Resumo
O presente artigo apresenta uma reflexão teórica sobre as interpretações da pobreza, sobretudo a pobreza urbana no período atual, com inspiração nas obras de Milton Santos. Fundamenta-se na teoria crítica da Geografia e outros diálogos possíveis para se contextualizar e se analisar a pobreza, entendida aqui como resultado da violência estrutural na formação territorial e das metrópoles brasileiras. Conclui-se que a pobreza é estrutural-urbana e pode estar direcionada para um debate qualitativo (e não somente no âmbito quantitativo) sobre a falta de dignidade humana, para buscar reconhecer a legitimidade da existência nos lugares.
Palavras-chave: Violência; Pobreza Urbana; Metrópoles; Formação Socioespacial
Resumen
Este artículo presenta una reflexión teórica sobre las interpretaciones de la pobreza, especialmente la urbana en el período actual, inspirada en las obras de Milton Santos. Se fundamenta en la teoría crítica de la Geografía y otros diálogos posibles para contextualizar y analizar la pobreza, entendida aquí como resultado de la violencia estructural en la formación territorial y las metrópolis brasileñas. Se concluye que la pobreza es estructural-urbana y puede encaminarse hacia un debate cualitativo (y no sólo en el ámbito cuantitativo) sobre la falta de dignidad humana, para buscar reconocer la legitimidad de la existencia en los lugares.
Palabras-clave: Violencia; Pobreza Urbana; Metrópolis; Formación Socioespacial
Abstract
This article presents a theoretical reflection on interpretations of poverty, principally contemporary urban poverty, inspired by the works of Milton Santos. It is based on Geographical critical theory and other potential dialogues that contextualize and analyze poverty, understood here as the result of structural violence in territorial formation and Brazilian metropolises. It is concluded that poverty is structural-urban and can inform a qualitative debate (not only quantitative) on the lack of human dignity seeking to recognize the legitimacy of existence in places.
Keywords: Violence; Urban Poverty; Metropolises; Socio-spatial Formation
INTRODUÇÃO
“O medo de continuar a planejar a pobreza indefinidamente é um estímulo suficiente para se fazer uma tentativa de abordar o problema de maneiras diferentes”. Milton Santos (2013, [1978], p. 77)
A pobreza é um problema social que tem aprofundado as crises rurais e urbanas, sobretudo nos países periféricos do sistema capitalista, e vem sendo abordado sob várias perspectivas teóricas, especialmente nas ciências humanas. O seu tratamento evidencia tanto uma leitura preponderante na Economia, com ênfase no viés quantitativo, quanto um entendimento Político com viés mais qualitativo da questão, perpassando disciplinas como Sociologia, Antropologia, História, Relações Internacionais, Geografia, entre outras.
Contudo, por ser um fato que reflete a estrutura como a sociedade e o seu meio estão organizados, compreendemos que o estudo sobre a pobreza necessita ser realizado à luz das transformações do espaço geográfico e das dinâmicas dos lugares em que se evidencia sua ocorrência (SANTOS, 1978). Nesta perspectiva, a Geografia tem contribuído com grande importância com um rico aporte teórico-metodológico (sistemas de conceitos e instrumentos analíticos operacionais) que busca compreender a questão da pobreza não como mero resultado das contradições do sistema de acumulação capitalista e da desigualdade social, mas também a partir do debate de como as condições geográficas dos lugares reforçam o aprofundamento da pobreza e impedem, muitas vezes, a construção de uma economia política que favoreça a construção de uma sociedade mais igualitária em termos de oportunidades, renda, consumo, cultura, educação etc.
Desta forma, o debate sobre a pobreza ganha complexidade ao integrarmos as leituras sobre a dinâmica dos lugares e dos seus cotidianos, bem como das ações políticas que estruturam o arranjo socioespacial. Daí que, como princípio de método, partimos do entendimento do espaço banal (SANTOS, 1999; 2000), enquanto categoria para a compreensão do lugar, do espaço geográfico. É no espaço banal, contido de ação e prática, de herança e presentificação dos eventos, que todos os agentes, hegemônicos e hegemonizados, transformam de forma conflitante a realidade. É no espaço banal que objetos (tecnosferas) e ações (psicosferas) se contradizem e se complementam hierárquica e solidariamente nos aconteceres cotidianos.
É com inspiração na (re)leitura das obras do geógrafo Milton Santos que o objetivo deste artigo é o de discutir teoricamente o problema da pobreza estrutural e sua manifestação nos espaços urbanos do Brasil, à luz de uma abordagem geográfica do fato. Para tanto, partimos de uma reflexão de alguns conceitos e categorias da Geografia que nos auxiliam a uma análise crítica da questão, especialmente nos contextos metropolitanos1.
Através de uma revisão da literatura, apresentamos algumas interpretações sobre as causas e dinâmicas da pobreza estrutural, bem como apontamos possíveis direcionamentos para se discutir e refletir sobre a problemática na formação socioespacial e nas metrópoles brasileiras. Assim sendo, o artigo aborda o quadro multifacetado da pobreza consentida como resultado de uma violência estrutural no território; retoma a atualidade da proposta e definições de pobreza debatidas por Milton Santos (tal qual a pobreza incluída, a pobreza marginal e a pobreza estrutural); e, por fim, mobilizada a necessidade de uma teoria social crítica para se interpretar geograficamente a pobreza estrutural-urbana no século XXI.
O QUADRO MULTIFACETADO DA POBREZA ESTRUTURAL
A pobreza é sentida, mas também pode ser coisificada, transformada em qualquer coisa, ela pode ser estereotipada. O caráter seletivo e modernizador do modo de produção capitalista faz com que o conjunto de infraestruturas, da situação da distribuição de renda, emprego e acesso não atinjam todas as pessoas e classes sociais de forma igualitária. É nas metrópoles, e sobretudo em suas áreas periféricas que a presença da pobreza se faz mais evidente. O olhar para o entorno, de dentro e de baixo nas áreas periféricas das metrópoles brasileiras, revela o planejamento desigual do fator local, onde ter dignidade à vida em alguns casos é um privilégio. Temos aqui a exposição de uma situação que nos faz refletir sobre a pobreza, seu processo formador e a sua atualidade. No período da globalização econômica, a pobreza está relacionada, conforme Cesaltina Abreu (2012, p. 97-98), à
“incapacidade de sustentar as suas necessidades básicas devido ao baixo rendimento, acrescem, nesta perspectiva, a falta de condições para viver uma vida mais longa, o não acesso às facilidades de educação e de saúde, a dificuldade em escapar a uma situação de sub ou mal nutrição crónica, o não acesso à água potável, a energia eléctrica, a condições de habitabilidade dignas e meio ambiente saudável, o não acesso à cultura e ao lazer, os quais resultam em desvantagens quase inultrapassáveis para competir no mercado de trabalho, e que, por sua vez, estão na base da reprodução do círculo vicioso da pobreza: sem trabalho nem rendimento, não existem condições objectivas nem subjectivas para acesso à educação e à saúde, mães sub ou mal nutridas e pouco escolarizadas ou analfabetas colocam no mundo mais crianças com desvantagens à nascença, que irão confrontar-se com os mesmos problemas, muitas vezes agravados, que os seus progenitores enfrentam e que não terão condições de as alterar em seu favor” (grifo nosso).
Na perspectiva da autora, em sua revisão da literatura, a noção de pobreza direciona-se à toda formação socioespacial onde há limites para se alcançar o bem-estar e o progresso social e, dessa forma, abrangendo os países subdesenvolvidos e desenvolvidos (mais nos primeiros). Os elementos citados naquilo que Abreu denomina como círculo vicioso da pobreza, nos permite compreender que é inviável configurar a pobreza a partir de índices, pois a pobreza se difere em cada lugar e combinada a “ausência de voz e de poder, é insegurança e ansiedade” (ABREU, 2012, p. 109). Para Cataia & Silva (2013, p. 58),
“considerando os aspectos apontados para a compreensão do funcionamento da urbanização dos países do Terceiro Mundo é fundamental reconhecer que esses cumprem papéis diferenciados na economia mundial. Não há inexistência de desenvolvimento na periferia, mas o próprio desenvolvimento é portador de uma contradição que autoriza também sua convivência com larga pobreza nesses países”.
Conforme os autores, é pelo motivo apresentado acima que há o princípio da dualidade, manifestando-se na organização do espaço, entre as áreas luminosas funcionais aos fluxos do capital e as áreas opacas (SANTOS, 1994b) funcionais à racionalidade dominante, sobretudo por compor as camadas empobrecidas da população. As mudanças no mercado de trabalho provocadas pelas crises do regime fordista levaram as transformações sociais que estão em curso desde a década de 1980. Assim, ao examinar a atual conjuntura na estrutura social e como essas mudanças afetam a espacialidade urbana, o paradigma da pós-industrialização é hegemônico.
“O mecanismo de dependência dos países periféricos no processo de incorporação ao sistema capitalista é em grande parte responsável pela situação de periferia do sistema” (CATAIA & SILVA, (2013, p. 58). Temos na relação de dependência técnica, científica e informacional dos países subdesenvolvidos em relação aos países desenvolvidos o ímpeto produtor da desigualdade e da pobreza. Daí falarmos, segundo Santos (2000), em pobreza estrutural globalizada para tratarmos do atual período.
Como nos explica Álvarez (2007, p. 80), essa forma de produção da pobreza “deve-se a forças não individuais nem contingentes, mas a processos sócio-históricos e estruturais [e sua] reprodução tem mais a ver com relações sociais antes conjunturais ou contextuais. Também é certo que, em sua produção, há distintos fatores que se conjugam: econômicos, políticos, sociais e culturais”. E também territoriais.
Para Cimadamore & Cattani (2007, p. 07) a “pobreza é o resultado da ação concreta de agentes e processos que atuam em contextos estruturais históricos de longo prazo”. Nesse sentido, pensando os países periféricos, e sobretudo os países latino-americanos, tem-se desde a formação territorial a estrutura seletiva e desigual na distribuição de bens por entre as sociedades e que “afeta todos os processos sociais, econômicos e políticos” (CATTANI, 2007, p. 214). Assim sendo, podemos falar também de uma reprodução da pobreza à medida que na lógica capitalista esse processo é intrínseco às desigualdades. Logo, até quando muitas vidas serão usurpadas para sustentar o modus operandi do capitalismo, tendo em vista apenas um produto interno e internacional bruto em curvas ascendentes?
Nos últimos anos, o Brasil, por exemplo, reconhece um aumento gradativo da população pobre, tendo se agravado entre os anos de 2019 e 2021. De acordo com o Relatório Mapa da Nova Pobreza2, publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população com renda domiciliar per capta de até R$ 497 mensais totaliza 62,9 milhões de brasileiros em 2021, representando 29,6% da população. Durante o período da pandemia do Coronoravírus (Covid-19), 9,6 milhões de pessoas passaram a viver em situação de pobreza.
Conforme mostra o gráfico da Figura 1, para fins de comparação, dentre as capitais destacadas, São Luís do Maranhão é uma das metrópoles com maior proporção de pobres no país, com 37,86% de sua população em 2021. O Estado do Maranhão figurava como a Unidade Federativa com a maior taxa de pessoas pobres, representando 57,9%, concentrados no Litoral e Baixada Maranhense, com 72,5%. Por sua vez, a metrópole paulistana possuía uma proporção de 17,46% de sua população em situação de pobreza. O Estado de São Paulo, por sua vez, apresentava 17,40%, estando entre as Unidades Federativas com menor taxa.
O tempo presente, e sem exageros, o tempo das metrópoles é embutido de uma violência estrutural (SANTOS, 2000). Para Santos (2000, p. 55),
“[...] a violência estrutural resulta da presença e das manifestações conjuntas, nessa era da globalização, do dinheiro em estado puro, da competitividade em estado puro e da potência em estado puro, cuja associação conduz à emergência de novos totalitarismos e permite pensar que vivemos numa época de globalitarismos muito mais que globalização. Paralelamente, evoluímos de situações em que a perversidade se manifestava de forma isolada para uma situação na qual se instala um sistema da perversidade, que, ao mesmo tempo, é resultado e causa da legitimação do dinheiro em estado puro, da competitividade em estado puro e da potência em estado puro, consagrando, afinal, o fim da ética e o fim da política”.
As metrópoles cada vez mais alinhadas à competitividade do mercado, do Estado neoliberal e do dinheiro são condicionadas pelo poder informacional e o exercício do medo. O medo se introjeta como um todo funcional desse conjunto estrutural da violência. Nas áreas periféricas a violência estrutural está no excesso de segurança cívico-militar, na negligência para melhores serviços na saúde, na ausência de educação com qualidade, na precarização do transporte coletivo, no desemprego, na pobreza, na fome por comida e informação. A pobreza, assim como a fome que a acompanha, “deixa de ser um fato isolado ou ocasional e passa a ser um dado generalizado e permanente” (SANTOS, 2000, p. 59).
A POBREZA E SUA ABORDAGEM NAS OBRAS DE MILTON SANTOS
A naturalização da pobreza é elemento funcional da violência estrutural, tanto pela perversidade capitalista quanto pelo esmaecimento da população. Nesse sentido, Santos (2000) apresenta três definições da pobreza: a pobreza incluída, a marginalidade e a pobreza estrutural.
A pobreza incluída é definida pelo autor como “uma pobreza acidental, às vezes residual ou sazonal, produzida em certos momentos do ano, uma pobreza intersticial e, sobretudo sem vasos comunicantes” (SANTOS, 2000, p. 69). Nessa forma de pobreza, a pontualidade da situação não era ainda regida pela racionalização do espaço, ou melhor dizendo, o processo de tecnificação dos lugares, até os anos 1930, ainda estava em processo na vida social.
A dinâmica territorial era pouco integrada no campo comunicacional e se dava de forma isolada, sendo que “as soluções ao problema eram privadas, assistencialistas, locais, e a pobreza era frequentemente apresentada como um acidente natural ou social. Em um mundo onde o consumo ainda não constituía um nexo social obrigatório, a pobreza era menos discriminatória. Daí poder-se falar de pobres incluídos” (SANTOS, 2000, p. 70).
Há a questão da marginalidade como forma-conteúdo da pobreza, “produzida pelo processo econômico da divisão do trabalho, internacional ou interna. Admitia-se que poderia ser corrigida, o que era buscado pelas mãos dos governos” (SANTOS, 2000, p. 69). A marginalidade é produto da socialização capitalista e ao mesmo instante, um edema social da sociedade urbano-industrial, entre uma classe caracterizada pelo consumo e a outra íntima da escassez.
O território nas condições apresentadas acima, experimenta a racionalidade de seus usos seletivos. “A ampliação do consumo ganha, assim, as condições materiais e psicológicas necessárias, dando à pobreza novos conteúdos e novas definições. Além da pobreza absoluta, cria-se e recria-se incessantemente uma pobreza relativa, que leva a classificar os indivíduos pela sua capacidade de consumir, e pela forma como o fazem” (SANTOS, 2000, p. 71).
Conforme Crespo & Gurovitz (2002, p. 04), a pobreza absoluta “se observa quando da fixação de padrões para o nível mínimo ou suficiente de necessidades, conhecido como linha ou limite da pobreza, determinando a percentagem da população que se encontra abaixo desse nível”. E a pobreza relativa “descrito como aquela situação em que o indivíduo, quando comparado a outros, tem menos de algum atributo desejado, seja renda, sejam condições favoráveis de emprego ou poder”. Sendo assim, a primeira associadas as necessidades básicas e a segunda, a sobrevivência cotidiana.
O mal da pobreza acaba recaindo-se sobre o pobre. Cria-se uma psicosfera, fundamentada em uma ideologia neoliberal, em que o pobre é o responsável pela situação de pobreza. “A pobreza contemporânea é multidimensional, cumulativa e transmissível. Ela tem raízes históricas, mas também é efeito da estrutura de poder” (CATTANI, 2007, p. 216). O Estado até então, negligente juntamente com a burguesia local, fundamenta no plano ideológico o aprofundamento da pobreza. Consolida-se as desigualdades e a exclusão, materializadas nas situações de marginalidade com o encortiçamento, a favelização e, por fim, a periferização galopante, sobretudo nas metrópoles3.
E deparamo-nos com uma definição da pobreza no/do tempo presente, transitória e turbulenta denominada pobreza estrutural globalizada. Para Santos (2000, 69) há uma “pobreza estrutural, que de um ponto de vista moral e político equivale a uma dívida social. Ela é estrutural e não mais local, nem mesmo nacional; torna-se globalizada, presente em toda a parte do mundo [...] Mas é também uma produção científica, portanto voluntária da dívida social”. Essa última definição de pobreza é contida de maior complexidade, devido a sua manifestação em escala globalizada. Cada vez mais, tecnosferas e psicosferas formam um conjunto deliberado na racionalização dos territórios, logo, doutrinando governos e governantes cada vez mais isentos de ações orientadas para as políticas de bem-estar social para o conjunto amplo da sociedade. O Estado corporificado pelas políticas de vertente neoliberal (HARVEY, 2005; DARDOT & LAVAL, 2016), como o que se apresenta no Brasil desde os anos 1990, reforçou o quadro funcional da violência estrutural ligado à pobreza.
Conforme afirma Santos (2000, p. 72), a “pobreza atual resulta da convergência de causas que se dão em diversos níveis, existindo como vasos comunicantes e como algo racional, um resultado necessário do presente processo, um fenômeno inevitável, considerado até mesmo um fato natural”. A pobreza é estrutural, pois é planejada e internalizada nos lugares. O convívio entre a pobreza e a riqueza; a escassez e a abundância; a privação e o acesso revelam as modernizações (SANTOS, 1988; SOUZA, 2000) sempre seletivas nas transformações do espaço banal4.
Já na pobreza marginal tem-se como certo as relações sociais de produção onde a questão de classe e a luta capital e trabalho impera, à medida que se expressa na condição da mão de obra urbana, onde vigora os assalariados industriais, o operariado. São marginais diante do processo econômico, como nos lembra Santos (2000, p. 71), e agora “o consumo se impõe como um dado importante, pois constitui o centro da explicação das diferenças e da percepção das situações”, no jogo entre a pobreza absoluta e a pobreza relativa definidas pelos efeitos da modernização (SANTOS, 1978) a considerar a geração de emprego e o desemprego acelerado5.
Esse regime de modernização é a forma-conteúdo do meio técnico-científico, produto da ciência nas etapas do processo produtivo, da universalização da produção intelectual, do capital, da aceleração contemporânea e do fluxo no deslocamento de mão de obra (SANTOS,1985; 1994a; 1996a; 2002 [1979]). Temos aqui a formação de uma urbanização tecnológica-industrial que seguiu uma nova lógica econômica no território, mesmo fundamentada na sua integração (espaços, bens e pessoas) interna, priorizou a expansão do consumo acelerado que atenderia uma produção extrovertida. A terciarização, a metropolização e a periferização da vida são processos concomitantes desse período e encontramos o que Lúcio Kowarick (2000), denominou como espoliação urbana6.
Vivenciamos, portanto, segundo Milton Santos (2000), uma produção científica, globalizada e voluntária da pobreza. Ela se faz permanente face à exclusão promovida pela menor participação do Estado numa concepção interligada à globalização econômica e aos órgãos de gerência dessa racionalidade, como os programas liderados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial (BM). “Atacam-se, funcionalmente, manifestações da pobreza, enquanto estruturalmente se cria a pobreza ao nível do mundo” (SANTOS, 2000, p. 73).
A escala da pobreza de hoje é planetária em decorrência da mundialização do capital e do correlato processo de transformação do meio técnico-científico em meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1994b; 1996a). Conforme Santos (2002 [1979], o “território passa a ser comandado a partir da capacidade de informação e são os fluxos de informação que são estruturadores do espaço”, de tal modo que os impactos são perceptíveis no rearranjo da divisão social do trabalho nas grandes cidades, onde os pobres estão concentrados criando uma territorialidade (multicultural) arraigada à novas formas econômicas e social de sobrevivências. O que podemos observar diante da pobreza estrutural é um acúmulo da dívida social herdada da pobreza incluída e da marginalidade resultando na exclusão. Na lógica neoliberal, recai sobre o indivíduo a “responsabilidade” por si mesmo, independente do lugar onde se vive. É como carregar a máscara de Flandres ao silenciar a legitimação da existência do ser do espaço, pois “deixa-se de ser pobre em um lugar para ser pobre em outro”. O desemprego, as más condições de habitação, saúde, educação e ausência de acesso ao direito pleno ao cidadão comum implicam diretamente na vida de quaisquer que sejam os indivíduos, que são constantemente violentados pela exclusão podendo eliminar em si a sua própria esperança7.
POR UMA TEORIA SOCIAL CRÍTICA PARA SE PENSAR GEOGRAFICAMENTE A POBREZA ESTRUTURAL-URBANA
Pensar e analisar a pobreza estrutural no período popular da história é refletir sobre a perspectiva da inclusão e sobre possíveis formas-conteúdo para se produzir a justiça socioespacial diante a desigualdade nos lugares. Conforme aponta Almeida (2019, p. 204) “a desigualdade é um dado permanente do capitalismo, que pode ser, a depender de circunstâncias históricas e arranjos políticos específicos, no máximo, maior ou menor”. E também referido por Ribeiro & Silva (2004, p. 348), a
“desigualdade manifesta-se na distância econômica entre aqueles que aprenderam a fazer da parcialidade sistematizada o Todo (presente e futuro) e aqueles que vivem as consequências deste fazer, nas partes ou fragmentos que lhes cabem na atual modernização, mais uma vez parcial e marginalizadora”.
Para Jessé Souza (2000, p. 267), a “desigualdade aparece como um resultado natural, muitas vezes percebido como fracasso próprio”. Não é novidade que as ações realizadas pelos Estados/governos nacionais para buscar “soluções” fossem engendradas pela atuação mínima e pela repressão de movimentos e organizações que reagissem às formas de desigualdade contidas na pobreza estrutural. Nesse sentido, as mudanças ocorrem e ocorrerão de “dentro” e pelos de baixo no tempo lento da vida cotidiana, e por isso vemos nos fundamentos e sentidos em manifestações, tais como, de movimentos feministas, coletivos LGBTQIAPN+, de organizações da Cultura Hip-Hop e do RAP (Rhythm and Poetry), dentre outros, a reivindicação e busca pela construção de uma sociedade mais justa.
Contudo, a exclusão como pobreza estrutural é um processo somatório da multiplicação de formas da violência estrutural. Está aí, portanto, o seu fator determinante. Logo, a sua disseminação pelo território nacional e local somente se realiza pela efetivação da noção de racionalidade. A maior presença do meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1996), se confunde com a formação socioespacial brasileira regida pela manifestação dessa racionalidade, em que as formas da pobreza existiam conjunturalmente.
Conforme nos apresenta Santos (1994b, p. 30), “o próprio espaço, o meio técnico-científico-[informacional], apresenta-se com idêntico conteúdo de racionalidade, graças a intencionalidade na escolha dos seus objetos, cuja localização, mais do que antes, é funcional para os desígnios dos atores sociais capazes de uma ação racional”. Se a pobreza é uma marca do capitalismo e se reforça com o neoliberalismo, ela é também um elemento que coexiste em diferentes períodos e espaços à medida que os novos meios técnicos adentram aos territórios para viabilizar estratégias de acumulação.
Na pobreza incluída (induzida), sem vasos comunicantes, relacionada a subsistência humana nos lugares, o consumo e o dinheiro pouco interferiam na vida social. “Tratava-se de sucessão sem continuidade, nem relação de dependência” (SANTOS, 1985, p. 54). A racionalização não era intencional, pois a presença das técnicas não era abrangente num período de uma urbanização ainda pretérita, cuja formação seguia as lógicas de práticas locais, subespaços com centralidades internas, mas sem maiores trocas entre os núcleos urbanos.
Tomando o exemplo das maiores cidades, conforme discute Milton Santos (1990, 1993), a pobreza se aprofunda em função da consolidação do processo da urbanização corporativa. Esta forma de urbanização produz objetos habitacionais barganhados por práticas clientelistas de governos que facilitam a ação de grandes empresas na gestão dos recursos públicos, como já analisado extensivamente por dissertações e teses em Geografia. Entre tantos elementos deste processo, destacamos, a partir de Santos (2005), duas vocações: uma simbólica e a outra mercantil. Na vocação simbólica tem-se a formação de uma psicosfera em torno da propriedade privada, da aquisição de bens, da revitalização urbana. Na vocação mercantil temos a concentração dos investimentos econômicos acima dos investimentos sociais, facilitando a ação de empreiteiras e construtoras.
Segue-se uma lógica dominante em que, segundo Milton Santos (1993, p. 123), o “próprio poder público torna-se criador privilegiado de escassez; estimula, assim, a especulação e fomenta a produção de espaços vazios dentro das cidades; incapaz de resolver o problema da habitação, empurra a maioria da população para as periferias”. Uma grande ação do poder público nesse contexto foi, por exemplo, a política desenhada para o Banco Nacional de Habitação (BNH) na década de 1970 - que acabou por atuar como agente especulador imobiliário, acentuando a periferização nas principais cidades brasileiras, como por exemplo, o caso da formação do bairro do Grajaú, em São Paulo-SP (MOYSÉS, 2023; SILVA, 2016). E vemos no século XXI, as relações urbanas em nosso território alinhadas a lógica neoliberal-global aprofundar a pobreza, fazendo da cidade uma empresa (ou a cidade domo um negócio). Segundo Carlos Vainer (2000, p. 86), a cidade-empresa
“significa, essencialmente, concebê-la e instaurá-la como agente econômico que atua no contexto de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo do planejamento e execução de suas ações. Agir estrategicamente, agir empresarialmente significa, antes de mais nada, ter como horizonte o mercado, tomar decisões a partir das informações e expectativas geradas no e pelo mercado. É o próprio sentido do plano, e não mais apenas seus princípios abstratos, que vem do mundo da empresa privada”.
Neste contexto, a cidadania passa a ser tratada como um negócio, atrofiando-se as leis constitucionais, impossibilitando ainda mais o acesso e o direito à cidade aos pobres. Nessas condições, nas cidades, sobretudo nas metrópoles, os planejadores e gestores urbanos visam encarar a pobreza exterminando o sentido da vida (existência) dos pobres.
É necessário encarar a pobreza estrutural como um evento. De acordo com Santos (1985, p. 36) os “eventos à escala mundial, sejam os de hoje ou os de ontem, contribuem mais para os atendimentos dos subespaços que os fenômenos sociais”. Por consequência, a pobreza estrutural ao mesmo tempo que é um fenômeno e, também um problema social tornar-se um evento ao ser planejado, portanto, portadora de uma ação intencional, conforme a racionalidade que comandará a produção, a organização e a regulação dos territórios.
A acumulação capitalista adota, em diferentes períodos, modelos de planejamento do território, e com ele, formas de conduzir e, sem demagogia, alienar a população e também o território (CATAIA, 2001). Isso ocorre com a violência funcional de medidas de empobrecimento da população, condicionadas ao consumo de bens alienantes, isentos do acesso aos direitos sociais. Tem-se a falsificação da eliminação da pobreza que a todo o momento é planejada. “Este planejamento antecipa um remédio para a pobreza: a melhoria do nível de consumo assim como da produtividade do setor pobre da economia” (SANTOS, 2003, [1979]).
A questão da pobreza, uma violência funcional do capitalismo, é tecida com outras formas de violências, cujos conteúdos estão entremeados. Se como vemos a dimensão política de planejadores territoriais e urbanos, alinhados aos discursos dos meios de comunicação de massa com a máxima de que, a pobreza deve ser eliminada pela eliminação dos pobres. Daí que na cidade do capital, uma cidade-empresa, imperam “as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte”, sendo essa a concepção da necropolítica, como bem afirma Achille Mbembe (2016, p. 146). E para além, os efeitos do planejamento da pobreza refletem diretamente na condição psicossocial como a humilhação e a vergonha, enquanto “ações e sentimentos vivenciados cotidianamente pelas pessoas nessa condição” (ESTANISLAU & XIMENES, 2016, p. 130).8 Todas essas perniciosidades decorrem da violência estrutural.
Segundo Santos (2000, p. 61, grifo nosso),
“o triunfo das novas virtudes pragmáticas, o ideal de democracia plena é substituído pela construção de uma democracia de mercado, na qual a distribuição do poder é tributária da realização dos fins últimos do próprio sistema globalitário [globalização totalitária]. Estas são as razões pelas quais a vida normal de todos os dias está sujeita a uma violência estrutural que, aliás, é a mãe de todas as outras violências” (grifo nosso).
Como sabemos, “a pobreza expressa-se materialmente nas cidades por meio de padrões extremamente precários de ocupação territorial” (ÁLVAREZ, 2007, p. 98). Isso só reforça a pobreza que é a nosso ver estrutural-urbana, pois incide com veemência sobre as áreas urbanizadas, local onde se concentram a maior parte da população que convive de forma perversa com o desemprego, os baixos níveis de renda, precários equipamentos culturais, e a ausência das políticas públicas do Estado, e também onde a desigualdade e dependência são dramáticas ao atingirem, todavia, no caso brasileiro, a população preta e periférica.
Temos que ver que a pobreza estrutural-urbana é reflexo do modo de vida urbano capitalista, onde se reproduz as relações desiguais do mercado e do Estado, bem como a sua divisão territorial do trabalho que reconfiguram a sociedade e o planejamento da cidade, seja pela imposição de normativas ou a resistência diante a escassez (MESTRE, 2015; RIZZATTI, 2020). “A pobreza é estrutural e não residual. Ela aumenta à medida que a cidade cresce” (SANTOS, 1990, p. 15).
Percebe-se a pobreza como uma dívida social na produção do espaço urbano. Conforme Silvio Almeida (2019, p. 206), “chama-se de austeridade fiscal os cortes da fonte de financiamento dos direitos sociais a fim de transferir parte do orçamento público para o setor financeiro privado por meio dos juros da dívida pública” que do ponto de vista político, também é uma dívida social.
Temos que discutir os “aspectos da pobreza ligados diretamente à urbanização” (SANTOS, 2013, [1978], p. 78)”, tendo como base para esta pesquisa variáveis analíticas que nos permitam não definir, mas ajudar a compreender esse fenômeno, apresentado aqui por três variáveis, sendo elas: infraestrutura (habitação e saneamento), trabalho (rendimento, desemprego e estrutura etária), e o acesso aos serviços (educação e saúde) A ausência dessas variáveis para boa parte da população demonstra a falta de oportunidades e a dimensão do tamanho da pobreza estrutural-urbana de determinado município ou região metropolitana.
A escolha de variáveis e das formas de tratamento quantitativo e qualitativo para os estudos sobre a pobreza estrutural-urbana é, todavia, uma tarefa desafiadora. Como elucida Fernando Silva (2017, p. 30), trata-se, pois, de um exercício constante de situar elementos “dentro da dinâmica de cada período e em cada contexto regional, pois sem essa atualização ficamos sem saber o peso de cada variável na definição de uma situação de pobreza, o que, no limite, impossibilita fazer comparações entre diferentes períodos”.
Uma questão a ser pensada é que a ascensão socioespacial requer melhores condições de renda, habitação e vida digna com direito de escolha para as oportunidades. É um grande equívoco pautar a ascensão socioespacial pelo consumo de bens (constantemente reverberado pelos meios de comunicação de massa), sobretudo aqueles ordenados pelos sistemas de produção hegemônicos. Hélio de Almeida (1982, p. 32), sinalizava para essa questão, pois conforme o autor “as causas intrinsecamente urbanas de geração de pobreza (que se recicla sobre si mesma) têm possibilidade de tratamento adequado, senão eliminando de vez, pelo menos minorando sobremaneira o problema econômico e de reorganização desses espaços”.
É por isso que políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família9, apesar de sanar necessidades imediatas dos indivíduos, não resulta, sozinha, em emancipação socioeconômica da população mais pobre, dependendo disto um conjunto de outras políticas de inclusão e cidadania para superar os níveis de pobreza, como saneamento básico, sistema de saúde pública, moradia popular, acesso à educação básica e superior de qualidade, emprego, salário-mínimo adequado, entre outras. O grande desmaio da população (a considerar a classe média e os pobres) se dá na relação dos consumidores mais que perfeitos (SANTOS, 1988) isentos de direitos no exercício da cidadania. Por isso, tem-se a necessidade da população de reconhecer a sua existência, legitimar a sua essência e dar razão a sua tomada de consciência.
Tendo em vista o nosso ponto de vista, é elementar ressaltar a proposta de Milton Santos sobre findar o consumismo ao afirmar que “a fim de eliminar sua dominação, advogamos a causa da mudança nos objetivos da produção, isto é, da própria estrutura de produção (SANTOS, 2013, [1978], p. 84)”. E como propõe Abdias Nascimento (1980, p. 75), temos que configurar os quilombismos10 “na experiência africana, no sentido de oportunidade [e] considerar inimigos todos aqueles que, mesmo inconscientes, clamam por uma modernidade”.
Para o nosso ponto de vista, ensejamos a liberdade dos sujeitos e a autonomia do ser nos lugares. A condição da pobreza estrutural-urbana, uma forma de violência planejada requer a sua superação. Paulo Freire (1987, p. 35), nos lembra que
“esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente idealistas. Se se faz indispensável aos oprimidos, para a luta por sua libertação, que a realidade concreta de opressão já não seja para eles uma espécie de “mundo fechado” (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é fundamental, então, que, ao reconhecerem o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora”.
É também, a partir da modernidade, conforme Ana Clara Torres Ribeiro (2012, p. 87), que as pessoas “pleiteiam mais igualdade, mais condições e mais cidadania [pois] Nós temos uma tradição da modernidade”. E, como sinaliza Santos (1979b [2002], p. 178), “o problema da igualdade é inseparável de uma organização espacial adequada, baseado numa estrutura de produção adequada”. Os grandes questionamentos são: como superar a pobreza estrutural-urbana diante a racionalidade seletiva e espacial hegemônica? Até quando o espaço dos pobres será um espaço vivido pelas injustiças e a exclusão?
CONCLUSÃO
O que há de mais instigante na problemática da pobreza são mais do que perguntas, mas sim, reflexões para investigações futuras no acompanhamento dinâmica da realidade. A teoria proposta por Milton Santos revela-se enquanto potencial para se compreender os fenômenos da pobreza. A dimensão da materialização da pobreza estrutural-urbana reflete na carência de algumas esferas da vida material, e também na condição emocional das pessoas. Por isso, não podemos descartar a análise do conjunto de ausências como de oportunidades, de felicidade, de acesso, de informação, de direitos sociais e espaciais, discutidos e apresentados neste artigo. Nesse sentido, a ideia de dimensão atribui valor conotativo, não necessariamente relacionado a ausência de bens materiais e de consumo destinado a renda e/ou as infraestruturas urbanas.
Vemos que o crescimento acelerado das metrópoles acompanha historicamente a integração do território nacional atendendo a demanda dos circuitos produtivos internos e externos e desintegrando a sociabilidade interna. Nessa via, intensifica-se o acúmulo e a concentração de capital, ao mesmo tempo, aumenta-se o fluxo migratório de pessoas nos pontos mais extremos onde a pobreza é mais profunda, assim como a manutenção da vida. E no modo da urbanização, cujos investimentos se concretizam para a maior fluidez do capital em detrimento dos investimentos sociais à população.
Tão necessário é o conhecimento da pobreza estrutural-urbana, e sobretudo a sua experiência, pois a conduz para a tomada de consciência. A pobreza estrutural-urbana pode estar direcionada para um debate qualitativo (e não somente no âmbito quantitativo) sobre a falta de dignidade humana, para buscar reconhecer a legitimidade da existência nos lugares. Por isso, viver, sentir e coexistir leva ao processo de autoconhecimento e a organização dos sujeitos a transformar suas realidades locais e a vida coletiva (família, trabalho, escolas, templos religiosos, sindicatos, ONGs, etc), especialmente no contexto das metrópoles e em suas áreas periféricas (favelas e quebradas) como possibilidade de descortinar o período atual.
NOTAS
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1
Este trabalho foi originado a partir das discussões apresentadas na tese de Doutorado intitulada“Espaço banal e essência cotidiana: ações contrarracionais do RAP pela superação da pobreza estrutural-urbana em São Paulo-SP e São Luís-MA”, defendida no Instituto de Geociência da Unicamp em novembro de 2023, e que tratou de analisar como o circuito musical RAP (Rhythm and Poetry) tornou-se um importante fator de contrarracionalidade e resistência cultural crítica da população ao contexto da pobreza estrutural-urbana, sobretudo nas grandes metrópoles.
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2
FUNDAÇÃO Getúlio Vargas - FGV. Mapa da nova pobreza: Estudo revela que 29,6% dosbrasileiros têm renda familiar inferior a R$ 497 mensais. FGV, 18 de julho de 2022. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/mapa-nova-pobreza-estudo-revela-296-brasileiros-tem-renda-familiar-inferi or-r-497-mensais
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3
Procuramos tomar o devido cuidado nesta abordagem para não transparecer que a pobrezaestrutural é apenas um fato das metrópoles, pois também há ocorrência nas cidades pequenas e médias, assim como nos espaços rurais. No entanto, o nosso foco mira para as questões das metrópoles.
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4
Segundo Santos (1988, p. 48) “Os resultados estão numa estreita relação com os interesses dosistema em escala mundial e também em escala local, regional ou nacional. Através disto podemos, talvez, explicar as assim chamadas diferenças do desenvolvimento”. Além do mais, de acordo com Souza (2000, p. 260) essa modernização seletiva se agrava como “resultado de um processo de fragmentação de consciência que atinge, com virulência, nossas classes subalternas”.
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5
S Ressalta Santos (1978, p. 43), o “progresso técnico atual muda profundamente a composiçãotécnica do capital e reduz rápida e drasticamente a demanda de mão de obra, principalmente nos setores mais afetados pela modernização. Se a clássica ideia de um exercício industrial de reserva não for modificada, levando em conta novas realidades, perderá o sentido quando aplicada a países subdesenvolvidos”.
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6
De acordo com Kowarick (2000, p. 107), a espoliação urbana refere-se “à ausência ouprecariedade de serviços de consumo coletivo que, junto com o acesso à terra, se mostra socialmente necessário à reprodução urbana dos trabalhadores”.
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7
A gravidade da questão se aprofunda quando “o sentimento de injustiça não é articulado, elepermanece um sentimento indeterminado, um mal-estar, que pode resultar em protestos pré-políticos de extraordinária violência como quebradeiras, arrastões ou a pura e simples violência criminosa” (SOUZA, 2000, p. 267).
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8
Em contrapartida, as autoras demonstram que “a compreensão de que, não obstante asexperiências de humilhação e o desenvolvimento de um indivíduo marcado pelo sentimento de vergonha, a escuta e o acolhimento podem fortalecer a potência de vida. Essa é uma capacidade de evolução, que gera resistência, criatividade para enfrentar os dissabores, e que anseia pela expressão. A potência de vida é também carregada de afetos à espera de uma relação autêntica de confiança e de respeito” (ESTANISLAU & XIMENES, 2016, p. 144).
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9
O Programa Bolsa Família (PBF), é um programa de transferência de renda do Brasil, foiimplantado em 2003, no 1º mandato de Luiz Inácio "Lula" da Silva, e extinto em 2021 no governo de Jair Messias Bolsonaro. O programa é relançado pelo Governo Federal em 2 de março de 2023, com o retorno de Lula à presidência. O programa compreende, as políticas que realizam transferências monetárias para pessoas que não contribuíram de forma direta para algum fundo, mesmo que elas estejam capacitadas fisicamente para vender sua força de trabalho (SILVA, 2007, p. 27). Sua ação é semelhante as políticas do Bem-estar social originada nos países centrais do capitalismo na década de 1970 em decorrência das falências múltiplas do neoliberalismo.
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10
Tese escrita na década de 1980 por Abdias Nascimento, senador, deputado, dramaturgo,pintor e escritor pela República. Para fundamentar uma proposta de mobilização política da população afrodescendente nas Américas com base na sua própria experiência histórica e cultural, o Quilombismo sugere utilizar esta herança. Vai ainda mais longe, delineando uma visão afro-brasileira para o Estado nacional moderno - um Brasil multicultural e multiétnico.
REFERÊNCIAS
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Editores Responsáveis
Alexandra Maria OliveiraAlexandre Queiroz Pereira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
25 Jan 2024 -
Aceito
01 Mar 2024 -
Publicado
10 Abr 2024