Resumo
O impacto da pandemia colocou o mundo em estado de alerta não só pela crise sanitária, mas pelos impactos econômicos e políticos desencadeados. Este ensaio reflete sobre populações desfavorecidas e marginalizadas, mais expostas à covid-19 devido às condições em que sobrevivem, com menos acesso a saneamento básico e, portanto, menor possibilidade de adotar as medidas preventivas recomendadas. Em todo o mundo, o plano de contingenciamento contra o Sars-CoV-2 exigiu dos governos medidas de proteção da vida humana e busca de equidade em saúde. O Estado brasileiro, no entanto, furtou-se da preparação prévia para enfrentar a pandemia e não estabeleceu estratégias coordenadas. Considerando que a justiça e a equidade em saúde fortalecem a coesão na busca por salvaguardar vidas, a ética no cuidado deveria passar pela implementação de políticas públicas que corrijam distorções.
Bioética; Vulnerabilidade em saúde; Fatores socioeconômicos; Equidade em saúde; Infecções por coronavirus
Abstract
The impact of the pandemic has put the world on alert not only because of the health crisis, but also because of the economic and political impacts it unleashed. This essay reflects on disadvantaged and marginalized populations, more exposed to covid-19 due to the conditions in which they survive, with reduced access to basic sanitation and, therefore, less likely to adopt the recommended preventive measures. Worldwide, the contingency plan against Sars-CoV-2 required governments to take measures to protect human life and seek health equity. The Brazilian State, however, shirked from prior preparation to face the pandemic and did not establish coordinated strategies. Given that justice and equity in health strengthen cohesion in the search for safeguarding lives, ethics in care should include the implementation of public policies that correct distortions.
Bioethics; Health vulnerability; Socioeconomic factors; Health equity; Coronavirus infections
Resumen
El impacto de la pandemia ha puesto al mundo en alerta no solo debido a la crisis sanitaria, sino también a los impactos económicos y políticos que ha desencadenado. En este ensayo se reflexiona acerca de las poblaciones desfavorecidas y marginadas, más expuestas a la Covid-19 debido a las condiciones en las que sobreviven, con menos acceso al saneamiento básico y, por lo tanto, menos posibilidad de adoptar las medidas preventivas recomendadas. En todo el mundo, el plan de contingencia contra el Sars-CoV-2 exigió de los gobiernos medidas de protección de la vida humana y búsqueda de equidad en salud. El Estado brasileño, sin embargo, se esquivó de la preparación previa para enfrentarse a la pandemia y no estableció estrategias coordinadas. Teniendo en cuenta que la justicia y la equidad en salud fortalecen la cohesión en busca de salvaguardar vidas, la ética en el cuidado debería implicar la implementación de políticas públicas que corrijan distorsiones.
Bioética; Vulnerabilidad en salud; Factores socioeconómicos; Equidad en salud; Infecciones por coronavirus
Este ensaio teórico aborda questões de ética e cuidado com a vida humana no contexto da pandemia de covid-19. O texto se apoia em bases conceituais da bioética focadas em situações persistentes de iniquidade social que acometem grupos vulneráveis. Dentre esses grupos, está a população em situação de rua, que enfrenta dificuldades para acessar recursos e tem oportunidades limitadas.
A pandemia colocou o mundo em estado de alerta não só pela crise sanitária, mas pelos impactos econômicos e políticos desencadeados. Essa crise é, portanto, mais uma razão para dar atenção a grupos especialmente vulneráveis e examinar argumentos baseados nos direitos humanos, na injustiça social e na solidariedade humana. E, diante de tantas dificuldades enfrentadas por todos, há que destacar a preocupação com aqueles que não têm moradia. Dentre os vários grupos que compõem essa população, que vive sem ser notada, encontram-se os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.
Em Brasília/DF, capital do país, os catadores costumam se concentrar na Saída Norte da maior universidade pública da região Centro-Oeste, a Universidade de Brasília. O grupo, formado por indivíduos e famílias, sobrevive sob lonas plásticas, rodeado por resíduos sólidos e animais domésticos, sem água disponível para a adoção de hábitos mínimos de higiene. No local não há destinação correta de resíduos nem instalações sanitárias, e o esgoto corre a céu aberto. Sem acesso a nenhum tipo de saneamento básico, os catadores estão expostos a fatores de risco para diversas doenças1 .
Os pedidos de auxílio se multiplicam em cartazes com mensagens confusas ao longo da via, onde crianças se aproximam dos automóveis assim que percebem qualquer sinal de ajuda. A situação calamitosa, devida à tímida ação das políticas públicas e à desproteção do Estado, mostra que o grupo é o elo mais frágil da tessitura social. Posicionados na base da pirâmide social, para os catadores os direitos fundamentais parecem inalcançáveis.
As convulsões causadas pela pandemia afetaram essa população. Embora com repercussões maiores sobre grupos socialmente vulneráveis, o Sars-CoV-2 atingiu a todos de algum modo, sem distinção de cor, classe, etnia, valores, crenças e costumes. Desembarcando nos aeroportos e ganhando as rodovias, passando pelas vias urbanas até chegar à área rural, o coronavírus desencadeou no país tanto o adoecimento físico, mental e emocional dos indivíduos como uma crise sanitária, econômica, financeira, cultural, política e religiosa.
Os impactos da pandemia levaram as instituições a agilizar o acesso à informação e a corrigir certas distorções relativas à ausência de transparência e à demora das ações. O plano de contingenciamento para combater a covid-19 obrigou à implantação de protocolos de saúde que alteraram o cotidiano, provocando as pessoas a pensar na integralidade da vida e na relação com o outro2 .
Diante da magnitude do problema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou aos seus Estados-membros criar mecanismos de controle junto às instituições de saúde e implementar políticas capazes de contemplar necessidades prioritárias, ampliando e aprimorando o debate público sobre direitos humanos, dignidade humana, ética, justiça e equidade social3 , 4 . O tumulto que hoje convulsiona os assuntos humanos impõe a alteração de hábitos e atitudes, levando as instituições a repensar o processo em andamento e o seu resultado.
Potter5 aponta que, para a sobrevivência da civilização mundial, as nações precisam encontrar uma ponte para o futuro, não cedendo à opressão política, à exploração econômica, à dominação cultural e à destruição coletiva e ambiental, que afetam os direitos e a dignidade humana, o respeito pelas liberdades fundamentais e o meio ambiente. O bem-estar não é somente social, mas deve seguir o princípio da sustentabilidade da vida planetária, para a manutenção dessa geração e das gerações futuras. Por isso, num mundo globalizado, as reflexões éticas devem passar pelo reconhecimento do outro, pela valorização da vida, pela prática da justiça, pelo convívio cordial, solidário e respeitoso e pela corresponsabilidade em relação à vida de todos6 .
Natureza concreta do respeito aos direitos e à dignidade humana
A realidade dos catadores não é o único exemplo de iniquidade na capital federal ou nos diversos territórios do país. A falta de alcance das políticas de igualdade social e justiça distributiva afeta diversos grupos desfavorecidos, cuja invisibilidade atravessa a fronteira do ser e do ter, deteriorando a dignidade humana e violando direitos fundamentais. No entanto, como aponta Junges7 , a categoria ética do respeito à dignidade e aos direitos humanos deveria enfatizar justamente os indivíduos e grupos mais vulneráveis.
Nesse sentido, Hamel 8 afirma que a ética deve ser abrangente e pluralista, de forma a garantir as regras democráticas de participação popular e assegurar a equalização entre direitos humanos e soberania do povo8 . Para corrigir desvios sociais e privações, é preciso que recursos e oportunidades sejam distribuídos de modo justo, buscando estabelecer e garantir o funcionamento de estruturas institucionais baseadas na racionalidade humana e na solidariedade3 , 4 . No campo jurídico, os direitos humanos não podem ser negligenciados, pois são os pilares da liberdade, da igualdade e da participação, capazes de garantir o respeito à dignidade da pessoa humana em suas diversas dimensões.
A Constituição brasileira ressalta, em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação9 . No mesmo sentido, a Lei 8.080/1990, em seu artigo 2º, estabelece que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício10 .
Na prática, porém, o Sistema Único de Saúde (SUS), que visa o acesso universal e a intersetorialidade no atendimento, encontra-se sobrecarregado há anos, tendo em vista que expressiva parcela da população é SUS-dependente e tem o sistema público como única alternativa de cuidado à saúde. Nesse contexto, a escassez de recursos materiais e humanos tem privado grupos populacionais da prestação de serviços eficientes, seguros e contínuos. Acrescente-se a isso, ainda, o agravamento da falta de sensibilidade e de compromisso social por parte de autoridades e órgãos públicos.
Os tempos difíceis de pandemia mostram que é preciso lutar para fortalecer um sistema de saúde público gratuito e inclusivo, conforme previsto na Constituição brasileira11 . O SUS tem atuado no combate à covid-19 por meio do atendimento e vacinação da população, ao passo que muitos países desenvolvidos do hemisfério Norte que não contam com um sistema público universal vêm enfrentando impacto maior que o esperado diante da pandemia. Esse cenário acabou por resgatar o debate internacional sobre a garantia do acesso à saúde como direito humano fundamental a ser assegurado pelo Estado.
Cabe destacar, entretanto, que o princípio da universalidade do sistema de saúde brasileiro não tem impedido que grupos invisibilizados pela exclusão social sejam expostos a risco elevado de contrair a covid-19. Direitos básicos desses indivíduos, essenciais para garantir o respeito à dignidade, continuam negligenciados.
Nesse contexto, as instituições deveriam tomar o “caminho da razão”, defendendo os direitos humanos como elementos dotados de validade universal. Um engajamento efetivo das pessoas – não apenas no cumprimento das leis, mas na transformação da sociedade – deveria ser estimulado, a fim de torná-las mais solidárias e conscientes de exclusões e injustiças inaceitáveis3 . Nesse sentido, os debates sobre justiça precisam ultrapassar os limites das teorias hegemônicas e incorporar uma avaliação moral vinculada à promoção das liberdades estabelecidas pelos direitos humanos12 .
Quando se fala em saúde, deve-se considerar a pobreza, pois a falta de acesso a meios econômicos, sociais, educacionais, culturais e informacionais exclui as pessoas do processo de produção da saúde. Perspectivas que não consideram esses fatores perpetuam uma configuração de direito à saúde como bem de consumo, ignorando uma série de determinantes e o caráter fundamental da justiça social, que deve ser promovida pelo Estado e suas instituições.
Instituições justas e direitos humanos
Direitos precisam ser atualizados de acordo com o contexto histórico, e essa necessidade de atualização mostra-se ainda mais premente em tempos críticos como o de pandemia. É preciso, portanto, rever os direitos de segunda geração – sociais, econômicos, culturais – e das gerações futuras a partir de uma ética civil13 . Deve crescer entre as instituições a consciência de que a dignidade da pessoa humana é multidimensional, envolvendo a integridade física e psíquica do indivíduo, a plenitude moral, a liberdade e as condições materiais de bem-estar. Nessa perspectiva, é fundamental criar mecanismos jurídicos e mediações que corrijam negligências e iniquidades, denunciando violações ou crimes contra a dignidade e protegendo a sociedade14 , 15 .
O ser humano jamais deve ser visto como meio para alcançar outras finalidades, e é esta dignidade que inspira a regra ética maior: o respeito pelo outro16 . Com base nesse princípio, instituições justas, como núcleos estruturantes que sustentam o argumento ético, devem garantir que cada indivíduo tenha seus direitos preservados e garantidos enquanto ser humano que cuida de si, reconhece a si mesmo no outro e consegue fazer de suas ações um compromisso com a vida e com sua natureza17 .
A Constituição brasileira, em seu artigo 5º, prevê que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade18 . No mesmo sentido, o artigo 14 da Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos considera que garantir a promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade, e que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política19 .
Confrontar problemas sociais pressupõe cooperação entre instituições e sociedade civil, com uma dinâmica que permita combinar competências técnicas e humanas. Criar uma cultura de colaboração entre Estado e sociedade requer um salto qualitativo nas relações humanas, conseguido a partir de um movimento orgânico capaz de identificar a indissociabilidade dessa relação. Tal movimento geraria uma participação comprometida, ativa, politizada e solidária20 .
A pandemia tem forçado pessoas e instituições a ajudar os mais necessitados, mesmo que tardiamente. O próprio Governo Federal, com certo atraso, a fim de reduzir os efeitos da crise econômica agravada pela pandemia, editou decretos com medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus21 . Uma dessas medidas foi o fornecimento de auxílio financeiro às classes menos favorecidas.
A sociedade parece ter percebido que a solidariedade é crucial para mitigar as consequências da doença e diminuir o número de óbitos. Porém, tão logo passe a pandemia, será preciso observar se esse sentimento de solidariedade terá continuidade. Para que isso ocorra, é imprescindível que movimentos sociais, instituições privadas e terceiro setor mantenham doações de recursos financeiros e materiais, amenizando a desigualdade que afeta os grupos mais vulneráveis.
Ações do governo e de instituições civis mostram esforços na direção de prover assistência universal, equitativa e integral aos cidadãos, independentemente de gênero, cor, ocupação e outras características sociais ou pessoais. Entretanto, apesar do aumento da solidariedade, a desigualdade segue prejudicando a coesão social, levando à distribuição injusta de oportunidades e negando acesso à saúde22 .
As desigualdades que persistem entre a população invisibilizada das grandes cidades, submetidas a privações desde o início de suas vidas, resultam de arranjos de governança pouco solidários, incapazes de promover a equidade e valorizar a dignidade da vida humana. Não sendo iguais, as pessoas apresentam necessidades distintas, e, portanto, devem ser tratadas de modo desigual, no sentido de que a atenção recaia majoritariamente sobre aqueles cuja carência é maior.
Como aponta Marmot23 , as desigualdades sociais estão matando em larga escala e não menos importante é considerar que todas as vidas importam. Para isso, a solidariedade deve ser parte de um processo civilizatório ético que promova o exercício da democracia para a conquista igualitária de direitos civis.
Cuidado da natureza humana: solidariedade e ética
Se todas as formas de vida importam, é preciso promover diálogos com as diversas possibilidades de ser e estar no mundo de modo saudável, num ciclo de cuidado que inicia em si e vai ao encontro do outro. “Ser saudável” diz respeito a interações e interconexões de cuidado para muito além do orgânico e do concreto, uma vez que resultam na construção de modelos de saúde dotados de riqueza filosófica, política, econômica e cultural. Os aspectos biológicos são um dos elementos dessa grande trama que vai do individual ao coletivo, compondo a sinfonia da vida e do bem viver.
Dentro dessas interações, a saúde é entendida como a manutenção de alianças com diversos saberes e fluxos, numa relação de interdependência com tudo o que existe. O bem viver amplia essa convivência por meio do respeito a todos os seres. Os princípios desse modo de vida são o combate às injustiças, aos privilégios e às desigualdades e o vínculo de “um com todos”24 , 25 .
Hoje, modelos de pensamento e atenção à saúde excluem projetos e pessoas em cujas experiências se reconhece outros modos de ser e estar no mundo. Nesse sentido, as comunidades tradicionais brasileiras – indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc. – continuam alijadas das ações estatais de acesso e proteção à saúde, mesmo diante de uma crise como a da pandemia26 , 27 . Essas comunidades são submetidas à mesma lógica de invisibilidade aqui descrita em relação ao grupo de catadores – a invisibilidade daqueles que estão expostos a todo tipo de adversidades e enfrentam a pandemia da forma mais vulnerável possível.
Nesse contexto, uma bioética construída a partir da realidade brasileira e latino-americana deve trazer os contrastes e necessidades persistentes das populações vulneráveis para o centro da discussão. Essa perspectiva incorpora debates sobre as assimetrias no encontro do eu com o outro e sobre a situação das políticas públicas que tratam de desigualdades sociais, discriminações, vulnerabilidades e iniquidades28 , 29 .
A ética do cuidado nas relações humanas passa pela compreensão de que ninguém adoece sozinho. O processo de democratização – por meio da prevenção do adoecimento, da educação e da inclusão sanitária – deve considerar os determinantes sociais da saúde. Assim, cabe a nós lutar por políticas públicas que corrijam distorções e para que a justiça e a equidade em saúde se fortaleçam em meio à força sobre-humana de salvar vidas.
Considerações finais
A pandemia de covid-19 apontou ao mundo novas formas de concretizar o direito à saúde. A OMS, particularmente, mostrou que a falta de acesso aos meios de saúde é determinada pelo desrespeito a direitos econômicos, sociais, educacionais e culturais essenciais à dignidade da vida. A comunidade científica, as instituições acadêmicas, os sistemas de vigilância e de assistência à saúde e os órgãos não governamentais também se fizeram presentes, criando uma força-tarefa para conseguir vacinas eficazes e tentar descobrir medicamentos que salvaguardassem vidas.
Ante o adoecimento da população, o SUS não se furtou de sua responsabilidade para com os princípios de universalidade, equidade e integralidade, o que acabou fortalecendo um sistema que vinha sendo sucateado e desvalorizado nos últimos anos. O brilhantismo das pesquisas e a assistência das instituições públicas de ensino superior aos profissionais do SUS mostram que é possível pensar a saúde sob outra lógica, diferente da que tem predominado mundo afora.
A covid-19 colocou grandes desafios ao sistema de governança mundial. O frenesi da acumulação individual, o lucro exorbitante de grandes empresas e as omissões e desproteção por parte do Estado, com ações negacionistas e anti-humanistas, nos lembram qual é a pauta de todos os dias, a quem esta sociedade reverencia, a quem estamos submetidos e quem detém o poder. Portanto, medidas de proteção social devem ser desencadeadas pelos organismos internacionais para favorecer a equidade global, implementando políticas públicas que corrijam distorções e fortaleçam a coesão social na busca por salvaguardar vidas.
Por outro lado, a crise humanitária também trouxe à tona o melhor da natureza humana: a solidariedade. Perspectivas que se abrem para o pós-pandemia apontam para movimentos de justiça social, pois não se pode enfrentar essa crise mundial sem considerar que é chegada a hora de transformar as relações humanas. Tal transformação deve visar a criação de sistemas de governança comprometidos com a equidade, os direitos humanos, a dignidade da vida, o respeito pela diversidade, a responsabilidade social e a proteção das gerações atuais e futuras.
O anticorpo da natureza contra a ação humana destruidora se fez presente nesse momento de pandemia. Esse momento pode ser visto como aquilo que o compositor e filósofo Tiganá Santana 30 chama de “hora aberta”, que se refere aos trânsitos diversos onde tudo pode acontecer. Nesse momento coletivo, chega a hora aberta para cuidar de si, do outro, da família, do trabalho, da terra, da natureza, do planeta e do universo, para melhor servirmos a nossa humanidade.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Out 2021 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2021
Histórico
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Recebido
16 Out 2020 -
Revisado
19 Jul 2021 -
Aceito
29 Jul 2021