Open-access Intervenção mecânica e gesso agrícola para mitigar o gradiente vertical de cátions sob sistema de plantio direto

Mechanical intervention and agricultural gypsum to mitigate the vertical gradient of cations under no-tillage system

RESUMO

O gesso agrícola tem sido apontado como melhorador das características químicas do solo em profundidade porque favorece a movimentação de alguns nutrientes para camadas inferiores do solo. Porém, questiona-se a efetividade dessa prática como ferramenta para uma melhor distribuição de alguns nutrientes no perfil de solos de textura argilosa e em áreas de plantio direto já consolidado. Objetivou-se avaliar o impacto de doses de gesso agrícola e de uma única intervenção mecânica (aração + duas gradagens) efetuada somente na instalação do experimento sobre o gradiente de distribuição de alguns nutrientes no perfil do solo. Doses de 0 t ha-1, 2 t ha-1, 4 t ha-1 e 6 t ha-1 de gesso agrícola foram aplicadas a lanço, nos estádios iniciais de desenvolvimento da aveia branca. Foram efetuados quatro cultivos da sucessão soja/milho e aveia como planta de cobertura de inverno. O manejo de solo com uma única operação de aração e gradagem, em áreas há vários anos sob sistema de plantio direto, não minimiza o gradiente de fertilidade do solo. Para esse solo com teor de argila acima de 70 %, o gesso foi pouco eficiente em promover a mobilidade vertical de cátions aos 36 meses após sua aplicação, sendo os efeitos limitados aos primeiros 0,10 m de profundidade, diferentemente do observado para o ânion S-SO42-.

PALAVRAS-CHAVE: Lixiviação; perfil do solo; nutrientes catiônicos

ABSTRACT

Agricultural gypsum has been suggested to enhance the soil chemical characteristics in depth for favoring the movement of some nutrients into lower soil layers. However, the effectiveness of such practice as a tool for getting a better distribution of some nutrients in the profile of clayey soils and in consolidated no-tillage areas is questionable. This study aimed at evaluating the impact of agricultural gypsum rates and a single mechanical intervention (plowing + harrowing twice) conducted only at the installation of the experiment on the distribution gradient of some nutrients in the soil profile. Doses of 0 tons ha-1, 2 tons ha-1, 4 tons ha-1 and 6 tons ha-1 of agricultural gypsum were broadcasted in the early stages of development of white oat. Four crops of soybean/maize and oat as a winter cover crop were grown. Soil management with a single plowing and harrowing operation, in areas under long-term no-tillage system, does not minimize the soil fertility gradient. For this soil with clay content above 70 %, the gypsum was inefficient in promoting the vertical mobility of cations at 36 months after its implementation, being the effects limited to the first 0.10 m of depth, differently from that observed for the S-SO42-anion.

KEY-WORDS: Leaching; soil profile; cationic nutrients

INTRODUÇÃO

No sistema de plantio direto (SPD), a aplicação superficial de calcário é o principal manejo utilizado para a correção do solo. Em função disso, tem-se ob servado, em algumas situações, que solos manejados sob SPD apresentam gradiente de fertilidade no seu perfil (Neis et al. 2010), indicando elevados teores de nutrientes nas camadas superficiais (Soratto & Crusciol 2008, Neis et al. 2010, Schlindwein et al. 2013). Com isso, a mobilidade vertical de nutrientes, sobretudo de cátions no perfil, em solos manejados em SPD, passou a ser objeto de estudo, para entendimento da sua distribuição e disponibilidade em maior profundidade (Ernani et al. 2007)

A distribuição de cátions no perfil do solo é muito afetada pelo sistema de manejo, sendo observadas maiores concentrações na superfície, no SPD, e uma melhor distribuição ao longo do perfil, no sistema convencional (Pavinato et al. 2009). A mobilidade no perfil, sobretudo de Ca2+ e Mg2+ provenientes da dissolução do calcário, depende de vários fatores, como neutralização das camadas superiores, dose de calcário e tempo desde a aplicação (Rheinheimer et al. 2000).

O enxofre (S-SO4-2) presente no gesso é um macronutriente pouco utilizado em programas de fertilização, visto que mais de 90 % do total presente no solo é proveniente de matéria orgânica (Solomon et al. 2005). Em geral, a matéria orgânica fica concentrada na camada superficial do solo e, consequentemente, em algumas situações, pode ocorrer limitação da disponibilidade de enxofre nas camadas inferiores. Solos argilosos e com teores elevados de óxidos de ferro apresentam alta capacidade de retenção do ânion S-SO4-2, tornando a sua movimentação no perfil mais lenta, comparativamente a solos com menor quantidade desses grupos funcionais (Osório-Filho 2006). No solo, a movimentação do ânion S-SO4-2 é favorecida pela sua capacidade de ligação com cátions, formando moléculas com carga nula, facilitando, assim, sua descida no perfil (Cremon et al. 2009).

Em áreas como as do Cerrado brasileiro, a utilização de gesso agrícola tem sido apontada como excelente alternativa na correção química do perfil do solo (Caires et al. 2006, Soratto & Crusciol 2008, Ramos et al. 2013). Quando aplicado à superfície do solo, o S-SO4-2 proveniente de sua dissolução tem a capacidade de carregar cátions para as camadas subsuperficiais (Rampim et al. 2011, Serafim et al. 2012, Ramos et al. 2013) e alterar as formas tóxicas de alumínio (Soratto & Crusciol 2008, Rampim et al. 2011), condicionando o crescimento radicular em profundidade e, consequentemente, a exploração de maior volume de solo, em busca de água e nutrientes. O aprofundamento da raiz é especialmente importante nas áreas de Cerrado, no Centro-Oeste brasileiro, onde existe estação seca pronunciada (de até 6 meses) e solos pobres altamente intemperizados.

No entanto, têm surgido alguns questionamentos, por parte de técnicos e produtores, quanto à utilização de gesso agrícola como ferramenta para melhorar a distribuição de alguns nutrientes no perfil do solo, em área sob sistema de plantio direto, bem como se é significativo o preparo convencional para minimizar o gradiente de concentração nutricional. Por isso, a hipótese que fundamenta este trabalho é que a aplicação de gesso agrícola e uma única operação de manejo do solo (aração/gradagem) melhoram a distribuição de cátions no perfil de solo. Nesse sentido, objetivou-se avaliar a utilização de gesso agrícola em diversas doses e de um preparo anterior com aração e gradagem, como ferramentas para melhorar a distribuição de Ca2+, Mg2+, K+ e S no perfil de solo, em área sob sistema de plantio direto.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido de julho de 2009 a julho de 2012, no município de Jaboticaba (RS) (27º40'29,03''S e 53º17'51,28''W). O clima é subtropical úmido (Cfa), conforme classificação de Köeppen (Moreno 1961).

A área experimental vinha sendo cultivada sob sistema de plantio direto há 12 anos, com sucessão trigo/soja e, eventualmente, milho. A última calagem na área havia sido realizada em 2007, com a aplicação de 2,5 Mg ha-1. O solo é caracterizado como Latossolo Vermelho distrófico (Embrapa 2013), e sua caracterização físico-química foi realizada segundo metodologia descrita por Tedesco et al. (1995) (Tabela 1).

Tabela 1
Atributos físico-químicos de três camadas até 0,40 m de profundidade de Latossolo Vermelho distrófico utilizado para a implantação do experimento (Jaboticaba, RS, 2014)

O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições, no esquema de parcelas subdivididas, com os manejos de solo (SPD contínuo; SPD/aração + gradagem/SPD) na parcela principal (5 m x 20 m) e as doses de gesso (0 Mg ha-1, 2 Mg ha-1, 4 Mg ha-1 e 6 Mg ha-1) nas subparcelas (5 m x 5 m). Manteve-se um tratamento com o sistema de plantio direto contínuo, e o tratamento com revolvimento do solo (aração + duas gradagens) só foi realizado antes da instalação do experimento, sendo mantido sob o sistema plantio direto nos anos subsequentes, buscando-se observar o impacto de uma única operação de preparo do solo em áreas com histórico de sistema de plantio direto sobre a distribuição de alguns nutrientes no perfil do solo. A aração do solo foi realizada com arado de discos (três), à profundidade de 0,40 m.

Buscando-se aumentar os teores de fósforo, antes dessa operação de preparo de solo, em toda a área experimental, foi efetuada a aplicação de 400 kg ha-1 de P2O5, utilizando-se como fonte o superfosfato triplo. Posteriormente à operação de preparo do solo, foi efetuada a semeadura a lanço da aveia branca (100 kg de sementes ha-1), para cobertura do solo, e, após sua emergência, aplicou-se gesso a lanço em superfície, na dosagem correspondente a cada tratamento. A composição química do gesso agrícola continha 15,5 % de S, 19,0 % de Ca, 0,2 % de F e 0,6 % de P2O5.

Pelo período de 36 meses da instalação do experimento (07/2009 a 07/2012), foram realizados os cultivos da sucessão aveia branca/soja/aveia preta/ milho/trigo/soja/aveia preta/milho. Durante o cultivo da soja, nas safras 2009/2010 e 2011/2012, foram registrados volumes de chuva de 736 mm e 327 mm, respectivamente. Já durante o cultivo do milho, nas safras 2010/2011 e 2012/2013, os volumes observados foram de 829 mm e 1.042 mm, respectivamente. Isso mostra que, durante esses 36 meses, ocorreu volume de chuva suficiente, exceto para a soja, na safra 2011/2012.

A aveia branca e aveia preta foram cultivadas com o propósito de produção de palhada para cobertura do solo e foram manejadas com herbicida em pleno florescimento. Já o trigo, soja e milho foram cultivados com propósito de colheita de grãos. A soja, nos seus dois cultivos, foi fertilizada no sulco de semeadura com 45 kg ha-1 de P2O5, com superfosfato simples, e a lanço com 60 kg ha-1 de K2O, com cloreto de potássio. Não foi realizada inoculação das sementes para fixação biológica de nitrogênio, devido à boa nodulação espontânea da soja nessas áreas. Para o milho, utilizou-se fertilização de base no sulco, na dose de 350 kg ha-1 da formulação comercial 09-25-15, e fertilização nitrogenada de cobertura, na dose de 175 kg ha-1 de nitrogênio, utilizando-se como fonte a ureia, em aplicação única no estágio V5. Tanto para a soja como para o milho, a recomendação de adubação foi baseada no manual da Comissão de Química e Fertilidade do Solo (CQFS RS/SC 2004).

A amostragem de solo, nas profundidades de 0-0,025 m; 0,025-0,05 m; 0,05-0,10 m; 0,10-0,20 m; e 0,20-0,40 m, para a análise química de cada profundidade do perfil, foi realizada quando completados 36 meses da aplicação do gesso (07/2012), três meses após a colheita da última safra de soja, com abertura de uma trincheira de 0,40 m x 0,40 m x 0,40 m. A partir das amostras de solo, determinaram-se os teores de Ca2+, Mg2+, K+ e S-SO42+ (Tedesco et al. 1995).

Os resultados foram submetidos à análise de variância, pelo teste F (p < 0,05), e, quando as interações foram significativas, realizou-se o desdobramento dos efeitos de tratamento de um fator dentro de cada nível do outro fator. Para os tratamentos qualitativos, procedeu-se à comparação de médias com o teste Tukey (p < 0,05) e, para os tratamentos de doses de gesso, utilizou-se ajuste de regressão polinomial, com o auxílio do programa Genes (Cruz 2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para todos os nutrientes avaliados, a análise da variância não revelou interação tripla entre os fatores profundidade, gesso e manejo de solo, nem interação entre gesso e manejo de solo. No entanto, houve interações entre gesso e profundidade. Por isso, não será discutido o efeito do manejo de solo sobre a distribuição de cálcio, magnésio, potássio e enxofre no perfil do solo.

A concentração de Ca2+ no perfil do solo, para os tratamentos com doses de gesso, ficou acima do tratamento sem aplicação (dose zero), preservando o gradiente descendente (Figura 1a). Para as doses de 4 Mg ha-1 e 6 Mg ha-1 de gesso, observaram-se incrementos significativos nos teores de Ca2+ até a profundidade de 0,10 m, no comparativo com a dose zero de gesso. As doses de gesso na superfície do solo incrementaram de forma linear os teores de Ca2+ nas três primeiras profundidades de solo (até 0,10 m), conforme revelam as regressões lineares de primeiro grau (Figura 1b). Esses incrementos foram de 15 %, 22 % e 7,9 %, respectivamente para as profundidades de 0,0-0,025 m; 0,025-0,05 m; e 0,05-0,10 m, com a dose de 6 Mg ha-1 de gesso e no comparativo com a dose zero.

Figura 1
Teores de Ca2+ em cinco profundidades de um Latossolo, antes e após a aplicação de doses de gesso (a), e teores de Ca2+ para as profundidades do perfil do solo, em função das doses de gesso aplicadas em superfície (b), com dados correspondendo à média para os manejos de solo (Jaboticaba, RS, 2014).

O mesmo efeito linear, de primeiro grau e com apenas seis meses da aplicação do gesso, foi encontrado por Rampim et al. (2011), aplicando-se até 5 Mg ha-1 em superfície de Latossolo Vermelho eutroférrico de textura muito argilosa. Porém, diferentemente do presente trabalho, Rampim et al. (2011) destacam que o deslocamento de Ca2+ foi observado até a última profundidade (0,20-0,40 m). Essa menor resposta no deslocamento de Ca2+ em profundidade, em relação ao trabalho de Rampim et al. (2011), pode estar associada à formação preferencial do par iônico do sulfato com o Mg+, já que, no comparativo com os teores observados por Rampim et al (2011), esses foram maiores no presente trabalho.

Avaliando-se a aplicação superficial de calcário e gesso, em Latossolo Vermelho distrófico de textura argilosa (58 %), Caires et al. (2003) observaram aumento de Ca2+ no perfil do solo aos oito meses após a aplicação. Essa movimentação de Ca2+ foi nítida nas cinco camadas avaliadas aos 32 meses após a aplicação de 9 Mg ha-1, diferentemente do observado no presente estudo. Contudo, os autores realizaram calagem concomitantemente à aplicação de gesso, o que pode justificar, em parte, respostas no menor tempo e em maior profundidade, em relação ao encontrado neste trabalho. Além disso, a complexação do Ca2+ ao carbono orgânico disponível (Zambrozi et al. 2007) e a maior atração deste cátion aos coloides do solo, quando comparado ao Mg2+ e K+ (Ramos et al. 2013), pode justificar essa baixa mobilidade de Ca2+ no perfil desse solo de textura argilosa do presente trabalho.

Com relação ao Mg2+, os teores no solo foram inferiores para as doses de 2 Mg ha-1, 4 Mg ha-1 e 6 Mg ha-1 de gesso até os 0,10 m de profundidade, em comparação com a dose zero (sem gesso). Na maior dose (6 Mg ha-1), os teores de Mg2+ foram inferiores, em relação ao controle, em todas as profundidades (Figura 2a). A redução constatada para a dose zero, em relação à concentração de Mg2+, antes do experimento, nas duas camadas superficiais (0-0,025 m e 0,025-0,05 m), seguida de um aumento na terceira camada (0,05-0,10 m), pode ser justificada pela exportação através dos grãos e movimentação vertical, explicadas pela formação de complexos orgânicos hidrossolúveis, a partir de ácidos orgânicos liberados dos restos vegetais presentes na superfície do solo (Miyazawa et al. 2002). Além disso, há, também, o efeito de diluição pelo revolvimento do solo, visto que os valores foram estimados pela média dos dois manejos de solo, em função da não interação deste fator com os demais.

Figura 2
Teores de Mg2+ em cinco profundidades de um Latossolo, antes e após 36 meses da aplicação de doses de gesso em superfície do solo (a), e teores de Mg2+ para as profundidades do perfil do solo, em função das doses de gesso aplicadas em superfície (b), com dados correspondendo à média para os manejos de solo (Jaboticaba, RS, 2014)

As regressões lineares de primeiro grau com alta significância (p < 0,0001) evidenciam efeito do gesso em reduzir os teores de Mg2+ nas primeiras três profundidades do solo (Figura 2b). A redução com a dose de 6 Mg ha-1, em relação à dose zero de gesso, foi de 28,6 %; 28,1 %; 35,4 %; e 22,8 %, respectivamente para as profundidades de 0-0,025 m; 0,025-0,05 m; e 0,05-0,10 m. Essa redução dos teores de Mg2+ nas profundidades superficiais do solo, proporcionada pelo gesso, é bastante comum, sendo, também, ob servada por Silva et al. (1997), Caires et al. (2004, 2006), Soratto & Crusciol (2008), Rampim et al. (2011), Serafim et al. (2012) e Ramos et al. (2013).

Nos trabalhos de Caires et al. (2004, 2006), os autores verificaram deslocamento de Mg2+ no perfil do solo após 36 meses da aplicação do gesso, concomitantemente à calagem, inclusive em profundidades maiores (0,40-0,60 m), sendo esse deslocamento mais intenso quanto maior os teores nas camadas superiores do solo. Por isso, os pesquisadores alertam para a importância de se utilizar o calcário dolomítico em doses parceladas em superfície, quando se aplicam elevadas doses de gesso, para evitar redução drástica nos teores de Mg2+ nas camadas superiores do solo, garantindo, assim, uniformidade de distribuição no perfil do solo.

Nas condições deste estudo, constatou-se que a aplicação de até 1,5 Mg ha-1 de gesso em superfície proporcionou leve incremento nos teores de Mg2+, à profundidade de 0,10-0,20 m, conforme o ponto de máxima da curva, que representa esta profundidade (p = 0,0451) (Figura 2b). Embora houvesse redução nos teores de Mg2+ das camadas superiores (até 0,10 m), com o aumento das doses de gesso, os teores ainda permaneceram na faixa de classificação "alto" (CQFS-RS/SC 2004). Neste trabalho, apesar de o gesso não ter sido eficiente em diminuir o gradiente de Ca2+ no perfil do solo até 0,10 m de profundidade, o uso de 6 Mg ha-1 de gesso em superfície elevou a relação Ca2+/Mg2+ média de todas as profundidades de 1,9 para 3,1, sendo o valor de 3,1 considerado ideal para a cultura da soja (Salvador et al. 2011).

A distribuição de K+ no perfil do solo, antes da instalação do experimento, mostrava-se com gradiente vertical bastante acentuado da superfície até a profundidade de 0,20 m (Figura 3a). Após 36 meses da aplicação do gesso, observou-se que, independentemente da dose, houve redução dos teores nas profundidades mais superficiais do solo (0-0,025 m e 0,025-0,05 m). Constatou-se, ainda, que os maiores teores de K+, para todos os tratamentos, aos 36 meses após a instalação do experimento, situam-se na profundidade logo abaixo da superficial (0,025-0,05 m). Isso pode ser atribuído à maior quantidade de resíduos, uma vez que estes liberam K+ rapidamente (Giacomini et al. 2003, Chagas et al. 2007, Leite et al. 2010). O aumento dos resíduos se justifica pela rotação com a cultura do milho, durante o período de condução deste trabalho, diferentemente da sucessão soja/trigo, que vinha sendo conduzida antes da instalação do experimento. A liberação rápida do potássio com os resíduos pode chegar a 75 % do acumulado na parte aérea em até 30 dias após a colheita e/ou manejo da maioria das culturas (Schlindwein et al. 2013).

Figura 3
Teores de K+ em cinco profundidades de um Latossolo, antes e após a aplicação de doses de gesso em superfície do solo (a), e teores de K+ para as profundidades do perfil do solo, em função das doses de gesso aplicadas em superfície (b), com dados correspondendo à média para os manejos de solo (Jaboticaba, RS, 2014).

A ausência de incrementos de K+ nas profundidades inferiores pode estar associada a um efeito de diluição dos teores, em função da maior espessura dessas camadas, o que não permite afirmar que o K+ tenha se deslocado além dessas camadas. Além disso, também é possível que a própria absorção pelas plantas tenha causado a redução nos teores superficiais de K+, já que nessas camadas mais superficiais concentra-se o maior volume de raízes. Contribui para essas hipóteses o fato de que a descida do K+ no perfil do solo é gradativa e ocorre mesmo sem a adição de gesso. O K+ é um macronutriente extremamente móvel (Ernani et al. 2007), devido à sua baixa densidade de carga (Ramos et al. 2013), e a sua descida no perfil pode ocorrer mesmo em solo argiloso de elevada CTC, quando suas concentrações no solo são altas (Werle et al. 2008).

Diferentemente dos demais nutrientes, não foram constatados problemas de gradiente vertical de S-SO42-no solo, antes da implantação do experimento. Inclusive, os teores estavam acima de 10 mg dm-3 em todas as profundidades, sendo considerados suficientes ao desenvolvimento das culturas (CQFS-RS/SC 2004) (Figura 4a). Observou-se distribuição uniforme no perfil, com valor mais elevado na profundidade mais superficial do solo (0-0,025 m). Essa maior concentração superficial é consequência do maior teor de matéria orgânica (Tabela 1), que é uma importante fonte de S-SO42-no solo.

Figura 4
Teores de S-SO42- em profundidade (perfil do solo), antes e após a aplicação de doses de gesso em superfície do solo (a), e teores de S-SO42-em diferentes profundidades do perfil de solo, em função das doses de gesso aplicadas em superfície do solo (b), com dados correspondendo à média das intervenções mecânicas e dos manejos de solo (Jaboticaba, RS, 2014).

Considerando-se as doses de gesso, observou-se diminuição dos teores de S-SO42-nas camadas superficiais (até 0,10 m), para teores abaixo de 10 mg dm-3 (Figura 4a), valor que pode comprometer o ótimo desenvolvimento de culturas do grupo das leguminosas, liliáceas e brássicas (CQFS-RS/SC 2004), bem como limitar a obtenção de alta produtividade do milho. Ao analisar a influência das doses de gesso na mobilidade de S-SO42-, nas profundidades do perfil do solo (Figura 4b), concluiu-se que o gesso não alterou significativamente os teores de S-SO42nas três camadas superficiais do solo (0-0,10 m), fato explicado pela falta de significância das regressões lineares que representam essas profundidades. Esse resultado é semelhante ao encontrado por Caires et al. (2006) e Serafim et al. (2012). Já Rampim et al. (2011), ao avaliarem doses de 0,0-5,0 Mg ha-1 de gesso agrícola, nas características químicas de duas áreas de Latossolo Vermelho eutroférrico de textura superficial argilosa, encontraram aumento linear de S-SO42-, em função das doses de gesso, em todas as camadas do perfil de solo estudadas.

No presente trabalho, a aplicação de 400 kg ha-1 de P2O5 em toda a área experimental, na instalação do experimento, pode ter contribuído para essa maior mobilidade do íon S-SO42-em profundidade no perfil do solo, conforme também observado por Caires et al. (2004). Mesmo sendo pequeno o efeito do gesso agrícola na movimentação de cátions no perfil do solo, sua aplicação aumentou os teores de enxofre em profundidade.

As regressões lineares de primeiro grau, com maior coeficiente angular à profundidade de 0,20-0,40 m (Figura 4b), revelam que esta profundidade de subsolo possui alta capacidade de retenção de S-SO42, conforme também constatado por Caires et al. (2004). Segundo os referidos coeficientes angulares, os incrementos nos teores de S-SO42, respectivamente para as profundidades de 0,10-0,20 m e 0,20-0,40 m, são de 0,53 mg dm-3 e 1,05 mg dm-3 para cada Mg ha-1 de gesso aplicado em superfície. Isso corresponde a um incremento de 5,68 % e 8,68 % para cada Mg ha-1 de gesso aplicado, chegando aos 34 % e 52 % de incremento para a dose de 6 Mg ha-1 de gesso.

Quanto ao tempo de descida do S-SO42- proveniente da dissolução do gesso, existe muita divergência na literatura científica, com relatos de dois meses (Serafim et al. 2012) a até 16 anos (Toma et al. 1999). No entanto, trabalhos como o de Caires et al. (2003) revelam maior movimentação com o mesmo tempo deste trabalho (36 meses), enquanto há outro cuja maior translocação ocorreu aos 64 meses (Caires et al. 2001) e outro aos 43 meses (Caires et al. 2004).

Muito se discute na literatura sobre a utilização de gesso agrícola como prática fundamental para a melhoria do ambiente químico em subsuperfície, principalmente para algumas regiões como a do Cerrado brasileiro. Porém, nas condições em que o presente trabalho foi desenvolvido, o gesso agrícola mostrou-se pouco efetivo em melhorar a distribuição de cátions no perfil do solo aos três anos após sua aplicação. A exceção ocorreu com o íon S-SO42-, que aumentou em todas as profundidades, com a adição do gesso.

CONCLUSÕES

  1. O manejo do solo com uma única operação de aração e gradagem, em áreas sob sistema de plantio direto, não minimiza seu gradiente de fertilidade.

  2. Para o solo com teor de argila acima de 70 %, a aplicação superficial de gesso agrícola é pouco eficiente em promover o deslocamento vertical de cálcio, magnésio e potássio, aos 36 meses após sua aplicação, sendo os seus efeitos limitados aos primeiros 0,10 m de profundidade.

  3. Após 36 meses da aplicação do gesso agrícola em superfície, há aumento nos teores de enxofre em profundidade.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Agronomia, Agricultura e Ambiente da Universidade Federal de Santa Maria, Câmpus de Frederico Westphalen (RS), e à equipe de laboratório e campo do Setor de Agricultura e Plantas de Lavoura, pela ajuda e suporte na condução dos estudos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Set 2015
  • Aceito
    Dez 2015
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