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Um toque na masculinidade: a prevenção do câncer de próstata em gaúchos tradicionalistas

A touch on masculinity: prostate cancer prevention in traditionalist Gauchos

Un toque a la masculinidad: la prevención del cáncer de próstata en gauchos tradicionalistas

Resumos

Estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado com 88 gaúchos tradicionalistas participantes do Acampamento Farroupilha de 2009. Objetivou-se verificar a adesão desses gaúchos tradicionalistas aos exames preventivos de câncer de próstata, analisando, também, quais variáveis influenciam na adesão ao exame de toque retal. Os entrevistados possuíam média de idade de 58,5 anos, com alto salário e elevada escolaridade. Grande parte (92%) residiu maior tempo em zona urbana, fazia acompanhamento de saúde em instituição particular (70,5%) e realizou algum exame preventivo para o câncer de próstata (83%). Os que fizeram exame preventivo possuíam maior escolaridade, renda e consultavam em instituição particular. Houve menor procura aos exames preventivos por aqueles que moraram a maior parte da sua vida em zona rural. Contudo, não houve relação do local onde residiu o maior tempo com a adesão ao exame de toque retal. Os achados indicam semelhança na adesão aos exames preventivos a outros estudos realizados no Brasil.

Enfermagem oncológica; Neoplasias da próstata; Educação em saúde; Masculinidade


This cross-sectional and quantitative study was carried out with 88 traditionalist gauchos, who took part in the Farroupilha Camp in 2009. It verified their adherence to prostate cancer examination, also analyzing which variables influence in the adherence to digital rectal examination. Participants had an average age of 58.5 years, with high income and schooling level. Most (92%) lived longer in urban areas, had health follow-up at private health services (70.5%) and have had some preventive examination for prostate cancer (83%). The ones who had preventive examination had higher education, income and access to private health services. There was lower demand for preventive exams by those who lived most of their lives in the rural area. However, there was no relationship between the place where participants lived longer and adherence to digital rectal examination. Findings indicate correspondence in the adherence to preventive examinations with other studies carried out in Brazil.

Oncologic nursing; Prostatic neoplasms; Health education; Masculinity


Este estudio transversal y cuantitativo fue realizado con 88 gauchos tradicionalistas que participaron del Campamento Farroupilha en 2009. Se verificó la adhesión de los participantes a los exámenes preventivos del cáncer de próstata, analizando, también, cuales variables influyen en la adhesión al examen de tacto rectal. Los encuestados tenían edad media de 58,5 años, con altos salarios y nivel de escolaridad. Gran parte (92%) había residido mayor tiempo en las zonas urbanas, hacía acompañamiento de salud en instituciones privadas (70,5%) e hizo algún examen preventivo de cáncer de próstata (83%). Los que han realizado examen preventivo tenían mayor nivel de escolaridad, renta y atención de salud en institución privada. Hubo menos demanda de exámenes preventivos por los que habían vivido más tiempo en la zona rural. Sin embargo, no hubo relación entre el lugar de residencia y la adhesión al examen de tacto rectal. Los resultados indican similitud en la adhesión a los exámenes preventivos de otros estudios realizados en Brasil.

Enfermería oncológica; Neoplasias de la próstata; Educación en salud; Masculinidad


ARTIGO ORIGINAL

Um toque na masculinidade: a prevenção do câncer de próstata em gaúchos tradicionalistas

Un toque a la masculinidad: la prevención del cáncer de próstata en gauchos tradicionalistas

A touch on masculinity: prostate cancer prevention in traditionalist Gauchos

Luccas Melo de SouzaI; Michelli Porto SilvaII; Ingrid de Souza PinheiroIII

IMestre em Enfermagem, Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, Professor Adjunto da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Campus Gravataí, Rio Grande do Sul, Brasil

IIEnfermeira graduada pela ULBRA, Campus Gravataí, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIAcadêmica de Enfermagem da ULBRA, Campus Gravataí, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora : Luccas Melo de Souza Av. Itacolomi, 3600, São Vicente 94170-240, Gravataí, RS E-mail: luccasms@gmail.com

RESUMO

Estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado com 88 gaúchos tradicionalistas participantes do Acampamento Farroupilha de 2009. Objetivou-se verificar a adesão desses gaúchos tradicionalistas aos exames preventivos de câncer de próstata, analisando, também, quais variáveis influenciam na adesão ao exame de toque retal. Os entrevistados possuíam média de idade de 58,5 anos, com alto salário e elevada escolaridade. Grande parte (92%) residiu maior tempo em zona urbana, fazia acompanhamento de saúde em instituição particular (70,5%) e realizou algum exame preventivo para o câncer de próstata (83%). Os que fizeram exame preventivo possuíam maior escolaridade, renda e consultavam em instituição particular. Houve menor procura aos exames preventivos por aqueles que moraram a maior parte da sua vida em zona rural. Contudo, não houve relação do local onde residiu o maior tempo com a adesão ao exame de toque retal. Os achados indicam semelhança na adesão aos exames preventivos a outros estudos realizados no Brasil.

Descritores: Enfermagem oncológica. Neoplasias da próstata. Educação em saúde. Masculinidade.

RESUMEN

Este estudio transversal y cuantitativo fue realizado con 88 gauchos tradicionalistas que participaron del Campamento Farroupilha en 2009. Se verificó la adhesión de los participantes a los exámenes preventivos del cáncer de próstata, analizando, también, cuales variables influyen en la adhesión al examen de tacto rectal. Los encuestados tenían edad media de 58,5 años, con altos salarios y nivel de escolaridad. Gran parte (92%) había residido mayor tiempo en las zonas urbanas, hacía acompañamiento de salud en instituciones privadas (70,5%) e hizo algún examen preventivo de cáncer de próstata (83%). Los que han realizado examen preventivo tenían mayor nivel de escolaridad, renta y atención de salud en institución privada. Hubo menos demanda de exámenes preventivos por los que habían vivido más tiempo en la zona rural. Sin embargo, no hubo relación entre el lugar de residencia y la adhesión al examen de tacto rectal. Los resultados indican similitud en la adhesión a los exámenes preventivos de otros estudios realizados en Brasil.

Descriptores: Enfermería oncológica. Neoplasias de la próstata. Educación en salud. Masculinidad.

ABSTRACT

This cross-sectional and quantitative study was carried out with 88 traditionalist gauchos, who took part in the Farroupilha Camp in 2009. It verified their adherence to prostate cancer examination, also analyzing which variables influence in the adherence to digital rectal examination. Participants had an average age of 58.5 years, with high income and schooling level. Most (92%) lived longer in urban areas, had health follow-up at private health services (70.5%) and have had some preventive examination for prostate cancer (83%). The ones who had preventive examination had higher education, income and access to private health services. There was lower demand for preventive exams by those who lived most of their lives in the rural area. However, there was no relationship between the place where participants lived longer and adherence to digital rectal examination. Findings indicate correspondence in the adherence to preventive examinations with other studies carried out in Brazil.

Descriptors: Oncologic nursing. Prostatic neoplasms. Health education. Masculinity.

INTRODUÇÃO

No Brasil, o câncer (CA) constitui a segunda causa de morte por doenças(1). O CA de próstata é o segundo mais prevalente entre os homens, representando aproximadamente 10% dos cânceres do sexo masculino, atrás apenas do CA de pele não melanoma. Constitui a quarta causa de morte por neoplasias, haja vista que, somente no ano de 2008, foi responsável por 11.955 óbitos. A estimativa para o ano de 2010 é de cerca de 52.350 novos diagnósticos no Brasil, com taxa bruta de 53,84 casos para cada 100.000 pessoas. No Estado do Rio Grande do Sul (RS), estima-se 4.500 casos para o ano de 2010, com taxa bruta superior à nacional: 80,40 ocorrências para cada 100.000 habitantes(2). Assim, o CA de próstata é reconhecido como um problema de saúde pública, necessitando de ações para prevenção, diagnóstico e tratamento(3).

Contudo, encontram-se diversas dificuldades para a sua prevenção, associadas a fatores como: falta de informação à população; crenças sobre o câncer e seu prognóstico; preconceito contra o exame preventivo e a carência de rotinas nos serviços para a prevenção do CA de próstata, dentre outros(4). Além disso, apesar da existência do Consenso Brasileiro sobre o CA de próstata(5), verifica-se dissenso na literatura sobre aspectos como a necessidade de prevenção, o tipo de exame e a idade ideal para a sua realização.

Uma das formas apontadas pela literatura para rastreamento é o exame de toque retal, procedimento de baixo custo, rápido e que permite avaliar o tamanho, o formato e a consistência da próstata, embora não em sua total abrangência. Apesar das suas facilidades, acirra o imaginário masculino, sendo interpretado como uma afronta à masculinidade, o que pode influenciar na adesão ao exame(6).

Autores salientam que os homens podem apresentar resistência e constrangimento ao exame de toque retal, pois "viola" a sua masculinidade, no que se refere à condição de ser homem ativo(3,6). A resistência surge, então, porque veem o toque retal como algo que conspiraria contra a noção de masculino. Nesses casos, a masculinidade é usada como estrutura para a formação da identidade, ditando conceitos a serem seguidos para que sejam reconhecidos como "machos" e não serem questionados por aqueles que possuem as mesmas crenças. Nesse sentido, ser homem é um exercício contínuo de negação - mais do que de afirmação - negando atributos ditos femininos para se aproximar do que acredita ser a imagem ideal de homem, que foi construída ao longo da vida(7).

No RS, a masculinidade - apontada como barreira para a prevenção do CA de próstata(3) - está presente no modo de viver do gaúcho1 1 Gaúcho é a expressão utilizada para caracterizar as pessoas que nascem no Estado do RS, Brasil. Tradicionalismo, sob a ótica da tradição gaúcha, é um estado de consciência que busca preservar o passado pelo cultuar, vivenciar e preservar o patrimônio sócio-cultural. , afirmada pelo tradicionalismo. Isso preocupa, pois o Estado aparece como um dos que possui as maiores incidências de CA de próstata do país(2).

Assim, perante o fenômeno CA de próstata e as questões de tradicionalismo/masculinidade, com este estudo objetiva-se verificar a adesão de um grupo de gaúchos tradicionalistas aos exames preventivos para CA de próstata, comparando com a literatura nacional; identificar as variáveis demográficas e socioeconômicas associadas à adesão aos exames preventivos e, especificamente, ao exame de toque retal e identificar o conhecimento desses indivíduos sobre a prevenção do CA de próstata. Assim pretende-se discorrer se o tradicionalismo gaúcho tem influência na adesão ao exame de toque retal.

Destaca-se a importância de estudos que abordem a prevenção do CA de próstata e os modelos hegemônicos de masculinidade, visto existirem poucos estudos sobre o assunto. Em geral, as publicações tratam da prevenção do CA de próstata fundamentadas em pesquisas básicas, clínicas e epidemiológicas, havendo pouca discussão no campo da saúde coletiva(3).

MÉTODOS

Estudo transversal, quantitativo, realizado no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque da Harmonia), em Porto Alegre, RS, no transcorrer da comemoração da Semana Farroupilha, em setembro de 2009.

A Semana Farroupilha é realizada anualmente no Parque da Harmonia. Em 2009, o acampamento contou com 364 piquetes, que se constituem em tendas ou instalações rústicas, como as moradias dos antepassados, sendo a forma utilizada por grupos ligados à tradição gaúcha para preservar a cultura regional.

A amostra foi constituída por 103 indivíduos. Porém, devido aos critérios da pesquisa, quinze foram excluídos: dez com algum problema na próstata ou sistema urinário, que já estariam em acompanhamento por motivo de patologia (viés de confusão); um considerou-se visitante e quatro moravam fora do RS. Assim, compuseram a amostra 88 gaúchos tradicionalistas.

Foram percorridos todos os piquetes do Parque da Harmonia, buscando interessados em participar da pesquisa. Os critérios de inclusão foram: homens tradicionalistas participantes da Semana Farroupilha 2009, com idade igual ou superior a 51 anos, nascidos e residentes no RS. O sujeito deveria responder à seguinte pergunta para ser considerado participante da Semana Farroupilha: você se considera participante ou visitante do Acampamento Farroupilha? (1) participante (2) visitante. Como o Acampamento Farroupilha e os seus piquetes são vinculados ao Movimento Tradicionalista Gaúcho, nesse estudo, os seus participantes são considerados tradicionalistas da cultura gaúcha. O corte de idade foi baseado na orientação do Consenso Brasileiro para CA de próstata(5): rastreamento oportunístico (case finding) para homens entre 50 e 70 anos.

Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado entregue aos entrevistados após a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados foram analisados utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 10.01. Utilizou-se estatística descritiva para a caracterização da amostra (frequência, medidas de tendência central e de dispersão) e os testes t de Student (variáveis simétricas), Mann-Whitney (variáveis assimétricas) e Qui-quadrado (variáveis categóricas) para a associação entre os grupos. São considerados significativos os valores com p bicaudal ≤ 0,05.

Foram respeitados os princípios éticos da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(8). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil (protocolo 2009-227H).

RESULTADOS

A média de idade dos 88 sujeitos foi de 58,5 anos, e a escolaridade equivalente ao atual Ensino Médio. Verificou-se um alto salário, pois metade dos entrevistados recebia, pelo menos, 4,4 salários mínimos (salário mínimo nacional vigente: R$ 465,00) (Tabela 1).

A média de idade deve-se a um dos critérios de inclusão ter sido idade igual ou superior a 51 anos. A variável "anos de estudo" apresentou média superior à nacional, que é de 7,4 anos de estudo para as pessoas com idade igual ou superior a 18 anos(9), demonstrando, assim, alta escolaridade. A renda alta pode ter facilitado a participação desses indivíduos nas comemorações da Semana Farroupilha, o que move a interpretação de que o acesso a esse tipo de lazer é mais facilitado para aqueles com maior renda. Entre os que fizeram a prevenção, a média de idade no primeiro exame ficou em 51 anos, corroborando com o Consenso Brasileiro(5).

Dos participantes, 18,6% relataram história familiar de CA de próstata, o que é preocupante, visto aumentar em três a dez vezes o risco de adquirir a doença(2). Quanto à busca por atendimento em saúde, 70,5% utilizavam a rede particular, reflexo da renda elevada. A maioria (76,7%) realizava acompanhamento anual, e 23,3% apenas quando doentes. Sobre isso, pesquisadores afirmam que os homens buscam os serviços de saúde apenas quando sentem dores insuportáveis, ou quando a situação em que se encontram os impossibilita de trabalhar(10). Além disso, procuram menos o serviço de saúde comparado às mulheres, pois se consideram mais saudáveis e, devido a questões culturais, veem o ambiente de saúde como um local feminino, para pessoas frágeis, ferindo, assim, os conceitos de masculinidade(11). Outros autores salientam o horário de funcionamento dos serviços, o tempo de espera, a falta de unidades específicas e a não resolubilidade do problema no mesmo dia como barreiras para a busca por consulta(10).

Dos entrevistados, 73 (83%) realizaram, ao menos uma vez, um dos exames preventivos. Desses, 57,6% fizeram o exame de toque retal e dosagem do Antígeno Prostático Específico (PSA), 28,7% apenas o PSA e 13,7% somente o toque retal, indicando semelhança na adesão aos exames preventivos para CA de próstata entre esses tradicionalistas e a população brasileira em geral. Estudo realizado com professores universitários de Minas Gerais (com idade de 51 anos ou mais) constatou que 20,7% nunca fizeram os exames, 62,1% realizaram os dois exames, 17% apenas toque retal e 15,5% somente o PSA(12). Em pesquisa realizada em dez capitais brasileiras, foram entrevistados 1.061 homens com idade entre quarenta e setenta anos, dos quais 32% realizaram o exame de toque retal e 47% o PSA(13).

Mesmo se assemelhando à literatura nacional, há uma preocupante parcela (52,2%) que não realizou os dois exames preventivos. A prevenção é a única forma de diagnosticar precocemente a doença e auxiliar no tratamento, pois ela é assintomática nos estágios iniciais(3). Em estudo realizado em prontuários de pacientes com diagnóstico de CA de próstata atendidos pelo Hospital de Clínicas de Botucatu, 20% dos casos foram diagnosticados por exames de rotina, não apresentando sintomatologia. Os demais procuraram o serviço com a doença em estágio avançado, apresentando sintoma(14).

Semelhante aos dados da pesquisa encomendada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)(13), mais de 50% dos homens entrevistados consideraram-se conhecedores dos sinais e sintomas da doença, citando, principalmente, os sintomas urinários como indicativos de problema prostáticos (Tabela 2). Outros sintomas lembrados foram: crescimento da próstata, impotência, febre, inapetência, edema nos testículos, fatores psicológicos e PSA elevado, alguns dos quais não relacionados. Observa-se, então, que existem equívocos e mitos sobre os sintomas da doença, necessitando de maior esclarecimento e investimento na divulgação dos sintomas iniciais (polaciúria, urgência, diminuição do jato urinário, nictúria e gotejamento) e tardios (astenia, perda de peso, anorexia e dor óssea)(15).

Uma elevada porcentagem (46,6%) de indivíduos relatou desconhecer os sinais e sintomas do CA de próstata, apesar de 95,5% terem recebido orientação sobre a doença. Isso provoca o questionamento sobre quais os motivos para esse desconhecimento. Uma explicação pode ser o modelo hegemônico (biomédico) de atendimento em saúde no país, haja vista que a maioria dos entrevistados consulta por meio do serviço privado. Tal modelo é centrado, especialmente, na cura e no tratamento de doenças, e as ações de promoção da saúde são pouco incentivadas(16).

Houve dúvida quanto ao principal exame para prevenção do CA de próstata: a maioria (45,3%) citou o exame de toque retal, seguido de 31,4% que consideraram necessários os exames de toque retal e o PSA concomitantemente, e 23,3% que acreditam ser suficiente apenas o PSA. Isso talvez se dê pela falta de consenso sobre a prevenção da doença. Pesquisadores(3), ao revisarem a literatura, encontraram polêmica sobre as recomendações entre o público-alvo e o tipo de exame preventivo aconselhado. Há pesquisadores que recomendam o toque retal associado à dosagem de PSA, enquanto outros orientam a ultra-sonografia transretal quando necessário. Outros, ainda, defendem a realização de apenas um dos exames, questionando o toque retal (pela subjetividade) e o PSA (pela inconclusão). Sobre o público-alvo, encontraram as seguintes orientações: (a) mais de 50 anos ou com 40 anos quando histórico familiar de CA prostático; (b) homens com 45 anos ou com 40 anos, no caso de histórico familiar; (c) 40 anos ou com 35, quando há história familiar; (d) todos os homens com 50 anos ou mais; (e) todos os homens a partir dos 45 anos (recomendação da SBU)(13); (e) todos os homens a partir dos 40 anos; (f) homens brancos a partir dos 45 anos e negros a partir dos 40 anos; (g) não há necessidade de realização de exame preventivo em assintomáticos. Dessa forma, essas divergências podem refletir, também, no conhecimento dos profissionais assistenciais e nas orientações fornecidas por esses à população, o que repercute na baixa adesão aos métodos preventivos.

Sobre a fonte das orientações sobre CA de próstata, a maior participação foi do profissional médico (63,2%), seguido da mídia (62,1%). Dados nacionais também revelam uma maior participação da mídia televisiva (50%) e impressa (28%) como informantes, seguida dos médicos (29%)(13). Em estudo realizado sobre a divulgação do tema câncer na mídia, encontrou-se 124 publicações em jornais de todo o Brasil, entre os anos de 2003 e 2005. Os principais cânceres abordados foram o de mama, o de pele e o de pulmão, com pouca divulgação do CA de próstata. Quanto à abordagem, 97 reportagens referiam-se à prevenção, mas apenas uma explicava os métodos de prevenção do CA de próstata. Das 97 matérias, 93,4% não abordaram os principais sintomas de cada tipo de câncer(17).

Nesse estudo, o enfermeiro foi responsável por apenas 3,4% das orientações, o que preocupa: será que os enfermeiros não orientam sobre CA de próstata? Seria por falta de conhecimento científico, falta de oportunidade ou por despreocupação com a temática?

Nesse sentido, convém salientar que as consultas de enfermagem (momento oportuno para a promoção da saúde) ocorrem, principalmente, em nível de saúde pública (rede básica), e a amostra desse estudo buscou, majoritariamente (70,5%), atendimento na rede particular, em que a prática da consulta de enfermagem ainda não é uma realidade frequente. No universo das instituições particulares ainda impera o modelo biomédico, centrado no médico como detentor do saber e responsável pelas consultas. Talvez por isso a pouca participação da enfermagem nas orientações a esses homens(16).

Ainda, compararam-se os indivíduos que realizaram exame preventivo (qualquer um dos exames pelo menos uma vez) com os que nunca realizaram (Tabela 3).

Aqueles que fizeram pelo menos um dos exames possuíam maior escolaridade e renda, e realizavam acompanhamento de saúde em instituição particular por meio de convênio ou consulta particular. A diferença estatística foi significativa, indicando que possuir maiores recursos financeiros auxilia na busca por atendimento devido à facilidade ao acesso, e que a escolaridade está associada à maior consciência sobre a saúde.

Idade também é um determinante para a prevenção do CA de próstata, pois homens mais novos referem não ter muitas restrições aos exames(7). Entretanto, no presente estudo, não se verificou esse comportamento.

Os sujeitos foram questionados sobre a cidade em que viveram por mais tempo, a fim de investigar diferença na procura por exames preventivos conforme o local de origem. A hipótese é que homens com raízes rurais cultivem mais as tradições culturais gaúchas, cultuando a masculinidade. O fato de ter morado maior tempo em zona rural mostrou tendência para a não realização dos dois exames preventivos (p=0,058). Para esse achado, têm-se duas suposições: em zonas rurais existem maiores dificuldades de acesso aos serviços de saúde, bem como há maior solidez nas questões culturais e tradicionalistas, dificultando a procura por atendimento (Tabela 4).

Compararam-se os indivíduos que fizeram o exame de toque retal com aqueles que não o realizaram. O grupo que realizou o exame de toque retal (n=52) possuía maior renda e utilizava o serviço de saúde de instituições particulares via convênio ou consulta particular (p<0,05). Quem possuía maior escolaridade tendeu à realização do exame de toque (p=0,06).

Apesar da maior porcentagem de realização do exame de toque retal naqueles que moraram a maior parte do tempo em zona urbana, não houve diferença significativa entre os grupos. Foi realizado tal questionamento pressupondo-se que tradicionalistas com origens rurais poderiam apresentar maiores barreiras culturais e comportamentais ao exame de toque retal. Assim, partindo desse pressuposto, o tradicionalismo gaúcho não influenciou na adesão ao exame de toque retal, considerando a hipótese do tradicionalismo e das questões de masculinidade serem mais fortes nas zonas rurais. Supõe-se, então, que a escolaridade e a renda elevada sobrepujaram o preconceito ao exame de toque, como indicam outros estudos(6,7).

Os sujeitos também foram questionados sobre o motivo de nunca realizarem o exame de toque retal, e relataram que a não realização do exame deveu-se ao fato do médico nunca ter solicitado (15,9%), por considerarem-se saudáveis (10,2%), por descuido/esquecimento (10,2%), por falta de tempo (6,8%), por confiança no exame do PSA (6,8%), por preconceito (5,7%) e por medo (3,4%). Nesse sentido, é fundamental o papel da enfermagem, alicerçado na prática da educação em saúde, despertando a consciência crítica das pessoas e dos grupos sociais, envolvendo-os nos aspectos relacionados à sua saúde e transformando a realidade social(16).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se que os tradicionalistas gaúchos possuíam alta escolaridade e renda, com média de idade de 58,5 anos. A maioria (83%) realizou, ao menos uma vez, um dos exames preventivos, sendo que 57,6% fizeram o exame de toque retal e dosagem do PSA, 28,7% apenas o PSA e 13,7% apenas o toque retal. Grande parte (46,6%) relatou desconhecer os sinais de sintomas do CA de próstata, mesmo que a maioria absoluta tenha recebido orientação sobre a doença.

Como o Acampamento Farroupilha é um local de culto à tradição gaúcha e à masculinidade, poderia se considerar que os tradicionalistas pudessem aderir menos aos exames preventivos de próstata em comparação a outros homens, em especial ao exame de toque retal. No entanto, os resultados assemelham-se aos de outros estudos conduzidos no Brasil. Verificou-se, então, que o tradicionalismo gaúcho parece não influenciar na adesão aos exames preventivos para CA de próstata, pois se encontrou semelhança de adesão aos estudos nacionais. Entretanto, variáveis como renda, escolaridade e acesso aos serviços de saúde estão associadas.

Acredita-se que a menor procura aos exames preventivos naqueles que moraram a maior parte em zona rural esteja associada à dificuldade de acesso ao serviço de saúde, e não às questões de tradicionalismo/masculinidade, haja vista não haver influência do local onde residiu na adesão ao exame de toque retal - o que, nesta perspectiva, violaria a masculinidade de forma mais acentuada.

Contudo, pelas limitações de um delineamento transversal, é preciso uma interpretação cautelosa, pois não se pode chegar a resultados definitivos. Dentre as limitações, salienta-se a alta renda e escolaridade dos entrevistados, que pode ter velado o preconceito das questões de masculinidade. Recomenda-se a realização de outras pesquisas investigando a relação da masculinidade com a prevenção do CA de próstata, utilizando populações com outro perfil de escolaridade e renda, a fim de se verificarem congruências/divergências com este estudo.

Cabe citar ainda a pouca participação da enfermagem com relação às orientações sobre a doença, servindo como alerta. Será que os enfermeiros não estão preocupados com a prevenção do CA de próstata? Como mudar essa realidade?

Recebido em: 15/09/2010

Aprovado em: 06/01/2011

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  • Endereço

    da autora :
    Luccas Melo de Souza
    Av. Itacolomi, 3600, São Vicente
    94170-240, Gravataí, RS
    E-mail:
  • 1
    Gaúcho é a expressão utilizada para caracterizar as pessoas que nascem no Estado do RS, Brasil. Tradicionalismo, sob a ótica da tradição gaúcha, é um estado de consciência que busca preservar o passado pelo cultuar, vivenciar e preservar o patrimônio sócio-cultural.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      06 Jan 2011
    • Recebido
      15 Set 2010
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