Resumos
A atividade antimicrobiana de acetamipride, imidaclopride (IMI) e tiametoxam foram testadas in vitro em isolados de Xanthomonas citri subsp. citri (Xcc). Plantas de laranja 'Valência' foram tratadas com IMI por rega e infiltradas com suspensão de Xcc em casa-de-vegetação. Os neonicotinóides não apresentaram efeito antimicrobiano in vitro para Xcc. Plantas de laranja 'Valência' tratadas com IMI apresentaram lesões menores e em menor número, e alteração nos teores de macro e micronutrientes em relação às plantas controle. Foram observadas reduções entre 10% e 70% na incidência de cancro cítrico em plantas tratadas com IMI. A incidência da doença em folhas foi significativamente menor em plantas tratadas previamente com 1,5 g e 3,0 g de IMI (p.a.), enquanto redução significativa de até 4,7 unidades logarítmicas na população bacteriana foi observada em plantas tratadas com 3,0 g de IMI (p.a.). Plantas tratadas no mesmo dia da inoculação também apresentaram redução significativa no número de lesões de cancro cítrico e na população bacteriana.
Xanthomonas citri subsp. citri; acetamipride; citros; imidaclopride; indução de resistência; tiametoxam
The antimicrobial activity of acetamiprid, imidacloprid (IMI), and thiamethoxam was tested in vitro against Xanthomonas citri subsp. citri (Xcc) isolates. Plants of 'Valencia' sweet orange were treated by drenching with IMI and infiltrated with Xcc suspension in the greenhouse. The neonicotinoids showed no in vitro antimicrobial effect against Xcc. Plants of 'Valencia' sweet orange treated with IMI showed fewer and smaller lesions of citrus canker, as well as changes in the levels of macro and micronutrients when compared with control plants. Reductions in the incidence of citrus canker between 10% and 70% were observed in plants treated with IMI. Disease incidence was significantly lower in plants treated with 1.5 g and 3.0 g of IMI (a.i.), while a significant reduction of up to 4.7 log units in the bacterial population was observed in plants treated with 3.0 g IMI (a.i.). Plants treated with IMI at the same time of inoculation also showed significant reduction in the bacterial population and in the number of citrus canker lesions.
Xanthomonas citri subsp. citri; acetamiprid; citrus; imidacloprid; resistance induction; thiamethoxam
ARTIGO RESEARCH ARTICLE
Inseticida neonicotinóide induz resistência ao cancro cítrico em laranja doce
Neonicotinoid insecticide induces resistance to citrus canker in sweet orange
Michele R.L. SilvaI,II; Marcelo G. CanteriI; Rui P. Leite JúniorII
IDepartamento de Agronomia, Universidade Estadual de Londrina, Cx. Postal 6001, 86051-990, Londrina, PR, Brasil
IIÁrea de Proteção de Plantas, Instituto Agronômico do Paraná, Cx. Postal 481, 86001-970, Londrina, PR, Brasil
RESUMO
A atividade antimicrobiana de acetamipride, imidaclopride (IMI) e tiametoxam foram testadas in vitro em isolados de Xanthomonas citri subsp. citri (Xcc). Plantas de laranja 'Valência' foram tratadas com IMI por rega e infiltradas com suspensão de Xcc em casa-de-vegetação. Os neonicotinóides não apresentaram efeito antimicrobiano in vitro para Xcc. Plantas de laranja 'Valência' tratadas com IMI apresentaram lesões menores e em menor número, e alteração nos teores de macro e micronutrientes em relação às plantas controle. Foram observadas reduções entre 10% e 70% na incidência de cancro cítrico em plantas tratadas com IMI. A incidência da doença em folhas foi significativamente menor em plantas tratadas previamente com 1,5 g e 3,0 g de IMI (p.a.), enquanto redução significativa de até 4,7 unidades logarítmicas na população bacteriana foi observada em plantas tratadas com 3,0 g de IMI (p.a.). Plantas tratadas no mesmo dia da inoculação também apresentaram redução significativa no número de lesões de cancro cítrico e na população bacteriana.
Palavras-chave: Xanthomonas citri subsp. citri, acetamipride, citros, imidaclopride, indução de resistência, tiametoxam.
ABSTRACT
The antimicrobial activity of acetamiprid, imidacloprid (IMI), and thiamethoxam was tested in vitro against Xanthomonas citri subsp. citri (Xcc) isolates. Plants of 'Valencia' sweet orange were treated by drenching with IMI and infiltrated with Xcc suspension in the greenhouse. The neonicotinoids showed no in vitro antimicrobial effect against Xcc. Plants of 'Valencia' sweet orange treated with IMI showed fewer and smaller lesions of citrus canker, as well as changes in the levels of macro and micronutrients when compared with control plants. Reductions in the incidence of citrus canker between 10% and 70% were observed in plants treated with IMI. Disease incidence was significantly lower in plants treated with 1.5 g and 3.0 g of IMI (a.i.), while a significant reduction of up to 4.7 log units in the bacterial population was observed in plants treated with 3.0 g IMI (a.i.). Plants treated with IMI at the same time of inoculation also showed significant reduction in the bacterial population and in the number of citrus canker lesions.
Key words: Xanthomonas citri subsp. citri, acetamiprid, citrus, imidacloprid, resistance induction, thiamethoxam.
INTRODUÇÃO
O cancro cítrico é uma doença de grande importância para o cultivo comercial de citros no Brasil e também em outras regiões citrícolas do mundo (Leite Júnior, 1990). Causada pela bactéria Xanthomonas citri subsp. citri (Xcc) (Shaad et al., 2006), manifesta-se em toda a parte aérea da planta cítrica na forma de lesões eruptivas que tornam-se corticosas com o passar do tempo. Infecções severas de Xcc podem causar intensa desfolha, queda prematura de frutos e declínio geral da planta (Leite Júnior, 1990; Rossetti, 2001).
No Brasil, programas de erradicação foram estabelecidos desde a década de 1950 para conter a expansão da doença e eventualmente eliminar a Xcc do país (Leite Júnior, 1990). No Paraná, foi implementado um programa de manejo integrado da doença envolvendo medidas como o uso de cultivares resistentes, quebra-ventos e pulverizações preventivas com bactericidas cúpricos (Leite Júnior et al., 1987; McGuire, 1988; Leite Júnior & Mohan, 1990). Bactericidas cúpricos têm sido a base para o controle químico de cancro cítrico no Brasil e em outros países (Leite Júnior et al., 1987; Leite Júnior, 1990). Entretanto, o uso de cobre apresenta eficiência parcial sob condições muito favoráveis para o desenvolvimento epidêmico da doença e aplicações constantes do bactericida são necessárias para o controle eficiente. Ademais, o uso prolongado de cúpricos pode levar à seleção de populações de Xcc resistentes ao cobre. Além disso, o acúmulo desse metal pesado no solo pode causar fitotoxicidade e contaminação ambiental (Leite Júnior et al., 1987; Graham, 2001).
A indução de resistência em plantas tem sido amplamente estudada como alternativa para o controle de doenças, principalmente para aquelas que não possuem medidas efetivas de controle (Sticher et al., 1997; Durrang & Dong, 2004; Vallad & Goodman, 2004). A resistência sistêmica adquirida (RSA) restringe o crescimento do patógeno e diminui a incidência da doença pela ativação de mecanismos de defesa da própria planta, que passa a apresentar proteção sistêmica de longa duração e amplo espectro (Durrang & Dong, 2004).
Em citros, acibenzolar-S-metil (ASM) e ácido isonicotínico (INA) foram testados como indutores de resistência para o cancro cítrico (Graham & Leite Júnior, 2004; Francis et al., 2009) e para a mancha bacteriana dos citros (Dekkers et al., 2004; Francis et al., 2009; Graham & Leite Júnior, 2004). Esses produtos apresentaram resultados positivos no controle dessas doenças em condições controladas.
Além dos produtos comumente conhecidos como indutores de resistência, o inseticida neonicotinóide imidaclopride tem sido testado como indutor de resistência e apresentado resultados promissores no controle de cancro cítrico (Graham & Leite Júnior, 2007; Francis et al., 2009). O mecanismo de ação dos inseticidas neonicotinóides como indutores de resistência a doenças em plantas ainda é pouco conhecido. Entretanto, tem sido relatada melhoria nas características agronômicas da planta e aumento de produtividade em culturas tratadas com produtos dessa classe de inseticidas (Gazzoni, 2008).
Desse modo, o presente estudo teve como objetivo testar duas hipóteses: a atividade antimicrobiana de neonicotinóides em relação à Xcc e a redução da incidência de cancro cítrico em plantas de laranja doce com uso de inseticidas neonicotinóides em condições controladas.
MATERIAL E MÉTODOS
Avaliação da atividade antimicrobiana de neonicotinóides in vitro
A atividade antimicrobiana dos neonicotinóides acetamipride (ACM), imidaclopride (IMI) e tiametoxam (TMX) foi testada in vitro para seis isolados de Xcc pertencentes à coleção de bactérias fitopatogênicas do Laboratório de Bacteriologia e Virologia do IAPAR (Tabela 1).
Os isolados de Xcc foram cultivados em meio de cultura Ágar Nutriente (AN) por 48 h a 28ºC. Suspensões bacterianas foram preparadas em água destilada esterilizada e ajustadas em espectrofotômetro para a concentração de 108 UFC mL-1. Alíquotas de 5 µL das suspensões bacterianas foram depositadas em campos distintos da mesma placa de Petri contendo meio de cultura AN, acrescido dos neonicotinóides ACM, IMI e TMX nas concentrações de 0, 1,5, 12,5, 25, 50, 100 e 200 µg mL-1 de princípio ativo (p.a.). O experimento foi realizado em triplicata e a atividade antimicrobiana dos produtos foi avaliada com base na presença ou ausência de crescimento bacteriano após 72 h de incubação a 28ºC. O experimento foi repetido com IMI nas concentrações de 0, 750, 1000, 1500 e 3000 µg mL-1 de p.a.
Efeito da dose de IMI na incidência de cancro cítrico e na população de Xcc
O experimento foi conduzido em casa-de-vegetação semi-climatizada com sistema de filtragem de ar para o exterior e com média de temperatura de 20ºC no inverno e 32ºC no verão. Foram utilizadas plantas de laranja doce (Citrus sinensis L. Osbeck) do cultivar 'Valência 94' enxertada sobre limão Cravo, com 36 meses de idade. As plantas foram acondicionadas em vasos plásticos com capacidade para 10 L contendo substrato comercial Plantmax e solo na proporção de 2:1 (v/v), respectivamente, suplementado com 12 g de Osmocote 15: 9: 2 (NPK) por vaso. Os vasos foram submetidos à fertirrigação semanal alternada com nitrato de cálcio e de potássio (1,5 g L-1) e adubação foliar complementar com macro e micronutrientes (2,5 g L-1) ao longo de todo o experimento. Para obtenção de folhas jovens, aproximadamente 70% expandidas, suscetíveis à infecção por Xcc, as plantas cítricas foram podadas quatro semanas antes da inoculação com suspensão bacteriana.
As plantas de laranja 'Valência' foram tratadas por rega, no solo, próximo ao colo da planta, com 100 mL de solução de IMI nas concentrações de 0,75, 1,50 e 3,0 g de p.a. por planta e inoculadas com Xcc sete e dez dias após o tratamento. Plantas controle foram tratadas com 100 mL de água destilada. A inoculação das plantas foi realizada com suspensão (104 UFC mL-1) do isolado 306 de Xcc, na face abaxial das folhas, por infiltração com auxílio de seringa hipodérmica (1 cm3), sem agulha. Foram inoculadas em média 10 folhas por planta para cada tratamento. As plantas foram mantidas em câmara úmida por 24 h após a inoculação. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com quatro tratamentos e cinco repetições.
A incidência da doença foi avaliada 25 dias após a inoculação de Xcc pela contagem das lesões de cancro cítrico na face abaxial das folhas. Em cada folha foram realizadas quatro leituras em 1 cm2.
A população da bactéria na área inoculada foi determinada 25 dias após a inoculação. Discos foliares de 0,64 cm2 foram macerados em água destilada esterilizada e alíquotas de 0,1 mL do extrato foliar diluído foram depositados em meio de cultura AN acrescido de ciclohexamida (0,1 mg mL-1). A contagem das colônias de Xcc foi realizada 72 h após incubação a 28ºC e a população foi expressa em Log das UFC por cm2 de tecido foliar.
Estudo da dinâmica populacional de Xcc em plantas tratadas com IMI
Para determinar o desenvolvimento da população da bactéria Xcc em plantas tratadas com IMI foram conduzidos dois experimentos, um no inverno, em julho/ agosto de 2007, e outro no verão, em dezembro 2007/ janeiro 2008.
Em ambos os experimentos, a inoculação das plantas foi realizada com suspensão (104 UFC mL-1) do isolado 306 de Xcc, na face abaxial das folhas, por infiltração com auxílio de seringa hipodérmica (1 cm3), sem agulha.
No experimento realizado no inverno, plantas de laranja 'Valência' com 36 meses de idade foram tratadas por rega no solo com 100 mL de IMI nas doses de 0,75, 1,50 e 3,0 g de p.a. por planta, cinco dias antes da inoculação com Xcc. As plantas controle foram tratadas com água destilada e inoculadas com a bactéria. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com quatro tratamentos e cinco repetições. No experimento realizado no verão, plantas de laranja 'Valência' com 42 meses de idade foram tratadas por rega no solo com 100 mL de IMI nas mesmas doses do experimento realizado no inverno. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com cinco tratamentos e três repetições.
A curva de crescimento da bactéria in planta foi determinada pelo plaqueamento aos 0, 1, 4, 8, 16 e 24 dias após a inoculação de Xcc, de extratos foliares das plantas tratadas com IMI. A população da bactéria na área inoculada assim como a avaliação de incidência de lesões de cancro cítrico foi realizada de acordo com a metodologia descrita no experimento anterior. A partir das curvas de desenvolvimento da bactéria foi determinada a área abaixo da curva de crescimento bacteriano padronizada (AACCB) in planta por meio de integração trapezoidal dividida pelo período de observação (Campbell & Madden, 1990).
Após as avaliações, folhas das plantas do experimento realizado no verão foram coletadas e encaminhadas ao Laboratório de Análise de Solos do IAPAR. As amostras foram submetidas à análise dos teores de N, P, K, Ca, Mg, Cu, Zn, B e Mn, segundo a metodologia descrita por Miyazawa et al. (1984).
Efeito da época de aplicação de IMI na incidência de cancro cítrico
Plantas de laranja 'Valência' com 48 meses de idade foram tratadas por rega no solo, próximo ao colo da planta, com 100 mL de IMI na dosagem de 3,0 g de p.a. por planta, três dias antes (d.a.i), no mesmo dia (m.d.i) e três dias após (d.d.i) a inoculação da bactéria. As plantas controle foram tratadas com água destilada. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com quatro tratamentos e cinco repetições.
A curva de crescimento da bactéria in planta e a avaliação de incidência de lesões de cancro cítrico foram realizadas de acordo com a metodologia descrita nos experimentos anteriores.
Análise estatística
Foi utilizada a análise de regressão com os dados de níveis de incidência de lesões de cancro cítrico e as doses de IMI testadas. Foram feitas análises de variância e empregados testes de média a 5% de significância utilizando a transformação para comparação entre as épocas de tratamento avaliadas. As análises estatísticas foram realizadas empregando os softwares SAS - Statistical Analysis System (SAS Institute, Cary, CN, EUA) e SASM-Agri. (Canteri et al., 2001).
RESULTADOS
Avaliação da atividade antimicrobiana de neonicotinóides in vitro
Os neonicotinóides ACM, IMI e TMX testados nas concentrações que variaram de 0 a 200 µg mL-1 de p.a. não apresentaram efeito antimicrobiano in vitro sobre nenhum dos seis isolados de Xcc. O crescimento dos isolados foi confluente, mesmo quando inoculados em placas de AN contendo concentrações de até 3 mg mL-1 de p.a. de IMI (Figura 1).
Efeito da dose de IMI na incidência de cancro cítrico e na população de Xcc
Em casa-de-vegetação, o tratamento de plantas de laranja 'Valência' com IMI, por rega no solo, diminuiu significativamente a incidência de lesões de cancro cítrico em folhas inoculadas com Xcc (Figura 2).
As plantas controle apresentaram lesões eruptivas e suberizadas, características de cancro cítrico (Figura 2). Por outro lado, as plantas tratadas com diferentes doses de IMI apresentaram lesões menores e em menor número (Figura 2). Entretanto, as plantas tratadas com as doses de 1,5 e 3,0 g de IMI por planta apresentaram clorose internerval nas folhas, indicando efeito fitotóxico do neonicotinóide nessas concentrações (Figura 2).
As plantas tratadas com IMI, para os dois intervalos testados entre o tratamento das plantas e a inoculação com Xcc, apresentaram redução no número de lesões de cancro cítrico inversamente proporcional à dose utilizada (Figura 3). As análises de regressão entre número de lesões e doses de IMI foram representadas por função não linear (Figura 3), significativas ao nível de 1% para intervalo de sete dias e 5% para o intervalo de 10 dias pelo teste F. Foram observadas diminuições entre 35% e 57% no número de lesões para o intervalo de sete dias entre o tratamento e a inoculação das plantas (Figura 3A). Para o intervalo de 10 dias, a diminuição no número de lesões variou de 26% a 70% (Figura 3B).
A população bacteriana também diminuiu nas plantas tratadas com IMI e inoculadas com Xcc. Foram observadas reduções em torno de 19% na população bacteriana para plantas tratadas com IMI sete dias antes da inoculação de Xcc, e de cerca de 11% para plantas tratadas 10 dias antes da inoculação (Figuras 3C e 3D). As variáveis população bacteriana e dose de IMI também foram melhor representadas pela função linear (Figura 3C e 3D). Para o intervalo de sete dias, a análise de regressão não foi significativa a 1% de probabilidade, mas considerada significativa a 5% para o intervalo de 10 dias (Figura 3D).
Quando comparados os intervalos de tempo de sete e 10 dias entre o tratamento e a inoculação com Xcc, estes não apresentaram diferença estatística significativa entre si, pelo teste t ao nível de 5% de probabilidade, tanto em relação ao número de lesões de cancro cítrico, como para o desenvolvimento da população da bactéria na planta.
Estudo da dinâmica populacional de Xcc em plantas tratadas com IMI
A população de Xcc recuperada de folhas de laranja 'Valência' infiltradas com suspensão da bactéria Xcc foi menor em plantas tratadas com IMI do que a obtida de plantas controle (Figura 4).
No experimento realizado no inverno, foi possível verificar o maior desenvolvimento de Xcc em plantas tratadas com as menores doses de IMI (Figura 4A a 4D). Foram observadas diferenças de duas unidades logarítmicas no crescimento exponencial da bactéria entre as plantas controle e as tratadas com a maior dose de IMI (Figura 4A a 4D). As análises de regressão entre as variáveis população bacteriana e doses de IMI foram representadas por função linear, significativas ao nível de 1% pelo teste F (Figura 4A a 4D).
Da mesma forma, no experimento realizado no verão a aplicação de maiores doses de IMI nas plantas também resultou no menor desenvolvimento da bactéria. Foram observadas diferenças de até cinco unidades logarítmicas entre as plantas controle e as tratadas com a maior dose de IMI (Figura 4E a 4H). As análises de regressão entre a população bacteriana e as doses de IMI foram representadas por função linear. Porém a significância variou de 1% a 5% pelo teste F (Figura 4E a 4H). Foi observada pouca variação na inclinação da reta. Contudo, o valor do coeficiente angular foi menor nas plantas tratadas com IMI do que nas plantas controle (Figura 4E a 4H).
As plantas utilizadas nos experimentos realizados no inverno e no verão apresentaram o mesmo padrão de comportamento. A incidência de lesões de cancro cítrico foi inversamente proporcional ao aumento da dose de IMI (Figura 5).
No experimento realizado no inverno, a redução em média de 45% foi observada para plantas tratadas com as duas maiores doses de IMI (Figura 5A). No verão, foi observada redução significativa em torno de 60% na incidência de cancro cítrico somente para plantas tratadas com a dose mais alta de IMI (Figura 5B). As análises de regressão entre as variáveis foram melhor representadas pela função exponencial, significativas a 5% no experimento realizado no inverno. No experimento realizado no verão a significância foi de 1% pelo teste F (Figura 5).
No experimento realizado no inverno, a área abaixo da curva de crescimento bacteriano (AACCB) foi em média 23% menor para a dose mais alta de IMI (Figura 5C). Já no experimento realizado no verão, foram verificadas diferenças na AACCB tanto em relação às plantas controle como entre os demais tratamentos. Foram observadas reduções de cerca de 30% e 40% na AACCB de plantas tratadas com as doses mais altas de IMI (Figura 5D).
A análise de regressão revelou alterações significativas na nutrição das plantas tratadas com IMI. A alteração nos macronutrientes foi representada por função linear com 1% de significância pelo teste F (Tabela 2). Contudo não foram encontradas alterações significativas nas análises de regressão não lineares realizadas para a variável micronutrientes (Tabela 2).
A comparação dos valores de teores foliares de nutrientes demonstrou aumento, em relação às plantas controle, de cerca de 50% no teor de N e de 20% no teor de K, e redução em torno de 36% no teor de Zn, nas plantas tratadas com a maior dose de IMI (dados não apresentados).
Efeito da época de aplicação de IMI na incidência de cancro cítrico
O tratamento de plantas cítricas com 3 g de p.a. de IMI, tanto três dias antes da inoculação de Xcc como no mesmo dia, tornou as plantas de laranja 'Valência' capazes de reduzir o desenvolvimento de cancro cítrico. Foram observadas reduções entre 38% e 60% no número de lesões de cancro cítrico. As plantas tratadas preventivamente com IMI apresentaram até menos da metade do número de lesões de cancro cítrico do que as plantas controle (Figura 6).
O tratamento das plantas com IMI três dias após a inoculação com Xcc não propiciou redução significativa na incidência do cancro cítrico (Figura 6). O mesmo resultado foi observado na dinâmica populacional de Xcc, que representada por função não linear apresentou significância de 1% pelo teste F. As plantas tratadas com IMI três dias antes da inoculação de Xcc e no mesmo dia da inoculação com a bactéria apresentaram diferenças na contenção do desenvolvimento da população bacteriana. Nestas plantas foi observado diminuição de até duas unidades logarítmicas na população bacteriana em relação às plantas controle (Figura 7).
O tratamento das plantas cítricas com IMI no mesmo dia da inoculação de Xcc também resultou em menor número de lesões de cancro cítrico assim como no controle do desenvolvimento da bactéria (Figura 6).
DISCUSSÃO
Inseticidas são comumente utilizados em agricultura pela sua ação no controle de pragas, porém alguns deles podem também causar alterações fisiológicas e morfológicas em plantas. Produtos à base de aldicarb (Wheaton et al., 1985), carbofuran (Freitas et al., 2001) e tiametoxam (Calafiori & Barbieri, 2001) têm sido relatados como indutores de alterações fisiológicas e morfológicas em plantas.
No presente estudo, o tratamento com inseticidas neonicotinóides tornou as plantas cítricas mais competentes para conter o desenvolvimento de Xcc e, consequentemente, reduzir a incidência de cancro cítrico em condições controladas. O tratamento de plantas cítricas com IMI, além de reduzir o tamanho e o número de lesões de cancro cítrico, também alterou as características dessas lesões, independentemente da época do ano e do intervalo entre o tratamento da planta e a inoculação da bactéria. As lesões observadas em plantas tratadas com IMI se mostraram menos eruptivas e menores em tamanho quando comparadas àquelas de plantas controle, tratadas somente com água. Consequentemente, ocorreu diminuição superior a quatro unidades logarítmicas na população de Xcc em plantas tratadas com IMI. Resultados semelhantes em relação à redução no número e nas características das lesões de cancro cítrico, assim como diminuições na população bacteriana em plantas de citros tratadas com IMI, já haviam sido relatados (Francis et al., 2009). No entanto aqueles autores trabalharam com plantas de citrumelo Swingle, híbrido apenas utilizado como porta-enxerto, enquanto neste trabalho foram utilizadas plantas de laranja 'Valência', largamente utilizada em todo mundo como variedade copa.
A redução do número de lesões de cancro cítrico e a modificação no seu aspecto observada neste estudo certamente não ocorreram por ação antimicrobiana direta do IMI sobre a bactéria. O crescimento de Xcc in vitro não foi inibido mesmo quando a bactéria foi submetida a concentrações elevadas de neonicotinóides. Os neonicotinóides também não afetaram a germinação, o crescimento vegetativo e a patogenicidade de fungos (Cavalcanti et al., 2002; Neves et al., 2001). Por outro lado, determinadas espécies de bactérias são capazes de metabolizar os neonicotinóides, sem prejuízo para o seu desenvolvimento (Pandey et al., 2009).
O intervalo entre a aplicação do indutor e a infecção pelo patógeno é um fator determinante para o sucesso da indução de RSA (Vallad & Goodman, 2004). Neste estudo, apenas três dias de intervalo entre o tratamento da planta com IMI e a inoculação de Xcc foram suficientes para induzir respostas fisiológicas na planta que propiciaram a contenção na multiplicação da bactéria. Porém, o intervalo para que ocorra a resposta da planta ao indutor pode ser ainda menor, já que o controle do cancro cítrico também foi observado em plantas tratadas e inoculadas no mesmo dia.
O IMI, depois de absorvido pela planta, é convertido em diferentes metabólitos, dos quais o principal é o 6-CNA (ácido 6-cloro-nicotínico) (Sur & Stork, 2003). O 6-CNA apresenta boa translocação pelo xilema, mas tende a se acumular nos elementos crivados do floema, onde fica aprisionado e não é mais transportado na planta. Assim, a clorose internerval observada nas folhas de plantas submetidas às maiores doses de IMI é causada possivelmente por esse acúmulo do metabólito nas partes mais velhas da folha (Sur & Stork, 2003), pela deficiência no teor de zinco (Magalhães, 2006) apresentada pelas plantas tratadas com as altas doses de IMI ou ainda pela associação entre os dois fatores. A ativação da indução de resistência nas plantas também está associada ao 6-CNA, embora seu exato mecanismo de ação ainda não tenha sido esclarecido (Nagel & Thielert, 2006).
O IMI parece atuar na planta como um clássico agente indutor de RSA, pois altera a suscetibilidade da planta à bactéria após um intervalo de tempo entre o tratamento da planta e o desafio com a bactéria (Vallad & Goodman, 2004). Embora no presente trabalho não tenha sido realizada análise de expressão de PR-proteínas, Francis et al. (2009) já relataram que a aplicação de IMI induziu o aumento da expressão de β-1,3-glucanase e reduziu o número de lesões de cancro cítrico em plântulas de citrumelo Swingle em condições controladas.
Neste estudo, aumentos significativos nos teores de nitrogênio e potássio foram observados nas plantas tratadas com IMI. Aumento no teor de potássio em plantas cítricas tratadas com inseticidas também foi relatado por Fouche et al. (1977), assim como aumento de potássio e fósforo (Anania et al.,1988). Aumento nos teores de fósforo e cálcio e ainda resistência ao estresse após o tratamento de plantas cítricas com inseticida foi relatado por Wheaton et al. (1985). Pereira et al. (2008) observaram aumento no comprimento dos ramos e nas massas fresca e seca do caule e ramos em plantas de laranja tratadas com o neonicotinóide tiametoxam. Esse produto tem sido relatado como bioativador capaz de aumentar o teor de nutrientes foliares, o sistema radicular, a atividade enzimática e a produtividade em culturas como cana-de-açúcar (Dinardo-Miranda; Ferreira, 2004) e feijão (Pereira et al., 2007). Uma vez que o nitrogênio e o potássio influenciam diretamente no crescimento da planta, atuando na divisão celular, na fotossíntese e na respiração (Magalhães, 2006), possivelmente o IMI está agindo como bioativador na planta cítrica.
Barbosa et al. (2002), ao estudar o efeito da aplicação dos inseticidas imidaclopride e tiametoxam no tratamento de sementes de feijão, constataram que os princípios ativos proporcionaram melhoria nas características agronômicas da cultura, resultando em aumento de produtividade.
Assim, a aplicação preventiva do inseticida IMI torna as plantas cítricas competentes para controlar o desenvolvimento de lesões de cancro cítrico. Contudo, quando se considera o controle da doença no campo, mais estudos são necessários, com o objetivo de estabelecer as melhores doses, os intervalos de aplicação, o tipo e a associação dos neonicotinóides com bactericidas cúpricos e outros produtos, visando melhor aproveitamento do potencial dessa classe de produtos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela concessão de bolsa de doutorado do primeiro autor, ao Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR, pela infraestrutura cedida, ao Fundo de Defesa da Citricultura- FUNDECITRUS e à Universidade da Flórida, pelo auxílio financeiro para realização deste estudo, e a José Carlos Gomes, da área de biometria do IAPAR, pelo auxílio nas análises estatísticas.
Recebido 19 Novembro 2009
Aceito 11 Fevereiro de 2012
Autor para correspondência: Michele R.L. Silva, e-mail: michele@iapar.br
Parte da Tese de Doutorado da primeira autora. Universidade Estadual de Londrina. Londrina PR. 2009.
TPP 57
Editor de Seção: Francisco F. Laranjeira
- Anania PFR, Oliveira CL, Teixeira NT, Zambon S, Calafiori MH (1988) Influência da aplicação de aldicarbe nos teores de N-P-K nas folhas de limoeiro Taiti (Citrus aurantifolia) cv. Peruano. Ecossistema 13:48-52.
- Barbosa FR, Siqueira KMM, Souza EA, Moreir WA, Haji FNP, Alencar JA (2002) Efeito do controle químico da mosca-branca na incidência do vírus-do-mosaico-dourado e na produtividade do feijoeiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira 37:879-883.
- Calafiori MH, Barbieiri AA (2001) Effects of seed treatment with insecticide on the germination, nutrients, nodulation, yield and pest control in bean (Phaseolus vulgaris L.) culture. Ecossistema 26:97-104.
- Canteri MG, Althaus, RA, Virgens Filho JS, Giglioti EA, Godoy CV (2001) SASM-Agri: Sistema para análise e separação de médias em experimentos agrícolas pelos métodos Scott-Knott, Tukey e Duncan. Revista Brasileira de Agrocomputação 1:18-24.
- Campbell CL, Madden LV (1990) Introduction to plant disease epidemiology. New York. John Wiley & Sons.
- Cavalcanti A, Moino Júnior GC, Souza A, Arnosti RS (2002) Efeito dos produtos fitossanitários fenpropatrina, imidaclopride, iprodione e tiametoxam sobre o desenvolvimento do fungo Beauveria bassiana (Bals.) Vuill. Arquivo Instituto Biológico 69:17-22.
- Dekkers MGH, Graham JH, Burns JK, Cubero J, Colburn GC (2004) Evaluation of chemical inducersand PR protein reporters for induced systemic resistance to citrus bacterial diseases. Phytopathology 94:25 (Abstract).
- Dinardo-Miranda LL, Ferreira JMG (2004) Eficiência de inseticidas no controle da cigarrinha das raízes, Mahanarva fimbriolata(STAL) (Hemiptera: Cercopidae), em cana-de-açúcar. Sociedade dos Técnicos Açucareiros Alcooleiros do Brasil -Açúcar, Álcool e Subprodutos 22:35-39.
- Durrant WE, Dong X (2004) Systemic acquired resistance. Annual Review of Phytopathology 42:185-209.
- Fouche PS, Bester DH, Vledman GH (1977) The influence of potassium applications and nematicides on the potassium nutrition of 'Valencia' orange trees on replant citrus soil. Journal of the American Society for Horticultural Science 5:546-548.
- Francis MI, Redondo A, Burns JK, Graham JH (2009) Soil application of imidacloprid and related SAR-inducing compounds produces effective and persistent control of citrus canker. European Journal of Plant Pathology 22:283-292.
- Freitas DB, Bezerra EC, Teixeira NT (2001) Aldicarb e carbofuran e teores de nutrientes na parte aérea de feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.) cv. Carioca 80. Ecossistema 26:69-70.
- Gazzoni DL (2008) Tiametoxam: Uma revolução na agricultura brasileira. Petrópolis. Vozes.
- Graham JH (2001) Varietal susceptibility to citrus canker: Observations from southern Brazil. Citrus Industry 82:15-17.
- Graham JH, Leite Júnior RP (2004) Lack of control of citrus canker by induced systemic resistance compounds. Plant Disease 88:745-750.
- Graham JH, Leite Júnior RP (2007) Soil applied neonicotinoids for control of bacterial diseases on young citrus trees. Proceedings, Joint International Workshop on PR-Proteins and Induced Resistance Against Pathogens and Insects. Doom, Holanda. p.107.
- Leite Júnior RP (1990) Cancro cítrico: Prevenção e controle no Paraná. Londrina. Fundação Instituto Agronômico do Paraná
- Leite Júnior RP, Moham SK, Pereira ALG, Campacci CA (1987) Controle integrado de cancro cítrico: Efeito da resistência genética e da aplicação de bactericidas. Fitopatologia Brasileira 12:257-263.
- Leite Júnior RP, Mohan SK (1990) Integrated management of the citrus bacterial canker disease caused by Xanthomonas campestris pv.citri in the State of Paraná, Brazil. Crop Protection 9:3-7.
- Magalhães AFJ (2006) Nutrição Mineral e Adubação dos Citros Irrigados. Cruz das Almas. Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical.
- McGuire RG (1988) Evaluation of bactericidal chemicals for control of Xanthomonas on citrus. Plant Disease 72:1016-1020.
- Miyazawa M, Pavan MA, Block MFM (1984) Determination of Ca, Mg, K, Mn, Cu, Zn, Fe, and P in coffee, soybean, corn, sunflower, and pasture grass leaf tissues by a HCl extraction method. Communications in Soil Science and Plant Analysis 15:141-147.
- Nagel C, Thielert W (2006) Confidor with stress shield inside. Courrier 2:6-9.
- Neves PMOJ, Hirose E, Tchujo PT, Moino Júnior A (2001) Compatibility of entomopathogenic fungi with neonicotinoids insecticides. Neotropical Entomology 30:263-268.
- Pandey G, Dorrian SJ, Russell RJ, Oakeshott JG (2009) Biotransformation of the neonicotinoid insecticides imidacloprid and thiamethoxam by Pseudomonas sp. Biochemical and Biophysical Research Communications 380:710-714.
- Pereira MA, Castro PRC, Garcia EO, Reis AR (2007) Efeitos fisiológicos de tiametoxam em plantas de feijoeiro. Anais, Congresso Brasileiro de Fisiologia Vegetal. Gramado RS.
- Pereira MA, Castro PRC, Aramaki P (2008) Efeitos fisiológicos de tiametoxam no caule e ramos de mudas de laranjeira 'Valência'. Anais em CR-Rom, XX Congresso Brasileiro de Fruticultura. Vitória ES.
- Rossetti V (2001) Manual ilustrado de doenças dos citros. Piracicaba. Fealq/Fundecitrus.
- SAS Institute (2001) Statistical analysis system. Version 8.2. Cary: SAS Institute, USA, CD-Room.
- Schaad NW, Postnikova E, Lacy G, Sechler A, Agarkova I, Stromber PE, Stromberg VK, Vidaver AK (2006) Emended classification of Xanthomonad pathogens on citrus. Systematic and Applied Microbiology 29:690-695.
- Sticher L, Mauch-Mani B, Métraux JP (1997) Systemic acquired resistance. Annual Review of Phytopathology 35:235-270.
- Sur R, Stork A (2003) Uptake, translocation and metabolism of imidacloprid in plants. Bulletin of Insectology 6:35-40.
- Vallad GE, Goodman RM (2004) Systemic acquired resistance and induced systemic resistance in conventional agriculture. Crop Science 44:1920-1934.
- Wheaton TA, Childers CC, Timmer LW, Duncan LW, Nikdel S (1985). Effects of aldicarb on yield, fruit quality, and tree condition on Florida citrus. Horticultural Society 98:6-10.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Maio 2012 -
Data do Fascículo
Fev 2012
Histórico
-
Recebido
19 Nov 2009 -
Aceito
11 Fev 2012