Open-access Reconstrução nasal: análise de série de casos

RESUMO

Introdução:  A reconstrução nasal é desafiadora devido à posição central e proeminente do nariz na face. Pequenos defeitos nessa região tornam-se óbvios. Análise retrospectiva das 146 cirurgias de reconstrução nasal nos Serviços Integrados de Cirurgia Plástica do Hospital Ipiranga - SICPHI, avaliando a incidência dos defeitos nasais, assim como as principais técnicas cirúrgicas realizadas de acordo com cada região nasal.

Métodos:  Estudo descritivo retrospectivo pela revisão de 109 prontuários e arquivos fotográficos, dos pacientes atendidos nos Serviços Integrados de Cirurgia Plástica do Hospital Ipiranga, em São Paulo, SP, no período compreendido entre janeiro de 2011 a junho de 2014.

Resultados:  Foram realizadas 146 cirurgias. A faixa etária média foi de 67 anos. Em relação ao tipo de tumores malignos encontrados, 104 (73%) eram carcinoma basocelular e três (2%) carcinoma espinocelular. As 36 (25%) lesões restantes eram de características benignas. As regiões nasais mais acometidas foram: asa nasal, 55 (38%); dorso, 36 (25%); ponta, 26 (18%); lateral, 12 (8%); não especificada, sete (5%); comprometimento total do nariz, cinco (3%); e columela, dois (1%). Observou-se a preferência ao fechamento primário dos defeitos. No caso de impossibilidade do mesmo, realizaram-se retalhos locais, concordando com a literatura.

Conclusão:  As subunidades estéticas nasais podem ser reconstruídas por uma variabilidade de técnicas cirúrgicas. O cirurgião deve buscar um adequado resultado estético e funcional.

Descritores: Procedimentos cirúrgicos nasais; Carcinoma basocelular; Carcinoma de células escamosas; Neoplasias cutâneas; Retalhos cirúrgicos.

ABSTRACT

Introduction:  Nasal reconstruction is challenging because of the central position and role of the nose in the face. Minor defects in this region become obvious. A retrospective analysis of 146 nasal reconstruction surgeries in the Integrated Plastic Surgery Services of the Ipiranga Hospital (SICP-HI) was performed, evaluating the incidence of nasal defects, as well as the main surgical techniques performed in accordance with each nasal region.

Methods:  A retrospective descriptive study through a review of 109 medical records and photograph archives of patients treated in SICP-HI, São Paulo, SP, from January 2011 to June 2014.

Results:  A total of 146 surgeries were performed. The mean patient age was 67 years. Regarding the type of malignant tumors found, 104 (73%) were basal cell carcinoma and 3 (2%) were squamous cell carcinoma. The remaining 36 (25%) lesions were benign. The most affected nasal regions were as follows: nasal wing, 55 (38%); the dorsum, 36 (25%); tip, 26 (18%); sidewalls, 12 (8%); unspecified, 7 (5%); total involvement of the nose, 5 (3%); and the columella, 2 (1%). There was a preference for primary closure of the defect. However, if this was infeasible, local flaps were used, in agreement with the literature.

Conclusion:  The nasal aesthetic subunits can be reconstructed using a variety of surgical techniques. The surgeon should seek an appropriate aesthetic and functional outcome.

Keywords: Nasal surgical procedures; Basal cell carcinoma; Squamous cell carcinoma; Skin cancer; Surgical flaps.

INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos de reconstrução nasal datam de 2000 a.C. nos registros de papiros egípcios de Edwin Smith1. Na Índia, Sushruta descreve o uso de retalho médio frontal para reconstrução total de nariz, até hoje consagrado como o método indiano2.

As sequelas devido às lesões por sífilis e lepra estimularam avanços nas reconstruções nasais na época do Renascimento, surgindo, na ocasião, o retalho descrito por Tagliacozzi (1597). A confecção deste baseia-se no uso do terço superior do braço em sua face interna3.

Durante séculos, muitas técnicas foram propostas, destacando-se o inglês Joseph Carpue e o alemão Carl Ferdinand von Graefe, no início do século XIX4. Para melhor refinamento do revestimento e o suporte das asas nasais, Gillies, em 1943, e Converse, em 1956, utilizaram enxertos condromucosos do septo e retalhos nasolabiais em alteração a dobra cutânea do retalho frontal5.

Burget e Menick introduziram o conceito de subunidades estéticas nasais, divididas em nove regiões: paredes laterais, asas, triângulos moles, dorso, ponta e columela. As incisões devem se localizar entre estas. Se o defeito comprometer mais de 25-50% da subunidade, a mesma deverá ser removida completamente6.

Defeitos na ponta e no septo nasal podem ocasionar obstrução aérea significativa, bem como mudanças bruscas no contorno nasal. O cirurgião deve ser capaz providenciar uma reconstrução nasal funcional e estética refinada, pelo domínio da anatomia cirúrgica local7.

A reconstrução nasal é desafiadora devido à posição central e proeminente do nariz na face. Pequenos defeitos nessa região tornam-se óbvios8. A pele varia em cor, textura e espessura conforme a região, idade, sexo e raça dos indivíduos. Essa variedade deve ser considerada para a escolha da melhor área doadora para determinado defeito, objetivando um melhor resultado9,10.

Dentre as principais causas de deformidades nasais, estão os tumores de pele, em especial o carcinoma basocelular e epidermoide11. No Brasil a estimativa para o ano de 2014 era de 182.000 casos de câncer de pele não melanoma12. Outras indicações seriam anomalias, radiodermite, traumatismos e infecções11.

O nariz é particularmente vulnerável a doenças malignas cutâneas. Cerca de 75% dos tumores de pele não melanoma ocorrem na cabeça e no pescoço. Desses, cerca de 30% ocorrem no nariz13.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho foi realizar uma análise retrospectiva das 146 cirurgias de reconstrução nasal nos Serviços Integrados de Cirurgia Plástica do Hospital Ipiranga (SICP-HI), em São Paulo, SP, Brasil, e avaliar a incidência dos defeitos nasais, assim como as principais técnicas cirúrgicas realizadas de acordo com cada região nasal.

MÉTODOS

Estudo descritivo retrospectivo pela revisão de 109 prontuários e arquivos fotográficos, dos pacientes atendidos nos SICP-HI no período compreendido entre janeiro de 2011 a junho de 2014. Foram analisados dados referentes a gênero, idade, localização do tumor no nariz, margens cirúrgicas e tipos de reconstrução.

Os SICP-HI são referência para o controle e tratamento de neoplasias cutâneas no estado de São Paulo. Os pacientes atendidos são provenientes de unidades básicas de saúde.

Os critérios de inclusão foram os pacientes com tumorações nasais benignas ou malignas, além daqueles com indicação de reconstrução nasal por outras causas. Os critérios de exclusão foram pacientes cujos os prontuários não foram encontrados.

RESULTADOS

O número total de pacientes operados foi de 109, sendo realizadas 146 cirurgias. Alguns pacientes possuíam mais de uma lesão. A faixa etária atendida variou de 26 a 95 anos, apresentando uma média de 67 anos (Figura 1).

Figura 1
Faixa etária dos pacientes submetidos à reconstrução nasal.

A queixa mais frequente dos pacientes que procuraram nosso serviço foi a deformidade estética e preocupação com progressão da lesão. Poucos pacientes tinham queixas funcionais.

As regiões nasais mais acometidas foram: asa nasal, 55 (38%); dorso, 36 (25%); ponta, 26 (18%); lateral, 12 (8%); não especificada, sete (5%); comprometimento total do nariz, cinco (3%); e columela, dois (1%) (Figura 2).

Figura 2
Percentual de acometimento das subunidades nasais.

Para a reconstrução especificamente da asa nasal, o tratamento mais utilizado foi o fechamento primário em 27 (49%) casos. Dos retalhos, o mais utilizado foi o nasogeniano, 11 (20%); seguido de bilobado, quatro (7%); e fechamento por terceira intenção, quatro (7%). Retalhos em avanço, rotação e romboide foram realizados em dois pacientes cada, perfazendo 4%. Enxertos, em três pacientes (5%) (Figura 3).

Figura 3
Paciente submetida a retalho bilobado para correção de defeito secundário a carcinoma basocelular em asa nasal.

No dorso nasal realizaram-se 17 (47%) fechamentos primários, seis (17%) bilobados, cinco (14%) Rintalas, dois (6%) glabelares, enxertos e fechamento por terceira intenção. Retalho frontal e nasogeniano, um (3%) cada (Figura 4).

Figura 4
Paciente submetida à reconstrução de deformidade nasal com retalho frontal.

Na ponta nasal, houve fechamento primário em 16 (62%) casos, cinco (19%) Rintalas e três (12%) bilobados. Fechamento terciário e enxerto, um caso cada (4%) (Figura 5).

Figura 5
Paciente submetido a retalho Rintala para correção de defeito secundário a carcinoma basocelular em ponta nasal.

Na região lateral do nariz foram realizados cinco (42) fechamentos primários, quatro (33%) bilobados, dois (17%) glabelares, e um (8%) romboide. Nos quatro casos com lesões acometimento todo o nariz, foram reconstruídos com enxerto da unidade estética nasal.

As lesões de columela foram em número de dois, realizados em 100% dos casos fechamento primário.

Em relação ao tipo de tumores malignos encontrados, 104 (73%) eram carcinoma basocelular (CBC) e três (2%) carcinoma espinocelular (CEC). As 36 (25%) lesões restantes eram de características benignas.

Dos tumores malignos, 22 (15%) apresentaram margens cirúrgicas comprometidas no anatomopatológico.

No período estudado, foram realizados três casos de reconstrução nasal total, devido a causas não tumorais. As causas foram: malformação congênita, infecção pós-sonda nasoenteral na infância e sequela de hanseníase. O retalho utilizado foi o médio-frontal (indiano), necessitando de refinamentos posteriores.

DISCUSSÃO

Os tumores de pele malignos são os tipos mais frequentes de câncer. Os CBC e CEC representam, respectivamente, o primeiro e segundo tipo de câncer de maior incidência e apresentam índices de cura superiores a 90% quando tratados em fase inicial14, de acordo com o encontrado no SICP-HI.

Em nossa experiência, a distribuição topográfica das lesões tumorais nasais apresentou maior incidência na região de asa nasal, o que não condiz com dados na literatura, que mostram maior aparecimento em dorso nasal11,15.

Observou-se a preferência ao fechamento primário dos defeitos. No caso de impossibilidade do mesmo, realizaram-se retalhos locais, concordando com a literatura4.

Em nosso serviço notamos, ao longo do tempo, redução da incidência de casos nos quais houve necessidade de reconstrução nasal total. Acreditamos que isso se deve ao fato de terem ocorrido melhorias na medicina preventiva, maior acessibilidade dos pacientes aos serviços de saúde de referência e otimização do tratamento de doenças infectocontagiosas. Outra explicação seria o avanço dos mecanismos de segurança automobilística, bem como dos equipamentos de proteção individuais.

A escolha do melhor retalho foi baseada nas subunidades nasais acometidas. Os defeitos de terço superior e médio foram corrigidos principalmente com retalhos glabelares, bilobados e retalho romboide (Limberg). No terço inferior (ponta e asa) a preferência foi para reconstrução em único tempo com retalhos de nasogenianos, bilobados (Esser), Rintala e avanços16. Os retalhos mais usados no SICP-HI em cada terço nasal estão de acordo com a literatura.

Notamos também que a recente integração do serviço de patologia no Hospital Ipiranga possibilitou a utilização de biópsia por congelamento no intraoperatório, proporcionando retalhos com maior segurança e diminuição dos tempos de reconstrução nasal. Em apenas seis (4%) dos casos deixou-se a área cruenta, aguardando o resultado anatomopatológico para posterior reconstrução.

Quando as perdas de substância foram em maiores dimensões, necessitou-se de associação de retalhos, retalhos com enxertos compostos (cartilagem auricular e septal) ou até mesmo enxerto em toda unidade estética nasal. Muitas vezes, necessitou-se de mais de dois tempos cirúrgicos.

Entre os cirurgiões plásticos, a conduta mais frequente para o tratamento do câncer de pele nasal é a ressecção cirúrgica. No nosso estudo o índice de margem comprometida foi de 22 (15%), o que está de acordo com a literatura mundial, variando de 4% a 18,2%17.

CONCLUSÃO

Com esse trabalho, procuramos mostrar que as subunidades estéticas nasais podem ser reconstruídas por uma variabilidade de técnicas cirúrgicas. Cada reconstrução dependerá do local e do tamanho do defeito, da característica da pele e da forma do nariz do paciente, da familiaridade do cirurgião com determinados retalhos, bem como de sua criatividade no planejamento do ato operatório, buscando um adequado resultado estético e funcional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2016

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2015
  • Aceito
    12 Maio 2016
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