RESUMO:
A maior produção brasileira de mamona (Ricinus communis L.) se concentra na caatinga do estado da Bahia, onde a mudança do uso da terra para o seu cultivo tem sido considerada uma estratégia de recuperação de áreas degradadas. No entanto, alterações no solo nativo proporcionam impactos ambientais, como emissões de gases de efeito estufa (GEE). Presume-se que elevadas emissões de GEE sejam provenientes da mudança do uso da terra para o cultivo de mamona e que os subprodutos dessa oleaginosa também participam dessas emissões. O objetivo deste trabalho foi realizar o inventário das emissões de GEE decorrentes do cultivo da mamona e seus subprodutos. Foi realizado um estudo na Fazenda Floresta, no município de Irecê (BA), onde foram avaliadas: a mudança no estoque de carbono (C) no solo cultivado com mamona e na floresta nativa local; a quantidade de folhas senescentes e fitomassa epígea; e as emissões de GEE provenientes dos subprodutos da produção agrícola de mamona. Os resultados mostraram que a soma das folhas senescentes e fitomassa epígea obtida pela poda da mamona é superior a 1,6 Mg ha-1ano-1 e o uso da torta de mamona no solo apresentou emissões de N2O próximas a 600 µg m-2. As emissões provenientes do uso do biodiesel de óleo de rícino representaram menos de 10% das emissões. A mudança de uso da terra foi responsável pelas elevadas emissões de GEE, representando 87% do total em CO2eq. Em comparação às emissões estimadas para o etanol de cana-de-açúcar, o biodiesel de mamona apresentou emissões 32% inferiores.
Palavras-chave: Semiárido; Mudança de uso da terra; Fitomassa de mamona; Biodiesel.
ABSTRACT:
The largest production of castor bean (Ricinus communis L.) focuses on Bahia savanna, where the change of land use to their cultivation has been considered a strategy of degraded areas recovery. However, changes in the native soil can arise environmental impacts as greenhouse gases (GHG) emissions. We have assumed that higher GHG emissions come from a change of land use for castor bean cultivation and their sub-products contribute to GHG emissions. The objective of this study was to make the inventory of the emission of GHG resulting from the castor bean cultivation and their sub-products. It was done a study in the municipality of Irecê-BA and were evaluated: changes in carbon (C) soil stocks in cultivated areas with castor bean and Local native forest; a number of senescent leaves and the biomass produced epigeal; GHG emissions from the sub- products of castor bean. The results showed that the sum of senescent leaves and epigeal biomass obtained by castor bean pruning is more than 1.6 Mg ha-1ano-1 and the castor bean residues used in this soil presented N2O emissions close to 600 µg m-2. The emissions from the use of castor oil biodiesel represented less than 10% of the emissions. The change in land use handled high emissions of greenhouse gases, accounting for 87% of the total in CO2eq. Compared to emissions estimated for sugarcane ethanol, castor biodiesel showed emissions 32% lower.
Keywords: Brazilian semiarid; Land use change; Castor bean phytomass; Biofuel.
INTRODUÇÃO
Os relatórios do IPCC (2012) demonstram que a utilização de combustíveis fósseis é responsável por mais de dois terços das emissões antropogênicas de GEE. No entanto, a queima desses tipos de combustíveis somada à mudança de uso da terra coloca o Brasil entre os primeiros países emissores de GEE (LEAL et al., 2015).
Considerando a região nordestina brasileira, a mudança de uso do solo no bioma Caatinga para o cultivo de oleaginosas tem sido considerada uma estratégia para a recuperação de áreas degradadas (CASTRO; DEVIDE; ANACLETO, 2008). Essa mudança pode proporcionar alterações na ciclagem dos principais elementos químicos no solo, resultando em emissões de GEE (ALBUQUERQUE et al., 2012). De fato, os estoques de C e N contidos nos solos com vegetação nativa sofrem modificações quando esses sistemas são convertidos ao uso agrícola (FRACETTO et al., 2012) e, dependendo do sistema de manejo do solo empregado, os estoques podem permanecer iguais, aumentar ou diminuir em relação ao sistema natural (CERRI et al., 2009).
A mamona (Ricinus comunis L.), vegetal alvo do presente trabalho, é uma planta oleaginosa da família Euphorbiaceae e atualmente produzindo cerca de 900 kg ha-1 da matéria-prima, podendo gerar até 800 mL de óleo por quilograma de cachos colhidos (IBGE, 2014). O Nordeste responde por 94,3% da produção da mamona no país, sendo o Ceará e a Bahia os principais estados produtores, participando cada um destes com 42,2% da safra nacional de mamona em baga (IBGE, 2014).
As etapas para a extração do óleo de mamona nessas regiões são administradas pelas cooperativas locais. Após a colheita dos racemos o óleo extraído da prensagem dos grãos de mamona é formado por aproximadamente 90% de triglicerídeos. O ácido ricinoleico gerado tem ligação insaturada que confere um elevado peso molecular e um baixo ponto de fusão. Com isso, o óleo apresenta características como alta viscosidade e solubilidade em álcool (OGUNNIYI, 2006; SILVA et al., 2006).
Segundo OGUNNIYI (2006), a principal razão para a grande demanda mundial pelo óleo de mamona são suas formas de utilização, como hidrogenado, desidratado e oxidado, e a base dos mais diversos produtos industriais. Além disso, é formado a partir da moagem de seus frutos e cachos e um importante subproduto da mamona: a torta. Esta última tem sido utilizada predominantemente como adubo orgânico para culturas de mandioca, milho, feijão, entre outras, e como matéria-prima para a produção de aminoácidos, plásticos, em especial biodegradáveis, colas, inseticidas, além de servir como um controlador da atividade de nematoides no solo (SEVERINO et al., 2004; LIMA et al., 2008; 2011).
Em decorrência do uso de torta de mamona no solo como fertilizante orgânico, do interesse na demanda produtiva de seu óleo e das atuais exigências de práticas sustentáveis do manejo do solo, é de extrema importância analisar os impactos ambientais do plantio dessa oleaginosa e do uso de seus subprodutos, levando em consideração as emissões de GEE.
Diante dessa perspectiva, presume-se que maiores emissões de GEE sejam provenientes da mudança do uso da terra para o cultivo de mamona. Além disso, a utilização dos subprodutos de mamona também contribui com emissões de GEE. O objetivo deste trabalho foi realizar o inventário da emissão de GEE decorrente do cultivo da mamona utilizada como matéria-prima para a indústria de óleo e biodiesel.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
As áreas onde foi desenvolvido o estudo estão localizadas na Fazenda Floresta, no município de Irecê no centro-norte baiano (11°18'14" S e 41°51'21"O). Segundo o sistema de classificação de Köppen, o clima da região pode ser definido como um BSwh - semiárido (Polígono das Secas) de altitude (722 metros) com pluviosidade média anual de 582 mm ano-1 e chuvas concentradas entre novembro e janeiro. A temperatura média anual é de 22,7ºC, variando entre 17,7 e 26,9ºC (Figura 1).
Temperatura média mensal (máxima e mínima) (°C) e precipitação média (mm) no município de Irecê (BA) no bioma Caatinga.
Histórico de uso da terra
Para esse inventário a área selecionada apresenta um histórico de mudança de uso da terra de vinte e sete anos, haja vista a ocorrência de desmatamento em 1987 para a extração de madeira. Logo após esse período, a fitomassa já se encontrava bastante reduzida pelo extrativismo. A área é denominada de Fazenda Floresta e a cultura de mamona é conduzida em sistema de produção familiar, sem uso de adubação ou outros insumos agrícolas desde o implante da cultura.
A fase de conversão teve sequência com a destoca feita com machado e formação de montes com o material vegetal, o qual depois de seco foi queimado. Após a queima, a área foi preparada convencionalmente (uma aração e duas gradagens). O plantio da mamona foi realizado em novembro de 1988 com um espaçamento de 3,0 x 1,0 m (3330 plantas ha-1) com o cultivar BRS 149 (Nordestina).
Desde a implantação da cultura a condução anual foi feita sem o uso de insumos e com os manejos de colheita e podas realizados manualmente. No mês de abril ocorreu a maturação dos racemos e a colheita efetuada entre julho e agosto com a poda realizada em outubro. Durante os meses de maturação e colheita dos racemos ocorreu a perda das folhas, as quais são retiradas da área devido a liberação de compostos fitotóxicos durante a decomposição do material vegetal. O mesmo ocorre com a fitomassa epígea após a poda. Estes resíduos vegetais são empilhados em outra área da propriedade para a secagem natural e posterior queima.
Coleta e análise de amostras
Para o inventário foram reunidas as informações de produção de racemos inteiros (pedicelo e as bagas contendo as sementes), grãos, fitomassa aérea pós-colheita e poda obtidos diretamente na Fazenda Floresta.
A emissão de CO2 do solo em função da mudança de uso da terra foi estimada com base nas alterações dos estoques de C ao longo do tempo seguindo a metodologia proposta no Volume 4 do Guia para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa (IPCC, 2006). Para isso, amostras de solo foram coletadas em anéis volumétricos (amostras indeformadas) para o cálculo da densidade em cinco mini trincheiras até 30 cm na área escolhida e em uma área com vegetação natural do bioma Caatinga (floresta de referência). O teor de carbono total nas amostras foi determinado por combustão a seco no equipamento LECO CN-2000(r). Os estoques de C foram obtidos através do cálculo multiplicativo entre a densidade, profundidade avaliada e teor de carbono no solo. Além disso, os estoques foram corrigidos pelo método da massa, conforme sugerido por Sisti et al. (2004).
Para determinar a quantidade de folhas senescentes das plantas no período de maturação dos racemos foram instaladas cinco malhas plásticas (sombrite) sobre o solo com área de 3 m2 entre os pés de mamona para a coleta das folhas nos meses que correspondem a maturação da fase reprodutiva da mamona, podendo haver quedas em suas folhagens.
No Laboratório de Biogeoquímica Ambiental - CENA/USP, em Piracicaba (SP), a quantidade total de folhas foi lavada em água deionizada, secas na estufa com circulação de ar a 60ºC por 72 horas e em seguida determinada a massa seca. As amostras foram moídas, passadas em peneira de 60 mesh (0,250 mm de abertura) e seus teores de C e N determinados no equipamento LECO CN-2000(r).
A quantidade de CO2 emitido proveniente da queima das folhas senescentes e da fitomassa foi calculada a partir da quantidade de C-total dos resíduos considerando-se uma eficiência de queima em 95% - modificado do estudo realizado por Righi et al. (2009). Para as emissões de N2O proveniente da queima foi considerado o fator de emissão de 1,366E-02 (IPCC, 2006).
A quantidade extraída de óleo de mamona (rícino) e torta de mamona foi obtida na destilaria IRECÊ LTDA. Para avaliar a emissão dos gases CO2 e N2O do solo com e sem a aplicação da torta de mamona foi instalado um experimento em condições ambientais controladas (incubação em laboratório). A torta de mamona foi cedida pela empresa A. Azevedo Indústrias e Comércio de Óleos LTDA, situada na cidade de São Paulo (SP), a qual processa o subproduto da mamona obtida das regiões nordestinas.
As incubações foram realizadas em frascos de vidro (1200 mL), hermeticamente fechado com tampa, com um béquer com 20 mL de água para manter a umidade interna durante o período de incubação. Foi utilizado 500 g de solo coletado na camada 0-10 cm proveniente da área cultivada há 27 anos com mamona na Fazenda Floresta (Irecê, BA). O tratamento consistiu na mistura de 2 g de torta de mamona ao solo (massa equivalente ao aplicado no solo), além da testemunha (sem aplicação da torta). O período de incubação total foi de 16 dias (até o momento em que se observou estabilização nos fluxos de GEE) e as amostras coletadas e analisadas diariamente. Após a coleta, os frascos foram abertos para ventilação e fechados no momento da próxima análise.
A temperatura de incubação foi mantida em 25°C e a umidade do solo de 60% da capacidade de campo, com cinco repetições para cada tratamento. As amostras de gases foram retiradas com seringas BD de 20 mL analisadas no cromatógrafo Shimadzu GC(r).
O transporte da matéria-prima (racemos) da Fazenda Floresta para a Destilaria Irecê-Ltda. é feita por meio de caminhões de porte médio de três eixos com capacidade de carga de 14.000 kg. A distância entre a fazenda e a destilaria dista 14,2 km, ou seja, um total de 28,4 km considerando ida e volta. Para o cálculo da quantidade de diesel utilizada no transporte foi estimado um consumo médio de 3 L km-1 (dados obtidos pela destilaria). Para a conversão do consumo do diesel em quantidade emitida foi utilizado o fator de emissão default de 2,682 em kg de CO2eq.L-1 de diesel (IPCC, 2006).
Para a taxa de conversão de óleo de mamona em biodiesel foram utilizados os valores de referências da Agência Nacional de Petróleo (ANP, 2014). Para as emissões provenientes da combustão do biodiesel obtido do óleo de mamona foi considerado o fator de emissão de 1,682 para o CO2 e de 4,536E-06 para o N2O, conforme valores default proposto no guia para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa (IPCC, 2006).
A emissão de CO2 proveniente da glicerina - subproduto da transesterificação para a produção do biodiesel - independente da utilização posterior, foi considerada como a mineralização total das cadeias de C presentes na molécula multiplicada pela quantidade produzida.
Para o N2O emitido do solo (por se tratar de um sistema onde não ocorre aplicação de nenhum tipo de insumo agrícola) foi utilizado o valor do tratamento controle (sem aplicação de torta de mamona) de 0,2 mg m-2 h-1, obtido pelo experimento de incubação realizado no Laboratório de Biogeoquímica Ambiental (CENA/USP).
Os valores computados para o inventário das emissões foram separados conforme a origem das emissões. Nesse caso, o CO2 emitido proveniente da fixação atmosférica que ocorre durante o processo de fotossíntese não deve ser contabilizado no cálculo das emissões de GEE, mas ser considerado no ciclo biogeoquímico natural do elemento no sistema.
As emissões de CO2 proveniente da matéria orgânica do solo foi contabilizada como uma fonte de aquecimento, uma vez que esse C presente no solo foi acumulado com a vegetação natural e a mudança de uso da terra o responsável pela alteração do compartimento.
Para as emissões de N2O convertidos em CO2 equivalente (CO2eq.), todo o fluxo foi considerado potencialmente causador de efeito estufa, já que sua emissão está associada a mineralização e desnitrificação do N contido no solo. Dessa forma, o N2O, cujo potencial de aquecimento global é aproximadamente 296 vezes superior ao CO2, não participa diretamente da ciclagem do N no sistema solo-planta-atmosfera, necessitando de outros processos químicos ou bioquímicos para ser revertido a N2 e retornar ao ciclo.
Tratamento estatístico dos dados
Para avaliar as diferenças significativas entre os tratamentos, os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) através do software Sisvar e as médias comparadas com o teste de Tukey (p<0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Fazenda Floresta, a produção média de cachos foi de 2,0 Mg ha-1 ano-1 em massa fresca na safra 2008/2009. Na cooperativa, ocorre a separação do pedicelo e partes de caules remanescentes. Em seguida, advém a separação dos frutos e finalmente a obtenção das sementes. Após a separação, a produção em grãos foi de 1,5 Mg ha-1 ano-1. Esta quantidade produzida foi considerada adequada para as variedades (BRS Nordestina e BRS Paraguaçu) e a forma de cultivo na região (SEVERINO et al., 2012). Mesmo assim, esses valores representam praticamente o dobro em relação a média nacional apresentada no Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (IBGE, 2010).
A quantidade extraída de óleo de mamona, segundo a Destilaria IRECÊ-LTDA, foi reportada em 480 mL de óleo por quilograma de grão esmagado. Esse valor corresponde perfeitamente à quantidade de óleo das variedades recebidas (SEVERINO et al., 2012). No banco de germoplasma do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), entre os 1033 acessos selecionados, o teor de óleo das sementes variou de 370 a 610 g kg-1 (WANG et al., 2010). Após a prensagem dos grãos e extração do óleo a quantidade de farelo de semente produzida foi de 540 g por quilograma de grão esmagado. O farelo resultante foi acrescido dos restos dos racemos e as cascas dos frutos, obtendo-se a torta de mamona.
A produção de biodiesel estimada por meio dos cálculos da ANP (2014) foi de 900 mL para cada litro de óleo de mamona que entra na reação de transesterificação via catálise básica, gerando aproximadamente 2,47 % de glicerina em relação à quantidade de biodiesel produzida.
Os valores de massa seca, teores e estoques de C e N de folhas senescentes foram diminuindo do primeiro mês de amostragem até o terceiro (Tabela 1). Esses valores correspondem a uma determinada época do ciclo da mamona (início de março a final de maio) em que ocorre crescimento de suas folhas e respectivas perdas totais até meados do mês de outubro, período em que se realiza a poda da parte epígea da planta para posterior rebrota. Essa prática deve ser considerada a principal atividade de manejo destinada às plantas.
A variação nesses resultados ao longo do período amostrado pode ser explicada pelo fato de se tratar do mesmo resíduo cultural em todos os tratamentos. As médias dos tratamentos nas épocas amostradas não apresentaram diferenças estatísticas (p<0,05).
Os valores dos estoques de C e N das folhas de mamona sofreram variações significativas (p<0,05) entre os três meses avaliados e mostraram uma elevada relação C:N, a qual não apresentou diferenças significativas no decorrer dos meses avaliados (Tabela 1).
A fitomassa epígea obtida por meio de informações com os proprietários da Fazenda Floresta foi de aproximadamente 820 kg ha-1. Desse modo, pode-se considerar que a maior parte da fitomassa deve ser formada principalmente pela massa de folhas. Chaves e Araújo (2011) encontraram valores semelhantes na fitomassa aérea em cultivo de mamona da variedade BRS Nordestina. Contudo, os valores apresentados pelos autores foram em áreas com aplicação de fertilizantes, componente ausente nas áreas avaliadas na Fazenda Floresta do presente estudo.
O CO2 é produzido essencialmente pela respiração das raízes das plantas e pela decomposição da matéria orgânica do solo promovida pela ação dos micro-organismos. No caso de solos desprovidos de vegetação, a produção de CO2 pode ser totalmente relacionada à atividade microbiana que será influenciada pela temperatura e pela umidade do solo. Esses atributos apresentam grande variabilidade temporal e espacial e guardam relação direta com as condições climáticas e topográficas do local onde o CO2 está sendo produzido (KANG et al., 2000).
O valor acumulado da emissão de CO2 para o tratamento controle - apenas solo - foi menor quando comparado ao solo com torta de mamona, estabilizando-se na faixa de 50 mg m-2 h-1 após 16 dias de incubação (Figura 2A). Esse fato descreve a menor atividade microbiológica, no que se refere à respiração, pelo fato das áreas cultivadas com mamona não receberem nenhum aporte de resíduos vegetais, o que proporcionou menor estoque de C (FRACETTO et al., 2012) e provavelmente menor condição para o desenvolvimento da biomassa microbiana.
Emissões acumulada de CO2 (mg m-2 h-1) (A) e N2O (µg m-2h-1) (B) nos 16 dias de incubação em experimento com aplicação de torta de mamona realizado no laboratório de Biogeoquímica Ambiental - CENA/USP.
Para o tratamento torta de mamona houve um acréscimo no acumulado da emissão de CO2 chegando a 160 mg m-2 h-1 nos 16 dias em que foi conduzida a incubação, mostrando que não houve estabilidade até esse período (Figura 2A). Para esse tratamento, a equação que descreveu os pontos amostrados permitiu a simulação da continuidade nas emissões de CO2.
Os resultados indicam que a aplicação de torta de mamona (adubo orgânico) no solo favorece os fluxos de CO2 quando comparados ao solo sem adubação orgânica, mostrando que a respiração heterotrófica da microbiota do solo tem atividade elevada nessas condições (PAUL; CLARK, 1989), justificando a maior emissão desse gás.
No que se refere ao balanço das emissões de GEE é de extrema importância o conhecimento das técnicas de manejo do solo como a utilização da adubação nitrogenada, podendo influenciar nos fluxos de N2O e na respiração dos micro-organismos (CAMERON; DI; MOIR, 2013). Com relação a utilização de óleos vegetais para produção de biocombustíveis, substituindo o diesel do petróleo, devem-se conhecer e avaliar todas as etapas de sua produção, assim como o aproveitamento de seus subprodutos, como é o caso do emprego da torta de mamona na adubação dos solos (ZAGONELI; RAMOS, 2001).
Embora as emissões de N2O provenientes do cultivo de matérias-primas para a produção de biocombustíveis não sejam elevadas em termos absolutos, o grande potencial de aquecimento global (296 vezes superior ao CO2) ressalta a importância desse gás no balanço global das emissões de GEE (MAJER et al., 2009).
O valor acumulado na emissão de N2O para o solo cultivado há 27 anos com mamona praticamente não apresentou fluxos positivos desse gás (Figura 2B), mostrando que devido a ausência de fertilizantes nitrogenados, adubos orgânicos ou a simples decomposição dos resíduos culturais o solo apresentou baixa quantidade de N disponível.
Além disso, quando o conteúdo de água no solo é inferior a 30% ocorre preferencialmente emissões de NOx. Assim, as emissões de N2O passam a predominar quando o conteúdo de água no solo estiver acima desse valor com fluxo máximo em 65% de umidade no solo e em condições de alta umidade (acima de 75%) o N pode ser reduzido a N2 (BUTTERBACH-BAHL et al., 2013).
No tratamento de solo com torta de mamona as emissões foram de 583µg m-2 nos 16 dias de incubação (Figura 2B). A emissão de N2O para a atmosfera depende tanto da concentração do N-inorgânico quanto de fatores como temperatura, pH, umidade e a presença de C-lábil no solo. Assim, solos fertilizados com N representam fontes significativas de N2O (HARRISON; WEBB, 2001). Embora seja uma adubação orgânica a torta de mamona contribui para as emissões desse gás, porém com emissões inferiores às observadas em áreas que recebem insumos agrícolas e fertilizantes de origem industrial (SEVERINO, et al., 2004; 2012).
A mudança de uso da terra foi o principal componente no cálculo das emissões dos GEE, representando 87% para a produção do óleo de rícino e do biodiesel da mamona em CO2eq. (Tabela 2). O solo quando cultivado com a mamona, após a mudança de uso da terra, não ocorreu mais aporte de material orgânico via fitomassa aérea devido a fitotoxidez das folhas e restos de poda, assim como a baixa utilização da área por culturas consorciadas em virtude, principalmente, das restrições climáticas, aliadas a ausência de um manejo conservacionista do solo, o qual tornou essas áreas fontes de CO2 para a atmosfera.
O aporte de resíduos vegetais pode ser considerado como o principal fator para a manutenção dos estoques de C no solo de um ecossistema, independente de se tratar de áreas com vegetação natural ou em diferentes usos da terra. Nesse sentido, diversos estudos foram feitos para avaliar a quantidade de resíduos aportados e reciclados em diferentes agrossistemas e biomas. Especificamente para a Caatinga, Alves et al. (2006) avaliaram o aporte e a decomposição dos resíduos vegetais em uma área sob vegetação natural caracterizado como uma vegetação de Caatinga arbustiva arbórea fechada em Santa Terezinha (PB). No estudo, os autores verificaram que há aporte anual de serrapilheira próximo a 900 kg ha-1, com maior deposição no período de agravamento do déficit hídrico no mês de junho. Por outro lado, a maior decomposição foi verificada no período de incidência de chuvas entre janeiro e março. Após um ano o remanescente de resíduos foi de 65% da quantidade inicialmente depositada. Na mesma área, Andrade et al. (2008) reavaliaram a deposição de serrapilheira e encontraram um aporte anual de 2,3 Mg ha-1 e constataram que cerca de 1,4 Mg ha-1 era constituído por folhas, cujo aporte corresponde ao período verificado anteriormente.
Com o estudo realizado por Fracetto et al. (2012) na mesma área envolvendo diferentes tempos de conversão do uso da terra, fora verificado por meio de uma regressão matemática simples que cinco anos após a mudança de uso da terra, a partir da vegetação natural de Caatinga para a implantação da cultura da mamona, metade do estoque de C da vegetação nativa foi perdido para atmosfera e o remanescente após dez anos apresentou perda estimada em 0,5% ao ano.
As emissões de gases causadores de efeito estufa provenientes da produção da mamona juntamente com seus produtos e resíduos foram agrupadas de maneira a formar dois grupos: i) emissões contabilizadas - as quais correspondem às emissões de N2O e do CO2 não fixado fotossinteticamente pela cultura; e ii) emissões não contabilizadas - correspondente ao CO2 emitido, assimilado por meio da fotossíntese e permanecendo incluso no ciclo do C no sistema planta-atmosfera (Tabela 2).
As emissões contabilizadas somaram 10,4 Mg ha-1 ano-1, tendo como principal componente a emissão de CO2 devido a mineralização da matéria orgânica do solo na mudança de uso da terra. Desconsiderando-se o corte e retirada da biomassa aérea da Caatinga, o preparo do solo antes em situação de vegetação nativa para o plantio e condução da mamona foi responsável por uma emissão superior de 9 Mg ha-1 ano-1. O valor verificado nesse inventário foi similar ao estimado por Fargione et al. (2008) para a conversão da vegetação natural Cerrado para o cultivo de cana-de-açúcar (9,8 Mg CO2eq. ha-1 ano-1).
Os demais componentes nas emissões contabilizadas foram devido ao N2O emitido de diferentes fontes, como a queima de folhas e fitomassa epígea, uso do biodiesel como combustível, utilização da torta como fertilizante e as emissões por desnitrificação do nitrogênio do solo. Essas emissões somaram 1,32 Mg ha-1 ano-1 e podem ser consideradas baixas, uma vez que as emissões associadas ao N2O em sistemas agrícolas ocorrem principalmente devido ao uso de fertilizantes nitrogenados, o que não ocorre nesse sistema de manejo, como exposto anteriormente.
O inventário realizado por Macedo, Seabra e Silva (2008) para o etanol combustível proveniente da cana-de-açúcar apresentou um montante de 2181 kg CO2eq m-3 de combustível produzido. Para este estudo, com a conversão das emissões contabilizadas provenientes da produção agrícola da mamona até a obtenção do biodiesel para o mesmo volume de combustível, as emissões provenientes da produção apresentaram um montante emitido de 694 kg CO2eq m-3, ou seja, aproximadamente 1/3 da quantidade de GEE proveniente da produção do etanol. Essa comparação deve, certamente, ser utilizada apenas como um referencial da magnitude das emissões, uma vez que a utilização do etanol combustível representa até 60% do consumo em relação a gasolina, enquanto que o biodiesel (de todas as fontes) representa 5% do consumo em relação ao diesel (ANP, 2014).
As emissões não contabilizadas representam pouco mais de um quarto das emissões contabilizadas, sendo as emissões de CO2 proveniente da queima do biodiesel responsáveis por 45%. Quando somadas às emissões contabilizadas e não contabilizadas (13,1 Mg ha-1 ano-1) as emissões em CO2eq. provenientes do biodiesel representaram menos de 10% do total emitido para sua produção. Para as emissões não contabilizadas, mesmo não desconsideradas como causadoras de efeito estufa, deve-se ressaltar que a importância dessa contabilização decorre da proposição de manejos, nos quais parte do C fixado por meio da fotossíntese e novamente transferido para atmosfera pudesse permanecer como dreno no sistema.
Uma possível forma de mitigação de C-CO2 pode ocorrer por meio do tratamento da fitomassa e de sua reaplicação no solo para forma matéria orgânica do solo, já que a soma das emissões do CO2 proveniente da queima das folhas e fitomassa após a poda representa próximo a 1,3 Mg ha-1 ano-1, ou seja, 46% do total das emissões não contabilizadas. Outra forma de mitigação seria a utilização de um consórcio mais eficiente entre a mamona e outra cultura. Atualmente, utiliza-se o milho como cultura consorciada, contudo cultivado de modo ineficiente somente para subsistência, sem aplicação de agroquímicos ou fertilizantes, ou seja, baixo custo com baixa produtividade.
CONCLUSÃO
A mudança de uso da terra de vegetação natural de caatinga para o cultivo da mamona foi a principal componente nas emissões de gases de efeito estufa (em CO2eq.), representando 87% das emissões.
As emissões de óxido nitroso (N2O) no sistema de produção de mamona foram pouco expressivas no inventário de gases de efeito estufa (em CO2eq.) para a produção e consumo de óleo de rícino e do biodiesel, representando menos de 10% das emissões.
Em comparação às emissões estimadas para o etanol de cana-de-açúcar, o biodiesel de mamona apresentou emissões 32% inferiores. De fato, a representatividade de produção e mercado para cada um desses biocombustíveis não são comparáveis. Porém, neste estudo, mostra a viabilidade da mamona em relação às emissões de gases de efeito estufa e sistema de cultivo como fonte de renda para a região do semiárido brasileiro.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015
Histórico
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Recebido
30 Out 2014 -
Aceito
30 Jul 2015