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OS "EXTRAS" SUBALTERNOS DE MACHADO DE ASSIS

MACHADO DE ASSIS'S SUBALTERN "EXTRAS"

Resumo:

Em geral, as análises dos personagens afrodescendentes de Machado de Assis têm se concentrado nas referências a protagonistas ou a atores secundários, pessoas que desempenham uma função significativa nos argumentos e na temática dos textos ficcionais. Mas os afro-brasileiros periféricos, normalmente humildes escravos e muitas vezes servidores domésticos, também merecem a atenção dos estudiosos. Tais personagens, que são comparáveis aos "extras" na produção cinematográfica, contribuem com um ar de verossimilhança aos ambientes, quase como se fossem móveis nas salas. Mas, em Machado, também convidam o leitor a extraí-los do segundo plano, para perceber as atitudes injustas dos senhores e as severas assimetrias de uma sociedade escravocrata.

Palavras-chave:
Machado de Assis; romance; conto; personagens afrodescendentes; leitura crítica

Abstract:

In general, the analysis of characters of African descent in Machado de Assis has concentrated on protagonists or secondary actors, persons who play a significant role in the plots or themes of his fictional texts. But more peripheral blacks, normally humble slaves and often domestic servants, also deserve scholars' attention. Such characters, who are comparable to the "extras" appearing in cinematic productions, contribute a sense of realism to the settings, almost as if they were pieces of furniture. But in Machado, they also invite the reader to extract them from the background, in order to perceive the unjust attitudes of their owners, and the severe asymmetries of a slaveholding society.

Keywords:
Machado de Assis ; novel ; short story ; characters of African descent ; critical reading

Uma das afirmações mais questionáveis sobre Machado de Assis foi a de que o escritor dava pouca atenção aos problemas políticos e sociais de seu país. A ideia do "absenteísmo" de Machado, cujas vozes críticas são habilmente resumidas por Juracy Saraiva e Marinês Kunz ( 2010 SARAIVA, Juracy Assmann; KUNZ, Marinês Andrea. Machado de Assis: um escritor além de seu tempo e de seu país. Ellipsis, v. 8, p. 91-111, 2010. Disponível em: https://jls.apsa.us/index.php/jls/article/view/103 .
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, p. 95-98), baseava-se no fato de que, num momento em que a Abolição da escravidão era a questão mais urgente entre os brasileiros, o ficcionista ressaltou a questão da escravatura poucas vezes em seus textos e preferiu representar um mundo social dominado por pessoas abastadas e, supostamente, brancas.

Nas últimas décadas, um dos projetos mais consistentes da crítica tem sido contestar essa opinião. Há boas explicações da diferença de abordagem entre Machado e seus contemporâneos no que diz respeito à questão da Abolição, análises de uma retórica mais irônica e sutil do que era normal no discurso público daquele tempo. E há artigos e capítulos que descobrem e estudam numerosos textos em que o autor se refere, criticamente, à má fortuna dos cativos, ao preconceito racial ou às instituições abusivas oficiais (SARAIVA; KUNZ, 2010 SARAIVA, Juracy Assmann; KUNZ, Marinês Andrea. Machado de Assis: um escritor além de seu tempo e de seu país. Ellipsis, v. 8, p. 91-111, 2010. Disponível em: https://jls.apsa.us/index.php/jls/article/view/103 .
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, p. 98-101). Um livro fundamental nesse projeto é o de Eduardo de Assis Duarte, Machado de Assis afrodescendente: antologia e crítica , que saiu em 2006 e agora está em sua terceira edição.

Tanto na antologia de Assis Duarte como numa série de ensaios sobre a abordagem de Machado no tocante às questões raciais – a exemplo do trabalho de Bernardo et al . ( 2010BERNARDO, Gustavo et al. Machado de Assis e a escravidão. São Paulo: Annablume, 2010. ) –, vê-se a tendência de ressaltar textos em que o autor cria protagonistas de ascendência africana ou se refere explicitamente ao tratamento desigual dos negros. O escravo e ex-escravo Prudêncio em Memórias póstumas de Brás Cubas , o enforcado assistido por Rubião em Quincas Borba (em que tanto o carrasco como o punido são afrodescendentes), os contos como "Pai contra mãe", "O caso da vara", "Virginius" e "Mariana" são exemplos de textos machadianos bem comentados naquele esforço para refutar as antigas acusações e entender as complexas posições do autor sobre o assunto racial.

Outra tendência na análise da questão, talvez mais recente, deriva-se do fato de que as descrições físicas dos personagens em Machado são pouco detalhadas e que as leituras tradicionais muitas vezes supõem, nessa falta de evidência, que eles sejam brancos. Estudiosos como Alex Flynn et al . ( 2013 FLYNN, Alex; CALVO-GONZÁLEZ, Elena; SOUZA, Marcelo Mendes de. Whiter Shades of Pale: "Coloring In" Machado de Assis and Race in Contemporary Brazil. Latin American Research Review, v. 48, n. 3, p. 3-24, 2013. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/latin-american-research-review/article/whiter-shades-of-pale-coloring-in-machado-de-assis-and-race-in-contemporary-brazil/2FF97670EDD48B818721E588E6B3F733 .
https://www.cambridge.org/core/journals/...
) e Paulo Dutra ( 2018 DUTRA, Paulo. "Noite de Almirante": raça e relações amorosas no século XIX de Machado de Assis. Aletria, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.17851/2317-2096.28.4.119-136 .
https://doi.org/10.17851/2317-2096.28.4....
; 2020 ______. O "Recitatif" de Machado de Assis: para uma leitura negra de "Missa do galo" e "Teoria do medalhão". Latin American Research Review, v. 55, n. 1, p. 122-134, 2020. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/latin-american-research-review/article/o-recitatif-de-machado-de-assis-para-uma-leitura-negra-de-missa-do-galo-e-teoria-do-medalhao/5B8C9D301FC675DB7A85499D73847531 .
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) criticam esse "embranquecimento" na recepção convencional e oferecem motivos para percepções alternativas daqueles atores ficcionais.

Aqui quero seguir outra linha de análise nessa apreciação da ideologia racial de Machado. Parece-me que é uma aproximação pouco praticada, mas creio que oferece uma perspectiva interessante. Refiro-me ao exame dos personagens consignados ao pano de fundo dos textos ficcionais machadianos – personagens que nem se qualificam como secundários, porque geralmente não têm nomes e não participam dos diálogos. São uma semipresença nesses mundos imaginados. Podemos compará-los aos "extras" que são necessários para efeitos de verossimilhança na produção de filmes. Não ocupam o mesmo espaço dos atores principais, mas servem para criar um contexto convincente, quase no mesmo nível das propriedades físicas como ruas, casas, meios de transporte e roupas. Essa comparação com os objetos móveis faz parte de um excelente artigo de Gizelda Melo do Nascimento ( 2002 NASCIMENTO, Gizelda Melo do. Machado: três momentos negros. Terra Roxa e Outras Terras, v. 2, p. 53-62, 2002. Disponível em: https://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol2/V2_GMN.pdf .
https://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/...
, p. 50) sobre a presença em Machado do servidor excluído:

Ocupando espaço, ocupará como peça imóvel: como um móvel o ocupa. Porque lhe falta um discurso e quem não o detém não participa do brilho dos salões; ficará relegado aos sombrios recantos dos bastidores. Nos bastidores nem mesmo sussurros. Longe dos discursos brilhantes, o negro se cala.

Assim, esses "extras" (negros) poucas vezes têm falas e, se agem, suas ações são apenas apoios para o ambiente, chamando minimamente a atenção do público e contribuindo para a sensação de uma realidade fluida e enraizada no mundo.

Com muita razão, Nascimento afirma que essa quase ausência de alguns afrodescendentes em Machado pode instigar uma leitura às avessas, uma percepção paradoxal em que os vazios chegam a se fazer presentes. O narrador visível pode, às vezes, ceder seu lugar a um segundo narrador implícito: "um outro narrador manipula o lance no momento em que instala esta lacuna, construindo de ausência o texto visível. O narrador oculto costurando pelo avesso, criando sorrateiramente um subtexto que paradoxalmente preenche com vazios" (NASCIMENTO, 2002 NASCIMENTO, Gizelda Melo do. Machado: três momentos negros. Terra Roxa e Outras Terras, v. 2, p. 53-62, 2002. Disponível em: https://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol2/V2_GMN.pdf .
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, p. 60). Markus Schäffauer ( 2010SCHÄFFAUER, Markus Klaus. A borboleta preta e os olhos de ressaca. In: BERNARDO, Gustavo et al. Machado de Assis e a escravidão. São Paulo: Annablume, 2010. p. 125-133. , p. 126) sugere o mesmo fenômeno ao comentar textos como o conto "O espelho", em que os escravos "brilham pela ausência". Vejo semelhança, aqui, com um fenômeno examinado por mim (DIXON, 2023DIXON, Paul. A questão figura-fundo em alguns contos de Machado de Assis. In: GRANJA, Lúcia; SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs.). Machado de Assis: o autor, o leitor, o crítico. São Paulo: Alameda, 2023. p. 167-176. ) em alguns contos – um momento em que o conteúdo apenas contextual, os detalhes do pano de fundo pedem uma atenção mais atenta aos leitores, passando do fundo para o primeiro plano, como em certas imagens paradoxais de artistas como M. C. Escher e Salvador Dalí.

Presença/ausência nos romances

Uma das velhas acusações é que Machado, tanto pela falta de flora e fauna brasileiras como pela preferência por personagens supostamente brancos em camadas sociais confortáveis, queria imitar os autores franceses ou portugueses, criando ambientes que parecessem europeus (ver SARAIVA; KUNZ, 2010 SARAIVA, Juracy Assmann; KUNZ, Marinês Andrea. Machado de Assis: um escritor além de seu tempo e de seu país. Ellipsis, v. 8, p. 91-111, 2010. Disponível em: https://jls.apsa.us/index.php/jls/article/view/103 .
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, p. 95-97). Tal crítica ignora a onipresença dos servidores nesses textos. Considerando a ubiquidade desses "extras" nos cenários, o leitor não terá dúvida de que o mundo representado em Machado seja um mundo essencialmente escravista. Inúmeros cativos ou ex-cativos, geralmente silenciosos e subservientes, modestamente ocupam a periferia dos espaços, contribuindo indubitavelmente para o sentido de que o ambiente não pode ser europeu, mas sim muito brasileiro.

Aqui proponho me deter em três romances – o primeiro, o último e um do meio da produção do autor – para ver, entre outras coisas, que a inclusão das pessoas afrodescendentes no pano de fundo é um aspecto constante da ficção machadiana. O exame de três contos servirá para sugerir que a mesma dinâmica também se aplica à ficção breve. Mas estabelecer a simples presença desses quase-personagens não é o principal objetivo deste ensaio. Quero propor que tal semipresença tem um significado vital na compreensão da visão machadiana do afrodescendente no Brasil.

Em Ressurreição , primeiro romance do autor (1872), encontramos escravos masculinos, "moleques" que servem na casa dos protagonistas. O problema de dr. Félix, personagem principal, é que ama a viúva Lívia e é amada por ela, mas, por causa de sua natureza extremamente desconfiada, não consegue consolidar tal relação afetiva. As visitas são momentos importantes no romance, pois são veículos para a comunicação de informações que servem para levantar ou acalmar as dúvidas do homem. E um escravo figura incidentalmente nessas visitas. Na casa de Lívia, Félix está pensando em revelar seu amor pela viúva,

quando um escravo apareceu no terraço, a anunciar a visita do Dr. Batista.

– Não quero falar a ninguém, João, disse a moça; estou incomodada.

– Que resposta é essa? Perguntou Félix, baixinho, quando o escravo voltou as costas.

– João! Disse a moça.

O escravo voltou.

– Eu hoje só posso receber as pessoas mais íntimas de casa, os amigos de meu irmão. Às outras dize que estou incomodada.

O escravo saiu

(ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 139).

A fala do escravo – o anúncio da visita – é parafraseada; não se ouve sua própria voz. As outras ações são movimentos mínimos de obediência – entrar, ouvir, voltar e sair. O único detalhe que pode desfazer a impressão de que o escravo não tem presença como pessoa é o fato de que Lívia o chama pelo nome, João.

Algum tempo mais tarde, quando Félix está contemplando suas dúvidas sobre a relação com Lívia, o servidor de Félix repete o mesmo ato do caso anterior: "Daí a pouco entrou um escravo dizendo que uma pessoa insistia em falar-lhe: era uma senhora" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 148). Vê-se o mesmo discurso resumido, sem palavras próprias, e a mesma projeção mínima.

Depois de receber em carta uma denúncia anônima sobre Lívia, Félix passa umas horas tempestuosas que o deixam visivelmente abalado: "Um escravo, a que ele deu algumas ordens, reparou no estado do senhor, e perguntou-lhe se estava doente. Félix respondeu secamente que não. O escravo abanou a cabeça e saiu" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 184). Aqui se observa a mesma falta de voz própria, as mesmas ações modestas e obedientes. À diferença das outras passagens, porém, podemos descobrir uma pequena indicação de que o escravo analisa sua situação e tem pensamentos, pois pergunta sobre a saúde do senhor. Com sua resposta seca, porém, Félix o exclui de qualquer intimidade.

O narrador dá ao mesmo escravo uma fala mínima e um pequeno monólogo interior quando o colega Meneses, ofendido pela rispidez com que Félix se separou de Lívia, insiste em entrar na casa do homem ainda quando o escravo havia recebido o mandato de que o "Senhor não fala a ninguém" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 187). O relato compartilha um breve pensamento do escravo, dizendo que "O tom decidido do rapaz abalou o escravo, cujo espírito, costumado à obediência, não sabia distingui-la do dever" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 187). Por um segundo, então, revela-se um pensamento de um escravo sobre as obrigações de seu trabalho.

Se a norma em Ressurreição é tratar os escravos como meros objetos, na mesma classe das cadeiras e mesas que ocupam as salas, o romance providencia em raros momentos uma abertura para sua subjetividade. Quando Lívia chama seu escravo pelo nome, quando outro escravo pergunta pela saúde do senhor e quando o mesmo servo sente dúvidas sobre seus deveres, há leves sugestões de que os cativos são pessoas.

Em Quincas Borba (1891), os escravos são anônimos, mas marginalmente presentes. O protagonista Rubião chama um escravo para entregar uma carta, depois mudando de ideia e despedindo-o (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 652). Manda que um escravo leve o cachorro Quincas Borba à casa de sua tia (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 653). Sofia, contemplando com irritação as atenções de Rubião, é distraída por várias impressões de seu entorno, incluindo "o andar das escravas" na casa e a curta visão de "um pobre preto velho que, em frente à casa dela, trepava com dificuldade um pedaço de morro" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 686). Uma escrava tenta trazer um caldo para Sofia, mas vendo sua atitude meditativa e sem movimento, "supôs que dormia e retirou-se pé ante pé" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 753). Os moleques no romance entregam mensagens e cuidam do cachorro. Um deles, chamado Raimundo, responde a D. Fernanda com humildes monossílabos quando ela lhe pergunta sobre o cachorro e seu dono (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 800).

Tal é, então, a norma na representação desses personagens humildes. Mas também, em certos momentos, o narrador parece convidar os leitores a tirar o véu dessa invisibilidade convencional, para perceber a subjetividade dos cativos.

Tanto Rubião como Maria Benedita, a sobrinha de Sofia, sentem saudade da província quando estão no Rio de Janeiro. As memórias dos dois, quando tocam nos prazeres do passado, evocam os escravos que conheciam. Rubião recorda uma mulher muito carinhosa, a Sinhá Mãe, que lhe deu algumas lições sobre a transmigração das almas (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 771). Maria Benedita medita sobre a falta que sente dos prazeres da casa da infância. Recordava "[beber] café, ao pé da mãe, pensava na escravaria, nos móveis antigos, nas bonitas chinelas que lhe mandara o padrinho" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 701). Aqui é interessante que "a escravaria" da qual a moça tem saudades é sutilmente transformada em mero objeto, pois pertence à mesma classe do café, dos móveis e das chinelas. As duas passagens, apesar de comunicar certo afeto pelos negros na vida passada, permite apenas uma visão superficial da existência pessoal e subjetiva daqueles seres.

Algumas vezes os escravos são mencionados como propriedade. Figuram na lista de bens que o falecido pai de Maria Benedita deixou a sua mãe (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 697) e na enumeração dos valores que Quincas Borba passou para seu herdeiro universal, Rubião (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 654). No primeiro encontro entre Rubião e Cristiano Palha, no trem, há uma conversa sobre a "propriedade servil" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 658). O termo soa como um eufemismo, usado para disfarçar a rispidez de "escravidão" no discurso das pessoas que querem defender a prática. Nesse momento, Rubião declara que planeja "vender os escravos que o testador lhe deixara, exceto um pajem" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 658). Há fortes sugestões aqui. Não é que Rubião esteja contra a instituição, pois pretende vender os escravos e não os alforriar. Parece que, na percepção do herdeiro, ele simplesmente não precisa deles, pois vai morar na cidade. E também quer guardar um dos escravos como pajem, pois este lhe será útil no ambiente mais urbano. O leitor não precisa ponderar muito para sentir a brutalidade do plano de Rubião, pois vender um escravo muitas vezes é um horror que causa a separação de famílias e a extinção abrupta de vínculos afetivos e sociais.

Uma curta referência ao antigo pajem de Rubião demonstra que, mesmo quando se trata de um servidor quase sem presença, o narrador pode revelar nuances importantes sobre a cultura escravista. O novo rico, ao chegar no Rio, levou o criado consigo com a intenção de colocá-lo na sala. Mas Palha o convenceu que devia empregar um criado espanhol:

[...] e não foi sem resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que lhe dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e não queria línguas estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe a necessidade de ter criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala, como um pedaço da província, nem o pôde deixar na cozinha, onde reinava um francês, Jean; foi degredado a outros serviços

(ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 643).

A passagem é sugestiva. Como no caso de Maria Benedita, é evidente que os escravos figuram numa nostalgia pela vida anterior. O texto também sugere que, para alguns brasileiros como Rubião, a rejeição da escravidão, embora talvez necessária para ser "moderno" ou "liberal" (em respeito aos valores mais urbanos), não deixa de ser uma ideia incômoda. Tal atitude, o abandono superficial da escravatura sem a verdadeira adesão psicológica, parece demonstrar aquele conceito analisado por Roberto Schwarz ( 1990SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990. , p. 12-28) das "ideias fora do lugar". A frase que descreve o pajem como "um pedaço da província" é uma reificação do homem, colocando-o no mesmo nível de um sofá, um quadro ou qualquer outra relíquia trazida da antiga morada para a cidade. E a palavra "degredado" tem insinuações negativas. Assis Duarte ( 2020DUARTE, Eduardo de Assis. Machado de Assis afrodescendente: antologia e crítica. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2020. , p. 211) vê no vocábulo uma prefiguração do estado inferior dos negros depois da Abolição, em que, como na casa de Rubião, eles serão relegados a trabalhos "degradantes" por causa da "concorrência da mão-de-obra estrangeira".

Em Memorial de Aires (1908), há muitas referências à escravidão porque os personagens estão num momento em que a Abolição, mais do que qualquer outra questão política, está na boca do povo. O senso comum é que um anúncio de emancipação é iminente. A família da viúva Fidélia tem terras e escravos, e há uma discussão sobre a proposta de dar-lhes alforria antes de uma declaração do Governo. Uma vez libertos os escravos, o narrador comenta a decisão da viúva (já que não tem interesse em voltar à roça) de dar-lhes as terras que haviam cultivado. Tais referências, embora claramente enfocadas num problema social de intensa importância, têm certo caráter abstrato e impessoal, pois tratam os negros como uma classe grande e não como seres humanos individuais. São os indivíduos, por periféricos que possam ser, que nos interessam nesta análise. Mas, pela referência casual ao ato de deixar as terras para os ex-escravos, há uma sugestão de que, sem preparação e sem outros apoios, tal dádiva não deixa de ser uma forma de abandono (SARAIVA; KUNZ, 2010 SARAIVA, Juracy Assmann; KUNZ, Marinês Andrea. Machado de Assis: um escritor além de seu tempo e de seu país. Ellipsis, v. 8, p. 91-111, 2010. Disponível em: https://jls.apsa.us/index.php/jls/article/view/103 .
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, p. 99; DUARTE, 2020DUARTE, Eduardo de Assis. Machado de Assis afrodescendente: antologia e crítica. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2020. , p. 257).

Há no diário do conselheiro algumas representações de escravos ou libertos muito marginais às preocupações do círculo de amigos do narrador. Quando Fidélia volta à fazenda da família, encontra "Mucamas e moleques deixados pequenos e encontrados crescidos, livres mas com a mesma afeição de escravos" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.130). Observa-se aqui o mesmo tom nostálgico visto em outros textos, em que a relação entre senhores e servidores é de afeto pessoal. O texto também sugere que, pelo menos para os escravos domésticos, a alforria não muda quase nada. Mais tarde, Fidélia acompanha a madrinha Carmem num projeto de fazer uns sapatinhos de crochê para o filho recém-nascido de uma criada. O narrador só comenta minimamente a generosidade das senhoras, porque está muito mais interessado em comparar a aptidão das duas para o crochê. Porém, deixa mencionado o fato de que, para dar à luz, foi permitido que a criada fosse à "casa do marido" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.146). Tal frase parece tocar na realidade de que o serviço doméstico obrigava as mulheres, muitas vezes, a visitar os esposos em vez de viver com eles.

O narrador registra uma memória da infância em que um vizinho, insatisfeito com o namorado de sua filha, manda alguns escravos dar-lhe uma "sova de pau" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.134). A sugestão é que os senhores podem abusar de seus cativos ao obrigá-los a cometer ações agressivas ou até ilegais, alheias a sua natureza ou seus interesses. Podemos imaginar que a norma para esses escravos teria sido dar um respeito humilde às famílias vizinhas, mas que nesse caso fosse mais importante obedecer ao senhor.

Várias vezes o conselheiro refere-se a "meu José" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.122), seu criado doméstico. Supostamente o termo "criado" aparece aqui porque se trata de um ex-escravo que continua no mesmo serviço de antes. Aires o trata com afeto, imaginando-lhe pequenas mentiras de respeito (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.148), atribuindo-lhe "modos de amar o patrão" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.148) e vendo nele o "prazer que dá o serviço inesperado" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 1, p. 1.160). Em todo o círculo do conselheiro, círculo de pessoas relativamente privilegiadas com acesso ao serviço de afrodescendentes, vê-se a insistência numa narrativa de generosidade e estima mútua. O leitor tem o direito, talvez a obrigação, de adotar uma atitude crítica com a recepção dessa narrativa. Será a relação entre senhor e servidor tão carinhosa como se representa? Será tal representação uma manobra psicológica para minimizar a repulsa de uma relação essencialmente abusiva?

Pessoas periféricas nos contos

No conto "A senhora do Galvão" ( Histórias sem data , 1884), há uma mucama que demonstra bem a categoria de "extra", pessoa que compartilha o espaço dos protagonistas, mas que contribui apenas com uma nota de cor local, não participando do drama central. A mucama está ajudando sua senhora a provar alguns xales, que foram mandados a sua casa por uma loja. Ela tem três falas no conto: "– Nhanhã não quer mais ver o xale?"; "– Este parece melhor que o outro"; e, quando Maria Olímpia hesita em aceitar essa opinião, "– Bota o outro, nhanhã" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 462). Portanto, o texto introduz uma pessoa que provavelmente vive na casa de Maria Olímpia e passa muitas horas com ela acompanhando-a em todas as atividades domésticas. A mucama parece ter direito a uma intimidade muito limitada – a de oferecer uma opinião sobre a seleção de um artigo de roupa. Mas, além disso, nada. Ela não sabe das cartas anônimas que denunciam o adultério do senhor, o que explica a distração da senhora na hora de ver os xales. Não lhe é dado saber que as economias exigidas pelo marido determinavam a compra de apenas um dos xales, nem que, comprando dois, a esposa estava praticando uma pequena vingança contra o parceiro. A mucama, talvez a mais constante companheira de Maria Olímpia, permanece assim no escuro, nas margens de uma intriga em que a mulher, primeiro, quer negar a denúncia, depois, é obrigada a reconhecer sua veracidade e, enfim, enfrenta a amante do marido.

No conto "Cantiga de esponsais" ( Histórias sem data , 1884), o ilustre mestre Romão, depois de reger a orquestra numa importante missa e compartilhar um jantar com os padres, "caminhou para a Rua da Mãe dos Homens, onde reside, com um preto velho, pai José, que é a sua verdadeira mãe" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 387). A última frase dessa citação, de novo, ressalta o afeto que pode existir entre senhor e escravo. Nesse caso, talvez seja um afeto um pouco unidimensional, como a mãe que estende seu amor a um filho muito jovem, sem capacidade recíproca. Pai José espera seu senhor na casa, que é triste e sombria. O motivo dessa tristeza, no conto, é a frustração do mestre que, apesar de ser bem conceituado como regente, tem um bloqueio quase total em seus esforços de compositor.

A decepção do músico acaba arruinando sua saúde. Depois que Romão revela ao escravo que está doente, este comenta: "– Sinhô comeu alguma cousa que fez mal..." (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 388). O mestre manda que pai José busque um remédio na botica, mas a receita não tem efeito. O escravo propõe trazer o médico, mas o senhor não aceita sua ideia (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 388). Assim, como se fosse mãe de um filhinho de necessidades egoístas, o escravo mostra um cuidado pelo senhor sem nenhuma evidência de um sentimento simétrico por parte do senhor. Em geral, as crises dos de cima não são comunicadas aos de baixo.

No conto "Ex cathedra" ( Histórias sem data , 1884), o protagonista Fulgêncio é um rico viúvo sem filhos, que cria uma afilhada, Caetaninha, de quatorze anos, e traz para sua casa o filho natural de um irmão, Raimundo, de quinze anos, quando seu pai falece. Com fina ironia, o conto relata os planos muito científicos do velho para encaminhar os dois ao casamento, por meio de uma série de aulas sobre a vida e o amor.

Aqui, interessa a presença de "mucamas" na casa do viúvo. Sabemos que há mais de uma, mas não sabemos quantas são; também não se sabe o nome de nenhuma delas. Mas, apesar desse aspecto vago e anônimo, o conto oferece uma pequena visão de uma integração um pouco mais completa na vida social e afetiva de uma família. Caetaninha mora com Fulgêncio desde menina e, na infância, as mucamas são suas amiguinhas de brincar (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 458). O próprio velho ensinou-lhe as primeiras letras, um pouco de francês, de história e geografia. Mas, para as artes domésticas como "crivo, renda e costura", encarregou as aulas a uma das mucamas (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 458). Na adolescência, Caetaninha observa as excessivas leituras do padrinho e fica preocupada. Ela consulta as mucamas sobre o assunto e elas concordam que o senhor "não andava bom" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 457). As escravas interessam-se pela relação entre Raimundo e Caetaninha, percebendo o começo de um namoro, e dão a opinião de que, quando há discórdia entre os jovens, "eram brigas de mentira, só para fazerem as pazes depois" (ASSIS, 1985ASSIS, Machado de. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Aguilar, 1985. 3 v. , v. 2, p. 460).

Em "Ex catedra", as escravas não deixam de ser periféricas e mal definidas. Mas, apesar dessa existência anônima, nas sombras, e talvez por falta de uma legítima dona de casa, o conto oferece pequenos detalhes que sugerem uma função mais significante naquele ambiente doméstico. Elas são as companheiras e amigas da afilhada do senhor. Uma delas é sua professora dos ofícios "femininos" e, podemos imaginar, também de outras realidades femininas na vida de uma jovem. Em alguns momentos, parece que as mucamas são conselheiras na família, pois são consultadas e se veem livres para oferecer seus pareceres sobre questões íntimas.

Lacunas sugestivas

A existência de personagens afrodescendentes periféricos na ficção machadiana é importante para entender a representação da sociedade em Machado de Assis. Tal marginalidade reflete a visão de mundo dos protagonistas, que tão frequentemente ocupam os relatos do autor – pessoas livres, que vivem em circunstâncias materialmente cômodas e que, portanto, podem dedicar sua atenção a seus interesses pessoais. Não deve surpreender que as mulheres e os homens que se envolvem intensamente em questões amorosas, questões de autoestima, de ascensão social e afirmação individual tenham pouca energia para reconhecer a participação humilde de seus servos. A ironia dessa situação está no fato de que é a dedicação desses criados e escravos, cuidando de suas casas, suas roupas e seus alimentos, que dá aos protagonistas a liberdade para entregar-se a essas outras preocupações.

Se a norma no tratamento desses "extras" em Machado é deixá-los num segundo ou terceiro plano, num estado de quase-invisibilidade, é também verdade que em alguns poucos momentos os narradores machadianos criam a impressão de que esses seres inócuos podem deixar de ser meros acessórios nos dramas de outros e começar a ser percebidos como pessoas.

Implicitamente, por meio de uma lógica às avessas, os textos do autor brasileiro motivam os leitores a questionar essa condição secundária, a ponderar a injustiça daquela estrutura social. Quando os senhores demostram generosidade ou carinho para com os servidores, os leitores são convidados, implicitamente, a avaliar a motivação de tal atitude, querendo saber até que ponto essa liberalidade é uma compensação interior por uma aderência a práticas condenáveis. Quando os escravos mostram uma preocupação pelo bem-estar de seus senhores, os leitores podem notar que muitas vezes as sinhás e os sinhôs não expressam atitudes recíprocas. Se existe uma espécie de intimidade entre os chefes e seus servidores, o leitor é convidado a desconfiar que tal aproximação apenas se dê porque nem o senhor nem o subalterno questiona a exclusividade implícita na relação.

Volto ao estudo já mencionado de Grizelda Nascimento ( 2002 NASCIMENTO, Gizelda Melo do. Machado: três momentos negros. Terra Roxa e Outras Terras, v. 2, p. 53-62, 2002. Disponível em: https://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol2/V2_GMN.pdf .
https://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/...
, p. 62), para resumir a natureza indireta e implícita dessa crítica da sociedade brasileira. Como ela diz, Machado

preenche o texto de lacunas, criando um novo espaço; aquele conspirado atrás das câmeras, nos bastidores da sociedade brasileira do século XIX. O negro no negativo do filme do exímio retratista. O negro no real espaço das não representações. Posto e sacramentado em seu não lugar. O espaço da falta, o signo do não. Sua ausência é sua presença. Maquiavélico jogo tramado no avesso do pano. O riso escarnecido e onipresente do autor nas fendas do texto.

Esse "espaço da falta" não supõe um vazio absoluto; é uma semiausência/semipresença que convida o leitor a buscar aqueles vultos escuros, quase invisíveis, e a imaginar aquelas vidas apenas indicadas, como também as forças sociais responsáveis por tal exclusão.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2024
  • Aceito
    10 Abr 2024
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