Resumo
O artigo analisa dimensões sociológicas que intervêm no processo decisório para o aborto a partir de uma pesquisa antropológica sobre trajetórias afetivo-sexual, contraceptiva e reprodutiva de mulheres e homens, de diferentes classes sociais e gerações, no Rio de Janeiro, Brasil. Neste texto, explora-se as narrativas presentes em 15 entrevistas em profundidade com homens de 40-49 anos sobre a gravidez e o aborto voluntário das parceiras. Salientamos dois argumentos: 1) a centralidade do gênero e da inserção de classe na determinação dos comportamentos masculinos em relação ao aborto; 2) a externalidade masculina ao evento como traço estruturante de gênero, em distintas gerações. Produzir inflexões analíticas para compreensão dos modos relacionais que engendram decisões reprodutivas no âmbito da conjugalidade ou fora dela lança luz sobre as muitas dificuldades que cercam o abortamento em geral e o papel masculino nesse tensionado cenário.
Palavras-chaves:
aborto; homens; gênero e saúde; sexualidade; anticoncepção
Resumen
El artículo analiza dimensiones sociológicas que intervienen en el proceso decisorio para el aborto a partir de una investigación antropológica sobre trayectorias afectivo-sexual, anticonceptiva y reproductiva de mujeres y hombres, de diferentes clases sociales y generaciones, en Río de Janeiro, Brasil. En este texto, se exploran las narrativas presentes en 15 entrevistas a profundidad con hombres de 40-49 años sobre el embarazo y el aborto voluntario de las parejas. Enfatizamos en dos argumentos: 1) la centralidad del género y de la inserción de clase en la determinación de los comportamientos masculinos en relación al aborto; 2) la externalidad masculina al evento como trazo estructurante del género, en distintas generaciones. Producir inflexiones analíticas para la comprensión de los modos relacionales que engendran decisiones reproductivas en el ámbito de la conyugalidad o fuera de ella lanza luz sobre las muchas dificultades que cercan el aborto en general y el papel masculino en ese tensionado escenario.
Palabras claves:
aborto; hombres; género y salud; sexualidad; anticoncepción
Abstract
This paper analyses sociological dimensions influencing the abortion decision-making process, drawing on a larger anthropological study of the affective-sexual, contraceptive and reproductive trajectories of women and men, of different social classes and generations in Rio de Janeiro, Brazil. We explore 15 in-depth interviews with men aged 40-49 about their partners’ pregnancy and voluntary abortion. Two arguments are discussed: (1) the crucial role of gender and class position in determining male behaviors with regard to abortion by a partner; 2) men´s externality in relation to the event as a gender-structuring trait in different generations. Producing analytical reflections to understand how relational ways influence reproductive decisions in the context of conjugality or outside it sheds light on many difficulties that surround abortion in general and the male role in this tensioned scenario.
Key-words:
abortion; men; gender and health; sexuality; contraception
Introdução
Cotejar a perspectiva masculina ao falar de aborto responde ao esforço teórico e metodológico de pensar eventos reprodutivos em uma dimensão relacional. Recentemente, no âmbito da pesquisa que subsidia este artigo, empreendemos uma primeira abordagem sobre a participação masculina frente ao aborto voluntário a partir das experiências de homens jovens, de 18 a 27 anos (Brandão et al., 2020BRANDÃO, Elaine R.; CABRAL, Cristiane S.; AZIZE, Rogerio L.; HEILBORN, Maria L. 2020. “Homens jovens e aborto: a perspectiva masculina face à gravidez imprevista”. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 1), e00187218. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00187218
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). Agora, imbuídos da reflexão comparativa, ainda que de forma tangencial/em perspectiva, debruçamo-nos a pensar sobre a experiência dos homens mais velhos, de 40 a 49 anos, e o que tal material empírico pode iluminar sobre a compreensão mais ampla sobre os homens neste evento.
A defesa da autonomia das mulheres na decisão sobre o destino de uma gravidez não é incoerente com o esforço de compreender como os homens pensam e vivenciam o aborto. Ao contrário, se tomamos os desfechos em torno de uma gestação como um processo decisório que envolve a dimensão relacional, considerando a ilegalidade desta prática no país (Diniz et al., 2017DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO Alberto. 2017. “Pesquisa Nacional de Aborto 2016”. Ciênc. Saúde Coletiva. Vol. 22, no 2, p. 653-660.), importa refletir sobre a participação dos homens neste contexto, ainda que ela seja marcada muitas vezes por diferentes formas de externalidade. Assim como a contracepção, também a gravidez imprevista e o aborto não se referem exclusivamente a “assuntos de mulheres”. Elucidar o lugar social dos homens nestes processos demarcados pela posição de classe auxilia a desvendar dinâmicas de gênero que se perpetuam em diferentes gerações, ainda que com modos sutis de distinção.
A pesquisa Heterossexualidade, contracepção e aborto (HEXCA) foi realizada entre 2007-2010, em quatro capitais metropolitanas de países da América do Sul, Buenos Aires, Argentina (Petracci et al., 2012PETRACCI, Mónica; PECHENY, Mario; MATTIOLI, Maria; CAPRIATI, Alejandro. 2012. “El aborto en las trayectorias de mujeres y varones de la ciudad de Buenos Aires”. Sexualidad, Salud y Sociedad . nº 12, p.164-197.), Bogotá, Colômbia (Vigoya et al., 2012VIGOYA, Mara Viveros; NAVIA, Ángela Facundo. 2012. “El lugar de las masculinidades em la decicion del aborto”. Sexualidad, Salud y Sociedad . nº 12, p.135-163.), Montevideo, Uruguai (Rostagnol, 2012ROSTAGNOL, Susana. 2012. “De la maternidade elegida a no ser madre (por ahora): anticoncepción y vida de las mujeres”. Sexualidad, Salud y Sociedad . nº 12, p.198-223.) e Rio de Janeiro, Brasil (Heilborn et al., 2012aHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012a. “Gravidez imprevista e aborto no Rio de Janeiro, Brasil: gênero e geração nos processos decisórios”. Sexualidad, Salud y Sociedad. nº 12, p. 224-257.), com a coordenação do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), sediado no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ). Este artigo pondera as dimensões sociológicas que intervêm no processo decisório para o aborto, ou seja, posições de gênero, classe social e geração a partir da análise das trajetórias afetivo-sexual, contraceptiva e reprodutiva de homens com 40-49 anos, residentes no Rio de Janeiro, Brasil.
Sem dúvida, tomar a narrativa masculina sobre o aborto implica lidar com um evento, em princípio, periférico. Esta dimensão externa pode ser produzida de forma voluntária, mas também por terem sido excluídos do cenário pelas mulheres. O fato da gestação ocorrer no corpo feminino os torna, no limite, coadjuvantes em qualquer processo decisório quanto aos possíveis desfechos de uma gravidez. O discurso possível é sobre aquilo que se passa no corpo do outro, da mulher. Ainda assim, a compreensão das condições sociais que cercam uma gravidez tenha sido levada a termo ou interrompida ganha em qualidade se considerarmos seu caráter relacional e a voz masculina na produção de circunstâncias específicas de apoio, de constrangimentos ou de absoluta externalidade ao evento.
A partir do material empírico sobre a perspectiva masculina diante da gravidez imprevista e a tomada de decisão pelo aborto, entre homens que contavam 40 a 49 anos no momento da entrevista, de camadas médias e populares, residentes no Rio de Janeiro, discutem-se dois argumentos: 1) a centralidade do gênero e da inserção de classe na determinação dos comportamentos masculinos em relação ao aborto da parceira, quando comparadas à dimensão geracional; 2) a externalidade masculina ao evento como traço estruturante de gênero, em distintas gerações, embora tal posição se expresse de modos diferenciais entre homens mais jovens e mais velhos.
Método
Trata-se de um estudo socioantropológico, em que foram realizadas entrevistas biográficas, a partir de roteiro que abordava os seguintes aspectos: dados sociodemográficos, origem e composição familiar; trajetória escolar e de trabalho; trajetória afetivo-sexual; práticas contraceptivas; eventos de gravidez e aborto. No Brasil, a pesquisa foi desenvolvida na região metropolitana do Rio de Janeiro, entre 2007-2010 (Heilborn et al., 2012aHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012a. “Gravidez imprevista e aborto no Rio de Janeiro, Brasil: gênero e geração nos processos decisórios”. Sexualidad, Salud y Sociedad. nº 12, p. 224-257.). Apesar do decurso temporal desde a realização deste estudo, permanecem o vigor e a atualidade do material empírico trazido neste artigo, seja pelas discussões analíticas que ele possibilita, pela permanência do contexto de ilegalidade do aborto no país, ou ainda, das normatividades de gênero estruturantes das relações heterossexuais.
A aposta em incluir os homens em uma investigação sobre aborto trouxe algumas surpresas iniciais. Encontrar homens que aceitassem participar do estudo foi tarefa árdua, pois havia um estranhamento a respeito desta inclusão. Ouvimos de homens e mulheres a interrogação: “mas homens passam por situação de aborto?”. Superado o estranhamento inicial, alguns se mostraram dispostos a longas entrevistas, conduzidas em sua maioria, nesta geração, por pesquisadores também homens, nas quais os abortos não eram centrais na biografia, mas cercados por relações sexuais e afetivas, escolhas anticonceptivas, paternidade, fases da vida, desconhecimento e questões que atravessavam pertencimentos de classe, raça/cor, idade, religião.
Os participantes compõem um conjunto de 58 pessoas entrevistadas (30 mulheres e 28 homens), selecionados por critério de cotas segundo inserção social (classes médias e populares), sexo e faixa etária, e com a experiência de pelo menos uma interrupção de gravidez em suas biografias. Tendo em vista o objetivo de contemplar distintas gerações, os participantes do estudo deveriam estar no início da carreira sexual (com idade entre 18-27 anos) ou no término do período reprodutivo (a referência eram mulheres entre 40-49 anos). A decisão em entrevistar os homens nessa faixa etária (40-49) possibilitava o contraste comparativo e a dimensão relacional. Com esse desenho metodológico, intencionávamos conhecer o modo como decisões reprodutivas são tomadas no âmbito do par heterossexual em diferentes momentos de vida de mulheres e homens, na juventude e maturidade, e sob quais circunstâncias sociais: com maior ou menor interferência de familiares e/ou pares, em momentos de estudo ou trabalho, dentro e fora da conjugalidade, com filhos anteriores ou não, com maior ou menor estabilidade profissional, maior ou menor autonomia em relação à família de origem, entre outras dimensões das trajetórias biográficas que se alteram ao longo da vida e são decisivas para entrada ou não na parentalidade (Bajos et al., 2002BAJOS, N; FERRAND, M; equipe Giné. 2002. De la contraception à l’arvotement: sociologie des grossesses non prévues. Paris: INSERM.).
Os participantes foram selecionados a partir de redes informais de sociabilidade. A complexidade que o tema comporta, aliado ao contexto de ilegalidade para a prática do aborto no país, dificultaram sobremaneira o trabalho de campo (Menezes, Aquino, 2009MENEZES, Greice; AQUINO, Estela M. L. 2009. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad. Saúde Pública . V. 25, suppl. 2, s193-s204.; Cabral; Heilborn, 2014CABRAL, Cristiane S.; HEILBORN, Maria L. 2014. “Pesquisa qualitativa sobre aborto: aportes sociológicos para a saúde pública”. In: ARILHA, Margareth; LAGO, Tania (org.) Cairo +20 e políticas públicas no Brasil: consolidando e ampliando direitos. São Paulo: Oficina Editorial. p. 55-86.; Domingues et al., 2020DOMINGUES, Rosa; FONSECA, Sandra; LEAL, Maria C.; AQUINO, Estela; MENEZES, Greice. 2020. “Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018”. Cadernos de Saúde Pública , 36(Supl. 1), e00190418. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00190418
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). Houve maior resistência dos homens em conceder entrevista. Como apontamos ao analisar a experiência masculina juvenil (Brandão et al., 2020BRANDÃO, Elaine R.; CABRAL, Cristiane S.; AZIZE, Rogerio L.; HEILBORN, Maria L. 2020. “Homens jovens e aborto: a perspectiva masculina face à gravidez imprevista”. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 1), e00187218. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00187218
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), o assunto era considerado estritamente feminino, e muitos homens afirmavam que a questão não lhes dizia respeito ou era um tema sobre o qual não teriam o que dizer. A recusa em participar era justificada pela incerteza sobre a autoria da progenitura; dúvidas quanto à “realidade” da gestação; ciência da gravidez somente após a ocorrência do aborto e, portanto, não tinha detalhes a oferecer; dúvidas quanto à forma com que a gestação havia se encerrado (se aborto espontâneo ou provocado).
As entrevistas foram realizadas em locais reservados, assegurando-se total privacidade ao encontro. Os depoimentos, todos gravados, tiveram duas horas de duração em média. Os pesquisadores tinham idade próxima às dos informantes e com treinamento/formação na área de ciências sociais. O anonimato dos testemunhos está assegurado com o uso de codinomes ao longo do manuscrito.
Este artigo aborda as narrativas dos homens sobre os episódios de aborto vivenciados em suas trajetórias. Este grupo totaliza 15 participantes, com idade entre 40 e 49 anos na época da entrevista; nove deles são de camadas populares e seis de camadas médias. Na análise do material empírico, as premissas teórico-metodológicas que guiaram a investigação foram: perspectiva biográfica com abordagem retrospectiva das trajetórias sexuais, contraceptivas e reprodutivas; perspectiva de gênero e geracional, combinadas com a estratificação dos sujeitos por classe social; concepção do aborto como evento reprodutivo atinente ao exercício da sexualidade e da contracepção entre o casal. O tipo de parceria amorosa (ocasional ou com vínculo entre o par) e elementos como circunstâncias materiais, dimensão intersubjetiva e sociocultural do processo de decisão, que comumente inclui familiares e amigo/as dos envolvidos, também foram considerados na análise.
A análise do conjunto do material empírico permite afirmar que a posição de gênero e de classe social são mais estruturantes que a de geração nas questões sobre aborto nas narrativas masculinas. Espera-se demonstrar, a partir dos dados empíricos dos homens mais velhos, e cotejando a análise realizada para o conjunto dos homens jovens (Brandão et al., 2020BRANDÃO, Elaine R.; CABRAL, Cristiane S.; AZIZE, Rogerio L.; HEILBORN, Maria L. 2020. “Homens jovens e aborto: a perspectiva masculina face à gravidez imprevista”. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 1), e00187218. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00187218
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), que a condição de certa externalidade ao aborto é estruturante da participação masculina no evento, independentemente da geração. Além disso, evidencia-se que homens de camadas populares invariavelmente são pais quando jovens, situação comum aos entrevistados entre 18-27 ou 40-49 anos, o que corrobora a paternidade nesta classe social como um atributo de distinção das masculinidades (Costa, 2002COSTA, Rosely G. 2002. “Reprodução e gênero: paternidades, masculinidades e teorias da concepção”. Rev. Estud. Fem. V.10, nº 2, p. 339-356.; Cabral, 2003CABRAL, Cristiane S. 2003. “Contracepção e gravidez na adolescência na perspectiva de jovens pais de uma comunidade favelada do Rio de Janeiro”. Cad. Saúde Pública. V.19, nº2, s283-s292.; Figueroa-Perea, 2004FIGUEROA-PEREA, Juan Guilhermo. 2004. “La representación social de los varones en estudios sobre masculinidades y reproducción: un muestrario de reflexiones”. In: MEDRADO B. et al. (eds.). Homens: tempos, práticas e vozes. Recife (PE): Instituto Papai/Fages/Nepo/Pegapacapá. p. 22-38.). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMS/UERJ em 2007 (CAAE - 0005.0.259.000-07); o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado por todos os informantes.
Resultados e Discussão
Perfil dos entrevistados
Foram entrevistados 15 homens com idades entre 40 e 49 anos, nove de camadas populares (CP) e seis de camadas médias (CM), com ao menos um episódio de interrupção da gravidez em suas biografias. Um conjunto variado de indicadores como renda, local de moradia e escolaridade atingida auxiliaram a classificar os informantes segundo inserção social. Elementos como local de residência e grau de escolaridade são fatores centrais na configuração de determinado ethos e visão de mundo que caracterizam os pertencimentos sociais, sobretudo em informantes de uma dada geração que não foram atingidos pela onda de expansão e democratização do nível superior de educação, ocorrida no início dos anos 2000 no Brasil (Brasil, 2001BRASIL. Lei n. 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do União, Brasília, DF, 09 jan. 2001. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10172.htm . Acesso em: 25/03/2019.
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; 2005BRASIL. MEC. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos - ProUni, regula a doação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei n. 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. 2004 Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/L11096.htm . Acesso em: 25/03/2019.
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; Barros, 2015BARROS, Aparecida S. X. 2015. “Expansão da educação superior no Brasil: limites e possibilidades”. Educ. Soc. V. 36, nº 131, p.361-390.).
Aliás, a escolaridade é um aspecto crucial para (re)afirmar a existência do abismo entre classes sociais no Brasil: entre os seis homens de classe média entrevistados, cinco possuem nível superior e um deles tem pós-graduação. A trajetória escolar dos nove homens de classes populares é muito mais errática: dois têm o fundamental completo; três, o médio incompleto; dois, o médio completo; dois, o nível superior (sendo um incompleto). Os informantes de estratos populares com até nível médio incompleto exercem as seguintes atividades: polidor de mármore, serviços gerais em hospital, dedetizador, porteiro e vigilante. Aqueles com nível médio completo trabalham como corretor de seguros (desempregado no momento da entrevista) e caminhoneiro. Há um auxiliar administrativo que atua em organização não-governamental, com nível superior incompleto, e um técnico-administrativo em universidade pública, com nível superior (formado tardiamente em Letras, não exerce a profissão). Os homens de classe média atuam como professores universitários (dois), administrador de empresa, designer, jornalista, e designer de jóias (único com superior incompleto).
Entre os homens de classes populares, cinco são pretos, dois pardos e dois brancos; os de inserção social média, cinco são brancos e um pardo (auto-classificações segundo categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - branca, preta, parda, amarela e indígena). A maior parte dos entrevistados (11) é natural do estado do Rio de Janeiro, três vêm da região nordeste do país, e um de Minas Gerais, no sudeste. Cinco declaram não professar nenhuma religião; cinco se declaram católicos; três são protestantes e um espírita, todos de classes populares; há um judeu, de classe média.
No que se refere ao padrão de conjugalidade, entre os homens de classes populares, a imensa maioria (8) declara viver com alguém; apenas um se diz separado. O padrão encontrado entre os homens de classe média difere neste aspecto: dois vivem com alguém, três são separados e um é solteiro.
Há um total de 46 gestações nos relatos de homens de camadas populares: o número de abortos provocados (16) é menor do que a quantidade de gestações que foram levadas a termo (29). Entre os homens de camadas médias, a razão se inverte: são relatadas 18 gestações, sendo que o número de abortos provocados (11) supera o de nascidos vivos (7). Essa diferença numérica quanto ao tipo de desfecho dos eventos reprodutivos entre os homens de camadas populares nos faz supor que possíveis casos de aborto provocado não tenham chegado ao seu conhecimento (a não revelação de uma gestação ao parceiro é uma postura que aparece com frequência nas entrevistas com mulheres, principalmente quando relatam abortos ocorridos em meio a relacionamentos ocasionais). Já entre as camadas médias, como veremos adiante, não se trata de um estrato no qual o aborto não é revelado, mas em grande parte tais episódios foram apenas comunicados aos parceiros.
O lugar do aborto na trajetória biográfica de homens de 40-49 anos
Com apenas uma exceção entre os 15 entrevistados, os demais são pais no momento da entrevista. Mas há sutilezas que merecem ser exploradas. Entre os sujeitos de CP, percebe-se que filhos vivos antecedem os abortos em sete dos nove casos, o que aponta para uma maior disposição parental entre estes homens, que se tornam pais entre os 17 e os 24 anos. A regularidade não é a mesma entre os sujeitos de CM: entre os seis homens, três são pais antes de viverem abortos, dois passam por abortos antes da paternidade; um não tem filhos. E os primeiros filhos nascem entre os 22 e os 36 anos de idade, mais tardiamente, em termos comparativos com os entrevistados de inserção popular.
Pode-se observar nos quadros 1 e 2 como os eventos de abortos estão situados diferencialmente entre homens segundo a classe social. Se, por um lado, as interrupções de gravidez ocorrem mais precocemente entre aqueles de camadas populares (exceção dada por Tadeu que vive três situações de aborto após os 30 anos), por outro lado, esta experiência é vivida mais proximamente ao momento da entrevista entre os homens de CM (há episódio de aborto entre os vinte, os trinta e os quarenta anos de idade). Algumas hipóteses são possíveis de serem aventadas no sentido de compreender esse comportamento diferencial por classe. Novamente, a esfera da conjugalidade parece fundamental, pois ela carrega uma dimensão sinérgica quanto aos métodos contraceptivos usados pelo casal. Ainda que não seja foco deste artigo, é necessário mencionar o perfil contraceptivo de mulheres no Brasil, em que uma parcela considerável da população, sobretudo as menos escolarizadas, opta pela esterilização feminina como forma de controle da capacidade reprodutiva (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. PNDS 2006: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: relatório final. Brasília, DF: MS/CEBRAP, 2008. 306 p.).
Processos decisórios do aborto: gênero e classe social
O pertencimento de classe mostrou-se central para se entender o desfecho dos eventos reprodutivos na perspectiva masculina, mas também os valores e moralidades que atravessam o discurso dos sujeitos entrevistados. Por um lado, a inserção social em camadas médias ou populares destes homens traz diferenças marcantes no que diz respeito ao itinerário abortivo das suas parceiras e as suas opiniões a respeito da regulação do aborto pelo Estado. Por outro lado, a faixa etária comum marca algumas regularidades.
No que se refere à contracepção, por exemplo, foi usual a menção de que o uso de condom não integra a vida destes sujeitos. Lembremos que se fala aqui de uma trajetória sexual que tem início antes da chamada epidemia de HIV/AIDS, ou ao menos antes de campanhas públicas mais sólidas pelo uso do preservativo masculino. É uníssono entre os homens desta geração a ideia de que “naquele tempo ninguém falava nisso”, referindo-se à camisinha, acompanhado de menções a males menores, IST como gonorreia ou cancro, “o máximo que se pegava”. Dentre os nove homens de CP, quatro tiveram sua iniciação sexual com prostitutas e todos eles relatam não terem utilizado condom; a iniciação dos demais se divide em prática de coito interrompido (1), uso de pílula pela parceira (1), e sem uso de qualquer método (3). O discurso sobre a AIDS como momento de inflexão faz parecer que haveria uma mudança posterior em termos de uso da camisinha, mas isso não se confirma.
Para lidar com um conjunto heterogêneo de formas de engajamento destes homens entrevistados nos episódios de abortos vivenciados por suas parceiras, construiu-se uma tipologia que tende a recobrir, na medida do possível, todas as experiências de aborto relatadas neste grupo. Ainda que tal classificação possa ajudar a visualizar a forma como estes homens vivenciam a interrupção da gestação, é preciso levar em conta que muitos relatos são pouco claros, desconhecem como o processo de fato se deu e, ainda, há o filtro da memória, já que alguns eventos se passaram há mais de 20 anos. Nosso desafio é transformar esse “desconhecimento” em dado empírico concreto e passível de análise, para se obter um quadro que não simplifique a experiência dos sujeitos.
Nos casos em que há mais de um aborto na trajetória do entrevistado, fica ainda mais patente a dificuldade de classificação. O mesmo sujeito pode estar situado em mais de uma das tipologias, porque seus movimentos têm caráter relacional, as díades podem ser outras, novos personagens entram em cena, como a família, o caráter extraconjugal de uma relação, a sua estabilidade, condição financeira, um filho nascido há pouco tempo.
Levando isso em conta, apresenta-se a seguir dois modos estruturais e distintos de envolvimento ou participação masculina no processo de negociação entre o par e/ou seus familiares, que culminam no desfecho da interrupção da gravidez. Eles são claramente condicionados pela posição de classe dos sujeitos, sendo que entre as classes populares, a dimensão da conjugalidade introduz uma sub-classificação que será abaixo discutida.
1. Chamamos de “aborto comunicado” os contextos em que há desconhecimento prévio do aborto, ciência a posteriori do evento, total ausência de negociação entre o par. Esta situação se apresenta como a mais comum entre os homens de CM: Joel (1º aborto), Marcos, Gilberto, Sandro e Luiz. Também se inserem aqui dois sujeitos de CP, Leandro e Breno.
2. Prevalece o “constrangimento” do homem em relação à parceira na decisão pelo aborto, situação mais recorrente entre informantes de inserção popular. Há menos negociação entre o par e mais constrangimentos como forma de imposição/presença masculina para não levar a gestação adiante. Vale registrar que esta posição de constrangimento masculino à parceira não foi observada entre os rapazes de 18 e 27 anos (Brandão et al., 2020BRANDÃO, Elaine R.; CABRAL, Cristiane S.; AZIZE, Rogerio L.; HEILBORN, Maria L. 2020. “Homens jovens e aborto: a perspectiva masculina face à gravidez imprevista”. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 1), e00187218. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00187218
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). Neste aspecto, ainda que sublinhemos gênero e classe social como aspectos centrais na definição do comportamento dos entrevistados, há uma evidente inflexão geracional.
Dentre os homens mais velhos, ainda que não se tenha relatado situações de uso de violência física, há níveis diferenciados de constrangimentos, modelados pela dimensão da conjugalidade, ou seja, se o episódio da gravidez imprevista acontece em relações conjugais ou extra-conjugais. Portanto, assinala-se que as formas de (des)engajamento com o desfecho da gravidez na direção do aborto têm contornos distintos se o evento ocorre com uma parceira estável ou em um relacionamento ocasional. Argumenta-se que o constrangimento guarda a dimensão paradoxal de poder ser um tipo de engajamento a produzir uma externalidade masculina ao evento, aspecto que ilumina sobremaneira a dimensão relacional e a gramática de gênero nos processos reprodutivos.
Vamos abordar, por fim, uma outra forma de participação do homem no processo de decisão pelo aborto: os enredos em que há acordo entre o par conjugal. Todavia, não a consideramos como uma terceira dimensão estruturante dentre as possibilidades de participação masculina no processo de decisão pelo aborto dentre os homens mais velhos tendo em vista que: (i) do ponto de vista do conjunto das narrativas masculinas, este tipo de enredo foi bastante minoritário; (ii) considerando o material empírico oriundo das entrevistas femininas (Heilborn et al., 2012aHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012a. “Gravidez imprevista e aborto no Rio de Janeiro, Brasil: gênero e geração nos processos decisórios”. Sexualidad, Salud y Sociedad. nº 12, p. 224-257.; 2012bHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; FARO, Livi; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012b. “Itinerários abortivos em contexto de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro - Brasil”. Ciênc Saúde Colet. nº 17, p. 1699-1708.), este tipo de situação também é bastante rarefeito. Contudo, deve ser salientada a parcialidade desta ponderação na medida em que ela remete aos processos ensejados no âmbito da geração mais velha do estudo.
Apesar de muitíssimo lenta, há alterações na paisagem social no que se refere à diminuição do desequilíbrio hierárquico que marca as relações entre os gêneros: situações de acordo mútuo em torno da decisão pelo aborto estão presentes no material empírico de homens e mulheres mais jovens (Brandão et al. 2020BRANDÃO, Elaine R.; CABRAL, Cristiane S.; AZIZE, Rogerio L.; HEILBORN, Maria L. 2020. “Homens jovens e aborto: a perspectiva masculina face à gravidez imprevista”. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 1), e00187218. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00187218
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; Heilborn et al. 2012aHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012a. “Gravidez imprevista e aborto no Rio de Janeiro, Brasil: gênero e geração nos processos decisórios”. Sexualidad, Salud y Sociedad. nº 12, p. 224-257.; 2012bHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; FARO, Livi; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012b. “Itinerários abortivos em contexto de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro - Brasil”. Ciênc Saúde Colet. nº 17, p. 1699-1708.). Em outro registro de pesquisa, tem-se observado também uma mudança na construção de formas de engajamento no que tange à contracepção: o discurso contemporâneo a respeito de uma nova tecnologia contraceptiva masculina se constrói, ao menos em parte, sobre a imagem de um homem engajado ativamente, sujeito de um “direito”, não mais alguém que apenas compartilha o ônus deste processo com uma parceira (Pereira e Azize, 2019PEREIRA, Georgia M. C.; Azize, Rogerio L. 2019. Quem tomará a ‘pílula masculina’: reflexões sobre a construção do usuário de contraceptivos para homens. Sexualidad, Salud y Sociedad . nº 32, p.20-39.). São inflexões que falam de mudanças ainda sutis, mas que já se fazem perceber nos níveis de práticas e discursos.
O “aborto comunicado”
Parte significativa dos sujeitos situam-se nesta categoria, por razões distintas. É sem dúvida a situação mais comum entre os homens de CM, o que se interpreta pelo viés de uma maior autonomia financeira de suas parceiras (ainda que se cobre o valor do procedimento posteriormente), mas também por um contexto moral e físico mais seguro e menos tortuoso para a realização do aborto. No contexto de sua ilegalidade, a posição de classe possibilita o acesso das parceiras a clínicas privadas com boas condições de segurança para a interrupção voluntária da gravidez (Heilborn et al., 2012bHEILBORN, Maria L.; CABRAL, Cristiane S.; BRANDÃO, Elaine R.; FARO, Livi; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogerio. 2012b. “Itinerários abortivos em contexto de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro - Brasil”. Ciênc Saúde Colet. nº 17, p. 1699-1708.). A situação comum neste segmento é a de um aborto comunicado pela parceira categoria analítica que nos parece definir bem o contexto empírico comum -, decisão da qual os homens são alijados, e muitas vezes só ficam sabendo depois do ocorrido.
Alguns informantes não demonstraram incômodo com esta posição de externalidade ao evento. Gilberto (CM, 46 anos, 2 abortos) é paradigmático e particularmente bem-humorado no relato de seus dois abortos, aos seus 27 e 34 anos, com parceiras ocasionais. No primeiro caso, diz-se “vítima de uma brincadeira”: a natureza da relação era pouco clara, passam o final de semana juntos e, segundo relata, a parceira se despede dizendo que teria ido àquele encontro porque queria um filho dele. A parceira é pressionada pela família a fazer o aborto, que ocorre no quarto mês de gestação. No segundo caso, a amante (que viria a ser sua quarta esposa) apenas o comunica posteriormente o fato, dizendo ter uma boa notícia (que ela havia feito um aborto) e uma má notícia (que ele devia a ela parte dos custos com o procedimento). O argumento utilizado pela parceira é de que aquela seria uma “gravidez de risco”, devido aos seus 41 anos, e não houve qualquer negociação a respeito no âmbito do casal. Igualmente, Sandro (CM, 48 anos, 1 aborto) é informado de um aborto, que se dá em uma relação de curta duração (namoro de três meses) em seus 30 anos. A parceira o comunica da gestação e do aborto - ocasião em que ela o informa já ter feito três abortos anteriormente -, recusando-se a aceitar o apoio financeiro e a presença dele na clínica.
Nas entrevistas de Luís (CM, 41 anos, 1 aborto aos 23 anos) e Marcos (CM, 43 anos, 1 aborto aos 37 anos), diferentes incômodos ficam explícitos diante do “aborto comunicado”. No caso de Luís, há uma defesa firme do uso de condom como uma forma do homem gerir a sua reprodução, não estando vulnerável a uma ingerência/decisão da parceira. Marcos demonstra especial mágoa por ter sido excluído do debate, ainda que não lamente a realização do aborto pela parceira: “(...) não lamento esse aborto, acho que foi bom ter acontecido. Visto em retrospecto, quanto mais eu vejo, menos me agrada a ideia de poder ter tido um filho com ela, (...) mas ali não houve discussão”.
Ainda que o “aborto comunicado” seja uma dimensão mais presente entre relacionamentos afetivo-sexuais de homens de CM, dois informantes de CP, Breno (CP, 40 anos, 1 aborto aos 30 anos) e Leandro (CP, 47 anos, 1 aborto aos 19 anos) posicionam-se também neste perfil. Breno vive o aborto à distância, em uma relação de curta duração, e se dá sem o seu conhecimento. Leandro também não sabia da gravidez e da decisão da parceira de interrompê-la. Mostra-se radicalmente contrariado, a ponto de expressar comentários como “tomara que ela morra, quem mata merece morrer”, ao saber que a parceira estava internada em hospital, após complicações decorrentes do aborto feito em uma “clínica clandestina”, em condições inseguras. Leandro somente soube do que se passou posteriormente, através do irmão da parceira, que lhe contou sobre o aborto. Ele guarda uma postura contrária ao aborto, comparando-o a “um assassinato”.
Este modo de desengajamento dos homens é involuntário, tendo em vista que as parceiras decidem pelo aborto à sua revelia, providenciam os meios para tal e contam com outras formas de apoio entre familiares e/ou amigos. A externalidade masculina tratada no “aborto comunicado”, em certo sentido produzida pelas mulheres, certamente será diferente da externalidade que se constata na segunda tipologia, quando há o constrangimento por parte do parceiro para a decisão favorável ao aborto pela parceira. Nesta segunda modalidade, como se verá, o modus operandi dos homens será distinto, conforme a gravidez esteja dentro ou fora de uma relação conjugal.
(Des)engajar-se: formas de constrangimento para a interrupção da gravidez
Distintas formas de constrangimento são acionadas para que o desfecho de uma gestação imprevista seja sua interrupção. Tais constrangimentos passam por diferentes níveis de negociação, que incluem desacordos no casal e posicionamentos explícitos de não apoio para se levar a gravidez adiante. Estas diversas formas de desacordos/constrangimentos podem ser compreendidas como uma forma intrínseca (aos homens) de uma produção ativa da externalidade masculina em relação ao aborto. Em outras palavras, se no “aborto comunicado” a condição da externalidade masculina é dada sobretudo pelo desconhecimento a priori do evento, e mediada pelo agenciamento feminino da situação, aqui consideramos que determinados contextos de constrangimento correspondem a uma estratégia ativamente empreendida pelo homem na direção do aborto enquanto desfecho almejado face à gestação não prevista. Exemplificando, há uma produção de desengajamento, seja na situação conjugal em que ele discorda da parceira e não quer o aborto, se colocando, portanto, alheio à gravidez e ao seu desfecho, seja porque ele ameaça não assumir a paternidade caso a gravidez seja levada a termo, em relacionamentos extraconjugais. Assim, a produção ativa dessa externalidade (ou desengajamento) apresenta diferenças segundo a dimensão da conjugalidade ao examinarmos os termos ou condições colocadas em pauta no processo de negociação do aborto.
De saída, destaca-se o fato de não haver, entre os seis homens entrevistados de CM, situações que possam ser lidas pela lente do constrangimento à parceira. Nesta inserção social, a presença de valores igualitários, em que a defesa da autonomia decisória da mulher quanto ao destino da gestação é um exemplo, faz os homens não explicitarem seu desacordo. Ao mesmo tempo, as suas parceiras de CM tendem a tomar decisões autônomas, o “aborto comunicado”, o que não deixa espaço para negociações ou desacordos. Como dito anteriormente, os desacordos que aparecem entre os homens de CM dizem respeito muito mais ao fato de terem sido excluídos do processo decisório no qual reclamam voz ativa, ainda que apoiassem a decisão da mulher.
No caso de homens de CP, situações de constrangimento e dissenso estão presentes em vários processos de decisão. A biografia de Tadeu (CP, 45 anos, 6 abortos), homem que concentra o maior número de abortos em todo o grupo 40-49 anos, nos parece paradigmática devido a um número relativamente alto de gestações, sendo que em sua maioria não havia concordância sobre o que fazer. Com sua parceira atual, Tadeu vive o primeiro e o último dos seus abortos. O primeiro filho nasce em decorrência da primeira relação que tiveram, sem uso de qualquer método contraceptivo; ele contava 18 anos, e a parceira 16. Ele insiste em um aborto, porque a gestação não estaria em seus planos mas, com “medo de morrer”, a parceira mantém a posição de não fazer um aborto e levam a gestação a termo.
Dois anos depois, a situação se inverte: frente a uma nova gestação, ela decide e paga por um aborto, em uma clínica no subúrbio carioca na qual Tadeu a acompanha; os dois não coabitavam e ele desconfiava não ser o pai. Após este aborto, ela passa a usar pílula, interrompida apenas para uma gravidez planejada; o filho nasce quando Tadeu tem 32 anos. Ela volta a usar pílula após a gestação, e interrompe cerca de um ano antes da entrevista por indicação médica porque estaria “obesa”, com náuseas e problemas de pressão. Ainda que não goste, ele passa a usar camisinha com a companheira. Uma nova gravidez acontece por um “descuido”, quando Tadeu conta 43 anos e a parceira 41. A parceira pondera sobre sua idade, a possibilidade daquela ser uma gestação de risco, o fato de já ter um filho adolescente e insiste pelo aborto. Ela obtém apoio e recursos financeiros de uma irmã e interrompe a gravidez. Ele é contra esse último aborto, opta por não se envolver e não sabe os detalhes do procedimento. Afirma que não quis “compactuar”. A trajetória de Tadeu também nos parece emblemática para argumentar que a conjugalidade não é garantia de um maior engajamento por parte do homem; ao contrário, pode mesmo exemplificar situações de externalidade produzida. Tadeu teve participação ativa nos quatro abortos que vivenciou em parcerias extraconjugais: em uma delas, o aborto é feito com ingesta de chás e uso do misoprostol (a gravidez ocorre em um momento no qual ele pretendia “sair da relação”); no segundo, a parceira ameaça manter a relação, mas ele a convence de um aborto, pelo qual ele paga com dinheiro de um empréstimo feito em financiadora.
Narrativas de constrangimento explícito são pouco usuais. Dizer na primeira pessoa que operou um constrangimento seria pouco provável. Do ponto de vista masculino, nenhuma situação se apresenta, por exemplo, como violenta ou comportando ameaças, o que seria a imagem de um constrangimento indiscutível. Todavia, identificamos no material empírico elementos que sugerem diferentes formas de constrangimento no processo decisório para um aborto. Cita-se o caso de Danilo, pela mobilização muito consciente da rede de apoio da parceira e por mencionar uma “guerra psicológica”; outro caso é Raul, por unir no mesmo caso ciência da gestação, absoluta externalidade/não implicação com a gravidez e aborto feito sem qualquer suporte dele.
Para Danilo (CP, 43 anos, 1 aborto aos 28 anos), casado há cerca de 25 anos com a mesma parceira, a situação de aborto acontece em uma relação extraconjugal estável, que perdurou por dois anos. Ele cogita que ela tenha engravidado intencionalmente, já que a parceira tomava pílula e a “relação estava esfriando”. A decisão pelo aborto é permeada de muitas tensões. Em um primeiro momento, a parceira afirma que “vai ter sozinha”, que “não vai tirar não”, o que o informante chama de uma “guerra psicológica”. Ele pressiona diretamente pelo aborto, e convence a mãe da parceira do incômodo da situação, ganhando uma “aliada”. Faz parte da negociação afirmações a respeito de um projeto de futuro, no qual eles poderiam ficar juntos, após uma eventual separação.
A negociação continua no que diz respeito ao local onde seria feito o aborto e sobre quem pagaria pelo procedimento. O informante teria uma indicação de amigos, mas a parceira decide por uma determinada clínica:
Ela chegou pra mim e falou “eu arrumei um lugar”, e eu “quanto que é?”, ela “R$2.000,00”; ela estava dificultando ao máximo, pra que eu desistisse, aí ficou R$2.000,00; eu “tem como você me ajudar, tem algum dinheiro?”, ela “não, não tenho”, eu me lembro que foi até um mês de junho, quando a gente ganha metade do 13º, a empresa paga, e eu tinha uma economia, aí eu falei “eu pago”.
Ele paga pelo aborto, realizado em uma clínica no subúrbio da cidade, com parte do dinheiro emprestado de uma irmã mais velha, que “tem uma condição melhor”. O aborto é mantido em segredo, com exceção da mãe da parceira, que intermediou a decisão, e de um amigo. A relação é mantida por mais um mês, no decorrer do qual ele foi “saindo aos poucos”.
Também a situação de Raul (CP, 41 anos, 1 aborto aos 21 anos) auxilia a iluminar dimensões de constrangimentos no processo decisório pelo aborto. Ele vivia dois relacionamentos em paralelo. Uma de suas parceiras veio a se tornar sua esposa. O aborto aconteceu justamente com “a outra”. O fato de estar noivo é usado como justificativa para se opor à continuidade da gravidez desta parceira que, segundo seu relato, queria constituir uma família com ele. Raul é explícito em dizer que não teria condições de cuidar da criança, tampouco de assumir aquele relacionamento. A sua posição contrária ao seguimento da gravidez não significa que ele fosse favorável ao aborto: ele se diz “radicalmente contra” o aborto e, por isso mesmo, também não poderia apoiar a parceira nas condições materiais necessárias para realização do procedimento. As modulações na produção do (des)engajamento também se fazem presentes nesta biografia: sua (aparente) ausência não pode ser lida como simples externalidade masculina no processo do aborto; ao contrário, seu firme posicionamento contrário à gravidez tem forte peso no desfecho ocorrido. As formas de constrangimento podem ser de descompromisso, no ponto nodal mesmo da tensão que é produzir ativamente (engajar-se) uma situação de desincumbir-se da responsabilidade (desengajar-se), condensada na corrente expressão êmica “se vira”. Raul era noivo e deixa claro não ter qualquer intenção de assumir um outro relacionamento e/ou a criança. Essa externalidade produzida em relação ao processo substitui com veemência o “mandar tirar” (lugar de violência explícita), mas imprime um grau de constrangimento suficiente para fazer a parceira buscar um aborto por conta própria, sem apoio ou presença de Raul.
Por sua vez, Laerte (CP, 41 anos, 1 aborto aos 30) vive uma situação na qual a parceira inicialmente não concorda com o aborto, mas acaba cedendo. Tratava-se de uma relação estável extraconjugal e ele argumenta que aquela gestação levaria a um “filho sem pai”, tal como ele era. Parece-nos uma clara situação em que a parceira concede mediante constrangimento feito por ele. O aborto ocorre em uma clínica de bom nível na zona norte da cidade, com dinheiro e companhia dele.
Os quatro abortos na trajetória de Elias (CM, 48 anos) acontecem entre os seus 35 e os 43 anos, no âmbito de duas parcerias estáveis, relacionados à recusa da paternidade por parte dele, que alega motivos financeiros. O entrevistado relata o uso de métodos naturais, de baixa eficácia (tabelinha e coito interrompido), situação que muda somente após o quarto aborto na sua trajetória, quando a parceira passa a usar DIU (dispositivo intra-uterino). Quando perguntado sobre o processo de decisão, ele afirma: “foi simples, eu não tinha trabalho, eu não tinha nada, eu falei ó: “não assumo, não tenho como assumir”, e também não estava muito a fim de assumir mesmo”. O tipo de envolvimento do homem no processo decisório do aborto entrecruza-se com a situação conjugal na qual a gravidez está inserida. Há maior engajamento dele em abortos que ocorrem em relações extraconjugais. Esta postura não está desconectada de uma lógica de preservação dos laços conjugais/matrimoniais, aspecto que poderia ser perturbado com a notícia de uma gestação extemporânea com outra parceira. Essa gravidez, se levada a termo, poderia causar diversos tipos de ruídos na relação estabelecida do casal, ao ter a potencialidade de denunciar, em algum momento, a sua infidelidade naquele contexto. Assim, o destino da gravidez em uma relação extraconjugal precisa ser negociado e controlado, e estratégias de constrangimento parecem ser uma forma de sua instrumentalização. A literatura vem documentando que a posição do parceiro em relação à gravidez imprevista é fundamental no processo decisório feminino, capaz de subordinar diversas outras dimensões ou justificativas para o aborto (Bajos et al. 2002BAJOS, N; FERRAND, M; equipe Giné. 2002. De la contraception à l’arvotement: sociologie des grossesses non prévues. Paris: INSERM.; Salem, 2004SALEM, Tania. 2004. “‘Homem... já viu, né?’: representações sobre sexualidade e gênero entre homens de classe popular”. In: HEILBORN, M. L. (ed.). Família e sexualidade. Rio de Janeiro: FGV Editora. p. 15-61.; 2006SALEM, Tania. 2006. “Tensões entre gêneros na classe popular: uma discussão com o paradigma holista”. Mana. V.12, nº 2, p. 419-447.; Brandão et al., 2020BRANDÃO, Elaine R.; CABRAL, Cristiane S.; AZIZE, Rogerio L.; HEILBORN, Maria L. 2020. “Homens jovens e aborto: a perspectiva masculina face à gravidez imprevista”. Cadernos de Saúde Pública, 36(Supl. 1), e00187218. Epub 10 de fevereiro de 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00187218
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). Portanto, trata-se, mais uma vez, de destacar a primazia que a dimensão relacional e a gramática de gênero guardam nos processos decisórios sobre eventos reprodutivos.
Exceção à regra ou valorização de certo ideário/ethos da masculinidade?
Entre nossos entrevistados de CP, há duas situações que destoam das narrativas dos demais participantes, nas quais o consenso sobre o desfecho da gravidez imprevista parece evidente. Lucio (CP, 49 anos, 2 abortos aos 26 anos) vive os abortos em sequência com a mesma parceira, logo após uma gestação desejada e consensual, argumentando que seu “emprego não era seguro” à época e sua parceira não estava empregada. O relato é sintético quando menciona o segundo aborto, feito ainda no “resguardo do primeiro”: “mesma coisa, mesmo acordo, mesmo dinheiro emprestado, mesma clínica, só não foi no mesmo dia”. Após este segundo aborto, a parceira fica estéril, com o “útero virado” e não usam mais qualquer método contraceptivo até o momento da entrevista. Exceção entre os homens de CP, Lúcio se declara favorável ao aborto, e diz que apoiaria sua filha a fazê-lo, caso ela desejasse. Esta filha única forma-se em direito, em uma clara trajetória ascendente, ainda que a renda dele seja acima da média para os sujeitos de CP.
Haroldo (CP, 44 anos, 3 abortos entre 27 e 33 anos) ficou 17 anos casado com amesma parceira, com quem teve dois filhos e viveu a experiência de três abortos, decididos de forma consensual no casal, pensando nas condições de vida que poderiam oferecer aos filhos. Os abortos são feitos em clínicas da zona norte, não sem antes tentativas com misoprostol, chás e misturas. Ele não consegue precisar a idade ao certo destes eventos; ele acompanhou a parceira no primeiro aborto, mas nos dois seguintes ela foi com a vizinha. Haroldo não é taxativo no que diz respeito a uma posição pró ou contrária ao aborto mas argumenta sobre “a necessidade de cada um” para decidir.
Não parece mera coincidência que estas duas situações entre os nove informantes de classes populares tenham se passado após gestações levadas a termo, ou seja, quando alguma expectativa reprodutiva já havia sido concretizada. A paternidade acontece aos 24 anos para Lucio e aos 21 (e novamente aos 23) para Haroldo. Já discutimos sobre a intrincada relação entre valor da paternidade e construção da identidade masculina ao analisar os eventos da gravidez e do aborto para jovens de camadas populares (Cabral, 2003CABRAL, Cristiane S. 2003. “Contracepção e gravidez na adolescência na perspectiva de jovens pais de uma comunidade favelada do Rio de Janeiro”. Cad. Saúde Pública. V.19, nº2, s283-s292.). Esta mesma ilação parece pertinente para as duas exceções aqui trazidas: por um lado, não há o adiamento da paternidade diante da ocorrência de uma primeira gestação em suas trajetórias; todavia, a possibilidade de levar a termo gestações subsequentes são ponderadas diante da necessidade (ou do imperativo) de ser um “bom pai de família”, dimensão atravessada, sem dúvida, pela composição do tamanho da prole e da imagem de homem provedor novamente, aspectos estruturantes de um determinado ethos de masculinidade em CP (Duarte, 1986DUARTE, Luiz F. D. 1986. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro: Zahar.; Nardi, 1998NARDI, Henrique C. 1998. “O ethos masculino e o adoecimento relacionado ao trabalho”. In: DUARTE, Luís F. D. (ed.). Doença, sofrimento, perturbação: perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro: Fiocruz. p. 95-104.; Sarti, 1996SARTI, Cynthia A. 1996. A família como espelho. São Paulo: Editores Associados.; Cabral, 2009CABRAL, Cristiane S. 2009. “Paternidade na trajetória juvenil: uma contribuição ao debate sobre ‘gravidez na adolescência’”. In: HEILBORN, M. L. et al. (eds.). Sexualidade, reprodução e saúde. Rio de Janeiro: Editora FGV. p. 145-174.).
Considerações finais
Classificar sujeitos e eventos tão densos quanto o processo decisório a respeito do desfecho de uma gestação não é tarefa fácil e pode-se incorrer em simplificações. No caso dos homens entre 40-49 anos, tais eventos se passaram, por vezes, há mais de 20 anos. Ao mesmo tempo, a parcialidade de contar um aborto do ponto de vista masculino não pode ser desprezada: o aborto é estranho à experiência daquele corpo, e a narrativa exprime um ponto de vista bastante relativo. Os limites entre se desincumbir da responsabilidade com tal gravidez e constranger a parceira para a realização do aborto podem ser tênues, especialmente quando as condições de vida são mais frágeis.
Esta externalidade não é homogênea e o estatuto da parceria é um elemento relevante no processo decisório. Os dados obtidos são desafiadores: nem sempre relações estáveis ou um contexto conjugal são sinônimos de maior engajamento ou apoio. Nossa interpretação assinala o maior envolvimento masculino nas seguintes situações: (i) quando os sujeitos têm essa opção (visto que a autonomia feminina muitas vezes os tornam personagens secundários, podendo ficar cientes do fato apenas após seu desfecho); (ii) quando a gestação oferece algum risco a projetos pessoais, o que pode se dar em relações extraconjugais ou em determinadas fases da vida; (iii) quando a sua condição parental já está estabelecida (vide os abortos que se seguem em consenso após gestações levadas a termo, igualmente consensuais); (iv) por último, mas não menos importante, a condição financeira destes sujeitos no momento do evento reprodutivo.
Percebemos ainda uma forte retórica de oposição ao aborto entre os homens de inserção em classes populares. Uma lógica peculiar de justificação permite a convivência entre uma negação moral do aborto, o apoio à sua criminalização, ao mesmo tempo que na prática se observa a compreensão de sua necessidade e o recurso a sua utilização.
Este artigo reitera, por um lado, a relevância dos marcadores de gênero e classe social para a compreensão dos processos decisórios de interrupção da gravidez. Por outro lado, ressaltamos a especificidade da dimensão geracional: tanto o “aborto comunicado” quanto o “constrangimento” à parceira para realizá-lo (sem margem de negociação) são dimensões específicas desta geração adulta, cujos contornos tornam-se mais nítidos pelo contraste com os homens mais jovens também entrevistados.
Abordar o aborto do ponto de vista masculino necessariamente traz o debate sobre a aparente contradição entre exterioridade versus participação do homem no evento, aspecto abordado de formas distintas nos contextos em que a pesquisa foi realizada. Subjacente a esta oposição estão presentes a importância da paternidade enquanto possibilidade na biografia masculina e elemento de construção identitária (Reich, 2008REICH, Jennifer A. 2008. “Not Ready to Fill His Father’s Shoes: A Masculinist Discourse of Abortion”. Men and masculinities. V. 11, n. 1, p. 3-21.; Fuller, 2000FULLER, N. (ed.) 2000. Paternidades en América Latina. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú.) e o papel desempenhado pelas mulheres no processo de decisão pelo aborto: tudo depende se o fato será, ou não, ocultado do parceiro. Decorrem desse duplo condicionamento os possíveis arranjos em torno dos desfechos de um evento reprodutivo: decisão apenas feminina ou conjunta pelo aborto; silenciamento do desejo de paternidade; pressões diretas ou indiretas para interrupção da gestação, etc. Portanto, há sempre distintos agenciamentos no processo de negociação sobre o aborto, e o (des) engajamento do homem é uma forma de agência masculina neste cenário.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Fev 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2020
Histórico
-
Recebido
17 Set 2019 -
Aceito
24 Nov 2020