Resumo
Este artigo identifica a natureza das imagens utilizadas pelos periódicos de ensino e de técnicas da Educação Física e esporte (1932-1960) e analisa as intencionalidades editoriais nos seus usos e apropriações (CERTEAU, 2014). Possui abordagem quantiqualitativa do tipo exploratória e assume os pressupostos teórico-metodológicos da História Cultural (CHARTIER, 1990). As fontes constituem-se nas matérias com imagens dos periódicos: Revista de Educação Física (1932-1960), Revista Educação Physica (1932-1945) e Revista Brasileira de Educação Física (1944-1952). A análise evidencia duas naturezas de imagens: fotografias e desenhos (ilustração antropomórfica, diagrama, croqui e charge). O uso desses dispositivos de modelização da leitura por parte dos editores visava contribuir com a formação de professores de Educação Física, sob uma perspectiva que privilegiava o fazer para aprender e o aprender fazendo. As imagens faziam parte do projeto editorial desses periódicos, contribuindo para a divulgação e o ensino das práticas da Educação Física.
Palavras chave:
Desenho e Fotografia; Publicações periódicas; História Cultural; Educação Física
Abstract
This article identifies the nature of images used by journals focused on Physical Education and Sport teaching and techniques (1932-1960) and analyzes editorial intentions in their uses and appropriations (CERTEAU, 2014). It takes an exploratory quantitative-qualitative approach and the theoretical-methodological assumptions of Cultural History (CHARTIER, 1990). Its sources are images from journals: Revista de Educação Física (1932-1960), Revista Educação Physica (1932-1945), and Revista Brasileira de Educação Física (1944-1952). The analysis points to images of two natures: photographs and drawings (anthropomorphic illustrations, diagrams, sketches, and cartoons). The use of these reading modeling devices by editors was intended to contribute to Physical Education teachers’ training from a perspective emphasizing doing for learning and learning by doing. The images were part of these journals’ editorial projects in order to contribute to disseminate and teach Physical Education practices.
Keywords:
Drawing and Photography; Periodicals; Cultural History; Physical Education
Resumen
Identifica la naturaleza de las imágenes utilizadas por los periódicos de enseñanza y de técnicas de la Educación Física y Deporte (1932-1960) y analiza las intencionalidades editoriales en sus usos y apropiaciones (CERTEAU, 2014). Tiene un enfoque cuantitativo y cualitativo, tipo exploratorio, y asume los supuestos teóricos y metodológicos de la Historia Cultural (CHARTIER, 1990). Las fuentes son las materias con imágenes de los periódicos: Revista de Educação Física (1932-1960), Revista Educação Physica (1932-1945) y Revista Brasileira de Educação Física (1944-1952). El análisis pone en evidencia dos naturalezas de imágenes: fotografías y dibujos (ilustración antropomórfica, diagrama, croquis y humorísticos). El uso de estos dispositivos de modelización de la lectura, por parte de los editores, buscaba contribuir con la formación de profesores de Educación Física, con una perspectiva que privilegiaba el hacer para aprender y el aprender haciendo. Las imágenes formaban parte del proyecto editorial de esos periódicos, ayudando a la divulgación y a la enseñanza de las prácticas de la Educación Física.
Palabras clave:
Dibujo y Fotografía; Publicaciones periódicas; Historia Cultural; Educación Física
1 INTRODUÇÃO
O uso de periódicos como fonte ou objeto de estudo está situado no campo das pesquisas da História da Educação que consideram o impresso como uma possibilidade de melhor compreensão do campo educacional. Com a incorporação dos pressupostos teórico-metodológicos da História Cultural, os objetos são analisados por meio de sua materialidade, compreendidos como dispositivos - bens culturais elaborados -, postos em circulação e apropriados (NUNES; CARVALHO, 2005NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas. Historiografia da educação e fontes. In: GONDRA, José Gonçalves (Org.). Pesquisa em história da educação no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005. p. 17-62.).
Na área da Educação Física, especialmente os impressos especializados caracterizados como imprensa de ensino e de técnicas (FERREIRA NETO, 2005FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DaCOSTA, Lamartine. Pereira. (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776.) têm sido analisados como objeto (BERMOND, 2007BERMOND, Magda Terezinha. A Educação física escolar na Revista de Educação Física (1932 - 1952): apropriações de Rousseau, Claparède e Dewey. 2007. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.; SCHNEIDER, 2010SCHNEIDER, Omar. Educação Physica: a arqueologia de um impresso. Vitória: Edufes, 2010.) e como fonte de investigações (GOELLNER, 1999GOELLNER, Silvana Vilodre. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Physica. 1999. 187 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.; BERTO, 2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e a infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.; SOARES, 2011SOARES, Carmen Lúcia. As roupas destinadas aos exercícios físicos e ao esporte: nova sensibilidade, nova educação do corpo (Brasil, 1920-1940). Pró-posições, v. 22, n. 3, p. 81-96, set./dez. 2011.; SCHNEIDER et al., 2014). Esses periódicos faziam circular os discursos dos intelectuais da época e seus esforços de teorização, no sentido de “pensar e agir”, isto é, evidenciavam as suas preocupações com o ensino e os meios para pedagogizar os saberes e fazeres da Educação Física (FERREIRA NETO et al., 2014).
O termo imprensa de ensino e de técnicas da Educação Física delimita um conjunto de periódicos que circularam entre os anos de 1932 e 1960. Esses periódicos empenhavam-se em prescrever formas de ensinar, oferecendo modelos e técnicas fundamentados em um saber pedagógico moderno, experimental e científico. A técnica ganha centralidade na medida em que traduz a arte de ensinar e aprender, pois, como salienta Carvalho (2006CARVALHO, Marta Maria Chagas. Livros e revistas para professores: configuração material do impresso e circulação internacional de modelos pedagógicos. In: PINTASSILGO, Joaquin. et al. História da escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Colibri, 2006.p.141-173., p. 147), nessa pedagogia, “[...] ensinar é prática que se materializa em outras práticas; práticas nas quais a arte de aprender materializa-se no exercício de competências bem determinadas e observáveis em usos escolarmente determinados”.
Essa pedagogia, colocada em circulação pelos periódicos de ensino e de técnicas, orientava a elaboração de seus projetos editoriais, bem como as maneiras pelas quais era prescrito o ensino da Educação Física. Assim, “[...] como artes de saber-fazer-com, ensino e aprendizagem são práticas fortemente atreladas à materialidade dos objetos que lhes servem de suporte [pois] guardam forte relação com uma pedagogia em que tal arte é normatizada como uma boa imitação de um modelo” (CARVALHO, 2006CARVALHO, Marta Maria Chagas. Livros e revistas para professores: configuração material do impresso e circulação internacional de modelos pedagógicos. In: PINTASSILGO, Joaquin. et al. História da escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Colibri, 2006.p.141-173., p. 147, grifos do autor).
Diante disso, chamou-nos a atenção o modo como esses periódicos utilizaram as imagens como parte de seu projeto editorial. Com isso, ao dialogarmos com estudos da área, identificamos que as imagens desses periódicos têm sido abordadas a partir de perspectivas teóricas distintas, no sentido de veicular: as representações para o corpo feminino (GOELLNER, 1999GOELLNER, Silvana Vilodre. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Physica. 1999. 187 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.; SOARES, 2011SOARES, Carmen Lúcia. As roupas destinadas aos exercícios físicos e ao esporte: nova sensibilidade, nova educação do corpo (Brasil, 1920-1940). Pró-posições, v. 22, n. 3, p. 81-96, set./dez. 2011.); as influências americanistas (SCHNEIDER et al., 2014SCHNEIDER, Omar et al. American influencies in Brazilian physical education: clues in the specialised periodical press (1932-1950). Sport, Education and Society, v. 21, p. 1053-1070, 2014.); e os saberes para/da Educação Física (BERMOND, 2007BERMOND, Magda Terezinha. A Educação física escolar na Revista de Educação Física (1932 - 1952): apropriações de Rousseau, Claparède e Dewey. 2007. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.; BERTO, 2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e a infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.; SCHNEIDER, 2010). Dentre os autores, Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e a infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.) e Schneider (2010SCHNEIDER, Omar. Educação Physica: a arqueologia de um impresso. Vitória: Edufes, 2010.) destacam a utilização das imagens na veiculação de saberes com o objetivo de apresentar os aspectos técnicos das modalidades esportivas e o modo de execução das práticas corporais. Para Schneider (2010), as imagens também serviriam como uma forma de educar o olhar do leitor, motivando-o a buscar uma vida ativa.
A partir do diálogo com autores do campo da História (GASKELL, 1992GASKELL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 237-271.) e da História da Educação (BLANCO, 2011BLANCO, Carmen Sanchidrián. El uso de imágenes en la investigación histórico-educativa. Revista de Investigación Educativa, v. 29, n. 2, p. 295-309, 2011.), identificamos que as imagens ainda são pouco exploradas nas pesquisas acadêmicas. Para Gaskell (1992GASKELL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 237-271.), esse cenário está relacionado com a formação, que habitua os historiadores a trabalharem com documentos escritos. Por outro viés, Blanco (2011BLANCO, Carmen Sanchidrián. El uso de imágenes en la investigación histórico-educativa. Revista de Investigación Educativa, v. 29, n. 2, p. 295-309, 2011.) sinaliza o caráter subjetivo das imagens, que possibilita múltiplas interpretações. Contudo, é consenso a necessidade de uma “alfabetização visual”, pois, da mesma forma que no texto escrito se faz necessária a leitura para sua compreensão, também é preciso “ler” uma imagem para compreendê-la.
Mediante o exposto, e com o intuito de aprofundarmos as discussões sobre o uso de imagens pelos periódicos, este artigo tem como objetivo identificar a natureza das imagens utilizadas pelos periódicos de ensino e de técnicas da Educação Física e esporte (1932-1960) e analisar as intencionalidades editoriais nos seus usos e apropriações (CERTEAU, 2014CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.).
2 TEORIA E MÉTODO
O estudo apresenta uma abordagem quantiqualitativa do tipo exploratória. Consideramos, como referência, os pressupostos teórico-metodológicos da História Cultural que, de acordo com Chartier (1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990., p. 16-17), objetivam “[...] identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. As fontes são as matérias com imagens da imprensa periódica de ensino e de técnicas da Educação Física e esporte (FERREIRA NETO, 2005FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DaCOSTA, Lamartine. Pereira. (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776.), veiculadas entre os anos de 1932 e 1960.
Referenciamo-nos em Bloch (2001BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001., p. 79) com o intuito de considerar as imagens como testemunhos históricos, pois “[...] tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele”. Blanco (2011BLANCO, Carmen Sanchidrián. El uso de imágenes en la investigación histórico-educativa. Revista de Investigación Educativa, v. 29, n. 2, p. 295-309, 2011.) salienta que o termo imagem contém múltiplos significados, como as imagens mentais e sociais relacionadas com o campo das representações. Nesta pesquisa, interessa-nos abordar as imagens visuais, que também são representações materializadas em fotos, desenhos ou pinturas.
Ao centralizarmos nossas análises nas imagens, fundamentamo-nos em Chartier (2001CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.) com referência à importância de compreendermos a forma de organização escolhida pelos editores, pois ela apresenta tanta relevância - ou até mais - quanto o texto propriamente dito. A forma traduz as intencionalidades dos editores, a maneira como esperam que as informações sejam recebidas pelos leitores. Nesse caso, as formas dos textos configuram-se como fórmulas editoriais que direcionam o olhar dos seus usuários, anunciando os usos e as apropriações a serem realizadas por eles. Para Chartier (2002, p. 61-62),
[...] os textos não existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que são os veículos. Contra a abstração dos textos, é preciso lembrar que as formas que permitem sua leitura, sua audição ou visão, participam profundamente da construção de seus significados. O ‘mesmo’ texto, fixado em letras, não é o ‘mesmo’ caso mudem os dispositivos de sua escrita e de sua comunicação.
Assim, a incorporação das imagens nas matérias publicadas pelos periódicos, como parte do projeto editorial, constitui-se, intencionalmente, um dispositivo narrativo para veicular os pensamentos para a Educação Física. Sob essa perspectiva, Carvalho (2006CARVALHO, Marta Maria Chagas. Livros e revistas para professores: configuração material do impresso e circulação internacional de modelos pedagógicos. In: PINTASSILGO, Joaquin. et al. História da escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Colibri, 2006.p.141-173.) afirma que a análise de livros e de revistas com caráter pedagógico não pode ser dissociada da materialidade dos impressos, pois os dispositivos de modelização da leitura estão diretamente relacionados com as normas pedagógicas que esse impresso veicula.
Com base nas teorizações de Chartier (2001CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.) e Carvalho (2006CARVALHO, Marta Maria Chagas. Livros e revistas para professores: configuração material do impresso e circulação internacional de modelos pedagógicos. In: PINTASSILGO, Joaquin. et al. História da escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Colibri, 2006.p.141-173.) sobre a materialidade dos periódicos, dialogamos também com Samain (2012SAMAIN, Etienne (Org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.) com o objetivo de fundamentar o processo de pesquisa com imagens. O autor ressalta a impossibilidade de abordar as imagens sem considerar o sistema no qual elas estão inseridas, nesse caso, o “[...] cérebro, o contexto, aquele que a contempla num tempo e num espaço históricos e a-históricos” (SAMAIN, 2012SAMAIN, Etienne (Org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora da Unicamp, 2012., p. 34). Desse modo, a análise das imagens articula três dimensões imbricadas: a materialidade do periódico, o saber veiculado e a concepção de Educação Física naquele período.
Para sistematizarmos e aprofundarmos essas discussões, selecionamos, conforme a categorização de Ferreira Neto (2005), os seguintes periódicos: Revista de Educação Física (REF) (1932-1960), Revista Educação Physica (REP) (1932-1945) e Revista Brasileira de Educação Física (RBEF) (1944-1952).1 1 Optamos por não abordar em nossa análise o Boletim de Educação Física (1941-1958) e os Arquivos da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (1945-1966) devido ao reduzido número de matérias com imagens veiculadas por esses periódicos, respectivamente, 2 e 6. A seleção dessas fontes ocorreu mediante a inserção desta pesquisa, em específico, no projeto guarda-chuva intitulado Da imprensa periódica de ensino e técnicas da Educação Física: trajetórias de prescrições pedagógicas, desenvolvido no âmbito do Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria).
A periodização da pesquisa, 1932-1960, tem duas justificativas. A primeira está relacionada com o ano de 1932, no qual os primeiros periódicos de ensino e de técnicas foram postos em circulação: a REF e a REP. A segunda justificativa refere-se ao ano do término do mapeamento, 1960. A partir desse momento, compreende-se que essa imprensa cumpriu os seus propósitos e, por esse motivo, feneceu, “[...] faltando encontrar o seu lugar no século XXI” (FERREIRA NETO, 2005FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DaCOSTA, Lamartine. Pereira. (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776., p. 776). Assim, se no início do século XX esses impressos cumpriram o seu objetivo de inserir a Educação Física no processo de escolarização, a partir da década de 1960, o reconhecimento desse componente curricular requer periódicos de outra natureza, “[...] voltados para a orientação da intervenção pedagógica na escola, tanto com chancela da esfera pública como de caráter comercial” (FERREIRA NETO, 2005, p. 776).
O mapeamento abordou os 92 números publicados pela REF e os 88 fotocopiados da REP. Já os números que compõem a Revista Brasileira de Educação Física (RBEF) foram catalogados da seguinte maneira: 1 a 6, 11 a 33, 35 a 38, 40, 44, 49 a 53, 55, 58 a 69, 79 a 81 fazem parte do nosso acervo; 11 revistas encontram-se no setor de Acervos/Periódicos da Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, onde registramos, integralmente, por meio de fotografia, os números 8, 9, 41, 42, 45-48, 52, 57, 82.
O corpus documental foi delimitado pela leitura prévia do título dos artigos que remetiam a orientações didático-pedagógicas para a prática da Educação Física Escolar, presentes no Catálogo de periódicos de educação física e esporte (FERREIRA NETO et al., 2002FERREIRA NETO, Amarílio et al. Catálogo de periódicos de educação física e esporte (1930-2000). Vitória: Proteoria, 2002.). Em um segundo momento, todas essas matérias foram fotografadas. Ao final, foi delimitado um quantitativo de 1.723 artigos, conforme sinaliza Cassani (2017)2 2 CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017]. . Posteriormente, com a leitura das matérias na íntegra, selecionamos apenas as que continham imagens, totalizando 888, assim distribuídas: REF (242), REP (567) e RBEF (79).
Para a análise quantitativa, utilizamos o software IBM® SPSS® Statistics 22. Inserimos as informações no banco de dados e, para identificarmos as matérias, atribuímos as seguintes variáveis: ano da revista, número da revista, título da matéria, autoria, tema, forma da matéria, natureza da imagem, localização da imagem no corpo da matéria e relação da imagem com o texto da matéria. Com o apoio do software, realizamos os cruzamentos entre as variáveis.
3 RESULTADOS
3.1 DISTRIBUIÇÃO ANUAL DAS MATÉRIAS COM IMAGENS
Quanto à distribuição anual, tanto a REF quanto a REP publicaram matérias com imagens em todos os anos em que estiveram em circulação. Na RBEF não há veiculação nos anos de 1950 e 1952. Percentualmente, há a seguinte distribuição: REP (63,85%), REF (27,25%) e RBEF (8,90%). Na Tabela 1, apresentamos o quantitativo das matérias por revista e por ano.
Dentre os periódicos, a REF circulou por 24 anos,3 3 A REF está em circulação até os dias atuais, contudo, na virada para a década de 1960, assume outro escopo que não a caracteriza mais como imprensa de ensino ou técnica de ensino. com 92 números publicados. Chancelada pela Escola de Educação Física do Exército, visava produzir uma doutrina para a Educação Física aplicada ao Exército. Simultaneamente, também produzia e veiculava um projeto nacional para a Educação Física a ser realizado na escola (FERREIRA NETO, 2005FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DaCOSTA, Lamartine. Pereira. (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776.). Em 1940, a REF não publica nenhum número e, posteriormente, nos anos de 1943 a 1946, passa por um período de inatividade em virtude da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que “[...] seus colaboradores trocaram o aço das penas pelo das armas” (SANT’ANNA, 1947, p. 1), retornando às atividades no ano de 1947.
A REP esteve em circulação por 13 anos, com 88 números publicados. De caráter privado e comercial, recebia chancela da Companhia Brasil Editora e tinha como finalidade cooperar para a divulgação e o aperfeiçoamento técnico dos esportes e da Educação Física. Os primeiros anos da REP são marcados pela oscilação das publicações até a paralisação de suas ações no ano de 1935. Ao retornar, em 1936, suas publicações aumentam, de modo que, entre 1939 e 1941, ganha grande estabilidade (SCHNEIDER, 2010SCHNEIDER, Omar. Educação Physica: a arqueologia de um impresso. Vitória: Edufes, 2010.). Entretanto, a partir de 1942, suas publicações diminuem, até que, no ano de 1945, a revista encerra seu ciclo de publicações.
A RBEF circulou por oito anos e possui 82 números. De caráter privado e comercial, recebeu chancela da editora A Noite. Tinha como objetivo oferecer aos leitores:
[...] noticiário conveniente dos órgãos federais, estaduais e municipais, das escolas de educação física, um editorial, um excerto de autor clássico estrangeiro ou nacional, outro de autor moderno em semelhantes condições, além de valiosa colaboração distribuída pelas secções filosófica, técnico-desportiva, administrativa, de consulta, etc. completada com a divulgação de curiosidades sobre educação física e bibliografia especializada (NOSSO..., 1944, p. 3).
No ano de 1946, há a suspensão das publicações da RBEF por via dessa editora, fato que mobilizou a equipe editorial a assumir, de forma independente, as responsabilidades do periódico. Conforme abordam Silva e Fontoura (2011SILVA, Marcelo Morais; FONTOURA, Mariana Purcote. Educação do corpo feminino: um estudo na Revista Brasileira de Educação Física (1944-1950). Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 25, n. 2, p. 263-275, abr./jun. 2011.), nesse ano sofrem uma crise devido aos poucos patrocinadores e parcos recursos financeiros. Após um ano de esforços empreendidos, dos quais Inezil Penna Marinho esteve à frente, a RBEF conseguiu reverter a crise, elevando o número de assinantes tanto no Brasil como em outros países. Contudo, em 1951, não publica nenhum número e, no ano seguinte, finaliza seu ciclo de vida.
Os dados mostram uma queda no quantitativo de matérias das três revistas a partir de 1950 até 1959. De modo geral, o fator determinante para esse fato está relacionado com o fim das atividades da REP e da RBEF. Entretanto, a diminuição das publicações também ocorre no âmbito da REF, pois, se nos dez anos iniciais ela faz circular 161 matérias com imagens, 66,53% do total de suas publicações, em seus últimos dez anos há uma redução no seu quantitativo final, totalizando 57 matérias, uma representatividade de 23,55%.
A diminuição das publicações com imagens configura-se como um dos primeiros indícios (GINZBURG, 1989GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.) da mudança de escopo ocorrida na REF. De acordo com Ferreira Neto (2005), o periódico assumiu, no início da década de 1960, um caráter científico-acadêmico, com investigações sobre treinamento para as tropas e para atletas de alto rendimento, suprimindo as questões associadas ao ensino e as técnicas de ensino. Nesse sentido, o uso da imagem como estratégia de veiculação de saberes perde o seu espaço.
3.2 A NATUREZA DAS IMAGENS
A análise dos dados evidenciou que as imagens veiculadas nos periódicos possuem duas naturezas distintas: a fotografia e o desenho. Como fotografias, assumimos o conceito de Faria e Pericão (2008FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico. São Paulo: Edusp, 2008.), isto é, uma imagem produzida por meio de uma câmera que captura a luz e reproduz o objeto capturado, fixando-o em um suporte previamente sensibilizado. Como desenhos, assumimos as teorizações de Wong (1998WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.), que os define como processo de criação visual que apresenta um propósito e preenche necessidades práticas, diferentemente de outros tipos de imagem, como a pintura, na qual são expressas as visões pessoais de um artista. O autor defende que um bom desenho é aquele que “[...] constitui a melhor expressão visual possível da essência de ‘algo’, seja uma mensagem, seja um produto” (WONG, 1998WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998., p. 41).
Com base na leitura de todas as matérias e em articulação com os pressupostos desses autores, organizamos a Tabela 2, que apresenta a distribuição quantitativa de matérias por periódico e por natureza da imagem utilizada.
Percentualmente, as fotografias estão assim distribuídas: REP (74,08%), REF (18,57%) e RBEF (7,34%). Já em relação aos desenhos, há a seguinte organização: REP (52,71%), REF (29,41%) e RBEF (10,59%). Contudo, ao compararmos o total por periódicos, os maiores percentuais de uso de desenhos em suas matérias são da REF (64,46%) e da RBEF (56,96%). Com o objetivo de apresentarmos as especificidades dessas imagens, optamos por visibilizar aquelas que trazem, em si, as características mais frequentes em fotografias e em desenhos.
No caso da fotografia, o diálogo que estabelecemos com Monteiro (2016MONTEIRO, Charles. História e Fotojornalismo: reflexões sobre o conceito e a pesquisa na área. Revista Tempo e Argumento, v. 8, n. 17, p. 64 - 89, jan./abr. 2016.) nos permitiu compreender que ela é um tipo específico de imagem que se distingue das demais. Isso ocorre pelo fato de a fotografia ser capaz de realizar uma captura a partir do congelamento de um instante de tempo, recortando o espaço físico, por meio do enquadramento escolhido pelo fotógrafo. Dada essa especificidade, Mauad (1996MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história - interfaces. Tempo, v.1, n.2, p. 73-98, 1996.) salienta que a fotografia é a culminância de um trabalho social de produção de sentido, cujos códigos são convencionados culturalmente. Com isso, ela pode ser interpretada de maneiras diferentes de acordo com o contexto em que sua mensagem está sendo veiculada. Na Figura 1, é possível visualizar uma fotografia publicada na REF.
Além das fotografias, os editores faziam circular desenhos de diferentes naturezas, com o intuito de expressar visualmente, e da melhor maneira possível, o conteúdo a ser veiculado em suas páginas. Com base nos conceitos de Faria e Pericão (2008FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico. São Paulo: Edusp, 2008.) sobre as características desse tipo de imagem, identificamos quatro formas de desenho: a ilustração antropomórfica, o diagrama, o croqui e a charge. Na Tabela 3, apresentamos o quantitativo de matérias que possuem desenhos e sua distribuição por periódico.
A ilustração antropomórfica possui 80% de expressividade entre os tipos de desenhos utilizados nas matérias e é caracterizada pela representação das formas de um ou mais seres humanos (FARIA; PERICÃO, 2008FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico. São Paulo: Edusp, 2008.). É o que apresenta a Figura 2 sobre o flexionamento alternado das pernas.
Já os diagramas possuem expressividade de 15% entre todas as matérias mapeadas. Eles são representações gráficas que, ao utilizarem linhas, ilustram conceitos, correlações e processos (FARIA; PERICÃO, 2008FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico. São Paulo: Edusp, 2008.), como é possível observar na Figura 3. Nela há, de modo sequenciado, o desenho de uma movimentação tática do basquete.
Os croquis possuem representatividade de 4% e se caracterizam por serem um esboço do corpo humano, criado a partir de linhas e sem auxílio de qualquer tipo de instrumento geométrico (FARIA; PERICÃO, 2008FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico. São Paulo: Edusp, 2008.). Contudo, o processo de análise amplia esse conceito na medida em que identificamos a presença de cinco croquis que podem ter sido produzidos com auxílio de instrumentos como a régua. Na Figura 4, apresentamos um croqui que demonstra como realizar a execução correta de abdominais.
Já a charge possui apenas 0,71% de representatividade entre os demais tipos de desenhos utilizados como recursos imagéticos. Caracteriza-se como um desenho de cunho humorístico (FARIA; PERICÃO, 2008FARIA, Maria Isabel; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico. São Paulo: Edusp, 2008.) e é utilizada para satirizar acontecimentos. Na Figura 5, a charge refere-se à prática do tiro com arco.
Diante disso, um movimento inicial de identificação das imagens utilizadas fez-se necessário, na medida em que cada imagem apresenta características distintas que não podem ser desconsideradas no momento de análise (BLANCO, 2011BLANCO, Carmen Sanchidrián. El uso de imágenes en la investigación histórico-educativa. Revista de Investigación Educativa, v. 29, n. 2, p. 295-309, 2011.). Nesse sentido, esse mapeamento fornece-nos a base para as discussões seguintes, que têm o intuito de compreender como esses recursos visuais foram mobilizados nas matérias dos periódicos.
4 DISCUSSÃO
4.1 OS USOS DE IMAGENS PARA A DIVULGAÇÃO
A análise de dados sinalizou a relação entre as intencionalidades pretendidas pelos editores e o projeto editorial dos periódicos. Assim, o uso das imagens está relacionado com a divulgação de duas maneiras: a) por meio de estratégias editoriais que dão visibilidade aos títulos das matérias; e b) por meio de matérias cujas imagens estão dispostas no próprio corpo dos textos.
Nos três periódicos, chama-nos a atenção o uso de imagens como forma de sinalizar os assuntos aos quais as matérias estão associadas, indicando sessões temáticas. Esse uso está presente nos três periódicos e relacionado a dois tipos de imagens: as fotografias na REP (19) e na REF (5); e as ilustrações antropomórficas na REP (68), REF (45) e na RBEF (19). A Figura 6 apresenta o modo como a REF identifica uma matéria presente na sessão atletismo.
Os dados evidenciam uma similaridade nos projetos editoriais dos três periódicos, no que se refere, especificamente, ao uso de imagens como estratégia de convencimento do leitor em relação ao conteúdo veiculado nas matérias. Essa semelhança é encontrada nas sessões temáticas que contêm o mesmo nome de práticas, como nos casos de atletismo, basquetebol, futebol, ginástica, handebol, natação, voleibol e tênis. No caso específico da REF, há também as sessões sobre esgrima e equitação.
Essa estratégia acena para as intencionalidades daqueles que administram os periódicos e são responsáveis por selecionar as matérias e criar uma identidade visual para as sessões. O diálogo com Samain (2012SAMAIN, Etienne (Org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.) permite-nos compreender as imagens como portadoras de um pensamento, pois estão nos territórios da memória. Elas possibilitam que se penetre no âmbito de uma memória coletiva, quando se cruzam diversos olhares sobre elas. Nesse caso, quando o leitor entra em contato com as matérias pode identificar o assunto abordado sem a necessidade de realizar a leitura do texto na íntegra.
Outra estratégia dos periódicos refere-se aos usos de imagens entre os textos das matérias. São utilizadas fotografias (285), ilustrações antropomórficas (77) e charge (3). Essas imagens mostram pessoas executando movimentos (117), modelos de estética corporal (63), momentos de aulas (48), competições esportivas (46), eventos ginásticos (22), equipes esportivas (22), personalidades da Educação Física (17), composições coreográficas (13), lugares para a realização de práticas (12) e momentos de exames médicos (5).
Nessas matérias, além das práticas relacionadas com as sessões, identificamos as seguintes temáticas: a dança, que aparece nos três periódicos; o jiu-jítsu, na REF e na REP; o polo aquático e o pentatlo moderno, na REF; o beisebol, o ciclismo, o futebol americano e o futebol de salão, o judô, o remo e o tiro com arco, na REP. Essa variedade de práticas reforça uma das características dos periódicos, qual seja, lutar pela “[...] escolarização, formação profissional, definição de legislação específica, definição de métodos, conteúdos com ênfase nas diversas ginásticas e esportes” (FERREIRA NETO, 2005FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DaCOSTA, Lamartine. Pereira. (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776., p. 776).
Com a participação dos periódicos na escolarização da Educação Física e na constituição das práticas, o uso de imagens como estratégia de divulgação assume papel de relevância no interior do impresso. Como muitas práticas, até então desconhecidas, estavam sendo inseridas no contexto brasileiro, era preciso dar a ver aos leitores (professores e entusiastas da área) como elas poderiam ser desenvolvidas, pois somente a descrição textual não seria suficiente para a compreensão de leitores que nunca tinham tido contato com elas.
4.2 OS USOS DE IMAGENS PARA O ENSINO DE PRÁTICAS
Nessa categoria, foram organizadas todas as matérias com imagens que possuíam como objetivo principal o ensino de práticas para a Educação Física. São empreendidas duas estratégias editoriais nos três periódicos: a disposição de imagens entre os textos da matéria (328) e a ocupação de toda a página da matéria pelas imagens (39). São utilizadas fotografias (154), ilustrações antropomórficas (133), diagramas (64) e croquis (16). A charge não foi usada como recurso voltado para o ensino das práticas, tendo em vista o cunho humorístico que lhe é característico.
A estratégia de dispor as imagens entre as matérias visa articular orientações textuais com as imagens, no sentido de potencializar o ensino. Nesse caso, a aprendizagem das práticas foi mapeada de duas maneiras: execução técnica dos movimentos corporais e movimentação dentro dos espaços destinados às práticas. Na Tabela 4 (próxima página), organizamos o quantitativo de matérias que trazem imagens dispostas entre os textos, distribuídas por periódico e por tipo de imagem.
Para o ensino da execução técnica dos movimentos corporais, são utilizados: a fotografia (114), a ilustração antropomórfica (118) e o croqui (15). Essas imagens caracterizam-se por projetar o corpo humano em diferentes momentos da realização de determinadas práticas, prescrevendo a maneira correta para sua execução, conforme também sinaliza Cassani (2017)4 4 CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017]. , quando analisa o modo como as matérias de natureza prescritiva, presentes nesses periódicos, se configuram como recursos didático-pedagógicos ao professor.
Por outro lado, para o ensino da movimentação dentro dos espaços destinados às práticas, os diagramas se apresentam como o tipo de imagem privilegiada (64). Contudo, em menor recorrência, são utilizadas a fotografia (12) e a ilustração antropomórfica (5). Essas imagens fornecem as bases para os leitores compreenderem como ocupar os espaços e os seus limites. No caso específico de esportes coletivos como basquete, futebol e vôlei, essas imagens fornecem as bases de movimentação tática em situações simuladas de jogo.
Em relação à disposição de imagens em toda a página da matéria, identificamos que a REF e a REP fazem uso dessa estratégia. As matérias apresentam sequências de execuções técnicas dos movimentos corporais, com ou sem orientação textual. Na Tabela 5, mapeamos o quantitativo de matérias com essa natureza.
A análise evidencia que o uso das imagens nos periódicos possui como objetivo o ensino das práticas, articulando-se com a formação de professores para atuar na Educação Física Escolar. Ao ampliarmos a discussão sobre formação de professores nas primeiras décadas do século XX, é possível identificar uma reconfiguração do modelo pedagógico que normatiza as práticas escolares. De acordo com Carvalho (2000CARVALHO, Marta Maria Chagas. Modernidade pedagógica e modelos de formação docente. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 1, p. 111-120. jan./mar. 2000.), duas posições distintas buscaram legitimar-se como saber pedagógico novo, moderno, experimental e científico. A primeira posição refere-se à pedagogia como arte de ensinar e, a segunda, à pedagogia da escola nova. São posições que reivindicaram “[...] o estatuto de pedagogia moderna e nova, porque ativa” (CARVALHO, 2000CARVALHO, Marta Maria Chagas. Modernidade pedagógica e modelos de formação docente. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 1, p. 111-120. jan./mar. 2000., p. 112).
Os periódicos de ensino e de técnicas, ao se apropriarem das concepções pedagógicas da época, buscaram legitimidade a partir dos ideais de uma pedagogia moderna e nova, tendo a experiência como princípio de aprendizagem, como também discute Cassani (2017)5 5 CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017]. . Configuravam-se como um repositório de prescrições, modelos e aconselhamentos sobre boas práticas, privilegiando a experiência do aprender fazendo ou do fazer para aprender (FERREIRA NETO et al., 2014FERREIRA NETO, Amarílio et al. Por uma teoria da Educação Física brasileira na imprensa periódica de ensino, técnica e científica. Movimento, v. 20, n. 4, p. 1473-1497, out./dez. 2014.), de modo que o professor deveria ser um ótimo executante, pois, como destaca Rolim (1934ROLIM, Inácio. Aos instrutores de educação física. Revista de Educação Física, ano 2, n. 14, p. 6-7, jan. 1934., p. 6),
[...] submetendo o seu próprio organismo à prática do trabalho física, ele não só sentirá os efeitos, como apreciará os seus resultados. Ele experimentará as dificuldades de execução de certos exercícios e não exigirá, de seus alunos, esforços impossíveis e estéreis. Ele poderá, enfim, fazer seus ensinamentos pelo exemplo, meio de ação ou de persuasão incomparável em matéria de Educação Física.
Dessa maneira, as matérias com imagens potencializavam a formação, pois os leitores, ao vê-las, teriam que executar as práticas a partir das imagens e das instruções textuais, apropriando-se delas corporalmente para que pudessem ensinar os seus alunos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa objetivou identificar a natureza das imagens utilizadas pelos periódicos de ensino e de técnicas da Educação Física e esporte (1932-1960) e analisar as intencionalidades editoriais nos seus usos e apropriações (CERTEAU, 2014CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.). No que diz respeito à natureza das imagens, encontramos fotografias e desenhos. Em relação às intencionalidades, temos a divulgação e o ensino de práticas.
Nos três periódicos analisados, os usos de imagens apresentam similaridades, de modo que, para a divulgação, a maior recorrência dá-se com a fotografia. Já em relação ao ensino, as imagens são utilizadas de duas maneiras: na aprendizagem da execução técnica dos movimentos corporais utilizando fotografias, ilustrações antropomórficas e croquis; e na aprendizagem dos deslocamentos dentro dos espaços destinados às práticas, em que é privilegiado o uso de diagramas, mas também, com menor recorrência, da fotografia, da ilustração antropomórfica e do croqui.
A análise das matérias com imagens permite-nos compreender esses periódicos como um material didático-pedagógico de orientação ao professorado, como afirma Cassani (2017)6 6 CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017]. . Além disso, por meio de seus dispositivos de modelização da leitura (CARVALHO, 2006CARVALHO, Marta Maria Chagas. Livros e revistas para professores: configuração material do impresso e circulação internacional de modelos pedagógicos. In: PINTASSILGO, Joaquin. et al. História da escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Colibri, 2006.p.141-173.), esses impressos visavam contribuir com a formação de professores de Educação Física entre os anos de 1932 e 1960.
Nesse sentido, fundamentava-se em uma perspectiva de formação que privilegiava o fazer para aprender e o aprender fazendo (FERREIRA NETO et al., 2014FERREIRA NETO, Amarílio et al. Por uma teoria da Educação Física brasileira na imprensa periódica de ensino, técnica e científica. Movimento, v. 20, n. 4, p. 1473-1497, out./dez. 2014.), de modo que os professores também deveriam ser bons executantes. Assim, a observação das imagens em articulação com os textos escritos oferecia modelos para que os leitores se apropriassem corporalmente das práticas. As imagens faziam parte do projeto editorial desses periódicos com o intuito de contribuir para a escolarização da Educação Física, tema a ser explorado em outra pesquisa.
REFERÊNCIAS
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-
Fonte de Financiamento:
Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) - Edital Universal Nº 006/2014 - Projeto Individual de Pesquisa, sob o Termo de outorga Nº 0541/2015 e número do processo 67643825.
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1
Optamos por não abordar em nossa análise o Boletim de Educação Física (1941-1958) e os Arquivos da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (1945-1966) devido ao reduzido número de matérias com imagens veiculadas por esses periódicos, respectivamente, 2 e 6.
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2
CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017].
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3
A REF está em circulação até os dias atuais, contudo, na virada para a década de 1960, assume outro escopo que não a caracteriza mais como imprensa de ensino ou técnica de ensino.
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CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017].
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5
CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017].
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CASSANI, Juliana Martins. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960). [S.l.:s.n.,2017].
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
17 Jul 2017 -
Aceito
24 Jan 2018 -
Publicado
28 Fev 2019