Madeira: síntese, cronologia e perspectivas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190082. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0082
https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELD...
). Nesse contexto, as particularidades no registro arqueológico e na tecnologia cerâmica, cujas ocupações estão situadas no período pré-colonial tardio, podem decorrer das relações estabelecidas entre as distintas populações na longa duração, incluindo processos de etnogênese.
Dentro desse quadro, a ocupação do sítio Novo Engenho Velho aponta continuidades em relação à configuração do assentamento, uma vez que há o registro de uma aldeia circular na margem esquerda da cachoeira do Teotônio, porém com montículos construídos e associados à cerâmica Barrancoide (Bespalez et al., 2020Bespalez, E., Zuse, S., Pessoa, C., Venere, P. P., & Santi, J. R. (2020). Arqueologia no sítio Santa Paula, alto Madeira, Porto Velho, Rondônia, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190076. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0076
https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELD...
). Entretanto, a análise do material cerâmico dos três sítios da margem esquerda da cachoeira de Santo Antônio possui características da Subtradição Jatuarana.
Almeida (2016)Almeida, F. O. (2016). The organics of settlement patterns of Amazonia. In L. Kellett & E. Jones (Orgs.), Settlement ecology of the ancient Americas (pp. 278-312). Nova York: Routledge. relaciona as ocupações Jatuarana a diferentes padrões de assentamento em uma esfera regional. A partir de uma escala espacial menor e contemporânea, a análise dos sítios Novo Engenho Velho, Campelo e São Domingos demonstrou essa diversidade na forma de ocupar o espaço, mas com uma cerâmica altamente padronizada entre os séculos XV e XVIII. Por fim, cabe perguntar se no alto rio Madeira a cerâmica Jatuarana deve ser associada a povos de línguas Tupi, como foi a Tradição Polícroma na Amazônia central, ou se o formato de aldeia circular denota influência de populações falantes da língua Arawak.
Os relatos produzidos por viajantes que navegaram pelo alto rio Madeira nos séculos XVIII e XIX mencionam diferentes encontros com as populações indígenas desta região. A diversidade linguística que pôde ser evidenciada posteriormente mostra que não havia povos de línguas Arawak, mas alguns desses grupos falavam línguas pertencentes ao tronco linguístico Tupi e das famílias linguísticas Chapakura e Pano (Ramirez, 2010Ramirez, H. (2010). Etnônimos e topônimos no rio Madeira (séculos XVI-XX): um sem-número de equívocos. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 2(2), 13-58. doi: https://doi.org/10.26512/rbla.v2i2.16223
https://doi.org/10.26512/rbla.v2i2.16223...
; Pessoa & Costa, 2014Pessoa, C., & Costa, A. F. (2014). Um quadro histórico das populações indígenas no Alto rio Madeira durante o século XVIII. Amazônica, 6(1), 110-139.).
Os dados aqui discutidos demonstram o potencial de uma abordagem que combina dados espaciais e artefatuais. A identificação de formas de assentamentos e a classificação das cerâmicas sob uma perspectiva das atividades domésticas e das tradições arqueológicas possibilitaram lançar subsídios sobre os modos de vida das populações indígenas. A abundante informação arqueológica sobre antigos assentamentos com formas circulares mostra que as aldeias concêntricas são o resultado de um longo processo de mudança cultural, em vigência durante a chegada dos colonizadores. É possível que investigações arqueológicas projetem um cenário mais diversificado e multilinguístico relacionado a esses contextos, sem perder de vista o modelo da expansão Arawak.
-
Pessoa, C., Zuse, S., Costa, A. F., Kipnis, R., & Neves, E. G. (2020). Aldeia circular e os correlatos da ocupação indígena na margem esquerda da Cachoeira de Santo Antônio. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190083. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0083
REFERÊNCIAS
- Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
- Almeida, F. O. (2016). The organics of settlement patterns of Amazonia. In L. Kellett & E. Jones (Orgs.), Settlement ecology of the ancient Americas (pp. 278-312). Nova York: Routledge.
- Almeida, F. O. (2017). A arqueologia do rio Jamari e a possível relação com os grupos Tupi-Arikém – Alto Madeira (RO). Especiaria: Cadernos de Ciências Humanas, 17(30), 63-91.
- Almeida, F. O., & Moraes, C. P. (2016). A cerâmica Polícroma do Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 402-413). Belém: IPHAN.
- Almeida, F. O., & Rocha, B. (2016). Uma tradução do clássico DeBoer e Lathrap: “O fazer e o quebrar da cerâmica Shipibo-Conibo”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 11(1), 315-339. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222016000100016
» https://doi.org/10.1590/1981.81222016000100016 - Barreto, B. S. (2015). Diacronia e cultura material no sítio Laranjal do Jari 01: um assentamento associado às cerâmicas Jari e Koriabo, baixo rio Jari, sul do Amapá (670-1450 AD) (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Arqueologia, Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.
- Barreto, C. (2011). A construção social do espaço: de volta às aldeias circulares do Brasil Central. Habitus, 9(1), 61-80.
- Belletti, J. S. (2016). A Tradição Polícroma da Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 348-364). Belém: IPHAN.
- Bespalez, E., Zuse, S., Pessoa, C., Venere, P. P., & Santi, J. R. (2020). Arqueologia no sítio Santa Paula, alto Madeira, Porto Velho, Rondônia, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190076. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0076
» https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0076 - Caldarelli, S. B., & Kipnis, R. (2017). A ocupação pré-colonial da Bacia do rio Madeira: novos dados e problemáticas associadas. Especiaria: Cadernos de Ciências Humanas, 17(30), 229-289.
- Costa, A. F. (2016). A multifuncionalidade da cerâmica no sítio Ilha Dionísio, alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Rio de Janeiro, Brasil.
- Costa, A. F., & Gomes, D. M. C. (2018). A multifuncionalidade das vasilhas cerâmicas do alto rio Madeira (séculos X-XII d.C.): comensalidade cotidiana e ritual. Revista de Antropologia, 61(3), 52-85. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2018.152040
» https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2018.152040 - Erickson, C. L., Álvarez, P., & Calla, S. (2008). Zanjas circundantes: obras de tierra monumentales de Baures en la Amazonia boliviana La Paz: Unidad Nacional de Arqueología.
- Gomes, D. M. C. (2008). Cotidiano e poder na Amazônia pré-colonial São Paulo: Edusp.
- Heckenberger, M. J. (2001). Estrutura, história e transformação: a cultura Xinguana na longue durée (1000 a 2000 d. C.). In B. Franchetto & M. Heckenberger (Eds.), Povos indígenas do alto Xingu: história e culturas (pp. 21-62). Rio de Janeiro: UFRJ.
- Heckenberger, M. J. (2011). Forma do espaço, língua do corpo e história xinguana. In B. Franchetto (Org.), Alto Xingu: uma sociedade multilíngue (pp. 235-279). Rio de Janeiro: Museu do Índio.
- Heckenberger, M. J., & Petersen, J. B. (1995). Concentric circular village patterns in the Caribbean: comparisons from Amazonia. In Proceedings of the 16th International Congress for Caribbean Archaeology Conseil Regional de Guadeloupe, Guadeloupe.
- Heckenberger, M. J., Christian Russell, J., Fausto, C., Toney, J. R., Schmidt, M. J., Pereira, E., Franchetto, B., & Kuikuro, A. (2008). Pre-Columbian urbanism, anthropogenic landscapes, and the future of the Amazon. Science, 321(5893), 1214-1217. doi: 10.1126/science.1159769
» https://doi.org/10.1126/science.1159769 - Heckenberger, M. J., & Neves, E. G. (2009). Amazonian Archaeology. Annual Review of Anthropology, 38, 251-266.
- Kater, T. (2018). O sítio Teotônio e as reminiscências de uma longa história indígena no Alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.
- Kipnis, R. (2011). Amazonian Anthropogenic Soils‘Antiquity at Upper Rio Madeira, Northwestern Amazon, and Its Implications for the Colonization of South American Neotropics. Abstracts of the SAA 76th Annual Meeting Recuperado de https://ica2012.univie.ac.at/index.php?id=116625&no_cache=1&tx_univietablebrowser_pi1%5Bbackpid%5D=116623&tx_univietablebrowser_pi1%5Bfkey%5D=872&tx_univietablebrowser_pi1%5Buid%5D=11027
» https://ica2012.univie.ac.at/index.php?id=116625&no_cache=1&tx_univietablebrowser_pi1%5Bbackpid%5D=116623&tx_univietablebrowser_pi1%5Bfkey%5D=872&tx_univietablebrowser_pi1%5Buid%5D=11027 - LaMotta, V. M., & Schiffer, M. B. (1999). Formation processes of house floor assemblages. In P. M. Allison (Ed.), The archaeology of household activities (pp. 19-29). London: Routledge.
- Lévi-Strauss, C. (1996 [1955]). Tristes trópicos (R. F. Aguiar, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras.
- Lima, H. P. (2008). História das caretas: a tradição borda incisa na Amazônia central (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.
- Lopes, R. C. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, SE, Laranjeiras, Brasil.
- Machado, J. S. (2005). Montículos artificiais na Amazônia central: um estudo de caso do sítio Hatahara (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.
- Melatti, J. C. (1974). Por que a aldeia Krahó é redonda? Informativo Funai, 3(11/12), 34-41.
- Miller, E. T. (1987). Inventário arqueológico da bacia e sub-bacias do rio Madeira – 1974-1987 Porto Velho: Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores S.A.
- Miller, E. T. (1992). Adaptação agrícola pré-historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum.
- Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala.
- Miller, E. T. [outros não especificados]. (1992). Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte: resultados preliminares Brasília: Eletronorte.
- Mongeló, G. Z. (2015). O formativo e os modos de produção: ocupações pré-ceramistas no Alto Rio Madeira-RO (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
- Moraes, C. P. (2010). Aldeias circulares na Amazônia Central: um contraste entre fase Paredão e fase Guarita. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica (Vol. 2, pp. 582-604). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi.
- Moraes, C. P. (2013). Amazônia ano 1000: territorialidade e conflito no tempo das chefias regionais (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.
- Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia Central. Amazônica, 4(1), 122-148. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884
» https://doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884 - Neves, E. G. (2010). A Arqueologia da Amazônia Central e as classificações na Arqueologia Amazônica. In E. Pereira & V. Guapindaia (Orgs.), Arqueologia Amazônica, (Vol. 2, pp. 561-579). Belém: Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi.
- Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia Central (6.500 AC-1.500 DC) (Tese de livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
- Neves, E. G. (2016). Não existe Neolítico ao Sul do Equador: as primeiras cerâmicas amazônicas e sua falta de relação com a agricultura. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 32-39). Belém: IPHAN.
- Neves, E. G., Pugliese Jr., F. A., Schock, M. P., Furquim, L. P., Zimpel Neto, C. A., & Carneiro, C. G. (2016). Pesquisa e formação nos sítios arqueológicos Espinhara e Sol de Campinas do Acre - PESC (Relatório final).
- Oliveira, V. E. H., Kipnis, R., & Neves, E. G. (2009). Sítio arqueológico Novo Engenho Velho. In 61 Reunião Anual da SBPC Recuperado de http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/resumos/resumos/6070.htm
» http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/resumos/resumos/6070.htm - Pessoa, C. (2015). Os contextos arqueológicos e a variabilidade artefatual da ocupação Jatuarana no alto rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, PA, Belém, Brasil.
- Pessoa, C., & Costa, A. F. (2014). Um quadro histórico das populações indígenas no Alto rio Madeira durante o século XVIII. Amazônica, 6(1), 110-139.
- Ramirez, H. (2010). Etnônimos e topônimos no rio Madeira (séculos XVI-XX): um sem-número de equívocos. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 2(2), 13-58. doi: https://doi.org/10.26512/rbla.v2i2.16223
» https://doi.org/10.26512/rbla.v2i2.16223 - Rice, P. (1987). Pottery analysis, a sourcebook Chicago: University of Chicago Press.
- Saunaluoma, S., Pärssinen, M., & Schaan, D. P. (2018). Diversity of Pre-colonial Earthworks in the Brazilian state of Acre, Southwestern Amazonia. Journal of Field Archaeology, 43(5), 362-379. doi: https://doi.org/10.1080/00934690.2018.1483686
» https://doi.org/10.1080/00934690.2018.1483686 - Schiffer, M. B. (1972). Archaeological context and systemic context. American Antiquity, 37(2), 156-165.
- Schiffer, M. B., & Skibo, J. M. (1997). The explanation of artefact variability. American Antiquity, 62(1), 27-50.
- Schmidt, M. J. (2016). A formação de Terra Preta: análise de sedimentos e solos no contexto arqueológico. In M. P. Magalhães (Org.), Amazônia Antropogênica (pp. 121-176). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.
- Schmidt, M. J., Py-Daniel, A. R., Moraes, C. P., Valle, R. B. M., Caromano, C. F., Teixeira, W. G., . . . Heckenberger, M. J. (2014). Dark earths and the human built landscape in Amazonia: a widespread pattern anthrosol formation. Journal of Archaeological Science, 42, 152-165. doi: https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.002
» https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.002 - Scientia Consultoria Científica. (2011). Projeto de Arqueologia preventiva nas áreas de intervenção do AHE Santo Antônio, RO: relatório do resgate arqueológico na área do canteiro
- Shepard, A. O. (1956). Ceramics for the archaeologist Washington, D.C.: Carnegie Institution of Washington Publications.
- Silva, F. A. (2009a). As atividades econômicas das populações indígenas amazônicas e a formação das Terras Pretas: o exemplo dos Asurini do Xingu. In W. G. Teixeira, D. C. Kern, B. E. Madari & W. Woods (Eds.), As Terras Pretas de Índio da Amazônia: sua caracterização e uso deste conhecimento na criação de novas áreas (pp. 53-61). Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental.
- Silva, F. A. (2009b). A etnoarqueologia na Amazônia: contribuições e perspectivas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 4(1), 27-37. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222009000100004
» https://doi.org/10.1590/S1981-81222009000100004 - Silva, F. A. (2016). Tipos cerâmicos ou modos de vida? Etnoarqueologia e as tradições arqueológicas cerâmicas na Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 40-49). Belém: IPHAN.
- Skibo, J. M. (1992). Pottery function: a use-alteration perspective New York: Plenum Press.
- Skibo, J. M. (2015). Pottery use-alteration analysis. In J. M. Marreiros, J. F. G. Bao & N. F. Bicho (Eds.), Use-wear and residue analysis in Archaeology (pp. 189-198). London: Springer.
- Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio rio Solimões, Estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.
- Tizuka, M. M., Santi, J. R., & Kipnis, R. (2013). Um olhar além rio: ocupações pretéritas entre ilhas e cachoeiras no Alto rio Madeira-RO. In J. C. R. Rubin & R. T. Silva (Eds.), Geoarqueologia (Vol. 2, pp. 113-134). Goiânia: PUC.
- Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
» https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868 - Wüst, I., & Barreto, C. (1999). The ring villages of central Brazil: a challenge for Amazonian Archaeology. Latin American Antiquity, 10(1), 3-23. doi: https://doi.org/10.2307/972208
» https://doi.org/10.2307/972208 - Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP, São Paulo, Brasil.
- Zuse, S. (2016). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no Alto rio Madeira. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 385-401). Belém: IPHAN.
- Zuse, S., Costa, A. F., Pessoa, C., & Kipnis, R. (2020). Tecnologias cerâmicas no alto rio Madeira: síntese, cronologia e perspectivas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190082. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0082
» https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0082
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jul 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
12 Ago 2019 -
Aceito
27 Mar 2020