Resumo
OBJETIVO SIdentificar em pacientes com diabetes tipo 2 quais alterações nos pés estariam associadas às características demográficas, clínicas, bioquímicas e de tratamento e quais delas aumentariam o risco de mortalidade.
MÉTODOS Estudo longitudinal retrospectivo que avaliou as alterações nos pés de pacientes externos atendidos em consulta de enfermagem. Os dados da história clínica e do exame dos pés foram coletados de 918 prontuários de uma amostra por conveniência.
RESULTADOS Em 10 anos, a mortalidade cumulativa atribuída a polineuropatia sensitiva periférica foi 44,7%, pela doença vascular periférica 71,7%, pela associação das duas condições 62,4% e pela amputação 67,6%. Após análise multivariável, o tempo de acompanhamento com enfermeiros permaneceu como único fator de proteção para a mortalidade (p < 0,001).
CONCLUSÃO O risco de morrer nesses pacientes diminuiu quando consultaram com enfermeiros educadores. Permaneceu como fator de risco independente pacientes com pé isquêmico, amputação e doença arterial coronariana.
Palavras-chave: Diabetes mellitus; Mortalidade; Pé diabético; Cuidados de enfermagem; Assistência ambulatorial
Resumen
OBJETIVOS Identificar en pacientes con diabetes tipo 2 que alteraciones en los pies estarían asociadas a las características demográficas, clínicas, bioquímicas y de tratamiento y cuáles de ellas aumentarían el riesgo de mortalidad.
MÉTODOS Estudio longitudinal retrospectivo que evaluó los cambios en los pies de pacientes externos atendidos en consulta de enfermería. Los datos de la historia clínica y del examen de los pies fueron recolectados de 918 prontuarios, una muestra por conveniencia.
RESULTADOS En 10 años, la mortalidad acumulativa atribuida a la polineuropatía sensitiva periférica fue 44.7%, por la enfermedad vascular periférica 71.7%, por la asociación de las dos condiciones 62.4% y por la amputación 67.6%. Después del análisis multivariable, el tiempo de acompañamiento con enfermeros permaneció como único factor de protección para la mortalidad (p < 0,001).
CONCLUSIÓN El riesgo de morir en estos pacientes disminuyó cuando consultaron con enfermeros educadores. Se mantuvo como factor de riesgo independiente pacientes con pie isquémico, amputación y enfermedad arterial coronaria.
Palabras clave: Diabetes mellitus; Mortalidad; Pie diabético; Atención de enfermería; Atención ambulatoria
Abstract
OBJECTIVES Identify in patients with type 2 diabetes what changes in the feet would be associated with demographic, clinical, biochemical and treatment characteristics and which would increase the risk of mortality.
METHODS Retrospective longitudinal study evaluating the alterations in feet of outpatients attended at a nursing visit. Data from the clinical history and foot exam were collected from 918 medical records of a convenience sample.
RESULTS At 10 years, the cumulative mortality attributable to peripheral polyneuropathy was 44.7%, to peripheral artery disease was 71.7%, to both conditions were 62.4%, and to amputation was 67.6%. After multivariate analysis, duration of nursing follow-up remained as the only protective factor against death (p < 0.001).
CONCLUSIONS The risk of death in these patients decreased when they had consultations with a nurse educator. Ischemic feet, amputation, and coronary artery disease remained independent risk factors.
Keywords: Diabetes mellitus; Mortality; Diabetic foot; Nursing care; Ambulatory care
INTRODUÇÃO
A hiperglicemia persistente que caracteriza o diabetes mellitus (DM) traz clinicamente uma carga de doença aos seus portadores pelas complicações crônicas e pelo aumento na mortalidade nestes pacientes. O pé diabético é o evento final das complicações crônicas do DM e os principais fatores fisiopatológicos da ulceração e infecções nos membros inferiores compreendem a neuropatia diabética, a pressão plantar e o trauma. Outros fatores contribuintes são a doença arterial periférica (DAP) de graus variados e distúrbios no processo de cicatrização e na defesa imunológica1. O DM e a ulceração nos pés são uma combinação que aumenta o risco de amputações e no mundo ocorrem duas amputações a cada minuto indicando que este grupo de pacientes são social e economicamente mais frágeis e muitos deles têm uma expectativa de vida menor2. O risco é atribuído em parte, pela enorme carga das doenças cardiovasculares (DCV) sendo responsável por até 80% das mortes em indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e é maior do que a da população em geral. Pacientes com úlceras tem um risco excessivo por todas as causas de mortalidade comparado com pacientes com DM sem história de úlceras3.
Para alcançar melhores resultados do que estão disponíveis até o momento na prevenção de eventos como as complicações da doença e suas consequências e no tratamento do DM, o autocuidado é apontado como fundamental e a educação em diabetes uma recomendação4-5.
Frente à vulnerabilidade dos pacientes com DM2, o objetivo do estudo foi identificar quais alterações nos pés estariam associados às características demográficas, clínicas, bioquímicas e de tratamento e quais delas aumentariam o risco de mortalidade.
MÉTODO
Estudo longitudinal retrospectivo que avaliou as alterações nos pés de pacientes externos com DM2 atendidos em consulta de enfermagem. Foram feitas associações com o tipo de pé e as características demográficas, clínicas, bioquímicas e de tratamento e quais delas aumentaram o risco de mortalidade.
A população do estudo foi de 918 pacientes com DM2 que tiveram seus pés examinados em pelo menos duas consultas de enfermagem de um programa educativo de prevenção e tratamento do pé diabético em um hospital geral e universitário de alta complexidade, no Rio Grande do Sul, Brasil, entre 1997 e 2009. Os encaminhamentos dos pacientes para as enfermeiras eram feitos por médicos de diversas especialidades.
Este projeto (08-608) foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital, com data de 07 de janeiro de 2009, e os pesquisadores assinaram o Termo de Compromisso para Uso de Dados.
Os dados foram coletados dos prontuários dos pacientes que consultaram com a enfermeira, sendo considerada a entrada do paciente no programa educativo, ou seja, o tempo zero. A coleta incluiu o sexo, a idade e dados da história clínica: uso de medicamentos, duração conhecida do DM, internações, história de tabagismo, comorbidades (dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS), obesidade). A presença de acidente vascular encefálico (AVE), doença arterial coronariana (DAC), infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, angina pectoris, DAP e polineuropatia sensitiva (PSN). O exame dos pés utilizou o monofilamento de Semmes-Weinstein 5,07g (10g) para identificar perda de sensibilidade protetora; a palpação dos pulsos pediosos e/ou tibial posterior para identificação da DAP e na presença de úlceras utilizou-se a classificação de Wagner, em graus (zero até 3)6. E por fim os pés foram classificados em normais (sem úlceras e ausência de PSN e DAP), neuropáticos (sensibilidade e deformidades), isquêmicos (presença de DAP) e mistos (PSN e DAP). A partir desta avaliação a enfermeira iniciou o processo educativo direcionado para a prevenção do pé diabético e/ou redução de risco, com cuidados práticos sobre o autoexame no domicílio e os cuidados sistêmicos objetivando a mudança de atitude dos pacientes2.
No autoexame foi estimulado a observação diária de alterações como: calos, ulcerações, bolhas, mudança de cor, temperatura e umidade da pele, pontos doloridos ou com edema. Orientou-se a higienização diária, secagem, hidratação da pele e o corte das unhas bem como uso de meias e calçados apropriados. Alertou-se para o não uso de objetos cortantes ou produtos impróprios nos pés e explicou-se em linguagem acessível o que era necessário para prevenir o pé diabético em cuidados sistêmicos: não fumar, manter um bom controle glicêmico, controlar as taxas de colesterol, triglicerídeos e exame periódico dos pés 1. Na presença de úlceras o enfermeiro realizou o curativo e os pacientes foram orientados de como realizá-lo no domicílio e forneceu por escrito os passos para sua realização. A presença de familiares sempre foi estimulada. Ao final de cada consulta o paciente recebeu um folder sobre os cuidados preventivos e outro folder com registro do perfil glicídico, lipídico, da pressão arterial e do peso.
A consulta de enfermagem teve duração de 30 minutos a uma hora e o retorno do paciente foi aprazado conforme o risco. Para esclarecimento de dúvidas ficava disponível uma linha telefônica. Se houvesse necessidade de uma consulta fora do agendamento previsto porque os pacientes identificaram sinais de piora de sua condição nos pés eles foram instruídos para procurar o enfermeiro para uma reavaliação. Conforme a gravidade do caso o paciente foi também examinado por um médico e se necessário, encaminhado para uma emergência ou retornava ao seu domicílio.
Os dados bioquímicos incluídos foram a hemoglobina glicada (A1C), o colesterol total e suas frações e os triglicerídeos.
Análise estatística
As características descritivas foram apresentadas como média (() e desvio padrão para variáveis contínuas e como frequências relativas e absolutas para variáveis categóricas.
O nível de significância adotado foi o de 0,05 e foi utilizado o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences - Professional Statistics (SPSS), versão 18.0.
A análise univariada foi realizada através da regressão de Cox simples e das estimativas das curvas de Kaplan-Meier para cada uma das variáveis separadamente. O resultado da análise univariada permite determinar o risco relativo de óbito (através do hazard ratio) com um intervalo de confiança de 95%. Após esse passo, todas as variáveis que apresentaram p < 0,20 foram analisadas em conjunto, através da regressão múltipla de Cox, mas em três diferentes modelos (para tipo de pé, para úlcera e para amputação), pela forte associação existente entre elas, apresentando multicolinearidade importante avaliada através da estatística Variance Inflation Fator (VIF). No modelo final, permaneceram aquelas que apresentaram valor p < 0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As características demográficas, bioquímicas, clínicas e do tratamento dos pacientes estão sumarizadas na Tabela 1. Os 918 pacientes apresentavam um controle glicêmico médio fora do alvo, e o High Density Lipoprotein (HDL-C) 46,8±13 mg/dL se manteve dentro dos padrões recomendados7. Quanto ao tratamento do diabetes 9,0% faziam somente dieta e exercícios físicos. A maioria dos pacientes com HAS usava algum tipo de anti-hipertensivo associado ou não. Os medicamentos hipolipemiantes foram prescritos de forma preventiva para 51 pacientes. Quinhentos e quatorze pacientes apresentaram pés com alterações, 46,6% com PSN e 39,5% com DAP.
Durante os 12 anos do estudo, identificou-se 158 óbitos registrados nos prontuários do hospital e sua causa primária. As causas primárias mais frequentes de óbito entre os 158 pacientes foram as doenças cardiovasculares (35,4%) e as infecções (34,8%). Entre as cardiovasculares, a insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e o infarto agudo do miocárdio (IAM) predominaram e entre as infecções, a septicemia não especificada e a pneumonia. As cardiovasculares foram significativamente maiores que o esperado em 19,8% nos pacientes com pés isquêmicos, e a doença cerebrovascular em 7,5% nos com pés normais. As infecções decorrentes do pé diabético como causa primária de morte ocorreram em 5 pacientes.
A sobrevivência dos pacientes, em 5 anos e 10 anos, respectivamente, de acordo com os tipos de pé (a), o surgimento de úlceras (b) e a ocorrência de amputações (c) estão apresentados na Figura 1.
A probabilidade de sobrevivência dos pacientes (Figura 1A), em 10 anos foi 66,6% naqueles com pés normais, 55,3% no neuropático, 37,6% nos mistos e 28,3% nos isquêmicos. A mediana de sobrevivência foi de 11 anos (p < 0,013) no neuropático, 8 anos no misto e no isquêmico (ambos com p < 0,001), que foram significativamente diferentes dos pacientes com pés normais (13 anos).
A sobrevivência dos pacientes sem história de úlceras (Figura 1B) em 10 anos foi 57,5%, mediana de 12 anos e naqueles com úlceras foi de 32,3%, mediana de 5 anos (p < 0,001). A sobrevivência dos pacientes sem amputação (Figura 1C) em 10 anos foi 58,2%, mediana de 12 anos e com amputação 32,4%, mediana de 5 anos (p < 0,001). Pacientes com pés normais tiveram uma sobrevivência de 13 anos, 2 a mais que os com pés neuropáticos, 5 a mais que os isquêmicos e 8 a mais de quem apresentou úlceras e amputações.
Pacientes com alterações nos pés (56%) apresentaram mortalidade cumulativa pela PSN em 10 anos de 44,7%, pela DAP 71,7% e a associação das duas condições (pés mistos) 62,4%. Pacientes com úlcera (17%) e os com amputação (13%) apresentaram mortalidade cumulativa em 10 anos de 67,7% A presença de úlceras foi significativa para mortalidade, mas com menor percentual dos que os já apresentados em outros estudos8.
Os fatores de risco para mortalidade estão sumarizados na Tabela 2. Após a realização da análise univariada, os fatores de risco significativos para mortalidade foram: duração conhecida da doença, idade, A1C, DAC, AVE, pé isquêmico, neuropático e misto; úlcera, amputação e uso de insulina. Como fatores de proteção: tempo de acompanhamento com enfermeiros, obesidade e o uso do antidislipidêmico.
Após a realização da análise multivariável, o tempo de acompanhamento com enfermeiros (IC95%; 0,66(0,61-0,71) permaneceu como único fator de proteção para a mortalidade. Cada ano a mais de seguimento com os enfermeiros diminuiu em 34% o risco de morrer para todos os tipos de pé, nos 3 modelos analisados. Como risco, mantiveram-se as variáveis pé isquêmico, (IC; 2,41(1,42-4,11), amputação (IC; 2,51(1,69-3,7), e DAC (IC; 1,72(1,22-2,44).
O risco de mortalidade aumentou em 2,4 vezes (141%) no grupo com pés isquêmicos comparados aos normais e no grupo de amputados 2,5 vezes (151%). A DAC aumentou 72% o risco de mortalidade para todos os pacientes com alteração nos pés; 80% quando ajustado para a presença de úlceras e 59% nos com amputação.
As características basais dos participantes do estudo são típicas de adultos com DM2: idade acima de 60 anos, média de 10 anos de doença e A1C fora do alvo. Apresentaram fatores de risco clínico para DCV já bem conhecidos em pacientes com DM: altas taxas de hipertensão, quase a metade com dislipidemia e obesidade, um percentual significativo de fumantes. Presença de DAC, de DAP e PSN que estão associados com ulcerações de extremidades, gangrena e amputações. O perfil lipídico é típico do paciente com DM2 com exceção do High Density Lipoprotein (HDL) embora não tenha sido analisada a diferença por sexo 7. Este conjunto de fatores revela que este grupo de pacientes tem um risco aumentado de morbidade e de mortalidade, apresentando as mesmas causas frequentes de mortalidade, a septicemia e os eventos cardiovasculares, que levaram a falência múltipla do organismo e que são apontadas em outros estudos8-9.
Embora a duração da DM, a idade, a A1C fora do alvo, o AVE e a presença de úlceras sejam apontados como fatores que contribuem para o aumento do risco de mortalidade, os dados deste estudo são consistentes com nenhum efeito (sem risco) 10. Possivelmente, para estes fatores, o efeito real se perca, reduzindo a força do efeito, pela associação destas variáveis entre si e com o tipo de pé, embora um maior risco seja provável. Pacientes com úlcera tem uma expectativa de vida menor e tem um risco excessivo por todas as causas de mortalidade comparadas com pacientes diabéticos sem história de úlcera7,11. O risco é atribuído em parte, pela enorme carga das doenças cardiovasculares o que ocorreu neste grupo, mas, em relação às úlceras o risco evidenciou-se na análise bivariada e não se manteve após ajuste para as demais variáveis associadas com a mortalidade. Embora não seja o objetivo deste estudo a avaliação do tratamento das úlceras e o fato dos pacientes serem atendidos por enfermeiras com vasta experiência em tratamento de feridas, de forma regular e contínua, possivelmente possa ter feito a diferença.
Não foi demonstrado que os pacientes em uso de insulina tiveram aumento da mortalidade nos três modelos estudados. Com a indicação do medicamento é esperado uma redução da A1C aos níveis de controle desejáveis, ou pelo menos melhora do controle glicêmico, influenciando positivamente na progressão da doença e suas consequências12.
Os achados deste estudo demonstraram que os pacientes que tiveram seus pés examinados por enfermeiras e que mantiveram este acompanhamento ao longo dos anos vivem mais pelo fato de minimizarem os riscos que afetam as alterações nos pés de quem tem um diabetes de longa duração. A educação utilizada como ferramenta de tratamento visou uma mudança de comportamento e um estímulo ao autocuidado. Estes dois aspectos associados possivelmente melhoraram conhecimentos, treinou habilidades e manteve aberto um canal para o diálogo sobre atitudes com a higiene dos pés, a escolha dos calçados apropriados, a melhor conduta em situações de emergência e como tratar adequadamente úlceras e amputações caso surgissem13. Associado a estes aspectos as orientações persistentes realizadas pelas enfermeiras sobre cuidados sistêmicos como não fumar, manter um bom controle glicêmico, controlar as taxas de lipídios sanguíneas e o uso correto dos medicamentos de alguma forma influenciou nos resultados, ensinamentos já recomendados por outros estudos12,14.
Um aspecto que deve ser salientado é que os enfermeiros realizaram reforços educativos a intervalos periódicos durante as consultas e acreditamos que o efeito da intervenção educativa tenha sido em parte mantido. Pode também ter auxiliado a entrega de folders educativos para os pacientes (cuidados preventivos com os pés, aplicação de insulina e hábitos saudáveis), bem como a disponibilidade de esclarecer dúvidas de forma rápida através de comunicação telefônica. Dados disponíveis têm demonstrado que não é o simples contato paciente-educador, mas sim o tempo de exposição educativa que determina mudança de atitudes15. É possível também que estes pacientes sejam mais motivados a colaborar com o tratamento, porque parte deles foi exposto a outros ambientes de educação (grupos de aplicação de insulina e de educação sobre a doença) participando e aceitando a educação em diabetes, por tempo mais longo, estando provavelmente mais dispostos para mudar16. Outros fatores a se levar em conta é que todos os pacientes tinham acesso de forma gratuita, a medicamentos, a vários profissionais de saúde assim como aos exames e procedimentos necessários para o controle de sua saúde. Este grau de acessibilidade pode explicar em parte as diferenças encontradas.
Destacou-se como fatores de risco determinantes para mortalidade a DAC, a DAP e as amputações. A doença macrovascular quando associada ao diabetes é mais frequente e a causa clinicamente mais relevante de morbidade e mortalidade1. A doença cardíaca isquêmica é a principal causa de mortalidade e o prognóstico após evento isquêmico mais grave, permanecendo um risco independente para o desenvolvimento de ICC e um preditor independente nos eventos isquêmicos neurológicos (AVE) e que as complicações vasculares são mais frequentes e intensas nas pessoas com diabetes17-19).
O alto risco cardiovascular associado ao pé diabético pode estar relacionado ao efeito cumulativo ligado à neuropatia e doença arterial periférica, que são condições conhecidas e associadas ao aumento de morbidade cardiovascular 7,14,18. A neuropatia sensorial periférica é um dos fatores de risco mais importantes tanto para o desenvolvimento de úlceras quanto para amputações em pés nos pacientes com DM. A perda de sensibilidade possibilita dano repetido nos tecidos podendo acarretar o desenvolvimento de lesões2,13. Dados apontam que o mau controle glicêmico, as úlceras de pé, a doença cardiovascular e a doença arterial periférica são fatores de risco independentes para a incidência de amputações17-20.
O pé diabético é uma condição heterogênea com muitos fatores de risco e a presença de DAP é um fator determinante. Neste estudo o risco de morrer atingiu o seu máximo naqueles pacientes com DAP isolada (pé isquêmico) e quando se associou a PSN (pé neuropático) potencializou o risco (pé misto). Os pacientes com PSN são os que mais se assemelharam aos com pés normais podendo refletir mais uma condição de morbidade do que mortalidade. O efeito cumulativo da DAP e a presença de amputações aumentou o risco de morrer da mesma maneira que ocorreu em outros estudos17-20.
O estudo por ser retrospectivo pode apresentar limitações por falta involuntária de informações no registro de dados em prontuários.
CONCLUSÃO
O cuidado dos pés de pacientes com DM2 que incluiu a educação conduzida por enfermeiras de forma contínua foi capaz de diminuir o risco de morte desses pacientes. Mantiveram-se como fatores de risco independente os pacientes com pé isquêmico, com amputação e com doença arterial coronariana. Não aumentaram o risco de mortalidade a duração conhecida do DM, a idade, a hemoglobina glicada fora do alvo, a presença de úlcera e o uso de insulina.
Os cuidados de saúde devem ser entendidos num contexto mais amplo de determinantes sociais, como a acessibilidade ao tratamento, que inclui a educação, em pacientes com condições que exigem autocuidado substancial, como a DM.
O pé diabético permanece como uma condição heterogênea com vários fatores de risco que afetam amplamente a progressão e o desfecho da doença. Portanto, são necessários mais estudos para avaliar o efeito cumulativo desses fatores.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Nov 2018 -
Data do Fascículo
2018
Histórico
-
Recebido
28 Nov 2017 -
Aceito
31 Jul 2018