Open-access Machado de Assis: tradução, edição e circulação internacionais

Machado de Assis: Translation, Publishing and International Circulation

Machado de Assis empenhou-se em ter seus livros circulando fora do Brasil, mas os resultados foram modestos. Alguns de seus poemas foram publicados em Portugal ainda na década de 1860 e parte das Memórias póstumas de Brás Cubas foi publicada em um jornal português. O escritor também fez três tentativas de publicar Memórias póstumas de Brás Cubas em alemão, todas frustradas (GUIMARÃES, 2012/2009). Em vida, apenas dois de seus livros foram traduzidos: Memórias póstumas saiu em 1902, em Montevidéu, e Esaú e Jacó foi publicado em 1905, em Buenos Aires.

Depois de sua morte, em 1908, as traduções foram aparecendo de forma esparsa, principalmente em espanhol, italiano e francês. Até 1950, havia cinco títulos traduzidos para o espanhol, dois para o alemão, quatro para o italiano e três para o francês.1

A partir do início da década de 1950, o panorama começou a mudar. As traduções para línguas estrangeiras tornaram-se mais regulares e frequentes, principalmente nos Estados Unidos. Isso ampliou consideravelmente as possibilidades de circulação internacional da obra e causou impactos consideráveis nos círculos literários brasileiros, na medida em que estudos de peso sobre o autor começaram a ser produzidos fora do Brasil (GUIMARÃES, 2019).

As primeiras traduções de livros de Machado de Assis para o inglês foram publicadas num momento de profunda modificação do quadro da circulação e da recepção internacional da literatura brasileira, do qual essas traduções são efeito e causa.2 Até a década de 1950, não havia nem vinte romances brasileiros disponíveis em inglês (ARMSTRONG, 1999). A partir de 1950, são lançadas as primeiras traduções para o inglês, publicadas primeiramente nos Estados Unidos e depois na Inglaterra.

A partir de meados da década de 1950 e ao longo dos anos 60, também por causa do relativo sucesso das traduções para o inglês, começaram a aparecer as primeiras traduções para o sueco, dinamarquês e holandês. Quase simultaneamente surgiram edições em tcheco, polonês e russo, sugerindo a inclusão de Machado de Assis nas disputas da Guerra Fria, em demonstração de que o interesse internacional pela obra machadiana acompanhava a reorganização geopolítica do pós-guerra.3 Mais recentemente, seus livros ganharam traduções para turco, árabe, japonês e chinês.

O dossiê "Machado de Assis: tradução, edição e circulação internacionais" trata desse processo de difusão internacional da obra de Machado de Assis, considerando os processos de tradução, edição e circulação dos seus escritos em outras línguas e países. O objetivo é compreender melhor as condições que em certos momentos dificultaram e, em outros, permitiram a circulação dos escritos de Machado de Assis em outros países e línguas, bem como conhecer os desafios colocados pelos seus textos nos seus trânsitos em outras línguas e culturas, desafios que envolvem questões de várias ordens - linguísticas, literárias, editoriais, educacionais, políticas e geopolíticas.

No conjunto de textos aqui reunidos, Flora Thomson-DeVeaux e Jorge Uribe mostram como o trabalho de suas traduções, de Memórias póstumas para o inglês e de Dom Casmurro para o espanhol, respectivamente, revela dimensões fundamentais da composição do texto de Machado de Assis, que muitas vezes passam despercebidas pelos leitores brasileiros do texto em português. Regina Zilberman e Jacqueline Penjon detalham, respectivamente, a circulação dos textos de Machado de Assis em Portugal, dividida pela pesquisadora em três fases, e na França, onde o escritor foi lido sob o signo da latinidade.

Concentrando-se no ambiente anglófono, Deborah Cohn mostra como as traduções de Machado de Assis publicadas nos Estados Unidos inserem-se no quadro geopolítico do pós-guerra e da diplomacia do livro; Hélio de Seixas Guimarães acompanha a trajetória editorial dos livros do escritor nas décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos e na Inglaterra; Cynthia Costa trata da extensa fortuna crítica, em inglês, do romance Dom Casmurro; e Lenita Pisetta comenta, em perspectiva comparada, cinco traduções das Memórias póstumas para o inglês.

Com isso, a MAEL quer contribuir para a sistematização e o melhor conhecimento do processo de difusão internacional da obra de Machado de Assis, que está em curso e à espera de mais estudos.

Referências

  • ARMSTRONG, Piers. Third World Literary Fortunes. Lewisburg: Bucknell University Press, 1999.
  • INSTITUTO MOREIRA SALLES. Cadernos de Literatura Brasileira: Machado de Assis, São Paulo, n. 23/24, p. 299-304, jul. 2008.
  • GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Uma vocação em busca de línguas. Notas sobre as (não) traduções de Machado de Assis. In: GUERINI, Andréia; FREITAS, Luana Ferreira; COSTA, Walter Carlos (Orgs.). Machado de Assis tradutor e traduzido. Tubarão: Copiart; Florianópolis: PGET/UFSC, 2012, p. 37-45. Publicado também em Luso-Brazilian Review, v. 46, n. 1, p. 36-44, jun. 2009. DOI: https://doi.org/10.1353/lbr.0.0057.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1353/lbr.0.0057
  • ______. Helen Caldwell, Cecil Hemley e os julgamentos de Dom Casmurro. Machado Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, São Paulo, v. 12, n. 27, p. 113-41, maio 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-6821201912277.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/1983-6821201912277
  • MACHADO, Ubiratan. Traduções da obra de Machado de Assis. In: ______. Dicionário de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2008. p. 338-340.
  • 1
    Para um quadro mais geral das traduções de Machado de Assis, cf. a obra Cadernos de Literatura Brasileira: Machado de Assis (INSTITUTO MOREIRA SALLES, 2008, p. 299-304) e o verbete "Traduções da obra de Machado de Assis" no Dicionário de Machado de Assis, de Ubiratan Machado (2008, p. 338-340).
  • 2
    O primeiro romance publicado em inglês, em 1951, foi The Posthumous Memoirs of Bras Cubas, traduzido por William Grosmann e impresso no Brasil, relançado no ano seguinte, nos Estados Unidos, como Epitaph of a Small Winner. Em 1953 saiu a tradução de Dom Casmurro, feita por Helen Caldwell. No ano seguinte, Clotilde Wilson lançou sua tradução de Quincas Borba, intitulada Philosopher or Dog? na edição norte-americana da Noonday Press e The Heritage of Quincas Borba na edição inglesa da W. H. Allen, datada do mesmo ano de 1954. Em 1955 foi publicada no Brasil pelo Instituto Nacional do Livro a tradução de E. Percy Ellis para Memórias póstumas de Brás Cubas, intitulada The Posthumous Reminiscences of Braz Cubas. Em 1965, a University of California Press publicou Esau and Jacob, tradução de Helen Caldwell e, no ano seguinte, uma nova edição de sua tradução de Dom Casmurro.
  • 3
    Veja-se a sequências das notícias: "Machado de Assis em Moscou". Manchete, Rio de Janeiro, s/d; "Machado de Assis em polonês". Novos Rumos, Rio de Janeiro, 16.04.1959; "Machado de Assis na urss". Novos Rumos, Rio de Janeiro, 17.04.1959; "Estudando Machado de Assis em Moscou". A Tarde, Salvador, 24.04.1959; "Literatura brasileira em russo". Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20.06.1959; "Brasil e Estados Unidos: estudo dos pontos de contato cultural". O Jornal, Rio de Janeiro, 14.07.1959; "Brasileiros na Polônia". 23.07.1959; "Versão tcheca da obra de Machado". Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 26.08.1959; "Machado de Assis traduzido para o tcheco,". O Estado de S. Paulo, 30.08.1959; "Autores brasileiros na urss". Novos Rumos, 25.09.1959.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023
location_on
Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Av. Prof. Luciano Gualberto, 403 sl 38, 05508-900 São Paulo, SP Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: machadodeassis.emlinha@usp.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro