Ensino de bioética em pós-graduações na área de medicina IIIResumo
O objetivo deste artigo é verificar como o ensino de ética/bioética está inserido nas grades curriculares dos programas de pós-graduação stricto sensu na área medicina III, conforme classificação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, nas regiões Norte e Nordeste. Trata-se de estudo documental, descritivo e exploratório, de natureza qualiquantitativa. Utilizou-se a Plataforma Sucupira para buscar as seguintes informações sobre os programas: estado, instituição, nome do programa, categoria (acadêmico/profissional), nota, obrigatoriedade e nome da disciplina, carga horária e site do programa. Foram encontrados nove programas na área medicina III, sobretudo mestrados profissionais, e a maioria deles oferece disciplinas ligadas a ética como obrigatórias. Verificou-se que disciplinas ligadas a ética/ bioética estão presentes em todos os programas, embora com diferentes cargas horárias. São necessários estudos futuros que investiguem as abordagens metodológicas para ensino de ética nos cursos da área.
Ética; Bioética; Programas de pós-graduação em saúde
Abstract
The objective of this article is to examine how ethics/bioethics teaching is included in the curricula of stricto sensu graduate programs in the field of medicine III, according to the classification of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel, in the North and Northeast regions of Brazil. This is a documentary, descriptive and exploratory study, of a qualitative and quantitative nature. The Sucupira Platform was used to search for the following information about the programs: state, institution, name of the program, category (academic/professional), score, compulsoriness and name of the course, workload and website of the program. We found nine programs in the field of medicine III, mainly professional master’s degree programs, most of which offer ethics-related courses as compulsory courses. We found that ethics/ bioethics-related courses are present in all programs, although with different workloads. Further studies are necessary in order to research the methodological approaches to ethics teaching in programs in the field.
Ethics; Bioethics; Health postgraduate programs
Resumen
El objetivo de este artículo es comprobar la manera en que se incluye la enseñanza de la ética/bioética en los planes de estudio de los programas de posgrado stricto sensu en el campo de la medicina III, según la clasificación de la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior, en las regiones Norte y Nordeste. Se trata de un estudio documental, descriptivo y exploratorio, de carácter cualicuantitativo. Se utilizó la Plataforma Sucupira para buscar la siguiente información sobre los programas: estado, institución, nombre del programa, categoría (académico/profesional), nota, obligatoriedad y nombre de la asignatura, horas lectivas y página web del programa. Se encontraron nueve programas en el campo de medicina III, sobre todo de másteres profesionales, y la mayoría ofrece asignaturas relacionadas con la ética con carácter obligatorio. Se constató que las asignaturas relacionadas con la ética/bioética están presentes en todos los programas, aunque con diferentes horas lectivas. Se requieren estudios futuros para investigar los enfoques metodológicos para la enseñanza de la ética en cursos de este ámbito.
Ética; Bioética; Programas de posgrado en salud
Ética é o estudo da conduta e do caráter, e relaciona-se à determinação do que é bom para indivíduos, grupos e a sociedade como um todo. Atos considerados éticos refletem um compromisso com valores além das preferências pessoais – padrões que profissões e sociedades se esforçam para alcançar. A educação ética baseada apenas em discussões conceituais não é suficiente para formar profissionais eticamente competentes, pois o atual modelo de ensino exige sujeitos sociais, novas formas de prestação de serviços e novas maneiras de formar profissionais 1.
O tema “ética na atividade científica” preocupa e está cada vez mais presente na investigação nacional e internacional. Avanços científicos e tecnológicos e seus desdobramentos polêmicos nas últimas décadas provocaram importantes discussões e reflexões que vinculam a ciência a um acúmulo de produções e espaços acadêmicos dedicados ao tema, bem como a institucionalização de regulamentação específica 2.
Nesse contexto, salienta-se que a ética deve ser inserida de forma prática e atuante nos programas de pós-graduação stricto sensu da área medicina III da classificação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), área que abarca temas relacionados a cirurgia, anestesiologia, urgência e emergência. O campo da bioética, inicialmente ligado à medicina clínica e experimental, abrange um cenário amplo e diversificado de grupos de pesquisa e produções que se cruzam entre ciência e ética. Assim, na produção científica nacional, é possível reconhecer uma pluralidade de temas, perspectivas e abordagens provenientes principalmente da produção acadêmica 2,3.
A bioética surge no contexto da saúde como campo de reflexão entre sobrevivência humana e valores. Desse modo, diante de inúmeros acontecimentos e fatos que atentam contra a dignidade humana, fica cada vez mais evidente que lecionar disciplinas de ética e bioética isoladamente e sem comunicação com o restante das matérias não é suficiente para que acadêmicos e profissionais resolvam dilemas que afetam todos os seres humanos 4,5.
Ressalta-se que a introdução da bioética e da ética nas matrizes curriculares ainda é lenta, de forma que lecionar disciplinas com esses temas é tarefa que exige do professor certa criati- vidade, bem como alterações nos modelos tradicionais de ensino na maioria das universi- dades. Por isso, o processo de ensino-aprendizagem da bioética deve estar pautado na orientação para a tomada de decisão diante de conflitos, tendo como preocupação a formação dos profissionais como indivíduos com conhecimento ético 6.
No Brasil, a expansão e a transformação das polí- ticas de ensino sobre saúde e doença exigem novas solicitações de assistência. Isso se traduz na necessidade de inovar o ensino nessa área, incluindo, por exemplo, disciplinas relacionadas à bioética. Esses métodos pedagógicos permitem reflexão e formação crítica, transformando alunos em protagonistas do processo de aprendizagem 5,7.
Nessa perspectiva, propõem-se os seguintes questionamentos: como a ética está inserida nos currículos de graduação na área medicina III? Existe longitudinalidade, ou seja, o tema perpassa todas as disciplinas, ou a maioria delas, ao longo do curso? Essas questões são necessárias para refletir sobre a complexidade relacionada ao domínio da saúde, fatos recentes motivados por mudanças sociais, culturais e econômicas ocorridas, bem como suas implicações na sociedade 8,9.
Além disso, profissionais são pouco preparados para lidar com situações em que a tomada de decisão desconsidera a autonomia, as crenças e os valores dos indivíduos. Dessa forma, o debate em ética é necessário para a formação profissional, e não se limita a aspectos técnicos 8,9.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar como o ensino da ética/bioética está inserido nas grades curriculares dos programas stricto sensu na área medicina III nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Método
Trata-se de estudo documental, descritivo e exploratório, de natureza qualiquantitativa, cuja metodologia baseou-se em Bertolin e colaboradores 10. Inicialmente foram pesquisados todos os cursos de mestrado acadêmico e profissional reconhecidos pela Capes na área medicina III.
Foram incluídos programas ativos, com nota na Capes igual ou superior a 3 (avaliação quadri- enal de 2017), ofertados em estados das regiões Norte (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). Excluíram-se programas de nota 1 e 2 (descredenciados), aqueles ainda sem nota na Capes, os inativos e os que não estavam na área de interesse deste estudo.
Foi elaborado um quadro com a descrição sumária de todos os programas de mestrado que se enquadravam nos requisitos, incluindo instituição, nota na Capes, modalidade e site. Posteriormente, visitaram-se os sites para identificar disciplinas vinculadas às palavras-chave “ética”, “bioética” ou “ética médica”. A partir da análise da estrutura curricular de cada programa, acrescentaram-se no quadro as informações referentes ao nome do programa e da disciplina, carga horária e natureza (eletiva ou obrigatória). O resumo da metodologia encontra-se na Figura 1.
Por tratar-se de estudo documental com dados de livre acesso, dispensa-se a submissão a comitê de ética em pesquisa. Os dados foram tabulados nos softwares Excel e Word.
Resultados e discussão
Identificaram-se nove programas de pós-graduação stricto sensu na área medicina III nas regiões Norte e Nordeste, sendo em sua maioria programas profissionais, ofertados por instituições públicas e que oferecem disciplinas obrigatória ligadas a ética (Quadro 1).
É de grande importância o estudo de bioética/ética nos programas de mestrado classificados na área medicina III da Capes, uma vez que ética é uma diretriz básica tanto para profissionais de saúde que atuam no meio científico quanto para aqueles que se relacionam com pessoas no cotidiano 11. O levantamento encontrou nove cursos, todos com nota 3 ou maior na Capes, dos quais dois estão localizados na região Norte e sete na Nordeste. No que diz respeito à designação do mestrado, 67% dos cursos são profissionais e 33%, acadêmicos.
Apenas um curso não informou a carga horária destinada às disciplinas de ética/bioética em sua plataforma; os demais indicaram carga mínima de 15 horas e máxima de 48 horas, sendo esta última em uma disciplina classificada como eletiva. A média dentre todos os cursos foi de 34,1 horas, correspondendo a 4% da carga total mínima de 720 horas para um curso de mestrado no Brasil, conforme a Plataforma Sucupira 12.
Além disso, a respeito do modo de oferta da disciplina, em oito cursos ela faz parte da grade obrigatória, e em um é oferecida como eletiva. Identificou-se também que um curso é de instituição privada e oito de instituições públicas, sendo seis de universidades federais e dois de universidades estaduais. Logo, percebe-se predomínio de mestrados com melhores classificações pela Capes em instituições públicas, em detrimento das pri- vadas, assim como com maior média geral.
Percebe-se também que, dentre os cursos que alcançaram nota máxima, o da Universidade Federal do Ceará (UFC) apresentou a maior carga horária destinada à disciplina. Dessa forma, nota-se a importância de desenvolver mestrandos com capacidade de contemplar aspectos éticos, tendo em vista que as linhas e os projetos de pesquisa, bem como a estrutura curricular dos cursos, são critérios de avaliação de desempenho pela Capes 13. Os dados mostram forte intenção de melhorar o ensino sobre bioética/ética nos mestrados profissionais das regiões Norte e Nordeste, pois todos os cursos analisados disponibilizam essas disciplinas em sua grade curricular.
Contudo, ainda há pontos importantes que precisam melhorar, como a carga horária, pois o estudo de ética, bioética e deontologia em cursos na área de saúde corriqueiramente se dá de forma banalizada, já que esses conceitos são associados meramente a aplicação prescritiva 14. Logo, esse déficit de aprendizagem ainda perdura nos cursos de graduação e mesmo nos de pós-graduação, nos quais esses conceitos são de suma importância, dado o impacto na formação acadêmica e profissional dos cursos de mestrado analisados.
Além disso, o ensino das disciplinas de ética/bioética ocorre de modo transversal nos cursos em estudo, não havendo a inserção de tópicos do assunto nas demais disciplinas. Esse padrão segue a tendência da formação médica de países latino-americanos e do Caribe, onde 91,5% das instituições médicas de ensino públicas e 66,2% das universidades privadas disponibilizam estudos de ética/bioética de modo isolado ou transversal. Além disso, a carga horária dos estudos desse tema em escolas médicas perfaz apenas de 0,6% a 1,5% da carga total nos cursos de graduação, sendo uma quantidade de horas exígua 15.
Com isso, nota-se que desde os cursos de graduação até os de pós-graduações stricto sensu, a exemplo dos analisados neste estudo, existe a tendência de oferecer ínfima dedicação a assuntos relacionados a ética/bioética. Isso é evidenciado ao se observar que o tempo dedicado ao tema, assim como a metodologia de ensino que aloca os assuntos relacionados à disciplina somente de modo transversal, possibilita uma reflexão apenas pontual desses assuntos no decorrer dos cursos, resultando em deficiência em sua aplicabilidade.
Assim, além da necessidade de reformulação dos currículos e das diretrizes curriculares dos cursos de graduação, é mister também uma mudança semelhante nos mestrados, especialmente os acadêmicos, que visam a formação de professores capacitados a aguçar a abordagem biopsicossocial em seus alunos. Essas mudanças refletiriam diretamente na formação de profissionais de saúde não apenas com foco em conhecimentos técnicos, mas também com uma visão humanista 15.
Considerações finais
Ética envolve conceitos morais, culturais e sociais presentes no ambiente profissional e fora dele, sendo essencial que os alunos tenham uma visão mais atrelada à abordagem biopsicossocial de seus pacientes e de sua atuação, na área científica ou assistencial. Dessa forma, é de suma importância a presença de disciplinas ligadas a ética/bioética nos cursos de pós-graduação stricto sensu da área de saúde, em especial da medicina III, tendo em vista a tendência de banalização da disciplina e de sua importância que perpassa desde os cursos de graduação em saúde até a pós-graduação.
A análise dos programas elencados mostra que a disciplina de ética/bioética costuma ser abordada de forma isolada, o que sugere que as grades curriculares precisam ser revisadas, uma vez que a longitudinalidade do assunto de modo integrado a outras disciplinas é de suma importância. Apesar disso, todos os programas apresentaram alguma disciplina ligada ao assunto, na maioria das vezes obrigatória, o que denota ciência da importância da temática.
São necessários estudos futuros que analisem, sob o ponto de vista pedagógico, as metodologias empregadas para o ensino da ética nos cursos de pós-graduação stricto sensu na área medicina III, a fim de se compreender a formação ofertada. Destaca-se também que é preciso reformular as grades curriculares para aumentar a carga horária dessa disciplina e alocá-la como obrigatória dentro dos cursos de saúde, especialmente os de pós-graduação. Logo, reflexões como as apresen- tadas neste estudo devem ser amplamente estimula- das para que tais mudanças sejam realizadas.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Jul 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
15 Out 2023 -
Revisado
9 Mar 2024 -
Aceito
10 Mar 2024
