Open-access Motivos da ação do redutor de danos junto ao usuário de drogas: um estudo fenomenológico

Motivos de la acción del reductor de daños junto al usuario de drogas: un estudio fenomenológico

Resumo

OBJETIVO  Apreender os motivos da ação do redutor de danos ao desempenhar suas atividades junto ao usuário de drogas.

MÉTODO  Pesquisa qualitativa, realizada em um município do estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, em maio de 2017, por meio da entrevista fenomenológica com 17 Redutores de Danos. Utilizamos a análise e interpretação da Fenomenologia Social de Alfred Schütz. RESULTADOSDa análise, constatamos três categorias: expectativa por mudanças no mundo da vida do usuário, motivação no trabalho mediado pelo reconhecimento de suas ações, e, relação com o outro como aprendizado para a vida.

CONCLUSÃO  O motivo da ação do redutor de danos está relacionado à família, busca por uma casa, emprego, acesso à saúde, direitos e estigma, bem como, através do retorno de suas ações, satisfação pessoal e aprendizado junto aos usuários de drogas.

PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem; Saúde mental; Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Usuários de drogas; Redução do dano

Resumen

OBJETIVO  Comprender el motivo de la acción del Reductor de Daños al desempeñar sus actividades junto al usuario de drogas.

MÉTODO  investigación cualitativa, realizada en un municipio del estado de Rio Grande do Sul (RS), Brasil, en mayo de 2017, a través de la entrevista fenomenológica realizada a 17 Reductores de Daños. Se utilizó el análisis e interpretación de la Fenomenología Social de Alfred Schütz.

RESULTADOS  Del análisis, constatamos tres categorías tres categorías: expectativa de cambios en el ámbito de vida del usuario, motivación en el trabajo mediante el reconocimiento de sus acciones y relación con el otro como aprendizaje para la vida.

CONCLUSIÓN  El motivo de la acción del reductor de daños está relacionado con la familia, búsqueda de una casa, empleo, acceso a la salud, derechos y estigma, así como, a través del retorno de sus acciones, satisfacción personal y aprendizaje junto a los usuarios de drogas.

PALABRAS CLAVE: Enfermería; Salud mental; Trastornos relacionados con sustancias; Consumidores de drogas; Reducción del daño

Abstract

OBJECTIVE  To understand the motives behind the actions of harm reducers when working with drug users.

METHOD  Qualitative research conducted in the municipality in Rio Grande do Sul (RS), Brazil, in May 2017, by means of phenomenological interviews with 17 harm reducers. We analyzed and interpreted the data using the social phenomenology of Alfred Schütz.

RESULTS  Data analysis led to the following three categories: expectation of changes in the user's sphere of life, motivation at work from the recognition of their actions, and relationship with others as a life-learning experience.

CONCLUSION  The reasons harm reducers work with drug users are related to the family, search for a home, employment, access to health care, rights, and stigma, as well as the positive results of their work, personal satisfaction, and learning with drug users.

KEYWORDS: Nursing; Mental health; Substance-related disorders; Drug users; Harm reduction

INTRODUÇÃO

O uso de álcool e outras drogas pode ser caracterizado pela autoadministração de qualquer quantidade de drogas, já o abuso está direcionado a um padrão que se caracteriza por apresentar riscos físicos e psicológicos para o usuário1. Nesse sentido, estudo mostra que existe uma associação entre pessoas em situação de rua, uso de substâncias ilícitas e algumas doenças como Hepatites, Tuberculose e também o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Fato que se justifica por ser uma população com maior probabilidade de apresentar diminuição da imunidade, menor acesso a serviços de saúde, exposição ao sexo desprotegido, abuso sexual e contato com outro enfermo, o que torna facilitada a contaminação por tuberculose2. Um risco que pode ser prevalente é a presença de sintomas depressivos em usuários de drogas em situação de rua, fator que pode ter como consequência o suicídio3.

Nesse contexto, a redução de danos se insere como uma estratégia para minimizar os riscos à saúde das pessoas que estão em situação de rua ou não e que fazem abuso de álcool e outras drogas. A redução de danos possui como princípio fundamental o respeito à liberdade de escolha do usuário e o acesso aos serviços de saúde4. Assim, a Política de Redução de Danos se torna um projeto de vida para usuários de álcool e outras drogas, pois sob esta ótica se entende que eles possuem autonomia para serem protagonistas e corresponsáveis pela construção/reconstrução de sua vida e de seus valores5.

As estratégias de redução de danos podem, também, ser construídas pela figura do redutor de danos, o qual se caracteriza por ser um “profissional que desempenha atividades que visam garantir a atenção e a defesa às pessoas em situação de risco pessoal e social, assim como aproximar as equipes dos valores, modos de vida e cultura das pessoas em situação de rua”(5:1). O redutor de danos trabalha junto a usuários de álcool, crack e outras drogas, realizando atividades educativas e culturais, dispõe de insumos de proteção à saúde, facilita e media o acesso dos usuários na Rede de Atenção à Saúde para o cuidado em seu território6. Nesse contexto, as estratégias de cuidado no território permitem estabelecer melhores relações sociais entre o profissional de saúde e o usuário, além disso, favorecem a autonomia em relação ao seu próprio cuidado7.

Ao buscar na literatura científica produções acerca do tema redução de danos, percebeu-se que os estudos encontrados apontam fragilidades nas redes de serviços, falta de compreensão e de engajamento dos profissionais de saúde e não trazem o Redutor de Danos como participante de pesquisas8-9. Assim, este estudo tem como questão de pesquisa: quais os motivos da ação do redutor de danos ao desempenhar suas atividades junto ao usuário de drogas? E, como objetivo: apreender os motivos da ação do redutor de danos ao desempenhar suas atividades junto ao usuário de drogas.

MÉTODO

Estudo oriundo de uma dissertação de mestrado intitulada “Cuidado de pessoas usuárias de drogas: estudo fenomenológico na perspectiva do redutor de danos”10. Pesquisa qualitativa, fenomenológica, fundamentada no Referencial Teórico-Metodológico de Alfred Schütz, realizada em um município do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A Fenomenologia permite compreender as vivências intencionais da consciência para perceber como se produz o sentido dos fenômenos, que se chama mundo, sem jamais abandonar o solo da experiência11.

Schütz expressa em sua Teoria da Motivação que os homens agem segundo motivos dirigidos para a obtenção de metas que apontam para o futuro. O autor chamou de “motivos com a finalidade de”, também conhecido como “motivo para” ou “motivos a fim de”. Por outro lado, os homens possuem “razões” para suas ações, as quais são ancoradas em experiências passadas, na personalidade que um homem desenvolveu no decorrer da sua vida, as quais o autor denomina de “motivos porque”. Somente quando o ator se volta para seu passado, ele se torna “um observador de seus próprios atos” (12.

Realizaram-se entrevistas fenomenológicas, individuais e gravadas com gravador digital, no mês de maio de 2017, com 17 redutores de danos. A entrevista fenomenológica não é intervenção, por isso não se utiliza de técnicas. Trata-se de interpretar compreensivamente a linguagem do sujeito, por intermédio da percepção de significados dos modos como ele se comporta, por meio de movimentos do corpo, expressão do olhar, gestos e outras maneiras que podem ser explicitadas no decorrer da entrevista, presentes em suas atitudes e perceptível de maneira imediata. Ao desvelar o gesto-expressão do sujeito, é possível perceber a sua realidade no mundo e a maneira como se posiciona frente à sua conduta, fatos e acontecimentos do mundo objetivo11. Para tanto, foi realizado um período de aproximação e ambientação no mês de abril do referido ano.

O número de participantes nas entrevistas não foi predeterminado, entretanto, encerrou-se quando o quantitativo respondeu ao objetivo do estudo. Assim, perante a suficiência de significados expressos nas falas finalizaram-se as entrevistas. A anuência ocorreu mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Usou-se como critério de inclusão: possuir vínculo empregatício como redutor de danos na Rede de Saúde Mental. E, de exclusão: aqueles que estivessem em licença ou atestado de saúde no período da coleta de dados.

Para a realização das entrevistas os encontros ocorreram conforme o desejo de cada um, assim, usou-se o período de intervalo e a sala dos Redutores de Danos. Para tanto, as entrevistas foram conduzidas pela seguinte questão norteadora: o que você espera quando realiza suas ações junto ao usuário de álcool e outras drogas? Também, havia um roteiro próprio que versava sobre a situação biográfica dos redutores de danos, composto por data de nascimento, sexo, escolaridade, profissão, estado civil, religião e, ainda, se haviam feito alguma capacitação para atuar como redutor de danos e se participavam de eventos/cursos relacionados à saúde mental.

O modo de condução na entrevista possibilitou que os Redutores de Danos falassem espontaneamente sobre suas experiências. Para garantir-lhes o anonimato, eles foram identificados, de forma genérica, de RD1 a RD17. Utilizaram-se, para a análise das informações, os passos descritos por Tocantins13 da Fenomenologia Social de Alfred Schütz. Sendo assim, inicialmente, as entrevistas foram transcritas atentamente e, após, realizada a primeira leitura. Na sequência, ocorreram outras releituras aprofundadas procurando identificar os motivos para as ações desenvolvidas pelo Redutor de Danos.

Assim, se procurou apreender como os Redutores de Danos vivenciavam o fenômeno pesquisado e as similaridades das experiências vividas. Posteriormente, buscou-se identificar categorias concretas do vivido por meio da separação das falas, a fim de selecionar e agrupar fragmentos que continham aspectos significativos para os Redutores de danos. A partir das características que eram típicas nas falas, buscou-se estabelecer o significado da ação dos Redutores de Danos, buscando descrever o típico da ação que realizaram, representando o que era comum a esse grupo social13.

Em todas as etapas desta pesquisa foram atendidos os princípios éticos, conforme a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, com aprovação do protocolo de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos, sendo aprovado Parecer Nº 1.967.534 e CAAE Nº 664795817.0.0000.5346.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os 17 redutores de danos entrevistados, haviam 13 mulheres e quatro homens, com idades entre 22 e 53 anos, a maioria era profissional Assistente Social ou estava Cursando Serviço Social. Além disso, sua maior parte eram casados e seguidores da doutrina espírita. Todos haviam feito capacitação para atuar como redutores de danos na Escola de Redução de Danos locada no município e participavam, frequentemente, de encontros e eventos ligados a saúde mental.

Em toda ação que o indivíduo estabelece há um sentido intencional, o qual busca atender suas expectativas e necessidades, contudo, este sentido e significado somente o próprio indivíduo pode expressar. Os motivos para se referem a algo que se quer realizar, objetivos que se procuram alcançar, tendo uma estrutura temporal voltada para o futuro, formando uma categoria subjetiva da ação12. Nesse intuito, a partir das falas dos redutores de danos, se constroem três categorias concretas do vivido referente aos motivos para suas ações, intituladas: Expectativa por mudanças no mundo da vida do usuário; motivação no trabalho mediada pelo reconhecimento e satisfação pessoal em realizar suas ações; e relação com o outro como aprendizado para a vida.

Expectativa por mudanças no mundo da vida do usuário

Os redutores de danos esperam que suas ações de cuidado possam desencadear mudanças na vida desses usuários, pensando em perspectivas futuras relacionadas à família, a busca por uma casa, emprego, acesso a tratamentos de saúde, direitos e à redução do estigma que sofrem perante a sociedade. Assim, destacam a família em seus depoimentos.

Espero ter um retorno da pessoa, conseguir ver a pessoa bem, a família tranquila, aquela família que estava atordoada não sabia mais o que fazer da vida, que nada mais tinha sentido. Espero que ela consiga mudar de vida. (RD3)

Eu espero que eles fiquem bem, que absorvam o tratamento, que façam direitinho, que fiquem mais orientados em relação a tudo, principalmente à família. Se conseguir ter um clima melhor dentro de casa já flui para tudo. (RD16)

Espero um futuro melhor para eles em relação à família, eu penso no que aconteceu na vida dele para ele estar nessa situação, muitas vezes, o que acontece é pais separados, uma família que não tem uma estrutura, a família que não dá atenção, só passa trabalhando não tem tempo para o filho. Daí o amiguinho lá da esquina tem tempo, pra ajudar, pra dar uma droga que vai aliviar sua dor. (RD15)

A gente sempre espera que dê tudo certo [...], que ele não recaia mais, que consiga se aproximar do resto da família. Ele perdeu o pai dele há pouco tempo. Isso também foi um dos motivos que ele se atirou [...]. (RD4)

O desejo do Redutor de Danos frente às expectativas futuras relacionadas aos usuários de drogas e seus familiares é construído por suas próprias experiências no mundo da vida, o qual pode ser compreendido como a esfera total de vivências, experiências e relações interpessoais12. As relações familiares podem ser fatores de risco determinantes para o uso de drogas através da falta de diálogo, desprezo familiar, falta de afeto, conflitos, violência moral e física. No entanto, as relações positivas, podem estar ligadas a fatores de proteção ao uso indevido de drogas. Contudo, o uso de drogas, abala e desestrutura as relações familiares, gerando desconforto, conflitos na família, enfraquecendo as relações e promovendo sobrecarga familiar14. A motivação para o uso de drogas pode estar relacionada a questões familiares, como perdas na família e o fato de não conseguirem enfrentar situações cotidianas em casa, como uma discussão familiar. A dificuldade de se manterem abstinentes também pode estar relacionada diante de situações boas e ruins na vida diária15.

No mundo intersubjetivo, o homem em sua atitude natural, percebe que os mesmos objetos de seus conhecimentos podem aparecer de forma diferente para o outro12. Por sua vez, os usuários de drogas possuem uma perspectiva própria relacionada ao convívio com sua família. No entanto, o motivo das ações do redutor de danos se constrói com a finalidade de aproximação e de boa relação social entre os usuários de drogas e seus familiares, sendo essas motivações compreendidas pelos redutores de danos como algo positivo na atenção ao usuário de drogas.

Os redutores de danos, por sua vez, experienciam e interpretam o mundo da vida cotidiana de acordo com experiências herdadas socialmente com seus antecessores, ou seja, pessoas que já existiam antes de seu nascimento. Assim, essas experiências são transmitidas em seu grupo social12. Fato que os fazem compreender que possuir uma casa, emprego, ter acesso à saúde e direitos perante à sociedade, são fundamentais. Logo, realizam suas ações com essa finalidade junto ao usuário de drogas. Contudo, o redutor de danos acredita que isso acontecerá dentro das possibilidades e objetivos que cada usuário deseja para si. Percebido por meio das falas do redutor de danos.

Espero que dentro das possibilidades que a pessoa procura, se atinja os objetivos. Se estiver mal de saúde, que possa fazer um tratamento, se curar ou melhorar. Se estiver em uso (drogas), que possa diminuir ou parar. Acessar alguns direitos que a pessoa tenha se tiver em uma situação de rua, estar em uma casinha, mesmo pequenininha, mas ter um abrigo se for da necessidade da pessoa. (RD10)

Eu espero que eles fiquem bem, um emprego, que comece a organizar melhor sua vida pessoal, se as coisas vão se ajeitando para eles, para nós já está ótimo. (RD16)

Eu tenho isso comigo, vamos olhar para o futuro, não voltar pra derrora, melhorar de vida, espero que saiam dessa situação, que saiam da rua. Ontem eu encontrei o de toquinha, eu disse, tu tais recebendo? Vai alugar uma peça (casa), tem uma peça em tal lugar é 250 reais mobiliado, tem cama, tv (televisão) é só entrar ali e pagar, é com água e luz. Vai no um real compra coisa pra comer. Presta atenção saia da rua no estado que tu está doente não dá pra ficar na rua, é sofrido. (RD11)

A ideia da política de redução de danos é ampliar e modificar os modos de cuidados em saúde, através da educação, prevenção, promoção e reabilitação, a qual se propõe a pensar em ações voltadas à realidade de cada pessoa, respeitando o direito que estas têm de escolher. A Redução de Danos compreende que, mesmo diante da escolha em usar drogas, são pessoas que possuem direitos e são merecedoras de cuidados de saúde. Assim, a redução de danos se torna uma ferramenta de práticas pedagógicas no espaço da rua, de maneira coerente com sua população16.

Por vezes, a sociedade não compreende a história de vida do usuário de drogas, sua singularidade, sentimentos e desejos. Assim, predomina uma representação estigmatizante de marginal, vagabundo e violento, gerando a ideia de pessoa não cidadã, sem direito a um lugar social e passível de exclusão17. Nesse sentido, os redutores de danos, através de suas ações, têm a intenção de proporcionar mudanças para os usuários de drogas em relação a sua vida devido ao estigma que sofrem pela sociedade. Observado nos relatos do redutor de danos.

Espero que eles mudem a vida deles, não precisa que seja muito, que eles saem daquela vida sofrida, àquela vida de humilhação, de desprezo. As pessoas desprezam, desviam, acham que os guris são uns lixos [...]. (RD12)

Me dá uma agonia de saber que eles estão na rua, eu sei que estão passando trabalho que estão rindo por fora e chorando por dentro, eles são pisoteados porque às vezes desviam de um cachorro e não desviam deles. Eu ajudo, falo, oriento, dou o caminho, mas eu sei que é no tempo deles, espero que saem dessa vida. (RD6)

Eu acho que eu estou fazendo um bom trabalho. Espero contribuir, poder ajudar aquelas pessoas que ninguém chega perto, são excluídas da sociedade que o mundo quer longe. Eu acho que estou fazendo uma grande coisa, sinto que estou ajudando de alguma forma. (RD2)

Eu espero um mundo mais igual, sem preconceito, que as pessoas não sejam tratadas como loucas ou inválidas pelo uso de drogas. Que não sejam vistas como doente independente de usarem álcool ou outras drogas, morarem na rua ou se prostituírem. (RD13)

A estigmatização é muito presente na área da saúde mental, além das pessoas superarem questões relacionadas aos danos causados pela doença ou uso de droga também precisam enfrentar crenças, estereótipos e preconceitos. Nesse sentido, se deve enfatizar para questões relacionadas ao auto-estigma, também descrito como estigma internalizado, onde a pessoa estigmatizada se torna consciente dos estereótipos negativos que lhe são impostos e acaba concordando com ele e aplicando-o a si mesmo. As consequências do estigma internalizado tendem a estar associados a uma baixa autoestima, desesperança, redução da auto eficácia, incapacitação, acentuar os problemas já existentes e, ainda, podem diminuir o convívio social18.

Nota-se, a percepção do redutor de danos frente às questões relacionadas ao estigma em relação aos usuários de drogas, pelo fato de vivenciar o desprezo e a humilhação com que eles convivem. Desse modo, o redutor de danos realiza suas ações com a intenção de contribuir para uma mudança no mundo da vida, relacionada à exclusão social dos usuários de drogas.

Motivação no trabalho mediada pelo reconhecimento e satisfação pessoal em realizar suas ações

O redutor de danos realiza suas ações impulsionadas por experiências positivas e de reconhecimento do seu trabalho, mediadas pelo retorno dos usuários com quem se relacionam e pela satisfação pessoal como redutor de danos. A valorização de suas ações pelos usuários de drogas é percebida como uma motivação, trazida através dos depoimentos do redutor de danos.

Hoje eu trabalho com adolescentes que cumprem medida na CASE [Centro de Atendimento Sócio-Educativo]. Fizemos um grupo de Redução de Danos para o pessoal da casa [CASE] aqui no CAPS ad (Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas). A coordenadora me relatou que eles estão perguntando por mim. (RD5)

Eu tenho pessoas na rua hoje que não voltaram para a vida do crime, sendo criminosos pesados. Só de fazer, de acompanhar o grupo tu te alegras. Eu fazia essas ações como Redutor de Danos, oferecia curso para eles. Eles diziam: isso eu aprendi com o senhor, cara o trabalho que eu fiz não foi em vão. (RD7)

Foi uma coisa tão boa para mim saber que estava bem. É uma coisa que me mantêm no meu trabalho, que me faz gostar muito é que quando eu estou em algum lugar às pessoas vêm e dizem, olha como eu estou bem, estou gordo. (RD13)

O Redutor de Danos compreende no encontro social, o significado subjetivo, através do fluxo de consciência, ou seja, do que passa pela cabeça do outro enquanto fala. O Redutor de Danos precisa interpretar e construir os atos intencionais do outro na medida em que eles escolhem suas palavras. Nesse sentido, o Redutor de Danos consegue, por meio da relação-do-Nós experienciar um momento particular da vida dos usuários de drogas, podendo viver em seu contexto significativo subjetivo no âmbito de uma relação-do-Nós real e com conteúdo quando o usuário traz o retorno de suas ações. Sendo assim, o redutor de danos compreende, através do fluxo de consciência, uma história de vida e superação compartilhada na relação-do-Nós12.

O mundo da vida é intersubjetivo, nossas ações são sociais, pois elas nos colocam em relação com os outros. Através da relação com os usuários de drogas, o redutor de danos aponta para a satisfação pessoal como motivos de suas ações.

Eu acho prazeroso! Eu gosto coisa boa quando a gente vê que eles conseguem se equilibrar de novo quando conseguem retomar a vida, eu acho bem gratificante, eu me sinto bem, eu gosto de fazer isso, eu gosto de ajudar os outros. (RD8)

Isso é uma coisa boa, essa troca, hoje tu está bem aí a gente te ajuda, um dia eu não estou muito bem, passo lá, eles dizem: oi! Abanam. Que coisa boa essa troca eu te ajudo, tu me ajudas, é gratificante essas trocas de se doar. (RD17)

É ficar satisfeita de contribuir para a pessoa atingir uma melhor qualidade de vida, naquilo que ela estava querendo. Naquilo que a pessoa me solicitar vou fazer o possível para atender. (RD14)

Uma pesquisa realizada com funcionários que trabalham diretamente com saúde mental aponta que, apesar da falta de suporte organizacional existente na relação entre a equipe e a gestão, envolvimento, satisfação e comprometimento afetivo com o trabalho. Estes fatores tendem a melhorar o desempenho nesses espaços, refletindo no prazer em fazer parte daquele grupo, propiciando um vínculo mais articulado com as questões que envolvam a saúde mental19. Fato que se assemelha na relação social dos redutores de danos com usuários de drogas pelo fato de se envolverem por meio de uma relação de reciprocidade no mundo da vida.

O mundo da vida não pode ser experienciado de modo solitário. Apreender os processos da consciência do outro não é apenas a partir daquilo que ele partilha de forma deliberada comigo, mas também através da observação e interpretação dos seus movimentos, da sua expressão facial, dos seus gestos, do ritmo e entoação do seu discurso, etc12. Assim, o redutor de danos percebe afetividade do usuário quando o cumprimenta através do gesto de abanar havendo uma relação de troca e satisfação em suas ações.

Relação com o outro como aprendizado para a vida

Desvela-se que o redutor de danos aprende com seus semelhantes. Assim, leva para si os ensinamentos vivenciados diariamente. A relação face a face constitui uma forma de encontro social, pelo qual existe aprendizagem em relação ao outro. O que pode ser observado na fala do redutor de danos.

Eu vejo Redução de Danos como um aprendizado, porque não é o fato de eu só levar a informação para a pessoa. É uma troca de informações porque eu estou sempre aprendendo. (RD1)

Às vezes, você está passando por um momento ruim, aí tu vais fazer uma Visita Domiciliar e a pessoa não possui quase nada e ela está com um sorriso no rosto, conversando contigo. O Redutor cresce com o serviço, com cada situação que tu pega. Te faz crescer como ser humano. (RD15)

Aprendizado, tudo é construção, tudo é aprendizado. Para a vida isso, para tua vida pessoal. Eu acho que cada um tem o seu problema e o seu problema é maior. Eu acho que é isso, reflexão de tu pensar todos os dias, de valorizar as coisas que a gente tem. A gente reclama muito, tem que lembrar que tem gente que está em uma situação pior que a minha. (RD10)

Eu penso nos meus problemas e vejo que o outro tem mais problema que eu, me coloco no lugar dele e o meu se torna insignificante. Sabe que o problema da gente até a gente resolve mais fácil, só vendo a dificuldade do outro, olha o problema desse cara, usando crack, vivendo na rua, sem tomar banho [...]. (RD17)

O redutor de danos apreende sobre si, através das experiências que vivencia com o outro. Ao se relacionar com o usuário de drogas, o redutor de danos compreende que fatos considerados difíceis que fazem parte de sua vida, se tornam insignificantes a se ver na realidade do outro. O redutor de danos, como observador, busca esclarecer os motivos do sujeito que observa, podendo interpretar as ações de outras pessoas colocando-se no lugar dela12.

Se colocar no lugar do outro pode ser definido como um ato de empatia. Esta se mostra como uma habilidade social, a qual auxilia na construção e manutenção de vínculos sendo necessária no cuidado. O comportamento empático é um dever ético e moral das pessoas que se dispõem a ajudar ao outro20. Nesse sentido, o redutor de danos faz suas ações também com expectativas de aprendizado na relação com o usuário de drogas. Ao vivenciar a realidade do outro, o redutor de danos reflete sobre sua própria vida e suas condutas frente aos seus problemas e comportamento como ser humano.

CONCLUSÃO

Por meio da percepção fenomenológica e da análise compreensiva da Fenomenologia Social de Alfred Schütz, se buscou apreender os motivos da ação do redutor de danos ao desempenhar suas atividades junto ao usuário de drogas. Logo, ao se relacionar com o usuário de drogas o redutor de danos realiza suas ações com perspectivas pensadas para o futuro. Desse modo, o motivo de suas ações está relacionado com a finalidade de mudanças no mundo da vida desse usuário. Nesse sentido, o redutor de danos espera mudanças frente à família, através da aproximação entre eles e também de uma boa relação social com os familiares. Além disso, por meio de suas ações, o redutor de danos tem como expectativas que o usuário de drogas consiga uma casa, emprego, que tenha acesso à saúde e direitos perante a sociedade. No entanto, compreende que essas questões serão estabelecidas dentro das possibilidades e objetivos dos usuários. Ainda, o redutor de danos tem como motivo de suas ações a construção de mudanças de vida, devido ao estigma que o usuário de drogas sofre perante a sociedade.

Ao mesmo tempo, o redutor de danos traz o reconhecimento de seu trabalho, pelo usuário de drogas e também a satisfação pessoal como motivo de suas ações, através da troca e do envolvimento afetivo entre eles. Desvelou-se, ainda, que o redutor de danos traz como motivo de suas ações o aprendizado pessoal com o usuário de drogas por meio das experiências que vivencia com ele.

Ressalta-se a contribuição destes achados por meio da visibilidade das ações do redutor de danos, aliado aos motivos que levam a realizá-las junto ao usuário de drogas. O estudo se mostra relevante para a construção das ações dos redutores de danos e das relações sociais entre redutor de danos e usuário de droga. A pesquisa científica com essa temática é um desafio na construção do conhecimento, por ser ainda um campo pouco explorado, que necessita avançar cada vez mais. Sugere-se, para maior compreensão, que mais estudos sejam realizados em outras regiões do país, o que poderá colaborar para ampliar o olhar sobre esse fenômeno.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2018
  • Aceito
    13 Set 2018
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