RESUMO
Introdução: A mastectomia é um procedimento muito traumático para a mulher. A reconstrução mamaria é parte fundamental do tratamento para melhorar o bem estar psicossocial e a qualidade de vida destas pacientes. Muitas técnicas foram descritas e evoluíram até chegar à atual diversidade de procedimentos modernos associados ou não as próteses mamárias. Esta diversidade de técnicas possibilita a seleção adequada para cada caso, oferecendo melhores resultados. O objetivo deste trabalho é apresentar uma alternativa cirúrgica de reconstrução mamária com retalho de abdome superior associado à prótese mamária.
Método: paciente de 59 anos com mastectomia radical direita e três cirurgias prévias de reconstrução mamária com prótese de silicone, sem sucesso. Foi utilizada abdominoplastia reversa com aproveitamento do retalho excedente direito para cobertura de prótese no mesmo tempo cirúrgico. Simetrização da mama contralateral foi obtida dois anos depois, através de mastopexia com troca de prótese.
Resultado: Foi obtido o resultado planejado para reconstrtução do volume mamário. Discretos sinais inflamatórios no pós-operatório imediato, principalmente no polo superior, tratado com corticoterapia por duas semanas, com regressão completa dos sinais e sintomas. Aspirado seroma (20ml) com seringa no dia 15º pós cirúrgico, sem recidiva. Não ocorreram complicações como epiteliólise ou necrose do retalho.
Conclusão: A reconstrução mamária com retalho abdominal resultante de abdominoplastia reversa pode ser uma opção em casos especiais, oferecendo resultado satisfatório.
Descritores: Câncer mamário; Reconstrução; Implante; Abdominoplastia reversa; Retalho cutâneo/abdominal
ABSTRACT
Introduction: Mastectomy is a highly traumatic procedure for many women, and mammary reconstruction is a fundamental part of the treatment. Reconstruction has been shown to improve the psychosocial wellbeing and quality of life of these patients, and several techniques and advancements thereof have been described in order to reach the current diversity of modern procedures, whether associated with breast implants or not. This diversity in techniques enables an appropriate selection for each individual case, thus attaining better results. The objective of this report was to present an alternative breast reconstruction method using an upper abdominal flap along with breast implants.
Method: A 59-year-old woman had undergone right radical mastectomy and three previous breast reconstruction operations with silicone prostheses, without success. We first performed reverse abdominoplasty with exploitation of an excess right flap used as prosthesis coverage. Two years later, we performed contralateral breast symmetrization using mastopexy with a change of prosthesis.
Result: The planned breast volume reconstruction was achieved. Discrete inflammatory signals were observed in the immediate postoperative period, mainly in the upper pole, and treated with corticosteroid therapy for two weeks; this resulted in complete regression of all signs and symptoms. Seroma was aspirated (20 ml) with a syringe on the 15th postoperative day, with no recurrence. No complications, such as epitheliolysis or flap necrosis, occurred.
Conclusion: Breast reconstruction with an abdominal flap from reverse abdominoplasty may be an option in a subset of cases, and offers satisfactory results.
Keywords: Breast cancer; Reconstruction; Implant; Reverse abdominoplasty; Skin/ abdominal flap
INTRODUÇÃO
A reconstrução mamária é parte fundamental do tratamento da mulher mastectomizada, com finalidade de melhorar o bem-estar psicossocial e qualidade de vida desses pacientes1.
Os primeiros intentos de reconstruir uma mama remontam o final do século XIX2-5.
William Halsted, baseado na teoria de Rudolph Virchow, realizou a primeira mastectomia radical em 18892. Considerava que a cirurgia plástica interferia com o controle local do câncer, pelo qual ele recomendava evitar cirurgias reconstrutivas na região mastectomizada.
Harold Gilles (1942) utilizou retalhos cutâneos distantes (retalhos tubulares do abdome e tórax inferior) para realizar a sua primeira reconstrução mamária6. Apesar dos bons resultados para a época, foram abandonados devido à necessidade de vários tempos cirúrgicos e o alto índice de complicações e sequelas cicatriciais3.
Na atualidade, as tendências de técnicas de mastectomias menos agressivas facilitam a reconstrução da mama devido à manutenção de grande parte do tecido dermocutâneo2.
Dependendo da experiência e preferência do cirurgião, as mais citadas são:
Próteses Mamárias na reconstrução mamária
Desenvolvida em 1961 por Cronin, Gerow e a Dow Corning Corp, apresentada em 1963, a prótese mamária de gel de silicone mudou a evolução da reconstrução mamária, tornando-se a base do tratamento tardio7. Jarret et al, recomendaram em 1978 a colocação do implante no plano submuscular8.
Na França, Arion apresentou em 1965 o primer expansor de tecidos, mas foi em 1982, que Radovan descreveu seu uso na reconstrução mamária9. Becker, em 1984, desenvolveu expansor tissular definitivo10.
Retalho de Grande Dorsal
O uso do músculo grande dorsal, para restaurar defeitos causados pela ausência do músculo peitoral maior, foi publicado pela primeira vez em 1939 por Hutchins, mas foi só em 1974 que Brantigan utilizou esta técnica para reconstrução pós-mastectomia radical, e depois por Olivari em 1976, popularizando e aperfeiçoando a técnica11,12.
Devido ao insuficiente volume, normalmente, precisa ser associado à colocação de implante, como descrito por Schneider em 197713.
Retalho do Músculo Reto Abdominal (TRAM e TRAM livre)
A primeira descrição deste retalho foi em 1979 por Robbins, onde utilizou o músculo reto abdominal com uma ilha de pele em posição vertical14. Em 1982, Hartrampf descreveu seu uso com ilha de pele horizontal, permitindo o fechamento mais estético da área doadora. Tem como vantagem fornecer suficiente tecido para cobrir grandes defeitos. As desvantagens são devido à debilidade gerada na parede abdominal e o risco de produzir hérnias15.
Holmstrom (1979) foi o primeiro a descrever o retalho livre do músculo reto abdominal16. Grotting, em 1989, publicou um estudo demostrando as vantagens desta técnica como a melhora do fornecimento sanguíneo, diminuindo o risco de necrose, e a melhora na perda funcional da parede abdominal17.
Outras não menos importantes técnicas são: retalho livre das artérias epigastricas inferiores, profunda e superficial (DIEP e SIEA)18-23, retalhos livres das perfurantes da artérias glúteas: superior e inferior (ou SGAP e IGAP)24,25, retalhos Dermoadiposos e Fasciocutaneos Locais 26-31, retalhos do Abdome superior32,-35.
Em 2009, Deós36 revisitou a abdominoplastia reversa37,38 e aplicou novos conceitos, corrigindo as desvantagens da técnica original, com planejamento estratégico desde a marcação, fixação do retalho e manutenção da cicatriz de forma estável, chamando de “abdominoplastia reversa tensionada”. Embora tenha sido utilizado para muitas oportunidades cirúrgicas, o retalho da abdominoplastia reversa não tem sido apresentado como tecido adicional de espessura de subcutâneo para reconstrução de mama, com finalidade de proteção de prótese de silicone. Em 1992 Berrino comparou diferentes técnicas reconstrutivas para deformidades tipo II39, sendo uma delas um retalho obtido da abdominoplastia reversa, mas sem apresentar grandes conclusões nem entrar em detalhes sobre a técnica. O retalho da abdominoplastia reversa pode ser uma opção prática para a reconstrução mamaria em pacientes cuidadosamente selecionadas.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é apresentar uma opção para a reconstrução mamária em casos selecionados, por meio de retalho do abdome superior durante uma abdominoplastia reversa.
MÉTODO
Paciente do sexo feminino, 59 anos, história de mastectomia radical por câncer na mama direita, foi submetida a três procedimentos (1997, 2007 e 2009) para reconstrução mamária com próteses, sem sucesso. Na última cirurgia, foi colocada prótese na mama contralateral com finalidade de simetrização.
Exame físico local
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Ausência de volume mamário direito, com retração cicatricial e pele fina aderida aos planos profundos, sem tecido subcutâneo e com resquício de complexo aréolopapilar.
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Mama contralateral com volume proporcionado por prótese de silicone, sem alterações.
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Flacidez abdominal superior com volume adiposo suficiente para a utilização como retalho dermo-gorduroso para cobertura de implante mamário.
Técnica Cirúrgica
Demarca-se a incisão de abdominoplastia reversa, seguindo os sulcos mamários e encontrando-se na linha média à altura do apêndice xifóide. A área mamária D, que deve ser descolada dos planos profundos, é baseada no sulco e polo superior da mama contralateral (Figura 1). Após incisão e descolamento reverso do abdome supraumbilical, o retalho abdominal é fixado com pontos de adesão, seguindo-se cinco linhas de tração, fixando-o à fáscia muscular, com finalidade de evitar o seu deslizamento para baixo (Figura 2. A-B). O retalho dermogorduroso excedente do lado direito é decorticado na sua metade distal, tracionado em sentido cefálico e invaginado sob a pele da região mamária D, descolada previamente, servindo como coxim de proteção para o implante mamário. A porção inferior é mantida com pele para reconstrução do polo inferior da mama. (Figura 3. A-D).
O excesso do retalho esquerdo é desprezado e acomodado à borda do sulco mamário desse lado.
O retalho dermogorduroso desepitelizado é fixado no polo superior por cinco pontos capitonados através da pele, evitando o deslizamento do retalho para baixo (Figuras 4. A-B). A seguir, coloca-se o implante mamário de 255cc (poliuretano).
A formação do novo sulco inframamário é efetuada com pontos de fixação a partir do periósteo da 6ª costela.
Coloca-se dreno a vácuo na região abdominal descolada e também na loja do implante mamário D, com saídas na porção medial e lateral da cicatriz, respectivamente, e removidos no 4ª dia de pós-operatório, com volume líquida inferior a 30ml.
As suturas foram realizadas em três planos: subcutâneo (monocryl 3-0), subdérmico (monocryl 4-0) e pele (nylon 5/0).
Os pontos capitonados foram removidos no 7ºdia de pós-operatório e as suturas de pele foram retiradas no 12º dia.
Simetrização obtida, dois anos depois, através de mastopexia com troca de prótese na mama esquerda (255cc por 145cc - também de poliuretano).
RESULTADOS
No pós-operatório mediato, a paciente apresentou sinais inflamatórios na região da mama direita, principalmente no polo superior, o qual foi tratado com corticoterapia por duas semanas, com regressão completa dos sinais e sintomas.
Aspirado seroma (20ml) com seringa no 15º dia pós cirúrgico, sem recidiva.
A região esternal (à altura do dreno) apresentou pequena deiscência de sutura, resultando em cicatriz hipertrófica e inestética. A cicatriz foi revisada treze meses após a cirurgia.
A figura 5 (A-C) mostra o pré-operatório, e a figura 6 (A-C) o resultado da reconstrução e da simetrização após o segundo tempo cirúrgico (dois anos após).
DISCUSSÃO
A mastectomia é muito traumática para a mulher, e a reconstrução mamária é um procedimento essencial para melhorar o bem estar psicossocial e a qualidade de vida destas pacientes1.
Técnicas conservadoras7,8 associadas às prótese mamárias9,10, mudaram a evolução da reconstrução mamaria e introduziram as técnicas modernas. A diversidade de técnicas de reconstrução mamária possibilita a seleção adequada para cada caso específico, oferecendo melhores resultados.
A maioria dos procedimentos de reconstrução mamária oferece cobertura e volume suficientes2,4,9,14, entretanto a prótese mamaria é fundamental para a complementação do volume e forma da mama, oferecendo melhor resultado8-,10.
Alguns casos, apesar de possuir anatomia preservada, o tecido celular subcutâneo é escasso ou ausente, impossibilitando a colocação de prótese. Quando colocada, apresenta exteriorização e necessidade de remoção da mesma.
Muitos procedimentos utilizam retalhos locais da região abdominal superior para reconstrução mamária27-31.
A abdominoplastia reversa, inicialmente descrita por Rebello-Franco37 e recentemente revivida, com novos conceitos, por Deós, pode oferecer tecido suficiente do abdome superior para cobertura e proteção do implante mamário36.
O retalho remanescente resultante de abdominoplastia reversa pode ser mais uma opção para reconstrução mamária em pacientes bem selecionadas e que apresentem flacidez abdominal supra umbilical.
CONCLUSÃO
A reconstrução mamária com retalho abdominal resultante de abdominoplastia reversa demonstrou resultado satisfatório no caso descrito, podendo ser mais uma opção para reconstrução mamária.
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Instituição: Clinica Osvaldo Saldanha, Regente de Serviço Credenciado
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Jun 2023 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2014
Histórico
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Recebido
03 Dez 2013 -
Aceito
04 Mar 2014