Open-access Experiências, necessidades e expectativas de pessoas com diabetes mellitus

Resumo

Este estudo tem como objetivo identificar as experiências, necessidades e expectativas dos sujeitos com diabetes, a partir da perspectiva da autonomia para a promoção da saúde. Trata-se de estudo exploratório- -descritivo, qualitativo, aplicado na Estratégia Saúde da Família no Rio Grande do Norte. Participaram de três rodas de conversa 44 pessoas. Os dados foram submetidos à análise temática de conteúdo e geraram as categorias: “reconhecer os direitos e as responsabilidades”; “ser capaz de decidir com responsabilidade”; e “protagonismo dos sujeitos”. São descritas experiências, necessidades e expectativas dos sujeitos com diabetes sobre autonomia, autocuidado e qualidade de vida, para fazer levantamento, junto com os entrevistados, sobre aspectos que propiciem construir propostas de ação para promover a saúde. Conclui-se que é necessário analisar a promoção da saúde na perspectiva da autonomia, considerando o respeito pelas escolhas das pessoas com diabetes.

Promoção da saúde; Autonomia pessoal; Diabetes mellitus

Abstract

This study aims to identify the experiences, needs and expectations of subjects with diabetes, for self-reliance for health promotion. It is a descriptive/exploratory, qualitative, in the program Estratégia Saúde da Família (Family Health Strategy) in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. They participated in three rounds of conversation with 44 people. The data were submitted to thematic content analysis and generated the following categories: recognizing the rights and responsibilities; the capacity to decide responsibly; and protagonism of subjects. Experiences are described, needs and expectations of individuals with diabetes on autonomy, self-care and quality of life, to carry out a survey, together with subjects with diabetes, on aspects that serve to build proposals for health promotion actions. In conclusion, it is necessary to analyze the health promotion for self-reliance, considering the respect for choices of people with diabetes.

Health promotion; Personal autonomy; Diabetes mellitus

Resumen

Este estudio tiene como objetivo identificar las experiencias, necesidades y expectativas de las personas con diabetes, a partir de la perspectiva de la autonomía personal para la promoción de la salud. Se trata de un estudio exploratorio/descriptivo, cualitativo, aplicado en la Estratégia Saúde da Família en Rio Grande do Norte, Brasil. Participaron 44 personas en tres rondas de conversación. Los datos se sometieron a análisis de contenido temático y se generaron las categorías: reconocer los derechos y responsabilidades; ser capaz de decidir de manera responsable; y el protagonismo de los sujetos. Se describen las experiencias, necesidades y expectativas de las personas con diabetes sobre la autonomía, el autocuidado y la calidad de vida, para llevar a cabo una encuesta, junto con los sujetos con diabetes, sobre los aspectos que sirven para construir propuestas de acciones de promoción de la salud. Llegamos a la conclusión de que es necesario analizar la promoción de la salud de la autosuficiencia, teniendo en cuenta el respeto a las decisiones de las personas con diabetes.

Promoción de la salud; Autonomía personal; Diabetes mellitus

O diabetes mellitus é a síndrome crônica mais frequente na população mundial – um em cada dez adultos tem diabetes – e é responsável direta por 3,5% das mortes 1. A doença tem, na maioria dos casos, fatores predisponentes e condicionantes, como obesidade, hábitos alimentares pouco saudáveis, sedentarismo, estresse e hereditariedade. Com exceção desse último fator, todos os outros podem ser prevenidos ou controlados por ações de promoção da saúde.

As pessoas já acometidas são repentinamente desafiadas a mudar radicalmente seu estilo de vida, em especial a aptidão para a autonomia, desde o controle adequado dos níveis glicêmicos ao estabelecimento de hábitos de vida saudáveis, como alimentação balanceada, prática de exercício físico regular e adesão ao tratamento medicamentoso, quando necessário. Desse modo, é indispensável que os sujeitos exercitem sua autonomia pessoal para que consigam aderir ao tratamento entre as opções possíveis.

Assim, trabalhar a autonomia nas doenças crônicas é desafiador e exige reconhecer o direito de essas pessoas emitirem opiniões e fazerem escolhas conscientes e responsáveis. Como apontam Beauchamp e Childress, nessa concepção, o respeito pela autonomia implica tratar as pessoas de forma a capacitá-las a agir autonomamente2. O entendimento da autonomia é incondicionalmente dependente do contexto da vida em que os sujeitos estão inseridos, do cotidiano real3, como variáveis socioeconômicas, ambientais e culturais. A complexidade que envolve a autonomia torna improvável a existência de significado único para o termo.

É comum que pessoas vivendo com diabetes se tornem dependentes dos serviços de saúde, quando não são adequadamente orientadas para a autonomia. Frequentemente, possuem baixa qualidade de vida, seja pelo sentimento de dependência de familiares e dos serviços de saúde, seja por não conseguirem evitar as complicações da doença. Diversos fatores favorecem essa dependência, mas, principalmente, o desconhecimento a respeito do diabetes e o fato de terem que seguir “regras” nem sempre compreendidas, aceitas e incorporadas. Afinal, a capacidade de estabelecer e seguir as próprias regras, com consciência e responsabilidade, determina o empoderamento dos sujeitos.

Diante dessa realidade surge a necessidade de analisar a promoção da saúde na perspectiva da autonomia, considerando o respeito pelas escolhas das pessoas, mesmo diante de situações limitadoras. Este estudo objetiva identificar experiências, necessidades e expectativas de sujeitos com diabetes, e se volta a identificar mecanismos e processos que possam contribuir para a promoção da saúde.

Método

Este artigo fez parte de pesquisa maior, intitulada “Promoção da saúde: estratégias para autonomia e qualidade de vida do sujeito com diabetes”, que foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Onofre Lopes. Essa investigação teve como objetivo propor estratégias, no âmbito da promoção da saúde na Estratégia Saúde da Família, que contribuam para mais autonomia e qualidade de vida de pessoas com diabetes mellitus.

A pesquisa ocorreu no estado do Rio Grande do Norte, na região Nordeste do Brasil. O campo em estudo tem sete microáreas de saúde, comportando equipe de saúde da família e de saúde bucal. Esse grupo é responsável pela coordenação do cuidado de 2.758 pessoas, sendo 1.303 do sexo masculino e 1.455 do sexo feminino.

Na abordagem qualitativa, são descritas experiências, necessidades e expectativas dos sujeitos que vivem com diabetes em relação a autocuidado, autonomia pessoal e qualidade de vida, captadas mediante três grupos focais (rodas de conversa)para realizar levantamento com esses indivíduos com diabetes sobre aspectos que sirvam de pressupostos teóricos para ações de promoção da saúde, com foco na autonomia. Do total de 44 participantes incluídos na pesquisa, 67,69% participaram do processo.

O roteiro da roda de conversa foi construído com base nos objetivos da pesquisa. O encontro foi coordenado pelo pesquisador responsável, sendo as falas gravadas, transcritas e tratadas segundo os passos explicitados pela análise de conteúdo temática 4. Nesse sentido, a análise de conteúdo desdobrou-se em três fases: pré-análise, exploração do material empírico e tratamento dos resultados; interferência; e interpretações.

A primeira delas correspondeu ao período de intuições, tendo por objetivos sistematizar as ideias básicas iniciais, tornando-as operacionais, e conduzir a esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas em plano de análise.

A segunda fase tratou de explorar o material empírico, consistindo essencialmente em operações de codificação e decomposição. Foram definidas as categorias de análise e unidades de registros (UR). Assim, o corpus dessas rodas de conversa tem 77 UR, que permitiram a construção de três categorias baseadas nas necessidades percebidas pelos participantes para ações de promoção da saúde: 1) reconhecer os direitos e as responsabilidades; 2) ser capaz de decidir com responsabilidade; e 3) protagonismo dos sujeitos.

A terceira e última fase da análise de conteúdo foi o tratamento dos resultados. Nesse sentido, foram realizadas sínteses, inferências, interpretações e articulações entre as informações obtidas e o aporte teórico da pesquisa. Os nomes dos sujeitos foram substituídos por pseudônimos de cidades da Grécia Antiga, pelo fato de as palavras “diabetes” e “autonomia” terem etimologia grega.

Resultados

Reconhecer direitos e responsabilidades

Esta categoria tem 11 unidades de registro (14,28%) e refere-se à compreensão dos direitos e das responsabilidades para o exercício da cidadania. Os participantes consideraram, como proposta para criar ações de promoção da saúde, o incentivo ao exercício da cidadania e, para isso, mencionaram o entendimento desses aspectos.

Quando informados sobre alguns direitos dos pacientes com diabetes, como o acesso aos medicamentos e materiais necessários para tratar a condição, bem como à monitoração da glicemia capilar, os participantes demonstraram desconhecimento, como pode ser observado nas falas a seguir:

“O remédio quando falta eu compro, eu não sabia que era um direito meu, não” (Abas);

“Fazer as pessoas conhecer os direitos [proposta], eu não sabia que tinha direito à medicação, não” (Atenas).

Não ter consciência do direito ao acesso às medicações dificulta, inclusive, a continuação do próprio tratamento, pois se a pessoa precisa do medicamento e não o compra ou não teve acesso gratuito, o processo é interrompido, podendo agravar e comprometer ainda mais sua saúde: “O médico do meu plano disse que precisava de uma insulina melhor, a lantus (…) Aí quando fui ver o preço, meu Deus! Meu pai não tinha como comprar. Aí fiquei na normal mesmo” (Fáris).

Convém ressaltar que Fáris tem diabetes tipo 1, 15 anos de idade, e foi diagnosticado no segundo ano de vida. Ele precisa de diversas aplicações da insulina regular e da Neutral Protamine Hagedorn (NPH) para controlar a hiperglicemia. A lantus (insulina glargina) seria a mais adequada para seu caso, pois é uma insulina basal de longa duração, que necessita de aplicações diárias e propicia melhor qualidade de vida ao enfermo.

Quando abordada a importância de reconhecer a responsabilidade do Estado sobre a saúde, mas também as responsabilidades individuais e coletivas para controlar a doença, bem como o papel que a promoção da saúde tem nesse processo, percebe-se que esta última é entendida como estratégia que potencializa a autonomia dos sujeitos, para que sejam protagonistas de seu próprio bem-estar. Isso pode ser observado nas falas a seguir:

“A pessoa tem que se cuidar em casa também, não adianta vir todo dia no posto e quando chegar em casa comer a metade de uma melancia” (Delfos);

“Eu não tomo remédio todo dia, não vou mentir, eu sei que é pra tomar, mas, às vezes, esqueço, eu deixo acabar” (Erétria);

“Mas a pessoa tem que entender, né? Se não entender, não tem como fazer” (Edessa).

Contudo, somente após reconhecer os direitos e as responsabilidades é possível decidir, sustentado em seu ideário de vida na coletividade5. Dessa forma, surge outra categoria, a necessidade de ser capaz de decidir com responsabilidade.

Ser capaz de decidir com responsabilidade

Esta categoria possui 12 UR (15,59%) e perpassa questões relacionadas à vontade individual do sujeito, às opções disponíveis e à possibilidade de decidir. Para que a pessoa tome decisões responsáveis, é necessário desenvolver conjunto de habilidades que, a priori, tem três dimensões: querer, ter opções para e decidir.

Quando se trata do diabetes, a dimensão do “querer” é claramente identificada nos discursos, pois os hábitos alimentares, as práticas de atividade física, os medicamentos com horários rigorosos e as limitações impostas pela doença provocam um conflito entre o querer e o poder fazer5. Contudo, observa-se que, quando não têm opções de escolha que equilibrem esses dois aspectos, algumas pessoas com diabetes simplesmente não aderem às normas prescritas, já que não foram negociadas, como pode ser observado nos relatos de algumas delas:

“Às vezes eu tenho vontade de comer algo diferente, mas meu filho diz: ‘mamãe, você não pode comer isso’ (…) Sinto fome direto, não deixam eu comer nada. Aí eu vou e como escondida” (Pelene);

“Pode ou não pode comer banana? A nutricionista disse que não podia comer, eu tendo vontade de comer, eu como!” (Queroneia).

A insatisfação por falta de informações para decidir com responsabilidade e com as opções disponíveis para o tratamento e adesão também foi mencionada:

“Sobre esta história de caminhada eu me vi aqui pensando, é isso mesmo, viu? Às vezes eu tenho vontade de fazer hidroginástica, mas fico naquele pensamento: ‘se eu for fazer 30 minutos de caminhada, fazer hidroginástica, eu fico muito cansada’. Eu até queria, mas aí fiquei na caminhada mesmo (…) Fiquei só na vontade” (Atenas);

“Se eu soubesse que outro tratamento também seria bom, porque eu só tomo aquele remédio pequenininho. Fico me sentindo mal depois, mas não digo para o médico, porque a consulta é tão rápida” (Éfira).

Ações de promoção da saúde com foco na autonomia têm importante papel para motivar decisões conscientes a partir da difusão das mais variadas opções possíveis. Não é suficiente apenas mostrar as opções para garantir o poder de decisão, pois o contexto que permeia a vida dos sujeitos requer muita articulação intersetorial para ampliar esse poder, como condições socioeconômicas adequadas. Assim, espera-se que as ações de promoção de saúde reforcem a capacidade de decisão e o protagonismo dos sujeitos.

Protagonismo dos sujeitos

Esta categoria abrange 54 UR (70,13%) que apontam situações que precisam ser transformadas, como a participação acrítica para a atuação ativa, indicando a necessidade de poder emancipatório e, especificamente, para o cuidado do diabetes em longo prazo. A aceitação acrítica por parte de alguns participantes pode ser observada nas falas:

“Se eu vou falar alguma coisa, já acham que é besteira” (Mégaro);

“Fui na nutricionista, e ela me mandou comer tanta coisa estranha, eu quase que dizia pra ela: ‘mulher, isso a gente compra onde?’ Porque no Brasil não tem, não” (Éfira);

“Eu estou acostumado a ver as palestras, às vezes, eles dizem coisas que eu nem sei o que é, e eu fico só balançando a cabeça” (Torone).

Convém ressaltar que esses relatos remetem também a reflexões sobre a coparticipação dos profissionais de saúde no fortalecimento da autonomia, estimulando a superação da aceitação acrítica. Para isso, conhecer a realidade sociocultural do sujeito é indispensável.

Por outro lado, a participação ativa é percebida quando, por exemplo, Sárdis diz: “Se um remédio não dá certo eu percebo”. Mais do que simplesmente falar, participar ativamente exige agir diante da situação: “Quando venho vou logo dizendo: ‘olhe, pode mudar este remédio, porque esse outro eu não tomo mais de jeito nenhum” (Sárdis). Entretanto, outros depoimentos mostram que a participação ativa estimula um processo relacional que pode também envolver diferentes aspectos, como compartilhar e ser solidário com outro. Afinal, todos possuem em suas biografias experiências únicas, que podem contribuir para construir a experiência de outros:

“É bom porque a gente compartilha nossas necessidades” (Dime);

“[Compartilha] as ideias também, né? Todo mundo sabe de alguma coisa” (Olímpia).

Foram mencionados também dois tipos de autocuidado nas falas dos participantes. O primeiro foi o autocuidado alienado, no qual os pacientes realizam ações mecanicamente, apenas para cumprir determinadas regras prescritas. A supervalorização do monitoramento da glicose é um exemplo, especialmente quando se verifica que é feito sem objetivo definido para o sujeito, o que o torna mecanizado:

“Eu faço aquele exame, por mais que doa no dedo, né; aí, aqui no posto a menina diz deu tanto, nem diz se é normal ou se não é” (Mistras);

“Pois eu não tenho nem medo, faço dieta, faço caminhada, sou obediente, furo o dedo todo dia com aquele monitorzinho que eu tenho” (Vasiliki).

O segundo tipo de autocuidado ocorre geralmente quando o paciente se apoderou das informações necessárias sobre a doença e o tratamento, o que se revela na crítica em relação à terapêutica adotada em sua rede de dependência. Ao protagonizar as decisões, o paciente promove o autocuidado crítico e consciente, como é perceptível em alguns relatos. Destaca-se, nesse processo, a importância de informação que contribua para que o paciente conheça os sintomas da doença e saiba identificar os sinais em seu corpo:

“Quando minha urina está [com odor acentuado] eu já sei que é o diabetes que está alto” (Delfos);

“Naquele dia que o senhor foi lá em casa e perguntou se eu sentia um cheiro forte na urina e na boca, não disse (…) Mas agora eu vou dizer, eu sinto e muito!” (Atenas).

A partir da análise dos resultados, é possível verificar que os sujeitos da amostra compreendem a relação intrínseca entre o equilíbrio do processo saúde-doença da diabetes e a necessidade de autonomia para que consigam ter melhor qualidade de vida. Depreende-se, portanto, que a discussão sobre autonomia precisa focar o estímulo indispensável ao exercício pleno de ações voltadas à promoção da saúde.

Discussão

As ações de promoção da saúde são fundamentais para consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), previstos desde sua criação, não se restringindo à Política Nacional de Promoção da Saúde. O Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus6 reforça a importância da promoção da saúde quando dispõe sobre a autonomia necessária ao autocuidado para garantir a qualidade de vida, e também ao considerar a educação como norteadora das práticas de promoção da saúde 7. Como salienta Sperandio, a promoção da saúde desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e aplicação das políticas públicas saudáveis integradas e transversais, na busca da produção de saúde, e possibilita a interação das diferentes áreas do saber8.

Na primeira categoria – reconhecer direitos e responsabilidades – percebe-se que para ter autonomia é indispensável que as ações de promoção da saúde fortaleçam o entendimento sobre os direitos fundamentais. Afinal, saúde é direito de todos e dever do Estado 9, e isso engloba o acesso à atenção universal, equânime, sustentada na promoção da saúde, incluindo o acesso gratuito aos medicamentos necessários para tratar e restabelecer a saúde 10. Contudo, o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade 9. Logo, cabe também aos demais atores sociais a responsabilidade com o direito à saúde, daí a importância de ter consciência das responsabilidades individuais, coletivas e do Estado no controle da doença.

Nessa perspectiva, na primeira categoria aparecem diversas propostas para estabelecer ações de promoção da saúde, que se sustentam na necessidade de os próprios sujeitos reconhecerem direitos e responsabilidades. Porém, as pessoas só podem ser cobradas quando conscientemente capacitadas para agir, o que implica, necessariamente, identificar esses dois aspectos na sociedade. Isso permite a emancipação e a consequente autonomia, que é o meio pelo qual os sujeitos exercem sua verdadeira cidadania e podem transformar a realidade e a si mesmos.

A respeito vale recordar a Carta de Ottawa, decorrente da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, que conceitua promoção da saúde como processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo11. Nesse sentido, é importante que profissionais de saúde discutam com a sociedade as noções de direitos fundamentais, para que seja possível construir juntos a percepção de direitos e responsabilidades na condução da doença a longo prazo12.

Quanto ao empoderamento relacionado ao cuidado autocrítico, considera-se que a sociedade e os serviços, especialmente os de saúde, precisam estar atentos para não negligenciar a afetividade e o sentido da vida da população, estimulando efetivamente o cuidado integral à saúde 13. É importante ressaltar que as opções de tratamento do diabetes não são restritas – há vários tipos de alimentação, atividades físicas, medicamentos etc. Reconhecer seus direitos em todas essas dimensões permite que o paciente consiga decidir com responsabilidade, assunto que faz parte da segunda categoria.

É evidente a importância de desenvolver ações de promoção à saúde visando modificar os determinantes e condicionantes do processo de adoecimento e de percepção negativa da qualidade de vida das pessoas 13. Mas esse processo reflete a hegemonia do conhecimento científico, que se revela no fato de os profissionais sempre prescreverem as mesmas normas para todos os pacientes, desconsiderando sua especificidade, o que descaracteriza a equidade necessária nessas situações. Essa percepção errônea afeta demasiadamente a autonomia dos sujeitos, sendo que nas ações de promoção da saúde com foco na autonomia é indispensável que todos conheçam as opções existentes, e cada um possa escolher, entre as possibilidades disponíveis, a que mais se ajusta a seu contexto de vida.

A vontade, a decisão e a possibilidade de decidir com responsabilidade exigem, além de conhecer as opções disponíveis, ter consciência e senso crítico para adequar as opções a valores, preferências, desejos e possibilidades pessoais e, para isso, os sujeitos precisam estar capacitados para se tornarem protagonistas. O estudo demonstrou que normas prescritas verticalmente, ou seja, que não consideraram o poder de decisão do paciente ou seu contexto de vida, mostram-se ineficazes para estimular o autocuidado.

Autocuidado pode ser classificado como ação desenvolvida em situações concretas da vida em que o indivíduo dirige para si atividades em seu próprio benefício 14. Essa capacidade é essencial para se ter independência ao lidar com o decidir e o agir, determinando a forma de viver específica de cada um 15. A autonomia leva em consideração o respeito pelas escolhas das pessoas, mesmo diante de situações limitadoras, pois o agir – mesmo na diferença – é o que faz do homem um ser ético e permite-lhe organizar e hierarquizar a vida16. Assim, a ação médica em prol do bem da pessoa doente passa a ser conjuntamente ponderada com a vontade esclarecida e livre das pessoas doentes 17.

Os entrevistados demonstram preocupação com o autocuidado. Porém, como a própria nomenclatura indica, para que seja efetivo é indispensável a ação de cada indivíduo tendo em vista sua saúde e bem-estar. Os resultados do estudo tornaram cada vez mais claro que os serviços de atenção primária à saúde não conseguem dar conta dessa necessidade isoladamente, pois se trata de algo relacionado ao dia a dia, aos atos de se alimentar, banhar-se, cortar as unhas etc. Qualquer uma dessas situações pode ser bastante complexa para quem não se empodera, daí a importância da autonomia para pessoas com diabetes.

É preciso promover um autocuidado consciente, capacitando o paciente para ser protagonista e autônomo, apto para identificar a situação, fazer escolha consciente e somente então agir. Para desenvolver ações de promoção da saúde, levando em conta a autonomia, é fundamental entender profundamente a situação atual dos sujeitos, conhecer sua história de vida e identificar suas potencialidades e fragilidades: a capacidade dos sujeitos [de] encarar sua realidade com responsabilidade implica sua autonomia e qualidade de vida18.

No campo da saúde, reconhecer a autonomia nas pessoas para que determinem seu próprio curso de vida implica garantir que conheçam todas as alternativas diagnósticas e terapêuticas, explicitando os riscos e benefícios de cada uma e certificando que todas as informações foram claramente compreendidas, para então respeitar a decisão final 19, livre e esclarecida. Além disso, a adesão ao tratamento depende do nível de autonomia, que tem como pré-requisito a ideia de que as escolhas disponíveis não podem reprimir ou negar a integridade e o valor da própria pessoa 20.

As possibilidades de escolha devem ser significativas para os sujeitos, e isso implica considerar suas crenças e valores básicos. Nesse sentido, ações de promoção da saúde, quando sustentadas no fortalecimento e estímulo à autonomia, asseguram maior adesão ao tratamento e, consequentemente, efetivo controle da doença.

Considerações finais

Constatou-se neste estudo que os próprios sujeitos com diabetes identificam a necessidade de compreender direitos, responsabilidades e opções disponíveis para então fazer suas escolhas de forma livre e esclarecida. Identificou-se ainda que estratégias de promoção da saúde precisam ser estabelecidas para fortalecer a autonomia, com destaque para a participação dos profissionais de saúde nesse processo.

Observou-se também que a qualidade de vida de pessoas com diabetes é desafio diário que divide seu cotidiano em antes e após o diagnóstico, exigindo mudanças de hábitos de vida, as quais nem sempre são negociadas. O diagnóstico e o enfrentamento da doença parecem ser processos aos quais é difícil se adaptar para conviver, principalmente em relação à alimentação e atividade física adequadas, consideradas pelos pacientes como os principais desafios enfrentados.

O protagonismo dos sujeitos relaciona-se ao exercício da autonomia, experimentada em diversas situações pelos pacientes e associada a autocontrole, liberdade, autogoverno e capacidade de agir conscientemente e com responsabilidade. Somente por meio da autonomia os sujeitos se tornam verdadeiramente cidadãos, levando em conta os significados do contexto de vida e valores individuais e coletivos.

Para responder às situações identificadas no estudo é necessário estimular ações de promoção da saúde que capacitem as pessoas a serem participantes ativas da sociedade, com consciência crítica da realidade e opções disponíveis para decisões seguras e responsáveis.

Referências

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    » https://goo.gl/8rh48p
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2016
  • Revisado
    11 Set 2017
  • Aceito
    12 Set 2017
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