Open-access Clamp vascular de fio de mononylon em microcirurgia experimental

RESUMO

Introdução:  A microcirurgia reparadora é ramo hoje indissociável e imprescindível na cirurgia plástica. O treinamento é longo, custo financeiro relativamente alto e exige muito dos proponentes. Para melhorar essa equação a favor da formação de novos microcirurgiões no Brasil, é fundamental facilitar o acesso ao treinamento experimental, utilizando materiais simples. Huaraca descreveu uma técnica utilizando um simples fio mononylon 5-0 para substituir o clamp vascular, que é instrumento indispensável da anastomose microcirúrgica e geralmente de alto custo. O objetivo é comparar a técnica de Huaraca com fio de mononylon e o clamp metálico tradicional durante anastomose microcirúrgica vascular.

Métodos:  Seis ratos da raça Wistar cujas duas artérias femorais foram aleatoriamente selecionadas para sutura término-terminal após secção completa, sendo um dos lados realizado com clamp vascular habitual e o contralateral com técnica de Huaraca, no mesmo tempo cirúrgico e pelo mesmo cirurgião.

Resultados:  Em ambas as situações, a taxa de patência foi de 67% após 72 horas, sendo que o tempo médio foi de 26 minutos com a técnica de Huaraca e de 18 minutos com o clamp tradicional (p=0,001).

Conclusão:  Apesar do tempo de execução mais longo, a técnica de Huaraca é medida simples e de baixo custo que pode substituir o clamp vascular tradicional.

Descritores: Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Microcirurgia; Anastomose cirúrgica; Nylons; Curva de aprendizado; Modelos animais

ABSTRACT

Introduction:  Reconstructive microsurgery is now an inseparable and essential branch of plastic surgery. The training is long, has a relatively high financial cost and requires a lot of the proponents. To improve this equation in favor of the formation of new microsurgeons in Brazil, it is essential to facilitate access to experimental training, using simple materials. Huaraca described a technique using a simple 5-0 mononylon thread to replace the vascular clamp, which is an indispensable instrument for microsurgical anastomosis and is generally expensive. The objective is to compare the Huaraca technique with mononylon thread and the traditional metal clamp during vascular microsurgical anastomosis.

Methods:  Six Wistar rats whose both femoral arteries were randomly selected for end-to-end suture after complete section, with one side performed with usual vascular clamp and the contralateral with Huaraca technique, at the same surgical time and by the same surgeon.

Results:  In both situations, the patency rate was 67% after 72 hours, with an average time of 26 minutes with the Huaraca technique and 18 minutes with the traditional clamp (p=0.001).

Conclusion:  Despite the longer execution time, the Huaraca technique is a simple and low-cost measure that can replace the traditional vascular clamp.

Keywords: Reconstructive surgical procedures; Microsurgery; Anastomosis; surgical; Nylons; Learning curve; Models; animal

INTRODUÇÃO

A cirurgia plástica pode ser considerada a cirurgia geral em seu máximo refinamento técnico. A busca constante por evolução e meios de tornar o que antes não parecia possível em algo exequível é um dos seus nortes. Assim, surge nesta especialidade a microcirurgia, que utilizando-se de óptica de magnificação é capaz de transferir tecidos e corrigir defeitos que pareciam irreversíveis1.

Neste último caso, a exigência técnica é alta e o treinamento longo. Especialmente em países em desenvolvimento, a questão tempo versus custo se torna grande empecilho2.

A complexidade destes procedimentos é elevada e exige grande afinamento prático, com precisão máxima para que não ocorram erros e perdas catastróficas para o paciente3.

A necessidade de entender e executar cada possibilidade de reconstrução é uma habilidade fundamental para o cirurgião plástico, especialmente o reparador4.

O treinamento clínico, ainda que seja fundamental, quando é possível ser feito incialmente de forma experimental, é muito mais seguro e envolve menos riscos aos pacientes5-7.

O clamp vascular metálico é considerado um dos fatores limitantes ao treinamento simultâneo de mais de um residente. Material delicado, normalmente de alto custo para os laboratórios de treinamento, que facilmente perde sua precisão ao longo do tempo, principalmente por manipulação de alunos no início de sua formação - que são os mais presentes neste tipo de atividade.

Como forma de solucionar este tipo de empecilho, em 2009, nesta mesma instituição, Walter Huaraca, sob orientação do professor Fausto Viterbo, propôs uma técnica simples e de fácil execução: fio único de mononylon 5.0 para elaboração de dois nós falsos em segmento proximal e distal da área que será seccionada para treinamento de sutura término-terminal vascular, com capacidade de tração para aproximação das bordas dos vasos, conseguindo substituir o clamp vascular metálico8.

A sequência técnica se inicia com nó falso distal à artéria femoral, com mínima pressão local, sendo o mesmo fio utilizado para outro nó falso, agora proximal, a cerca de 1 cm do anterior. Secciona-se a artéria no ponto central, mantendo a tensão do fio para facilitar a anastomose microcirúrgica. Após o término desta, retira-se o clamp de fio, tracionando-o pela extremidade distal. O aspecto após a montagem do clamp de fio e antes da secção se encontra na Figura 1.

Figura 1
Ponto de Huaraca (aumento 25x).

OBJETIVO

O presente artigo tem por objetivo central avaliar a replicabilidade da técnica proposta por Huaraca em 2009, comparando o clamp feito com fio de mononylon com o clamp metálico tradicional, demonstrando uma forma de diminuir o custo do treinamento, sem prejudicar a evolução do tratamento.

MÉTODOS

Foram selecionados seis ratos masculinos da raça Wistar disponíveis no laboratório de microcirurgia experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu para sutura término-terminal da própria artéria femoral, sendo um dos lados realizado com clamp vascular habitual metálico e o contralateral com técnica de Huaraca, no mesmo tempo cirúrgico e pelo mesmo cirurgião. Os lados da sutura foram escolhidos ao acaso. As cirurgias foram realizadas no mês de dezembro de 2020.

Programação

No experimento, o peso dos animais, diâmetros dos vasos, número de pontos e tempo cirúrgico foram aferidos, bem como avaliada a patência final após 30 minutos por pesquisador independente.

Após 72 horas do procedimento inicial, os ratos foram reavaliados para checagem de peso e da patência arterial final por outro pesquisador.

Avaliação de patência

A patência era considerada pérvia quando havia sinal de fluxo distal à anastomose, considerando a coloração do vaso, pulsação e de acordo com a manobra de Acland - feita com duas pinças para avaliação do reenchimento vascular em sentido proximal ao distal.

Técnica cirúrgica

O procedimento padrão de anestesia em ambos os grupos foi feito com 80 mg/kg de ketamina e 10 mg/kg de xilazina, por via intraperitoneal, seguida por anestesia local com lidocaína 7 mg/kg nas regiões inguinais. Isto era feito após a pesagem e tricotomia da região inguinal dos animais.

No intraoperatório, foi usado tramadol 5 mg/kg via intramuscular, enrofloxacino (10 mg/kg) e cetoprofeno (5 mg/kg) pela via subcutânea. Dose de 100 mg/kg de dipirona sódica por via subcutânea era aplicada diariamente nos dias subsequentes ao procedimento inicial para controle da dor.

A incisão padrão foi realizada de forma oblíqua na região inguinal do rato e a artéria femoral foi dissecada no nível mais proximal possível, onde tem seu diâmetro medido no local estimado de secção (Figura 2).

Figura 2
Rato com artéria femoral direita isolada por fita azul.

Após a dissecção arterial, a mesma era clampeada com fio (técnica de Huaraca) ou clamp metálico (Figura 3), escolhido aleatoriamente. Em seguida, a artéria foi seccionada com tesoura de microcirurgia, sua luz foi lavada com soro fisiológico e teve sua camada adventícia removida também com tesoura microcirúrgica. A seguir, a anastomose foi feita com mononylon 10-0 de agulha cilíndrica.

Figura 3
Vaso imerso em soro fisiológico (aumento 25x), com clamp metálico tradicional.

Em todos os lados, o músculo e a pele foram fechados por planos com pontos separados de fio mononylon 5.0 - o mesmo utilizado na técnica de Huaraca.

Após 72 horas, os ratos foram e pesados nova­mente e foram reabertas as suturas da pele e músculo para reavaliar a patência vascular também por observação direta do fluxo (Figura 4) e realizada a ressutura da pele e músculo com pontos de mononylon preto 5.0.

Figura 4
Revisão da anastomose após 72 horas (aumento 25x).

A técnica de confecção do clamp de fio conforme proposto por Huaraca está esquematizada na Figura 5.

Figura 5
Demonstração esquemática da execução do clamp de fio de mononylon conforme técnica de Huaraca.

Análise estatística

Para as variáveis quantitativas para comparação das patências foi utilizado o teste t de Student e para as variáveis qualitativas foi utilizado o teste Exato de Fisher.

Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA)

O presente trabalho foi aprovado pela CEUA da Faculdade de Medicina de Botucatu, sob o número de registro 1372/2020.

RESULTADOS

Os seis ratos selecionados no estudo tinham entre 60 e 90 dias de vida, com variação de peso entre 242 e 307 g, com média de 270,8 g. Após 72 horas, apresentaram ganho de peso médio de 3 g.

Os vasos tinham diâmetro de 0,9 a 1 mm, com média de 0,95 mm à direita e 0,93 mm à esquerda.

O número de pontos de sutura por anastomose variou de 5 a 6 em ambos os lados, com média de 5,6 à direita e 5,5 à esquerda.

O tempo de realização da anastomose incluiu o tempo gasto para elaboração da técnica de Huaraca, tanto para a passagem dos pontos e criação do clamp de fio quanto retirada final para checagem de patência e sangramento. Este tempo de execução somou de 3 a 5 minutos ao procedimento final, com média de 4,16 minutos.

A média de tempo de anastomose com técnica de Huaraca foi de 26,8 minutos contra 18,83 minutos utilizando o clamp metálico convencional (p=0,001). O número de pontos por minuto foi de 0,26 com aquela e 0,25 com este (p=0,85).

A taxa de falha (trombose) - ausência de patência final após 72 horas - foi de 33% nos dois grupos (p=1,00).

Alguns destes dados estão resumidos nas Tabelas 1 to 2 a seguir:

Tabela 1
Média e desvio-padrão referentes às variáveis segundo patência.
Tabela 2
Taxa de falhas (trombose).

DISCUSSÃO

A microcirurgia tem múltiplas aplicações clínicas: útil no tratamento de trauma graves em que os métodos mais simples da escada e elevador reconstrutivo não são suficientes, como os enxertos e retalhos locais, especialmente quando há grandes fraturas e exposição de estruturas nobres; essencial no reimplante de membros, especialmente dedos; ferramenta fundamental nos grandes tumores de cabeça e pescoço, em que pode possibilitar que o paciente consiga realizar suas atividades habituais.

O treinamento é fundamental e o sucesso do procedimento dificilmente vai ser alcançado com a simples tentativa e erro diretamente na clínica, uma vez que retalhos perdidos causam grande prejuízo ao paciente, especialmente para a área doadora, que não pode ser revertida em alguns casos. Portanto, é essencial que cada retalho livre seja meticulosamente realizado, com taxas de sucesso próximas a 100% em média.

A técnica proposta por Huaraca tem grande utilidade quando se observa que o fio utilizado é o mesmo que será necessário para a sutura final do rato, bem como é de baixo custo, facilmente encontrado, e com pequena curva de aprendizado para sua execução. Este método é especialmente importante quando o número de cirurgiões em treinamento simultâneo exige múltiplos clamps metálicos.

O uso de animais vivos é considerado o padrão-ouro neste tipo de treinamento, uma vez que cria uma simulação muito próxima do que é a prática em humanos. Contudo, os problemas éticos envolvidos demandam a substituição, sempre que possível, por outros materiais, como os sintéticos ou cadavéricos9. Nossa escolha se baseou na disponibilidade destes animais em nossa instituição e caráter mais realístico do procedimento.

Vários estudos mostraram que o ideal é atingir patências ao redor 95% em caráter experimental antes de se ingressar no tratamento clínico de pacientes. Consideramos nossa taxa de patência satisfatória, uma vez que a média de diâmetro dos vasos abordados em nosso estudo também fica percentualmente menor do que muitos experimentos com taxas próximas ao 100%10.

O tempo médio para a realização da anastomose varia na literatura. A média de tempo de anastomose em nosso trabalho foi considerada satisfatória, e menor que muito outros trabalhos previamente publicados, porém com menos pontos por anastomose11.

As patências atingidas foram ligeiramente menores do que as taxas encontradas na literatura para este tipo de anastomose arterial término-terminal12-15.

CONCLUSÃO

O clamp feito com fio conforme proposto por Huaraca se mostra uma alternativa segura em relação ao clamp metálico tradicional, sendo ferramenta útil no dia a dia do laboratório experimental em microcirurgia, ampliando o leque de possibilidades para os cirurgiões em fase de aprendizagem.

Apesar de aumentar o tempo cirúrgico, tem boa aplicabilidade em relação ao padrão ouro, que é de maior custo, e pode facilitar o treinamento em vários serviços de residência médica no Brasil, estimulando o ensino continuado e mais abrangente dessa nobre área da Medicina.

  • COLABORAÇÕES BFMN Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição MSS Análise e/ou interpretação dos dados MSF Realização das operações e/ou experimentos LBC Coleta de Dados FV Supervisão

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2021
  • Aceito
    23 Abr 2021
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