Open-access PEDAGOGIA DO ESPORTE E EDUCAÇÃO FÍSICA: A CONVERGÊNCIA NA BUSCA DA AUTONOMIA EM RELAÇÃO AOS SIGNIFICADOS CULTURAIS DO ESPORTE

SPORTS PEDAGOGY AND PHYSICAL EDUCATION: A CONVERGENCE TOWARDS AUTONOMY FROM THE CULTURAL MEANINGS OF SPORT

PEDAGOGÍA DEL DEPORTE Y EDUCACIÓN FÍSICA: LA CONVERGENCIA EN LA BÚSQUEDA DE AUTONOMÍA EN RELACIÓN A LOS SIGNIFICADOS CULTURALES DEL DEPORTE

Resumo:

Este artigo destaca uma bifurcação no movimento renovador da Educação Física: a corrente mais conhecida questiona a abordagem tradicional no ensino dos esportes quanto à função social da Educação/EF e a reprodução social. Mas é a corrente ancorada nas teorias da aprendizagem (construtivista e desenvolvimentista) que alcança desdobramentos importantes ao incrementar as possibilidades dos métodos de ensino dos Jogos Esportivos Coletivos (JECs), alegando a insuficiência do ensino centrado na técnica, descolado da essência tática desses jogos. Nesse sentido, salienta a convergência dessas duas correntes: a busca da autonomia do sujeito quanto a sua própria prática esportiva. Mostra que o avanço na questão da reprodução social só pode ser dado pelos conceitos que transformaram os modelos de ensino dos JECs. Conclui que a solução se basearia nos modelos de ensino que possibilitaram retomar o sentido dos jogos mostrando o entrelaçamento dos JECs na trama social, permitindo equivaler diversas formas de movimento.

Palavras-chave: Educação Física e Treinamento; Ensino; Esportes; Esportes Coletivos

Abstract:

This article highlights a bifurcation in the movement for Physical Education (PE) renewal: the best-known theoretical strand challenges the traditional approach to sports teaching regarding the social role of PE and social reproduction. But it is the strand anchored in - constructivist and developmentalist - learning theories that reaches important results by improving the possibilities of Team Sports Games teaching methods, claiming the insufficiency of teaching focused on technique in those games, which would be detached from their tactical essence. Therefore, it emphasizes the convergence of those two strands: the search for subjects’ autonomy regarding their own sports practice. It shows that advance in social reproduction can only be given by the concepts that changed the teaching models of Collective Sports Games (CSG). It concludes that the solution would be based on teaching models that allowed resumption of the meaning of the games by showing the interweaving of CSG in the social fabric, thus enabling several forms of movement.

Keywords: Physical Education; Teaching; Sports; Collective Sports Games

Resumen:

Este artículo destaca una bifurcación en el movimiento de renovación de la Educación Física (EF): la principal corriente académica cuestiona el enfoque tradicional en la enseñanza de los deportes con respecto a la función social de la EF y la reproducción social. Sin embargo, es la corriente anclada en las teorías del aprendizaje (constructivista y desarrollista) la que logra desdoblamientos importantes al incrementar las posibilidades de los métodos de enseñanza de los Juegos Deportivos Colectivos (JDC’s), alegando la insuficiencia de la enseñanza centrada en la técnica, apartada de la esencia táctica de esos juegos. Así, resalta la convergencia entre estas dos corrientes: la búsqueda de la autonomía del sujeto en a su propia práctica deportiva. Muestra que el avance en la cuestión de la reproducción social solo puede darse a través de los conceptos que transformaron los modelos de enseñanza de los JDC’s. Concluye que la solución se basaría en los modelos de enseñanza que permitieron restablecer el sentido de los juegos, mostrando el entrelazamiento de los JDC’s en el tejido social y permitiendo la equivalencia de diversas formas de movimiento.

Palabras clave: Educación Física; Enseñanza; Deportes; Juegos Deportivos Colectivos

1 INTRODUÇÃO

Mesquita, Pereira e Graça (2009, p. 945) relatam um ponto de inflexão quanto ao ensino, aprendizagem e treinamento (E-A-T) dos Esportes Coletivos, entendem ter acontecido um “[...] movimento reformador do ensino dos jogos iniciado nos finais dos anos 60 e anos 70 e redobrado nos anos 90 do século passado”. Relatam, no contexto europeu, o surgimento de novos modelos de ensino do que passam a chamar de Jogos Esportivos Coletivos (JEC’s),1 inspirados em novas teorias da aprendizagem, cognitivistas e construtivistas. Esses estudos influenciaram decisivamente o subcampo da Pedagogia do Esporte (PE) no Brasil.2 Galatti et al. (2019) mostram que apenas 2% das publicações em periódicos de Educação Física (119 de 2738 artigos) tinham como tema a “Pedagogia do Esporte” entre 2010 e 2015. Dentro desse espectro, o que é mais significativo para o assunto que estamos aqui tratando é que 32 dos 40 artigos encontrados tratam apenas do tema da “Metodologia de Ensino”, sendo esse o grande tema da área da PE. Tanto Galatti et al. (2019) como Rufino e Darido (2011) abordam temáticas (em PE) sobre as quais seria necessário o aprofundamento: a) estudos sobre esporte escolar; b) estudos sobre a prática dos esportes com grupos especiais; c) estudos sobre organização e sistematização de conteúdo, entre outros. Se a “metodologia de ensino” é o grande mote das pesquisas, é possível o entendimento de que o campo avançou bastante no intento de possibilitar a participação dos novos no sentido de auxiliar a encontrar uma melhor forma de se comportar no jogo, o que é um avanço do ponto de vista pedagógico. Estes estudos colocam a necessidade de superar o que identificam como “abordagem tradicional”. Dentro da abordagem tradicional, entendia-se que a técnica era o elemento principal da ação dentro dos Esportes Coletivos.3 A aposta na depuração da técnica individual tinha como premissa que a soma dos desempenhos significaria um melhor desempenho coletivo. Essa análise mecanicista das ações dentro do contexto esportivo é criticada em face da essência tática dos JEC’s:

A competência do jogador não decorre, portanto, de um entendimento mecânico que se restringe ao saber como executar determinadas técnicas. No sentido de selecionar e executar a resposta motora mais adequada ao contexto que a reclamou, o jogador deve prioritariamente saber o que fazer e quando fazer (GARGANTA, 1998, p. 23).

A aprendizagem da dimensão tática melhora o desempenho dentro do jogo. Em outras palavras, é um saber que se refere ainda à lógica interna do jogo,4 e não à lógica externa. A lógica externa é abordada pela PE de forma adicional (como na pedagogia desenvolvimentista, que trata a formação como multidimensional). A renovação do ensino trata-se aqui, portanto, de jogar melhor (também nessa perspectiva).5

No campo da EF brasileira destaca-se também um movimento renovador com outros contornos históricos. No entanto, há um ponto comum: a crítica à abordagem mecanicista do movimento humano e o surgimento de uma abordagem desenvolvimentista, assim como acabamos de caracterizar quanto aos estudos da PE.

A educação física, como participante do sistema universitário brasileiro, acaba por incorporar as práticas científicas típicas desse meio. [...] Um grupo desses docentes optou por buscar os cursos de pós-graduação em educação no Brasil. Principalmente com base nessa influência, o campo da EF passa a incorporar as discussões pedagógicas nas décadas de 1970 e 1980, muito influenciadas pelas ciências humanas, principalmente a sociologia e a filosofia da educação de orientação marxista. O eixo central da crítica que se fez ao paradigma da aptidão física e esportiva foi dado pela análise da função social da educação, e da EF em particular, como elementos constituintes de uma sociedade capitalista marcada pela dominação e pelas diferenças (injustas) de classe (BRACHT, 1999a, p. 78, grifo nosso).

Bracht (1999a, p. 77) entende que há um duplo viés no movimento renovador de 1980. Em um primeiro momento “[...] vamos assistir à entrada em cena também de outra perspectiva que é aquela que se baseia nos estudos do desenvolvimento humano (desenvolvimento motor e aprendizagem motora)”. Mas logo passamos a discutir a função social da EF e qual o papel que esta pode desempenhar se não quer contribuir à lógica da reprodução social. É necessário mais uma vez ressaltar que, mesmo com este duplo viés, ambas as perspectivas criticam a abordagem mecanicista do movimento humano. Ao que parece, e é isso que queremos investigar neste momento, é que duas ou três décadas depois acabam por encontrar um ponto de convergência. Nesse sentido, nosso objetivo neste artigo é mostrar a convergência entre os subcampos da Educação Física Escolar e da Pedagogia do Esporte no Brasil, expondo os avanços desta última quanto à inserção dos significados culturais do esporte na prática pedagógica, que deveriam ser complementados com a inserção no campo da Sociologia do Esporte.

Reverdito e Scaglia (2009, p. 16) dizem partir do pressuposto de que “[...] o esporte por si, não tem significado, este está na sociedade que o transforma”. Nesse sentido, só o esporte não contribuiria para o propósito educacional, mas o significado atribuído a ele. Os autores perguntam: “[...] que praticantes se formarão por meio da prática esportiva? Para que tipo de sociedade se formarão?”. Entendem ainda que essas e outras questões “[...] deverão ser questionadas e respondidas pela pedagogia do esporte, para que possamos efetivamente concretizar uma prática educativa no esporte” (REVERDITO; SCAGLIA, 2009, p. 17). Apontam para a EF escolar como possibilidade de concretização dessas expectativas, o que compartilhamos ser ainda uma lacuna nos estudos da PE. Os autores também questionam se as “[...] situações que se apresentam no alto rendimento esportivo [...] a ‘espetacularização esportiva’” (REVERDITO; SCAGLIA, 2009, p. 127) são mesmo educativas ou se a estrutura reducionista e seletista acaba prevalecendo (como era a crítica no bojo do movimento renovador); perguntam ainda se a PE está se ocupando dessas questões. Trata-se de um tema comum na constituição das teorias pedagógicas que surgiram após o movimento renovador (SOARES, 2012; KUNZ, 2004; BRACHT, 1999a). Reverdito e Scaglia (2009) entendem que a pedagogia deve ser inovadora e buscar a autonomia do indivíduo, com a ressignificação da prática esportiva:

[...] o fenômeno esporte é um patrimônio da humanidade e não deverá ser compreendido apenas em uma perspectiva vertical - da resultante -, mas, também, da horizontal, ou seja, do processo [...] isso se torna possível quando, por meio da pedagogia, transcendemos os aspectos metódicos, tornando possível ‘pedagogizar o fenômeno esporte’” (REVERDITO; SCAGLIA, 2009, p. 130, grifo nosso).

Aqui parece que as duas vertentes (desenvolvimentista e crítica-progressista) surgidas da crítica à abordagem mecanicista do movimento humano voltam a se encontrar, na transcendência dos aspectos metódicos, mas, paradoxalmente, nas possibilidades abertas pelas transformações metodológicas alcançadas pelas perspectivas desenvolvimentista e construtivista.6 Essa busca da autonomia do sujeito quanto a sua própria prática esportiva é o que justifica o conceito de cultura corporal de movimento, tido como o objeto de estudo e de ensino da EF escolar. No verbete “cultura corporal de movimento” do Dicionário Crítico da Educação Física (PICH, 2005), ressalta-se também que se trata do “conceito de maior consenso na área”, que redefiniu o objeto da EF. Destaca a ruptura com a “visão biologicista-mecanicista do corpo e movimento” que era hegemônica na EF e o fato de o conceito de “cultura corporal de movimento” vir a representar a “dimensão histórico-social e cultural do corpo e movimento” (PICH, 2005, p. 109). É uma ideia que nutre-se do contexto teórico das ciências sociais e humanas das décadas 1960 e 1970, quando o corpo passa a ser entendido como “lócus de inserção do homem na cultura”. No entanto, Betti (2007) destaca um dilema culturalista, um problema que consiste em tomar o corpo como produto da linguagem, e a cultura como causa das manifestações corporais. O autor caracteriza, portanto, as práticas corporais como códigos institucionalizados e, uma vez não refletida a capacidade corporal de produção de linguagem, instaura-se o referido dilema. Por isso, advoga que o papel da EF “[...] seria auxiliar na mediação simbólica desse saber orgânico para a consciência do sujeito que se movimenta, por intermédio da língua e outros signos não-verbais, levando-o à autonomia no usufruto da cultura corporal de movimento” (BETTI, 2007, p. 208). Nesse sentido, apesar de não se encontrar na PE uma exegese do potencial linguístico do corpo no registro sócio-filosófico, há (definitivamente) uma reorganização da mediação simbólica pelo caráter lúdico atribuído aos JEC's (jogo como função significante).

2 DO AVANÇO NA PE: RECOLOCAR EM JOGO O SENTIDO HISTÓRICO DA AÇÃO

Na mediação dos saberes corporais produzidos nos JEC’s, o subcampo da PE avançou em três conceitos que se inter-relacionam e possibilitam uma probabilidade de resolver a questão da função social da Educação/EF e da reprodução social, preservando a função social que caracteriza a história da EF: a intervenção sobre o corpo em movimento.7 Em resumo: como podemos conceber a autonomia do sujeito como um processo que não seja relativo apenas a ordem da conscientização, mas também relativo ao seu próprio estatuto corporal? A possibilidade da autonomia mora na transformação da própria prática esportiva, nas maneiras como ela pode acolher os recém-chegados.

O primeiro conceito importante neste sentido - até em ordem cronológica - é o “Transfert”, de Bayer (1994). Trata-se de um conceito que aparece em vários estudos no subcampo da PE e fora dele (GALATTI; PAES; DARIDO, 2010; DAOLIO, 2002; LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009; GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). O conceito se refere à semelhança entre os esportes coletivos quanto à estrutura de jogo e aos princípios operacionais.8

As primeiras lógicas identificadas por Bayer (1994) que permitem o “transfert” são relativas à invasão territorial, de ataque e de defesa, e desvelam o parentesco entre os JEC’s. Esse princípio é decisivo porque destaca e coloca como elemento central da aprendizagem um sentido que já estava perdido, o sentido da invasão territorial. Toda técnica corporal fica, assim, submetida a um cenário cognitivo que excede as ações motoras, metalinguístico. Leonardo, Scaglia e Reverdito (2009) trazem a teoria dos sistemas de Edgar Morin para inteligir também a relação dos jogos com outros jogos, sua autonomia relativa. O jogo seria uma suspensão da realidade mas também um sistema complexo: em um sistema complexo os antagonismos não são excludentes, somente na interação entre eles que as características emergentes aparecem. Sendo assim, o jogo é um sistema complexo que se relaciona com outros sistemas (outros jogos e também com o meio social). Daí vem o modelo pendular (de ensino dos JEC’s) de Jocimar Daolio, onde as especificidades técnicas dos esportes coletivos vão para o final da unidade de ensino, dando prioridade para as lógicas internas comuns de Claude Bayer. Enquanto sistema, o jogo se assemelha a outros sistemas e também se diferencia, em direção à sua identidade particular: daí sua semelhança com a sociedade e seu processo de diferenciação, a elucidação de seu “caldo cultural”. Outra lógica derivativa desse mesmo conceito, que aí remetemos ao subcampo da PE no Brasil, é a lógica da “família de jogos” (SCAGLIA, 2003).

Uma família de jogos caracteriza-se por conglomerado de jogos que possuem semelhanças e diferenças entre si, “características essas, interdependentes, que simultaneamente se complementam e autoafirmam, possibilitando a inclusão das unidades numa totalidade maior” (SCAGLIA, 2003, p. 105 apudLEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009, p. 240).

Todo jogo possui uma estrutura interna (regras, jogadores e estruturas motrizes) e estrutura externa, “[...] que interagem simultaneamente durante toda a realização do jogo. E, como resultado dessas interações, os jogos promovem emergências, que se caracterizam como aprendizagens (LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009, p. 240, grifo nosso).9 O gol improvável de Juliano Belletti em uma final de Champions League adquire essa conotação:

Pode ser que até o dia 17 de Maio de 2006 o futebol fosse um jogo setorizado, onde importava mais que cada setor (defesa, meio-campo e ataque) cumprisse suas funções e aguardasse o seu momento de agir; em que importava que cada jogador fosse o mais eficiente possível no controle dos fundamentos do jogo [...] Pode ser que a setorização se traduzisse naqueles esquemas táticos, o mais popular entre eles, o 4-4-2, que traduziam a segurança de se defender com 4 ou com 5 jogadores [...] setorização que, diga-se de passagem, é um conceito administrativo. [...] Em Paris, F.C. Barcelona e Arsenal empatavam pela final da Champions League daquele ano. No final do jogo, Belletti estica uma bola para Larsson na lateral e três jogadores do Arsenal fecham na marcação do sueco. Isso deixa o espaço que Belletti ocupa com um movimento em diagonal, recebe a bola de Larsson e finaliza fazendo o gol do título. Na lembrança de Belletti, ele entende que esse espaço foi criado porque não se concebia que um lateral fizesse uma movimentação deste tipo, ele entende que um lateral europeu não faria, não era um hábito. O que é inédito é a marca que se produz a partir deste ato. Só no futebol setorizado três defensores acompanhariam Larsson e deixariam Belletti sem marcação entrar e fazer o gol. Hoje, alguém fecharia a linha de quatro defensores, ou o volante, ou o lateral. O arcabouço conceitual do jogo hoje é outro. Pode ser que depois daquele gesto individual o jogo de futebol tenha sofrido uma inflexão involuntária, daí a sua característica de palco. No mínimo, aquele gesto expos as amarras que estruturavam o jogo até ali. O próprio Belletti, depois que passa a bola para Larsson, antes de fazer o tal movimento, hesita e até ameaça minimamente voltar para a defesa e depois volta a avançar; o que mostra a fragilidade de sua criação, decisão. O que importa é que, uma vez realizado, surge como o ainda-não-ser que revela o que é e, ainda, a possibilidade de ser (GHIDETTI, 2018, p. 256).

Existem importantes estudos que buscam desvelar a relação entre futebol e cultura, entre lógica interna e lógica externa. Wisnik (2008) explora os vínculos entre a forma de jogar poética (elíptica) do futebol brasileiro com a história da nação. Wilson (2016) mostra as evoluções dos sistemas táticos no futebol ao longo da história e em diferentes regiões do mundo. Wilson (2016) mostra como a ideia do “jeito certo de jogar” às vezes trava a evolução do jogo de futebol. Os episódios do futebol por vezes se combinam em crenças que estabelecem mudanças no status quo sobre o jeito de jogar. A história se sedimenta porque faz a união entre uma forma de jogar e a expectativa do público (“cair no gosto do público local”), ou o inverso disso. O trabalho do referido autor tem como tema a evolução dos sistemas táticos e explora a relação entre esse processo e as culturas locais onde esses sistemas se desenvolvem. Quando um sistema é adotado como legítimo em uma determinada cultura, ou melhor, o único legítimo, e é desenvolvido a partir dessa crença, ele acaba se esgotando. O que significa que passa a não ser mais efetivo no jogo de futebol. A endogenia acaba por inviabilizar o legitimado sistema.10 Essas ideias mostram um aspecto das práticas corporais, quando elas são as maneiras que se dão para dar vazão as coisas tal qual elas são, resposta; o aspecto moral mostra o que elas são quando são significativas, conformam o homem em si mesmo e daí não interessam para a EF, porque rompem com a possibilidade da formação, a possibilidade de outra sociedade. A invenção da função do líbero no futebol italiano por Arrigo Sacchi dá disto testemunho: “Foi o sucesso do Milan na Europa, nos anos 1960, que introduziu o líbero como o padrão italiano. Um quarto de século depois, foi o sucesso do Milan na Europa que acabou com ele” (WILSON, 2016, p. 333). Sacchi explica que teve que romper com a característica de ênfase defensiva do futebol italiano, que vinha da história da Itália, que sempre foram invadidos por todo mundo, “ideia reforçada pela derrota esmagadora na Segunda Guerra mundial”. Sacchi relata uma espécie de choque cultural entre o futebol de sua equipe e o imaginário italiano sobre o futebol.

É essa interação entre o sistema social e o jogo como sistema de autonomia relativa que não foi demasiadamente explorada no subcampo da PE. No entanto, o avanço significativo quanto aos processos de E-A-T nos JEC’s abriram uma via interessante de enfrentamento da questão. Reverdito e Scaglia (2009, p. 141), autores atuantes na PE, caracterizam também este problema, veem o jogo e a cultura como manifestações sociais que “foram tecidas juntas”, mas que a PE encontra problemas em traduzir esse processo em conhecimento - o problema é que a lógica externa é tratada como uma lógica adicional à lógica interna. Veem o:

Esporte/jogos coletivo como um fenômeno social criado pelo homem, que se desenvolveu simultaneamente ao seu processo civilizador. Portanto, não temos duas manifestações paradoxais ou excludentes, mas uma única manifestação sociocultural, promovida em um ambiente socializado e permitido pela representação do jogo. O problema surge na pedagogia do esporte quando esta se limita a compreender apenas uma manifestação, descaracterizando a outra, ou seja, somos capazes de verificar em grande parte as implicações existentes nos jogos esportivos coletivos de ordem técnica, tática e estratégica existentes nas mais diversas modalidades esportivas, mas nos esquecemos que eles somente são permitidos por terem em seu contexto (ambiente) uma manifestação de jogo jogado (REVERDITO; SCAGLIA, 2009, p. 142).

Nesse sentido, entendemos que jogo e cultura não “foram” tecidos juntos mas que o jogo continua permitindo a irrupção de emergências justamente por estar imerso na cultura. Ou seja, continuam sendo tecidos juntos. Esse vínculo com a cultura que é necessário explorar de forma mais sistematizada, lembrando sempre que o que caracteriza a EF é a intervenção pedagógica sobre o corpo em movimento (ou seja, trata-se de um saber que deve culminar em um saber fazer e não somente em um saber conceitual). Falamos aqui da existência de fronteiras da cultura que é onde se colocam justamente os jogos enquanto sistemas complexos. Esses jogos servem como palcos de onde surgem as “emergências”.

Logo, a busca para solucionar problemas no jogo dependerá das regras que regem o jogo, das condições externas (ambiente físico e cultural, dentre outras condições ambientais que envolvem o jogo, por exemplo) onde este se realiza, do grau de envolvimento e engajamento do jogador - que se lança no jogo se valendo de seus esquemas motrizes anteriores. A solução do jogo nascerá no bojo dessas interações, à medida que no jogo a desordem desencadeada, vai se ajustando e criando uma nova ordem, que por sua vez provoca recursivamente a desordem. Destarte, emergem das unidades complexas constantes soluções. E essas soluções (emergências do sistema) trazem duas implicações [...], que evidenciam as tendências integrativas e auto-afirmativas (SCAGLIA, 2017, p. 34).

Isso nos levaria de volta ao movimento renovador da EF brasileira e a necessidade ainda premente11 de justificar sua contribuição quanto à função social da educação/esporte e de propor alternativas e possibilidades de superar a lógica da reprodução social. Como o professor de EF pode favorecer o surgimento de “emergências”? Que ações didático-metodológicas devem empreender para favorecer esse surgimento? A forma didática aplicada e desenvolvida para os JEC’s retoma a historicidade dessas práticas corporais e retomam seu contexto cultural (sua afinidade com o imaginário bélico, de invasão territorial, por exemplo). Revelam a configuração do jogo (seus contornos, regras, princípios operacionais, etc.) e abrem as bases para a sua reconfiguração. O potencial pedagógico do esporte se encontra, ao contrário do que se imagina, não na orientação direta (normativa) da socialização. O seu verdadeiro potencial pedagógico se encontra na sua apresentação aos iniciantes, quando o responsável por configurar sua unidade didática e a tematização de determinado esporte consegue esticar e tensionar os conteúdos sociais “no campo”. Em outras práticas corporais, esse procedimento é mais visível. Alguns gestos técnicos da capoeira, ou das danças populares podem ser estigmatizados devido a questões religiosas, por exemplo. É nesse momento - e só na intervenção - que aparece a corporeidade que é construída socialmente e velada; que direciona os costumes e age como se não existisse. A intervenção direta sobre o corpo retoma a corporeidade existente e à lança em direção ao não-existente. Neste movimento, revela o que existe. Mas entendemos que é preciso explicar esse mecanismo e, ao mesmo tempo, efetivá-lo.

3 SOCIOLOGIA DO ESPORTE, PROCESSO CIVILIZADOR E CORPOREIDADE

São conhecidas no âmbito das Ciências do Esporte as abordagens que aproximam o esporte moderno e o processo civilizador; nomes que se destacam, nesse sentido, são Eric Dunning e Norbert Elias: “[...] podem as pessoas se congratular quando elas são as beneficiárias ocasionais de um processo ‘às cegas’ de longo prazo para o qual elas não contribuíram pessoalmente?” (DUNNING, 2011, p. 14). Nesse momento, tempo-espaço são escassos para a exposição de tal teoria. Mas o que devemos de pronto salientar para clarificar nossa ideia é que os esportes também tomam parte no processo civilizador.12 Disputas contidas no limite da consciência e que não ganham a dimensão das ações concretas são disputas parecidas a que encontramos nos JEC’s. Dunning (2011, p. 15) mostra como dois jogos familiares se separaram em dois esportes, justamente nesta disputa por status: “[...] as disputas por status deste tipo tiveram importância fundamental na separação entre o futebol e o rugby como formas de futebol”. Dunning (2011) mostra a importância do esporte no processo civilizador - que tem evidências empíricas retratadas na obra de Elias - e como se desdobra em estágios que devem ser elucidados porque explicam a formação da sociedade civil como um processo social “não-intencional (cego)”13 e que, portanto, não deve ter continuidade ad infinitum.

A figuração, que Elias entende ser o complexo código comportamental adquirido nesses processos sociais, é o conceito que permite inferir sobre a relação esporte-cultura.14 Como o esporte se torna fundamental no processo civilizador? Como que esse produto do processo acaba por escondê-lo? O processo civilizador se mostra na mudança de hábitos: a) elaboração (refinamento) dos padrões sociais; b) pressão social crescente pelo auto-controle mais rigoroso e contínuo do comportamento; c) mudança do equilíbrio da censura externa e auto-censura em favor da auto-censura; d) fortalecimento do “habitus”, consciência e superego como reguladores do comportamento. Os padrões sociais vão sendo internalizados, operados abaixo do controle consciente. O processo civilizador também é importante na formação do Estado-Nação:15 a) formação do Estado; b) pacificação sob o controle do Estado; c) crescente diferenciação social e extensão da cadeia de interdependência (de poder); d) crescente igualdade de oportunidades entre indivíduos de diferentes estratos sociais; e) riqueza crescente. Sendo assim, as disputas vão passando a se dar com a sublimação da violência. O desvio pulsional encontra uma nova casa, os esportes: beligerância e agressividade encontram um espaço socialmente tolerante em competições esportivas. Viver esse impulso parado, ouvindo e vendo é um traço importante desse processo civilizador. Esporte vai se tornando cada vez menos similar aos combates de guerra, uma característica encontrada nos jogos que o precedem. Por sua vez, estes jogos chegaram a ser proibidos por ameaçarem a ordem social e prejudicar a força de guerra. Dunning (2011) argumenta que os costumes são mais fortes que a lei e esses jogos (formas populares de futebol) continuam até serem marginalizados no séc. XIX. Até que escolas e universidades (na Inglaterra) começam a fabricar uma forma moderna de futebol, por enfrentar um problema disciplinar, o fagging16 (o autor vê semelhanças com o bullying). Rugby foi a escola onde o sistema prefect-fagging foi reformado, reduzindo o poder arbitrário dos mais velhos sobre os mais novos. O processo de surgimento das primeiras regras oficiais do futebol se deu na rivalidade entre Rugby e Eton que cunharam suas próprias formas de jogar football muito em função de se distinguir, na busca por status. Por fim, os etonianos banem o toque com a mão do jogo em uma tentativa de elevá-lo ao “auto-controle de elevado naipe”. Eles acabam sendo os mais influentes na forma do futebol como conhecemos hoje. Se em um primeiro momento o corpo aparece como manifestação alegórica da cultura (em seus traços mais bárbaros) - nesse sentido, ele é sintoma, contracultura -, isso revela para o Estado moderno o potencial de controle que nele se inscreve, que o torna elemento central do processo civilizador. Cabe, portanto, trazer à tona aquele potencial configurativo.

Nesse sentido, uma das perguntas principais que vêm norteando estudos no campo da EF é sobre como é possível fundamentar teoricamente a relação entre corpo-conhecimento. Uma discussão mais apressada corre o risco de reificar isso que se chama de significados das práticas corporais. Garganta (1998) e depois Daolio (2002) exploram justamente a ideia de “técnicas do corpo”, de Marcel Mauss, que consiste em conceber o corpo como o primeiro instrumento do homem: “as diferentes formas de utilização do corpo que permitem lidar eficazmente com os constrangimentos impostos pelas características das respectivas modalidades desportivas” (GARGANTA, 1998, p. 22). O autor entende que é o processo de padronização (que torna a técnica reproduzível) que constitui a técnica como uma forte componente cultural. Para além da eficiência da ação, é um controle do resultado dessa ação. Esses autores comparam as técnicas corporais com as demais técnicas da humanidade (de cozimento, plantio, etc). Esses procedimentos vão ganhando tradicionalidade por atender a determinadas sociedades localizadas no tempo histórico. O grande problema é a reificação e naturalização dessas técnicas. A PE avança até o entendimento de que os contextos culturais vão receber o arcabouço de gestos esportivos a partir de suas possibilidades de interpretação, seus significados. Mas essa propriedade linguística do corpo careceria de uma fundamentação.

Procurando entender a possibilidade de uma crítica corporal do político - é preciso já aqui destacar a diferença entre a fundamentar o corpo como produtor de linguagem e os processos de disputa que interrompem aquela construção social do corpo -, Gambarotta (2016) busca na obra de Bourdieu discutir a materialidade do corpo na cultura. Neste registro, o corpo é instância privilegiada da reprodução da dominação porque escondido na invisibilidade e percebido como natural. Foca, portanto, na investigação dos modos de produção do corpo, rejeitando pensá-lo como uma substância: configura-se também aqui uma abordagem materialista da corporeidade. Aborda o corporal como uma trama de relações, uma constelação. O corpo seria, portanto, um emaranhado implicado com o tecido social e a questão que se faz o autor, e isso é o que mais nos interessa por ir ao encontro do que estamos problematizando nesse momento, é sobre a possibilidade de se dar conta desses dois planos em relação. Para testar essa teoria materialista do corpo em Bourdieu, cuja principal tese é a de que “[...] la perspectiva centrada en el uso (y sus reglas) permite elaborar una concepción de lo corporal que, rechazando radicalmente toda instancia sustancialista, busca dar cuenta de la lógica de su producción” (GAMBAROTTA, 2016, p. 89), o autor problematiza as concepções pós-estruturalista de Judith Butler e a que chama também de culturalista, apontando como principais representantes desta David Le Breton e Thomas Csordas. Busca ainda a ambiguidade entre as duas concepções depois de identificar suas aporias e o caráter sócio-histórico dessa ambiguidade. Da perspectiva culturalista, destaca que tomam como objeto de investigação “[...] los sentidos que los agentes o grupos los dotan” (GAMBAROTTA, 2016, p. 84). Ao não indagar pelo processo sócio-histórico objetivo que impacta o princípio de produção de sentido, essa perspectiva encontra seu primeiro limite. Se o foco são os sentidos subjetivos atribuídos ao corpo, esse subjetivismo anula as consequências objetivas desses mesmos sentidos. Esse relativismo que daí resulta impede também de pensar uma crítica corporal, pois impede de pensar a função do corpo no político, uma vez que, para isso, seria necessária uma instância fora do sentido subjetivo, fixando o olhar na trama de relações entre os sentidos. A perspectiva culturalista ficaria limitada à descrição. De outra parte, a crítica que tece à perspectiva pós-estruturalista de Judith Butler se apoia nos seguintes argumentos: tal teoria até aponta para a produção objetiva dos corpos (corpos que importam versus corpos abjetos), mas falha quando obtura a captação da gênese e do caducar na história dessa lógica estrutural. Esta teoria até capta a contingência e o caráter não-natural de uma articulação particular. Ou seja, mostra o conteúdo da dominação, o produzido, como algo que não é fixo dentro das fronteiras hegemônicas e normativas. Mas “[...] la estructura objetiva escapa a tal contingencia, ella sí se encuentra fija, constituyendo la instancia última de la cual no se indaga su principio de producción” (GAMBAROTTA, 2016, p. 85). Se não se questiona as condições de possibilidade de tal estrutura, a “materialização” do corpo permanece uma lógica incondicionada. O pós-estruturalismo também ignoraria o mecanismo de dotação de sentido subjetivo, subjugando-o como uma parte da estrutura. O corpo acaba aparecendo aqui como um epifenômeno da estrutura. Como dissemos anteriormente, Gambarotta (2016) recorre à sociologia de Bourdieu para tentar dar um encaminhamento ao problema da substancialização do corpo. Busca a produção prática do corporal que tem lugar no movimento entre o subjetivo e o objetivo sem anular nenhum dos dois. O autor sugere a mudança de foco para a técnica que se põe em uso em um modo de corporeidade, o que não deixa de ser um ponto médio. Usa como exemplo a estigmatização dos modos camponeses que acabam produzindo o camponês:

[...] No hay un cuerpo campesino - más aun no hay “campesino” propiamente dicho - anterior a su producción a través de una clasificación social que es también un enclasamiento, por el cual una determinada posición - producto de la historia del espacio social - es percibida (y autopercibida) socialmente como campesina (GAMBAROTTA, 2016, p. 87).

Como se produz um corpo através de um uso específico? É com essa pergunta que fica este autor. Entre os usos regrados e as regras usadas, a única coisa que permitiria romper com a divisão entre o que é humano (legítimo) e o animal (ilegítimo) é justamente o foco no uso; contra a naturalização do “natural” no ser humano que garante a dominação simbólica. A crítica corporal a que se refere este autor assim é clarificada:

[...] una subversión simbólica (que no es ‘ideal’ o ‘material’ sino propia de ese ‘tercer orden’) capaz de agrietar y arruinar las reglas usadas, abriendo así el cerrado ámbito de los usos (im)pensables-(im)posibles instaurado por esas reglas del modo de corporalidad establecido. Una subversión que pasa, entonces, por técnicas corporales que estén de otro modo en las relaciones de dominación, es decir, que sean técnicas otras, o con funcionalidades otras a la de su reproducción (GAMBAROTTA, 2016, p. 95).

Uma corporeidade que irrompa a constelação propriamente moderna entre o eu mesmo cultivado e o animal natural, a qual relegou às emoções e sensações ao controle da cultura. É justamente na morte histórica do contingente, em sua diluição, que ele deveria ser reintroduzido na história, na ação e no político. Gambarotta (2016, p. 96) conclui: “El carácter disruptivo de un uso corporal sólo es tal sobre el trasfondo del modo de corporalidad establecido, a partir de cómo está en él”. O risco do isolamento “do corpo” e resolução conceitual do problema que este representa expõe diretamente o risco da substancialização.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por que dissemos então que aquelas inovações metodológicas resolvem a questão da função social da EF/reprodução social? Porque permitem resetar17 o processo civilizador no esporte porque intervêm diretamente no substrato da civilização, o corpo. E como exatamente as propostas em PE fazem isso?

  • - Retomam o sentido do jogo e, assim, contribuem para mudar o sentido do jogo;18

  • - O princípio do “transfert” mostra o enraizamento dos JEC’s na trama social; os temas de jogo são análogos a questões constitutivas da sociedade. Outrossim, a organização do esporte em volta da sobrepujança e da especialização (como se isso fosse indício de evolução da espécie humana) é arbitrária. As questões que balizam o contrato social sempre devem ser enfrentadas pelas novas gerações. A eficiência, nesse sentido, é uma farsa;

  • - Permitem testar a eficácia de outras formas corporais. Nesse processo, esbarram nas estruturas de compreensão do tempo-espaço, nos limites da “caverna”. Essas inovações metodológicas favorecem a equivalência das formas eficazes. O modelo de fragmentação da tarefa e condicionamento do meio cede espaço diretamente à necessidade de tomada de decisão.

No entanto, é preciso ressaltar que a PE foca apenas no fato de que a técnica (o modo de fazer) só é acionada em um contexto, ancorada a uma razão de fazer. A PE procura fazer o seu trabalho, que é controlar o contexto - “cadeia acontecimental” (GARGANTA, 1998, p. 23) - mas os sentidos que compõe esse contexto extrapolam o jogo. Os estudos pedagógicos da EF chegaram ao entendimento de que a aula é um “fato social” (FENSTERSEIFER, 2009). Um acontecimento onde a sociedade entra na escola e interage ante a intervenção que toma lugar no tempo-espaço aula de EF; nesse sentido se a desigualdade existe na sociedade, ela também “vem jogar” nas aulas de EF. A PE deveria incorporar também a ideia do jogo como fato social.19 Se há que fundamentar a “lógica externa” e a sua participação no jogo (REVERDITO; SCAGLIA, 2009), que se olhe mais diretamente para o caráter sócio-histórico das práticas.

REFERÊNCIAS

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  • BRACHT, Valter. Educação física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Ed. Unijuí, 1999b.
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  • GALATTI, Larissa Rafaela et al O ensino dos Jogos Esportivos Coletivos: avanços metodológicos dos aspectos estratégico-tático-técnicos. Pensar a Prática, v. 20, n. 3, p. 639-654, jul./set. 2017.
  • GALATTI, Larissa Rafaela et al Pedagogia do esporte: publicações em periódicos científicos brasileiros de 2010 a 2015. Conexões: Educação Física, Esporte e Saúde, v. 17, e019008, p.1-18, 2019.
  • GAMBAROTTA, Emiliano. Bourdieu y lo político. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Prometeo Libros, 2016.
  • GARGANTA, Júlio Manuel. O Ensino dos Jogos Desportivos Colectivos. Perspectivas e Tendências. Movimento, v. 4, n. 8, p.19-27, 1998.
  • GHIDETTI, Filipe Ferreira. “Pensar com os ouvidos”: o problema da relação corpo-conhecimento a partir da Teoria Estética de Theodor W. Adorno. 2018. 261 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2018.
  • GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Entre o “não mais” e o “ainda não”: pensando saídas do “não-lugar” da EF Escolar II. Cadernos de Formação RBCE: v. 1, n. 2, p. 10-21, mar. 2010.
  • GONZÁLEZ, Fernando Jaime; BRACHT, Valter. Metodologia do ensino dos esportes coletivos. Vitória: UFES, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2012.
  • KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 6. ed. Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2004.
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  • WISNIK, José Miguel. Veneno Remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

NOTAS

  • 1
    Scaglia et al. (2013) entendem que os Esportes Coletivos devem ser caracterizados como jogos porque: 1) permitiriam a participação dos não-especializados; 2) superariam o modelo de fragmentação das ações motoras, o que é mais condizente com as lógicas internas dos esportes coletivos; 3) os esportes têm como essência o ato de jogar. Além disso, entendemos que a característica de jogo se encontra na origem histórica dos esportes, na Inglaterra Pós-Revolução Industrial (PIZANI; AMARAL; PAES, 2012), quando jogos populares foram esportivizados e amalgamados a códigos sociais da nobreza inglesa, como é o caso do futebol.
  • 2
    De acordo com Paes et al. (2009, p. 10 apud GALATTI et al., 2019, p. 4), a Pedagogia do Esporte é entendida aqui como “[...] o campo do conhecimento que investiga a prática educativa” no Esporte. O seu objetivo seria “[...] a organização, reflexão, a avaliação, sistematização e a crítica do processo educativo através do esporte” (GALATTI et al., 2019, p. 4).
  • 3
    “Os JDC [Jogos Desportivos Coletivos] caracterizam-se, entre outros fatores, pela aciclicidade técnica, por solicitações e efeitos cumulativos morfológico-funcionais e motores e por uma intensa participação psíquica” (GARGANTA, 1998, p. 21).
  • 4
    “A lógica interna do jogo é o produto da interação contínua entre as principais convenções do regulamento e a evolução das soluções práticas encontradas pelos jogadores, decorrentes das suas habilidades táticas, técnicas e físicas” (GARGANTA, 1998, p. 20).
  • 5
    O que comprova essa perspectiva do campo da PE são as pesquisas que investigam se é clara a superioridade das novas tendências em Metodologia de Ensino dos JEC’s em relação à abordagem tradicional: “Obviamente que nenhum dos modelos mostrou ser irredutivelmente o melhor no ensino do jogo, portanto [...] a natureza dos conteúdos de ensino, as necessidades e motivações dos alunos bem como as características dos ambientes particulares de prática ditam a oportunidade e a apropriação da aplicação de determinado modelo de ensino” (MESQUITA; PEREIRA; GRAÇA, 2009, p. 946, grifo nosso).
  • 6
    A propósito de ilustração: “[...] será preciso que o pensamento em pedagogia do esporte ultrapasse a linha de seus métodos e conteúdos, procedimentos e princípios organizacionais para aceitar a condição humana, a prática educativa, permitida unicamente à condição inacabada do homem, que, em um ambiente com inúmeras variáveis, o ensino-aprendizagem é imprescindível para sua condição existencial e histórica-social-cultural” (REVERDITO; SCAGLIA, 2009, p. 133). Tal é a lacuna dos estudos de PE a que nos referimos anteriormente.
  • 7
    Bracht (1999a) entende que o tem caracterizado a EF é a intervenção sobre o corpo em movimento, a transformação do comportamento. Nesse sentido, Bracht (1999a, p. 73) mostra que a educação corporal não é uma exclusividade da EF: “Esses movimentos são signatários do entendimento de que a educação da vontade e do caráter pode ser conseguida de forma mais eficiente com base em uma ação sobre o corpóreo do que com base no intelecto; lá, onde o controle do comportamento pela consciência falha, é preciso intervir no e pelo corpóreo [...] é algo mais do plano do sensível do que do intelectual”. A EF disputa, portanto, a educação da sensibilidade.
  • 8
    “Ao analisar os esportes coletivos sobre essa perspectiva, verifica-se que as aprendizagens advindas do futebol, sob os aspectos da lógica do jogo poderão ser transferidas para outras modalidades, como por exemplo, o handebol, afinal, a lógica de desenvolvimento de ambas as modalidades esportivas promovem a mesma articulação dos princípios operacionais do Jogo” (LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009, p. 241).
  • 9
    As ideias da “Família de Jogos” e a “Teoria dos Sistemas Complexos”, de Morin, complementam-se na relevância pedagógica dos modelos de ensino que estamos aqui abordando: a) os modelos fundamentam o desenvolvimento conjunto (entre sujeito-coletivo, entre diferentes jogos, entre jogo e sociedade, entre sujeitos, entre ações) até a diferenciação; b) fundamentam a produção do novo; c) retomam o saber contextual - Leonardo; Scaglia e Reverdito (2009) falam da semelhança entre o jogo de “Bobinho” e o basquete -, os sentidos jogados em cenários não-normativos, o que prova que o corpo produz, incorpora saber. O que significa dizer que procedimentos são organizados aquém da consciência. O que prova que há essa organização é quando esse saber é transferido entre contextos, do “Bobinho” para o basquete.
  • 10
    “Quer isso dizer que a forma de atuação de um jogador está fortemente condicionada pelos seus modelos de explicação, ou seja, pelo modo como ele concebe e percebe o jogo. São esses modelos que orientam as respectivas decisões, condicionando a organização da percepção, a compreensão das informações e a resposta motora. Isso significa que a forma de um jogador entender o jogo e de nele se exprimir depende de um fundo, ou de um metanível, que constitui aquilo que podemos designar por "modelo de jogo" (GARGANTA, 1998, p. 21). O caso Beletti mostra que esse metanível, o ‘modelo de jogo’, pode ser “contaminado” por referências autobiográficas, repertório individual.
  • 11
    “[...] o propósito da disciplina é oferecer aos alunos o que nessas instituições [instituições não escolares que lidam com práticas corporais sistematizas] não encontrarão: a possibilidade de colocar em questão os sentidos hegemônicos que nelas predominam e que se apresentam como que ‘esquecidos’ da sua condição de uma possibilidade de sentido, entre outros. Em contrapartida, o esforço da não reprodução não pode ser confundido pela ideia de restringir o conhecimento ensinado na EF àquilo que o professor, com base em seus valores e convicções ideológicas, acredita como mais adequado para um novo projeto de formação humana e social” (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010, p. 18, grifo nosso).
  • 12
    “Elias também mostrou como, no curso de um processo civilizador, as disputas notoriamente violentas tendem a se transformar em disputas relativamente pacíficas por status, dinheiro e poder, donde na maioria dos casos, os impulsos destrutivos permanecem geralmente contidos sob os limites da consciência e não são traduzidos em ação concreta” (DUNNING, 2011, p. 15).
  • 13
    Na sociologia figuracional de Norbert Elias seres humanos e sociedades são processos, “[…] consequências não intencionais de grande parte da soma dos atos individuais intencionais” (DUNNING, 2011, p. 12). O que quer dizer que desde o nascimento somos inscritos em um mundo social em rápida mutação, que tem uma formação ancorada no tempo-espaço para a qual não contribuímos.
  • 14
    “[…] as pessoas se configuraram - os padrões que elas formaram - nas atividades de lazer psicofísicas competitivas que têm sido chamadas de ‘esporte’ desde o século XVIII” (DUNNING, 2011, p. 11). O aspecto figuracional seria exemplificado, para citar um caso, na relação nutrida entre nacionalismo e futebol na Espanha.
  • 15
    Dunning (2011) destaca que esse processo se baseia em um controle maior da violência na sociedade. A formação do Estado-Nação ocorre por razões bélicas (proteção da fronteira). No entanto, o monopólio sobre a violência e a tributação foram providenciais para a pacificação interna.
  • 16
    Os veteranos obrigavam os fags (os mais novos) a manter a linha gol (muitas vezes enfileirados. Os fags muitas vezes serviam de baliza (para marcar ponto a bola deveria passar entre as pernas dos fags) ou até de linha demarcatória do terreno de jogo. Dunning (2011) relata que essa selvageria era muito semelhante aos jogos pré-futebol.
  • 17
    “To reset”: a palavra “set” em inglês pode ter três sentidos: como adjetivo pode ser entendido como arranjado (fixed or arranged in advance); como substantivo pode ser entendido como agrupamento de coisas similares (a group or collection of things that belong together, resemble one another, or are usually found together); como verbo tem o sentido de colocar algo em posição (put, lay, or stand something in a specified place or position). To reset significa, portanto, reiniciar, rearranjar de novo (ou de forma diferente): set again or differently. Dunning (2011, p. 13) diz: “[…] a teoria de Elias dos processos civilizadores é o que ele chamava uma teoria geral através da qual uma variedade de fenômenos aparentemente diversos como esporte, alimentação, fumo e fogo possam ser inter-relacionados”.
  • 18
    Scaglia (2013, p. 228) diz que: o “[...] ambiente (contexto) decidirá o que é jogo ou não, evidenciando a predominância da subjetividade em detrimento da objetividade, caracterizando estado de jogo”. A tarefa didática do professor é permitir a participação no jogo, fazer com que o “[...] jogador mobilize suas competências e habilidades (ato de jogar) a fim de elucidar a lógica do jogo (jogar melhor/obter êxito).” (SCAGLIA, 2013, p. 230).
  • 19
    O próprio jogo pode ser entendido como um “um microssistema social complexo e dinâmico" (GARGANTA, 1998, p.15 apudGALATTI et al., 2017, p. 641).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2019
  • Aceito
    30 Mar 2020
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