Resumo
Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa “A pesquisa clínica em transferência”. Neste artigo, revisitamos alguns conceitos linguísticos - linguagem, língua, discurso, signo linguístico, significante, entre outros - e suas articulações com o campo lacaniano no que diz respeito, principalmente, à lógica do significante. Serão analisadas referências da linguística em Saussure, Jakobson e Benveniste, além de textos de Lacan e leituras contemporâneas afins, com o objetivo de mostrar alguns pontos do caminho teórico percorrido por Lacan sob a influência da linguística, mas considerando também seu modo singular de apreender e utilizar esses conhecimentos. Apresentaremos, igualmente, alguns comentários sobre elementos discordantes entre essas duas disciplinas, o que, ao longo do seu ensino, levou Lacan a um afastamento conceitual da linguística. Tal distanciamento foi justificado pela ideia de que a psicanálise se ocupa do sujeito do inconsciente e do que fica fora da linguagem, diferentemente da linguística, que evidencia as funções de comunicação e expressão da linguagem no nível da consciência.
Palavras-chave: psicanálise; linguística; linguagem; significante; discurso
Abstract
This work was created as part of the studies of a research entitled “The clinical research in transference”. In this article, we reexamine some of linguistics concepts such as language, tongue, discourse, linguistic sign, significant, among others, and its articulations with de lacanian field in special the the significant logic. We will analyze linguistics references in Saussure, Jakobson and Benvenist’s works, beyond Lacan’texts and contemporaneous readings about the issue aiming to show some matters from the lacanian trajectory since the linguistic influence, but also considering their unique way of apprehending and using such knowledge. We will also present some comments on discordant elements between these two disciplines, which, throughout his teaching, led Lacan to a conceptual separation from linguistics. Such distancing was justified by the idea that psychoanalysis deals with the subject of the unconscious and what lies outside of language, differently from the linguistic that demonstrates the communicative and expressive functions of the language in the conscious mind.
Keywords: psychoanalysis; linguistics; language; significant; discourse
Resumen
Este trabajo fue creado como parte de los estudios de una investigación titulada “La investigación clínica em la transferencia”. En este artículo reexaminamos algunos conceptos lingüísticos como lenguaje, lengua, discurso, signo lingüístico, significante, entre otros, y sus articulaciones con el campo lacaniano en particular la lógica significante. Analizaremos los referentes lingüísticos em las obras de Saussure, Jakobson y Benveniste, más allá de los textos de Lacan y las lecturas contemporáneas sobre el tema, con el objetivo de mostrar algunas cuestiones de la trayectoria lacaniana desde la influencia linguística, pero también considerando su forma única de aprehender y utilizar dicho conocimiento. También presentaremos algunos comentarios sobre elementos discordantes entre estas dos disciplinas que, a lo largo de su enseñanza, llevaron a Lacan a una separación conceptual de la lingüística. Tal distanciamiento fue justificado por la idea de que el psicoanálisis trata el tema del inconsciente y lo que está fuera del lenguaje, a diferencia del lingüístico que demuestra las funciones comunicativas y expresivas del lenguaje em lamente consciente.
Palavras clave: psicoanálisis; linguística; linguaje, significante; discurso
1. Introdução
Este artigo é fruto de estudos realizados a partir da nossa participação no grupo de pesquisa denominado “A pesquisa clínica em transferência”, que examina a clínica e as metodologias de pesquisa próprias da psicanálise. Nesse momento, por um lado, estamos pesquisando como essas metodologias elaboram e permitem apresentar o material clínico; por outro, estudamos os efeitos da intervenção analítica na clínica. Nesse sentido, buscaremos neste artigo explorar a apropriação lacaniana de concepções extraídas da linguística como subsídio para nossa investigação. O conceito de significante proposto por Lacan é um ponto fundamental para a articulação entre a teoria e a prática psicanalítica, pois é através da linguagem, da colocação da cadeia significante, que o sujeito do inconsciente pode emergir e vir a ser afetado pela intervenção analítica. Como diz Lacan, “o inconsciente é a soma dos efeitos da fala sobre um sujeito, naquele nível em que o sujeito se constitui como um dos efeitos do significante” (LACAN, 1964/2008, p. 126).
É nosso entendimento que os estudos lacanianos sobre a clínica, a posição do analista e a direção do tratamento tiveram, como importante ponto de partida, a teorização do significante - sustentada nos estudos sobre a linguagem - aliada à teoria freudiana do inconsciente. Salientamos que a aproximação com a linguística acompanhou Lacan ao longo de seu ensino e, ao servir de base para seus estudos, possibilitou-lhe articular de forma própria os conceitos de linguagem, língua, fala, significante, significado, metáfora e metonímia, enunciado e enunciação.
Lacan teria herdado de Saussurre “a possibilidade de desenvolvimento do estudo estrutural da língua, um olhar sobre a língua que leva em consideração as relações imanentes do sistema” (SURREAUX, 2006, p. 19) e o algoritmo saussurreano significado/significante (s/S), que inspirou a inversão lacaniana do significante/significado (S/s); de Jakobson, a partir da fala decorrente dos sintomas estudada em seus textos sobre as afasias, a análise sobre o funcionamento da linguagem e também os estudos sobre metáfora e metonímia; de Benveniste, o conceito do sujeito da linguagem através do aparelho formal de enunciação, já que para Benveniste a subjetividade é a capacidade do locutor para se propor como sujeito (SURREAUX, 2006). Nas palavras do próprio linguista: “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ‘ego’” (BENVENISTE, 1966/1991, p. 286, grifos do autor).
Lacan, ao se perguntar o porquê de dar tanta ênfase à função do significante, responde: “Porque é o fundamento da dimensão do simbólico, o qual só o discurso analítico nos permite isolar como tal” (LACAN, 1972-1973/1985, p. 32). Assim, o significante não apenas dá “o invólucro, o recipiente da significação, ele a polariza, a estrutura, a instala na existência” (LACAN, 1955-1956/2002, p. 295). Dessa forma, um desconhecimento da ordem própria do significante e suas propriedades impossibilita compreender o cerne da experiência psicanalítica.
Observamos que Lacan se utilizará dessas ferramentas conceituais linguísticas para produzir - à sua maneira - a articulação entre linguagem, inconsciente e sujeito, colocando a linguagem numa posição de destaque em seu trabalho clínico e teórico, como no seu famoso aforismo de que o inconsciente é “estruturado como uma linguagem” (LACAN, 1955/1956/2002, p. 191). A partir da noção de significante, ele postula que “o significante, ao contrário do signo, não é o que representa alguma coisa para alguém, é o que representa, precisamente, o sujeito para um outro significante” (LACAN, 1961-1962/2003, p. 64-65), articulando o conceito de significante com o de sujeito (do inconsciente).
Passaremos, inicialmente, a destacar algumas noções teóricas dos linguistas que elegemos, por sua importância, estudar - Ferdinand de Saussurre, Roman Jakobson e Émile Benveniste - para examinar a influência desses autores na obra de Lacan. Na sequência, traremos apontamentos lacanianos sobre a linguagem, procurando mostrar as especificidades relativas à linguística; após, apresentaremos o debate contemporâneo sobre o tema para situar o percurso lacaniano com a linguística.
2. As proposições dos linguistas
2.1 Saussure
O linguista Ferdinand de Saussure, no seu célebre Curso de Linguística Geral (CLG) publicado em 1916,1 postulava que a linguagem apresenta um lado individual e um lado social, sendo que o social da linguagem corresponde ao que o linguista designou por língua, enquanto a fala seria a realização individual do código disponibilizado pela língua. Apontava também que a linguagem é sustentada por um conjunto de signos socialmente compartilhado e realizada de maneira ordenada pela fala. Portanto, a forma como um indivíduo pode ordenar sua fala está condicionada às regras impostas pela língua no uso do signo.
Segundo Saussure (1916/1974), o signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. No desenvolvimento de seu CLG, Saussure propõe “conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante” (SAUSSURE, 1915/1974, p. 80). Dessa forma, ele apontava que havia uma relação biunívoca entre esses dois elementos, já que um sempre remetia ao outro em cada significação.
No pensamento saussuriano, dois princípios regem o signo: a sua natureza arbitrária e o caráter linear do significante. A relação entre significado e significante, entre conceito e imagem acústica é arbitrária devido ao caráter convencional do signo em cada língua. O segundo princípio - caráter linear do significante - implica que não seja possível pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, já que eles se apresentam um após o outro na cadeia da fala. Sendo assim, ao pronunciar um significante, é preciso escolher qual significante virá depois, operando-se uma seleção entre outros significantes.
Tomando o fator tempo como elemento organizador do caráter linear, Saussure articula língua e fala através de dois eixos: a “sincronia” - eixo do tempo em sua simultaneidade no ato da fala - e “diacronia” - o eixo do tempo ao longo da história da língua; a sincronia leva em conta o momento da fala, e a diacronia, a evolução da língua ao longo do tempo.
A partir da distinção entre sincronia e diacronia, Saussure desenvolve a ideia de que as relações e as diferenças entre os signos linguísticos acontecem em dois planos, sendo que cada um deles gera uma determinada ordem de valores. O primeiro deles é o plano “sintagmático” onde os signos em presença estabelecem relações entre si através do encadeamento linear numa frase. O sintagma é a unidade básica de significação e se compõe a partir de um mínimo de duas unidades. Saussure aponta que “colocado num sintagma, um termo só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a ambos” (SAUSSURE, 1916/1974, p. 142). O segundo plano é o plano “associativo”, funcionando como um grande modelo virtual da língua onde ficam armazenadas as associações possíveis de serem estabelecidas entre os signos no ato da fala.
Outro importante conceito desenvolvido por Saussure é a noção de valor existente no sistema de signos. Escreve o linguista que os valores correspondem a conceitos que são definidos “não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema” (SAUSSURE, 1916/1974, p. 136). Assim, o que importa na palavra não é o som em si, mas “as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras, pois são elas que levam a significação” (SAUSSURE, 1916/1974, p. 137).
Quanto a este tópico, Saussure pontua que na língua há apenas diferenças sem termos positivos. “Quer se considere o significado, quer o significante, a língua não comporta nem ideias nem sons preexistentes ao sistema linguístico, mas somente diferenças conceituais e diferenças fônicas resultantes deste sistema” (SAUSSURE, 1916/1974, p. 139). Assim, pode-se dizer que importa mais o que existe ao redor de um signo do que a ideia ou a matéria fônica do mesmo; decorre disso que “o valor de um termo pode modificar-se sem que se lhe toque quer no sentido quer nos sons, unicamente pelo fato de um termo vizinho ter sofrido uma modificação” (SAUSSURE, 1916/1974, p. 139).
2.2 Jakobson
Coube ao linguista russo Roman Jakobson, por meio da leitura dos trabalhos de Saussure, a formalização de uma perspectiva estrutural da língua, introduzindo o termo “estruturalismo” no 1º Congresso Internacional de Linguística em Haia, 1928 (CASELLI; LANG, 2015). Jakobson se interessou em estudar a afasia de uma forma mais ampla e não apenas sob uma ótica psicopatológica como até então era feito pelos estudiosos da época. Partindo da observação dos distúrbios da fala nos afásicos, Jakobson postulou que a utilização de critérios linguísticos na interpretação e classificação dos fatos da afasia podia contribuir muito para a ciência e perturbações da linguagem:
A regressão afásica se revelou um espelho da aquisição de sons da fala pela criança; ela nos mostra o desenvolvimento da criança ao inverso. Mais ainda, a comparação entre a linguagem infantil e a afasia nos permite estabelecer diversas leis de implicação. A pesquisa sobre a ordem das aquisições e das perdas e sobre as leis gerais de implicação não pode ser limitada ao sistema fonológico, mas deve estender-se também ao sistema gramatical (JAKOBSON, 1954/1969, p. 35-36).
Jakobson salienta que falar implica a seleção de certas entidades linguísticas e sua combinação em unidades linguísticas de mais alto grau de complexidade. Comenta também que aquele que fala não é de modo algum um agente livre na escolha de palavras, já que a seleção é feita “a partir do repertório lexical que ele próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum” (JAKOBSON, 1954/1969, p. 36). Ele vai distinguir dois tipos fundamentais de afasia, conforme a deficiência principal encontre-se: a) na seleção e substituição, deixando a combinação e a contextura relativamente estáveis (caracterizando a desordem da similaridade); b) na combinação e contextura mantendo, razoavelmente, as operações de seleção e substituição normais (caracterizando os distúrbios da contiguidade). Complementa ainda: “A metáfora é incompatível com o distúrbio da similaridade e a metonímia com o discurso da contiguidade” (JAKOBSON, 1954/1969, p. 54).
Para esse linguista, o desenvolvimento de um discurso pode ocorrer segundo duas linhas semânticas diferentes, ou seja, um tema pode levar a outro quer por similaridade, quer por contiguidade. No primeiro caso, o autor identifica o processo metafórico, ao passo que a metonímia incidiria sobre o eixo da contiguidade. É dessa forma que, ao manipular as conexões do tipo similaridade e contiguidade, “em seus dois aspectos (posicional e semântico) - por seleção, combinação e hierarquização -, um sujeito revela seu estilo pessoal, gostos e preferências verbais” (JAKOBSON, 1954/1969, p. 71).
Ao finalizar o capítulo sobre as afasias, como indica a passagem abaixo, Jakobson (1954/1969, p. 61) faz uma breve relação dessas figuras de linguagem com a psicanálise freudiana quanto ao funcionamento dos sonhos.
A competição entre os dois procedimentos, metonímico e metafórico, se torna manifesta em todo o processo simbólico, quer seja subjetivo, quer social. Eis porque numa investigação da estrutura dos sonhos, a questão decisiva é saber se os símbolos e as sequências temporais usadas se baseiam na contiguidade (“transferência” metonímica e “condensação” sinedóquica de Freud) ou na similaridade (“identificação” e “simbolismo” freudianos) (grifos do autor).
2.3 Benveniste
O terceiro autor no percurso lacaniano com a linguística é Émile Benveniste, um linguista francês que avançou nos estudos linguísticos de Saussure. Autor de Problemas de Linguística Geral I e II, publicado em dois volumes, respectivamente em 1966/1991 e 1974/1989, foi um dos primeiros a estudar a relação do sujeito com a língua e o ato de fala. Ele não analisava o falante empírico, mas usava a enunciação como uma instância. Em seus postulados, considerava os pronomes eu, tu, ele como categorias, instâncias do discurso; pensava o homem na linguagem a partir da tríade pessoa-tempo-espaço, sendo que, a cada palavra proferida, a língua era atualizada no ato da fala individual.
Afirma, em consonância com o gesto inaugural de Saussure, que a origem da linguagem é uma ficção, é inapreensível, sendo que, para ele, jamais temos o homem centrado em si mesmo e buscando entender a existência do outro. “É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem e a linguagem ensina a própria definição de homem” (BENVENISTE, 1966/1991, p. 285). Assim, o autor põe em xeque a ideia de que a linguagem seria um aparelho, um instrumento separado do homem, ainda que a troca cotidiana de palavras dê a entender uma funcionalidade de aparelho para a linguagem, como se a palavra tivesse uma função definida que garantiria a comunicação.
Para Benveniste (1966/1991, p, 288), os pronomes pessoais são signos da linguagem que diferem de todos os outros; o conceito de eu não existe fora de seu emprego; não há conceito de eu que englobe todas as situações em que essa palavra é enunciada:
A que se refere o eu? A algo de muito singular, que é exclusivamente linguístico: eu se refere ao ato de discurso individual no qual é pronunciado, e lhe designa o locutor. É um termo que não pode ser identificado a não ser dentro do que, noutro passo, chamamos de instância de discurso, e que só tem referência atual. A realidade à qual ele remete é a realidade do discurso (grifos do autor).
É no próprio momento da fala que o “eu” ganha seu estatuto e difere do “tu” - designado o interlocutor - até que este reverta essa posição, atualizando-a em seu ato de fala (“eu” e “tu” são dois termos diferentes, complementares e reversíveis). Assim, o autor entende que a subjetividade reside no próprio ato da fala, na prática da língua. Para Benveniste, esse é o exemplo mais contundente para designar o lugar da subjetividade na linguagem. Tanto o pronome pessoal “eu” quanto os outros pronomes (pessoais e demonstrativos), que se organizam em referência ao primeiro, servem sempre a um sentido novo a cada ato de enunciação.
A arbitrariedade do signo, já trabalhada por Saussure, é atualizada, segundo Benveniste, no ato de fala. São signos vazios, sempre autorreferenciais, partículas para engrenar o falante no ato de fala, sendo que a significação se dá nesse instante. Benveniste (1966/1991, p. 281) entende os pronomes como instrumentos de conversão da linguagem em discurso: “É identificando-se como pessoa única pronunciando eu que cada um dos locutores se propõe alternadamente como ‘sujeito’” (grifos do autor).
Para Benveniste (1974/1989, p. 83-84), a enunciação é pôr em funcionamento a língua por um ato individual de utilização: “Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso que emana de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra enunciação de retorno”.
Quando o sujeito assume o papel de locutor, em sua enunciação, ele situa a existência de um outro. O eu que fala propõe um outro, mesmo que este outro não esteja em “presença”. “O que caracteriza a enunciação é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado, individual ou coletivo” (BENVENISTE, 1974/1989 p. 87, grifos do autor), mostrando a implicação do sujeito em sua fala que, ao mesmo tempo, o institui como sujeito.
Na esteira do diálogo entre a psicanálise e a linguística, Benveniste escreveu - a pedido de Lacan - o texto intitulado “Observações sobre a função da linguagem na descoberta freudiana”, que foi publicado posteriormente em Problemas de Linguística Geral I (1966/1991), no qual o autor desenvolve as noções de diálogo, intersubjetividade, sujeito e discurso e também analisa e critica o texto freudiano “Sobre o sentido antitético das palavras primitivas”, de 1910. Salientamos que no período da década de 1950 Lacan fez muitas referências a Saussure e Benveniste, em especial sobre as noções de significante, significado, discurso e significação, que foram trabalhados no seminário Os escritos técnicos de Freud (LACAN, 1953-1954/1986), na lição de 23 de junho de 1954, De locutionis significatione, corroborando a interlocução com esses linguistas.
3. Lacan e a linguística
3.1 Intersecções e cortes
No texto “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud” (1957/1998a), Lacan dirá que Freud não trabalhou a questão do papel do significante no inconsciente pelo fato de a psicanálise ter surgido antes da linguística moderna. Mesmo assim, quando da publicação da Traumdeutung (1900) afirma que aquela se antecipava em muito às formalizações da linguística. Em entrevista a Paolo Caruso (1966/2008, online), Lacan, ao referir-se à linguística e à psicanálise, comenta:
Quando realiza uma análise do inconsciente, em qualquer nível, Freud sempre faz uma análise linguística. Freud inventou a nova linguística antes de nascer. Você me perguntou como eu me distingui de Freud: antes de tudo nisso, no fato de que conheço linguística. Ele não a conhecia e, portanto, não poderia saber se o que estava fazendo era linguístico, e a única diferença entre a sua posição e a minha reside no fato de que eu, abrindo um livro dele, posso dizer imediatamente: isso é linguística. Eu posso dizer, porque a linguística apareceu alguns anos depois da psicanálise. Saussure começou logo depois que Freud, na Interpretação dos Sonhos, escreveu um verdadeiro tratado sobre linguística. Esta é a minha “distância” de Freud (grifo do autor).
Em seus estudos, Lacan une a dimensão do inconsciente freudiano à dimensão saussuriana da linguagem, assim como desenvolve amplamente as figuras da metáfora e metonímia a partir dos escritos de Jakobson. É com a concepção de que o inconsciente se estrutura como uma linguagem que Lacan (1957/1998a, p. 498) faz sua releitura de Freud articulando os conceitos entre a psicanálise e a linguística: “[...] é toda a estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no inconsciente”.
No seminário As psicoses, Lacan (1955-1956/2002, p. 139) dirá que se o trabalho do sonho segue as leis do significante, todas as demais formações do inconsciente também o fazem: chistes, sintomas e atos falhos, apontando assim a primazia do significante:
O inconsciente é, no fundo dele, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem. E não somente o significante desempenha ali um papel tão grande quanto o significado, mas ele desempenha ali o papel fundamental. O que, com efeito, caracteriza a linguagem é o sistema do significante como tal.
Lacan (1957/1998a) apresenta o algoritmo saussuriano de modo próprio, apontando duplamente a supremacia do significante sobre o significado: em primeiro lugar, invertendo a ordem do algoritmo saussuriano do signo linguístico; a seguir, esquematizando a escrita do significante por um ‘S’ maiúsculo. “Esse algoritmo é o seguinte: S/s que se lê: significante sobre significado, correspondendo o “sobre” à barra que separa as duas etapas” (LACAN, 1957/1998a, p. 500). Pela letra “S” acima da barra encontra-se indicada a função primordial do significante.
Observamos, nesse sentido, que em lugar da interdependência sugerida por Saussure, Lacan (1955-1956/2002, p. 227) diz que o significante tem suas leis próprias independentemente do significado e que “o significante deve ser concebido em primeiro lugar como distinto da significação. O que o distingue é o fato de ser em si mesmo sem significação própria”. Interpreta o traço entre eles como barragem do significado; significante e significado são agora dissociados, vistos como “ordens distintas e separadas inicialmente por uma barreira resistente à significação” (LACAN, 1957/1998a, p. 500).
Lacan também aponta que o significante tem duas propriedades: ser puro elemento de diferença e se compor segundo as leis de uma ordem fechada - a estrutura. A significação se produz por meio das relações entre significantes que se antecipam ao sentido que produzem. “Donde se pode dizer que é na cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse mesmo momento” (LACAN, 1957/1998a, p. 506, grifos do autor). Assim, trata-se do significante esvaziado do significado e posto em relação com outro significante. Nesse sentido, o significante não é isolável e só pode ser pensado numa relação necessária com outro significante (S1-S2). Vemos aqui uma vinculação com o que Lacan (1964/2008) propõe no seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, sobre o caráter evanescente do sujeito do inconsciente, já que este está no intervalo entre um significante que representa esse sujeito para outro significante, comprovando a importância desse conceito em sua obra.
Novamente, no seu escrito A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957/1998a), Lacan, ao analisar o trabalho do sonho, já havia relacionado a condensação à metáfora, e o deslocamento à metonímia, uma vez que as leis do significante também estão presentes no trabalho onírico. Além disso, correlaciona a metonímia com a significação e diz que a “estrutura metonímica” apresenta uma relação de contiguidade do significante com outro significante - “de palavra em palavra” (LACAN, 1957/1998a, p. 509). Na “estrutura metafórica”, aponta a substituição do significante por outro significante, produzindo um novo efeito de significação - “uma palavra por outra” (LACAN, 1957/1998a, p. 510).
No seminário As formações do inconsciente (1957-1958/1999, p. 16), ele indica que:
[...] não existe objeto a não ser metonímico, sendo o objeto do desejo objeto do desejo do Outro, e sendo o desejo sempre um desejo de Outra coisa - muito precisamente, daquilo que falta, a, o objeto perdido primordialmente, na medida em que Freud mostra-o sempre por ser reencontrado. Da mesma forma, não existe sentido senão metafórico, só surgindo o sentido da substituição de um significante por outro significante na cadeia simbólica.
Nesse mesmo seminário, Lacan comenta ter sido a partir do esquema de Ferdinand de Saussure - como apresentado no Curso de Linguística Geral -, que representa o duplo fluxo paralelo do significante e do significado, distintos e fadados a um perpétuo deslizamento um sobre o outro, que ele forjou uma operação nomeada de point de capiton (ponto de basta) - baseada na imagem da técnica do estofador - que possibilitaria a circunscrição da significação por meio da articulação entre significantes, mais do que por sua relação com o significado:
É preciso que em algum ponto, com efeito, o tecido de um se prenda ao tecido do outro, para que saibamos a que nos atermos, pelo menos nos limites possíveis desses deslizamentos. Existem pontos de basta, portanto, mas eles deixam uma certa elasticidade nas ligações entre os dois termos (LACAN, 1957-1958/1999, p. 15).
Para Lacan (1957/1998a, p. 498), o sujeito é efeito e dependente da linguagem e do inconsciente, apontando que o sujeito, além de parecer servo da linguagem, “o é ainda mais de um discurso em cujo movimento universal seu lugar já está inscrito em seu nascimento, nem que seja sob a forma de seu nome próprio”. Uma linguagem que, em suas rupturas, manifesta um sentido desconhecido para o sujeito, mostrando um discurso da falta, da incompletude, pois “o inconsciente é a parte do discurso concreto como transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade de seu discurso consciente” (LACAN, 1953/1998b, p. 260).
Acreditamos ser esse um ponto de intersecção do diálogo de Lacan com Benveniste, que - como já vimos anteriormente - reconhece o sujeito através de uma instância de discurso, ou seja, a partir de um ato no qual o sujeito se insere para enunciar, embora sejam distintos os conceitos de sujeito, já que para Lacan o que interessa à experiência analítica é o sujeito do inconsciente, enquanto que Benveniste se ocupa do sujeito do discurso consciente.
Segundo Machado (2015), Benveniste, ao introduzir a noção de enunciação, exerceu importante influência nos estudos da linguagem ao desenvolver o conceito de discurso. “A fundamental inovação de Benveniste, que lhe confere o reconhecimento de ser a exceção francesa, é explicada pelo fato de articular sujeito e estrutura, assim como fez Lacan posteriormente no campo da Psicanálise” (MACHADO, 2015, p. 12, grifos do autor). Para esse autor a interlocução de Benveniste com a psicanálise auxiliou o linguista a ter reconhecidas suas posições a respeito da enunciação e da emergência do sujeito na linguagem, além de dar ênfase às questões da linguagem na conduta clínica e na relação analista-analisando, colocando em evidência as noções de diálogo e intersubjetividade.
Biazin e Kessler (2017, p. 421) comentam que, ao pensar o sujeito do inconsciente como consequência dos jogos significantes, Lacan “está promovendo a emergência de um sujeito sem qualidades, tão caro à descoberta de Freud e sobremaneira distinto das vertentes filosóficas e psicologizantes”, pois o significante pode significar qualquer coisa ou não significar nada, não podendo, dessa forma, dar conta do que é o sujeito nem tampouco substantivá-lo de nenhum modo. Por essa via, Biazin e Kessler (2017) interpretam o axioma de Lacan de que o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência moderna que destitui o sujeito de qualidades. Entendem também que Lacan utiliza a linguística saussuriana para apresentar o sujeito sobre o qual a psicanálise inaugura e opera, pois Saussure (1916/1974) já advertia que não era possível buscar a origem das palavras, direcionando sua pesquisa para a lógica da linguagem e não para a sua ontologia.
Castro (2013, p. 119) comenta que a psicanálise fez lembrar aos linguistas que a “linguagem humana extrapola - e muito mais do que se imagina ou se acredita - as funções comunicativa e expressiva, justamente por incluir em seu fundamento algo de incomum, de singular, o objeto a” (grifo do autor).
No entendimento de Kessler (2008), o objeto a (conceito original de Lacan) resulta da operação de constituição do sujeito atravessado pela linguagem. E, ao mesmo tempo, esse resultado - juntamente com a marca de uma perda permanente e estruturante - consolida o pensamento lacaniano, que “[...] considera o sujeito como comandado a partir de um ponto de perda, de real, o que está para além de qualquer psicologia” (KESSLER, 2008, p. 24). O sujeito, então, se estrutura desde um ponto inalcançável, pois ele é causado desde um objeto que é da ordem do real. Então se dá um passo na compreensão do sujeito em psicanálise, ou seja, não só ele é produzido pela exterioridade da linguagem (S1-S2) sobre o sujeito - que torna um sujeito dividido ($) -, mas também seu desejo é causado por uma negatividade (objeto a).
Com isso, pode-se levar mais adiante a noção de sujeito em psicanálise como um sujeito que não é uma estrutura fechada, mas é estruturado a partir de um elemento que é anterior e externo a ele. Quando Kessler (2008) aborda esse ponto de perda, que é da ordem do real, entende-se que a noção de sujeito e sua dimensão de negatividade em psicanálise é radicalmente diferente da noção psicológica do indivíduo dotado de qualidades.
No seminário O avesso da psicanálise (1969-1970/1992), Lacan destaca que o homem, desde que é falante, está fadado ao fracasso, ao desamparo primordial do falante, pois há uma lacuna entre falar e querer dizer, pois as palavras nunca são suficientes para se dizer o que se deseja. Se já estava claro que o sujeito do inconsciente é efeito de uma operação significante, é na combinatória das quatro letras apresentadas nesse seminário que Lacan (1969-1970/1992, p. 11) mostra a dinâmica de um discurso que não precisa de palavras, mas de posições estabelecidas, para indicar como circula o gozo, ou seja, “um discurso sem palavras”, entendendo-o como produtor de laço social:
É que sem palavras, na verdade, ele pode muito bem subsistir. Subsiste em certas relações fundamentais. Estas, literalmente, não poderiam se manter sem a linguagem. Mediante o instrumento da linguagem instaura-se um certo número de relações estáveis, no interior das quais certamente pode inscrever-se algo bem mais amplo, que vai bem mais longe do que as enunciações efetivas.
Mais adiante, no seminário mais, ainda (1972-1973/1985), Lacan irá apresentar o conceito de lalangue2 (alíngua) como um ponto traumático da relação do ser falante com a linguagem, evidenciando assim o real do gozo que não está no campo do sentido. Ele dirá que a linguagem “é uma elocubração de saber sobre alíngua. Mas o inconsciente é um saber, um saber-fazer com alíngua. E o que se sabe fazer com alíngua ultrapassa de muito o de que podemos dar conta a título de linguagem” (LACAN 1972-1973/1985, p. 190). Observamos que nesse seminário Lacan apresenta uma ruptura com a linguística, apontando que: “Meu dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da linguística. [...] chamarei a isto de linguisteria. [...] será isto que eu, de um outro lugar, de minha linguisteria, colho, quando me sirvo da função do significante?” (LACAN, 1972-1973/1985, p. 25-28).
3.2 Relações da linguística com a psicanálise: algumas repercussões entre pesquisadores contemporâneos na psicanálise
Autores contemporâneos seguem se ocupando das relações entre a linguística e a psicanálise, indicando que é um debate que se mantém atual. Nas palavras de Antunes (2002), a contribuição de Saussure é muito importante, tendo em vista que ele rompe com a concepção clássica de que o signo teria por função representar um objeto, determinando o signo como uma representação e a linguagem como um instrumento para nomear esse objeto. O gesto que Saussure realiza é uma inversão desta posição ao considerar as relações de diferença como determinantes na língua, abandonando a noção de referente externo e situando o signo como produto da união entre significante e significado.
Ferreira (2002, p. 124) aponta que Lacan, ao trazer o significante para o campo da experiência analítica, inclui uma nova concepção de sujeito, diferente do saber linguístico, em que a noção de sujeito “[...] se refere, dependendo do autor, às categorias de pessoa, de indivíduo, de locutor e de emissor”. Já a categoria de sujeito apresentada por Lacan é estranha à linguística e se baseia em uma teoria estrutural da subjetividade humana: falta-a-ser. Ferreira (2002, p. 124) complementa dizendo que, para o linguista, não existe o pressuposto da experiência do inconsciente no entrelaçamento entre sujeito e significante, ou seja: “Não há também o inconsciente como ordem do não-sabido, do que não pode ser escrito, do que é um lugar barrado”.
Santos (2015) escreve que Lacan, ao utilizar a linguística, não tenta estudar a língua, mas refletir sobre os efeitos da linguagem no sujeito, sujeito esse do inconsciente. O sujeito cria, promove equívocos e mudanças na língua. Alíngua - esse novo conceito criado por Lacan - se refere à outra parte da linguagem, aquela que se apresenta como o mais próprio de cada sujeito e se relaciona com o uso mais individual da língua, no qual os equívocos se colocam a todo instante, não se tratando da língua como trabalhada por Saussure, que é da ordem do social.
Já Antunes (2002, p. 2) comenta que “o algoritmo lacaniano (S/s) não é o signo saussuriano”. A autora dirá também que o desenvolvimento de Lacan sobre o signo impõe a destruição de sua unidade e se efetiva por um deslocamento sobre o significante, rompendo a indissociabilidade entre significado e significante, em que o significante não é mais tomado como um elemento do signo.
Trazendo a influência da linguística jakobsoniana, Castro (2013) escreve que, para Lacan, a metáfora e a metonímia constroem todas as formações do inconsciente, atestando a “submissão estrutural-discursiva do sujeito ao significante” (p. 117). O autor também refere que:
Sobre o polo metonímico da linguagem, Lacan faz dele a via lógica do desejo, a via pela qual o desejo desliza, marcando assim o seu movimento permanente. [...] O desejo se desloca de palavra em palavra, em um movimento que tenderia ao infinito. Isso porque, devido à fugacidade característica de seu objeto-causa, o desejo não se contenta em ter o seu significado fechado, univocamente, em quaisquer significantes que sejam, mesmo nos do sintoma (CASTRO, 2013, p. 119-120, grifos do autor).
Em outro trabalho, Castro (2009, p. 3) comenta que as concepções lacaniana e saussuriana são discrepantes, pois “enquanto Saussure pressupõe um sujeito consciente, que sabe o que diz, Lacan opera com o inconsciente, onde o sujeito é alienado”. O autor entende que Lacan, tal como Jakobson, contesta os dois princípios gerais enunciados por Saussure no Curso de Linguística Geral (1916/1974): a arbitrariedade do signo e o caráter linear do significante.
Em lugar de referir-se diretamente a um significado, cada significante remete a outros, num processo infindável, tal como as palavras num dicionário conduzem a outras palavras e não a coisas. Em Lacan, há uma autonomização do significante que atua de forma dissociada de sua significação e à revelia do sujeito (CASTRO, p. 5).
Ferreira (2002, p. 113-114) aponta que Lacan, ao descartar a concepção saussuriana de signo, elabora uma teoria do significante distinguindo os campos da linguística e da psicanálise, pois aponta a primazia do significante em detrimento do significado, acrescentando que “o significante é puro non sense, não tendo relação com o significado, o que equivale dizer que o significante não significa nada ou que pode significar qualquer coisa”.
4. Considerações finais
Ao longo deste artigo, procuramos demonstrar a importância da contribuição dos linguistas Ferdinand de Saussure, Roman Jakobson e Émile Benveniste para o estudo dos conceitos de linguagem, língua, fala e discurso e seu encadeamento com a teorização do significante e outros temas trabalhados por Lacan.
Consideramos que o percurso teórico explicitado neste artigo nos auxiliou a melhor situar as postulações lacanianas sobre a clínica psicanalítica, pois sempre nos deparamos com as noções de linguagem e de inconsciente ao realizarmos nossos estudos no campo psicanalítico. Como diz Castro (2013), na nossa prática não podemos compreender o que é o próprio do inconsciente se não tivermos ideia dos mecanismos de linguagem, em especial dos significantes trazidos pelos analisantes.
Como não ter em mente que Lacan, em parte, estabeleceu seu ensino baseado nos estudos desses linguistas? Cabe igualmente ressaltar a importância dessa influência para que ele produzisse suas elaborações teóricas iniciais, mesmo que ele tenha construído seu percurso de forma singular e de acordo com a especificidade da clínica psicanalítica, levando-o, paulatinamente, a diferenciar essas duas áreas de conhecimento.
Lacan foi desenvolvendo seu ensino a partir de apropriações e modificações dos estudos sobre a linguagem, aliados aos estudos freudianos do inconsciente, articulando-os inclusive com outras áreas de conhecimento, tais como filosofia, sociologia, lógica e matemática.
Para nós, analistas, o ponto que interessa em nosso trabalho clínico é justamente esse sujeito que advém representado pelo significante e sobre o qual o discurso analítico poderá intervir, pois “o sujeito da psicanálise não existe destacado do significante, independente e à revelia dele. O sujeito não está lá desde sempre, ele é um efeito da linguagem, da própria operação significante” (FREIRE, 2003, p. 19).
Portanto, comentando sobre a prática clínica, em relação às intervenções do analista, entendemos que é importante não se deixar tomar pelo relato do drama individual que o analisante desfia perante nós, pois essa fala reside completamente no campo do significado, devendo o analista operar apontando para a questão interna da estruturação do sujeito pela linguagem, ou seja, centrando seu interesse nos significantes.
Entendemos que o estudo desenvolvido neste artigo sobre Lacan em seu atravessamento pela linguística salienta a importância desta disciplina, pois traz muitos subsídios para a prática clínica sustentada na teoria do significante ao trabalhar o sujeito do inconsciente como efeito produzido pelos equívocos e os não sentidos da linguagem, o que nos interessa sobremaneira como ferramenta para a elaboração das pesquisas em curso nessa tarefa de transmissão e de fortalecimento da psicanálise no entrelaçamento indissociável entre teoria e prática psicanalítica.
Referências
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1
A primeira publicação do Curso de Linguística Geral, em 1916, é resultado das anotações reunidas por Charles Bally e Albert Sechehaye, com a colaboração de Albert Riedlinger, dos três cursos de Linguística Geral dados por Saussure na Universidade de Genebra (de janeiro a julho de 1907, de novembro de 1908 a julho de 1909, e de outubro a julho de 1911).
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2
“Embora as traduções dos textos de Lacan apresentem ora a palavra alíngua, ora lalíngua, um grande número de seus comentadores opta por manter a palavra lalangue tal como Lacan a criou, por considerar esse neologismo intraduzível, já que ele associa o termo à lalação do bebê” (HOLTHAUSEN, 2009). Disponível em: http://psicanaliselacaniana.blogspot.com/2009/02/lalingua-ou-alingua-pequeno-percurso.html
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
27 Abr 2018 -
Revisado
21 Jul 2022 -
Revisado
05 Nov 2022 -
Aceito
05 Nov 2022