Resumo:
Este artigo tem como objetivo analisar a trajetória da protagonista Briony Tallis e como se dá sua ação no romance Reparação (2002), de Ian McEwan. Na obra, a personagem principal influenciada por sua mente fantasiosa e uma leitura mal interpretada, vive um drama e tenta reparar um erro cometido no passado. Para tal, o viés teórico adotado conta com os pressupostos de Krause (2010) sobre a metaficção; Rosenfeld (1969, 1976), Candido (1976), Forster (2005), Reis (2001), Miguel (2016) acerca da personagem de ficção, Reis & Lopes (1988) e Friedman (2002) sobre o foco narrativo e a voz do narrador. O trabalho evidenciou que Ian McEwan mostra, através da protagonista, a arte da literatura ao possibilitar uma possível identificação dos seres humanos com as personagens ficcionais.
Palavras-chave: Literatura; Romance; Personagem principal; Reparação
Abstract:
This article aimed at establishing to analyze the fictional character Briony Tallis and how to occur her action in the novel Atonement (2002), by Ian McEwan. In the novel, the main character influenced by her imaginative mind and a misunderstood reading, lives a drama and trying to repair a mistake made in the past. For that, we used theoretical assumptions by Krause (2010), about the metaficcion; Rosenfeld (1969, 1976), Candido (1976), Forster (2005), Reis (2001), Miguel (2016), about the the fictional character; Reis & Lopes (1988) e Friedman (2002), about the narrative focus and the voice of the narrator. This work showed that Ian McEwan shows, through the protagonist, the art of literature to allow a possible identification of humans with fictional characters.
Keywords: Literature; Novel; Main character; To repair
Introdução
Considerando-se a contribuição significativa que a leitura de narrativas literárias pode oferecer para a formação de leitores e a necessidade de compreender esse fenômeno para uma didática da literatura, esse artigo pretende analisar a trajetória da protagonista, Briony Tallis, no romance Reparação (2002), de Ian McEwan. O processo da leitura da narrativa, abordado segundo os diferentes elementos que a estruturam; o atendimento e a ruptura dos horizontes de expectativas dos leitores quanto à linguagem e as várias esferas de representação inseridas na obra; a proposição de sentidos para o texto literário, dos mais denotativos aos mais conotativos. Para tanto, procuramos evidenciar como ocorre a ação no romance de McEwan e optamos por enfocar a personagem pelo fato dessa aproximar o leitor da realidade, possibilitando um mergulho na temática da culpa e da reparação.
Neste sentido, a abordagem teórico-analítica, neste estudo, embasada pela teoria da personagem de ficção, aspectos da metaficção e narrador, aplicados na obra Reparação, permite verificar que o romance literário é uma das formas de recriação da realidade através da arte estética.
Com o intuito de atendermos ao objetivo proposto, este texto se organiza da seguinte maneira: na primeira seção, dedicamos um espaço à questão teórica sobre a personagem de ficção de acordo com Candido (1975) e Forster (2005). Na sequência, apresentamos a análise do corpus realizando um diálogo entre a teoria da personagem, narrador e do foco narrativo, entidades ficcionais importantes para evidenciar a trajetória da protagonista, assim às contribuições de Friedman (2002), Reis (2001), Reis & Lopes (1988), Miguel (2016) e Rosenfeld (1969, 1976) nos serão bastante úteis. Por fim, algumas considerações, que revelam breves conclusões e possibilidades de estudo decorrentes da análise da obra literária investigada.
1 A personagem de ficção
Nos seus estudos sobre a teoria da personagem, Antonio Candido, afirma que “o enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo” (CANDIDO, 1976, p. 53). Essa abordagem inicial enfatiza que, embora a personagem se destaque como o elemento mais vivo e atuante no romance, ela somente terá valor significativo quando engendrada no enredo da obra. Para Candido (1976), a personagem é o ser que mais se movimenta, atua e se comunica dentro do romance moderno, “como se configurou nos séculos XVIII, XIX e começo do século XX; mas que só adquire pleno significado no contexto, e, portanto, no fim das contas a construção estrutural é o maior responsável pela fôrça e eficácia de um romance” (CANDIDO, 1976, p. 55).
Segundo o autor, a personagem é considerada um ser fictício e a criação literária se fundamenta na indagação paradoxal de como pode ser uma ficção e como pode existir o que de fato não existe. Sobre essa contradição, Candido (1976, p. 55) afirma: “o problema da verossimilhança no romance depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial”. Dessa forma, o romance baseia-se num certo elo entre o ser real (vivo) e o ser fictício, sendo que esse ganhará forma concreta por meio da personagem. Ainda sobre o ser real e o ser fictício Candido (1976) discorre sobre suas as afinidades e diferenças afirmando que tais elementos são importantes porque conseguem criar um sentido de verdade, ou seja, o leitor no momento que se depara com a personagem se identifica com ela.
Candido (1976) enfatiza que, quando se aborda o conhecimento direto das pessoas, um problema fundamental apresentado é a diferença “entre a continuidade relativa da percepção física (em que fundamos o nosso conhecimento) e a descontinuidade da percepção, digamos, espiritual, que parece frequentemente romper a unidade antes apreendida”. Essa dificuldade de abranger a totalidade dos nossos semelhantes é incorporada na literatura por escritores do século XIX, “como tentativa de sugerir e desvendar, seja o mistério psicológico dos seres, seja o mistério metafísico da própria existência” (CANDIDO, 1976, p. 57). É possível concluir que a visão da personalidade de uma entidade ficcional como a personagem, criada pelo autor, nunca vai ser completa em relação à imagem física inicial que se projeta. Com isso, a visão que se tem dos seres é fragmentária, embora constitua um todo; as personagens podem ser enigmáticas e imprevisíveis, dificultando a exploração da essência de sua natureza. O estudioso acrescenta que o romance, em sua abordagem sobre o modo fragmentário dos seres fictícios, retoma, através da técnica de caracterização, a fragmentação e incompletude da imagem que possuímos dos nossos semelhantes. Contudo, Candido (1976) acentua que a diferença entre essas duas posições é que, na vida real, estamos submetidos à condição de abranger visivelmente de maneira fragmentária as outras pessoas, enquanto que no mundo ficcional essa condição é regida de maneira racional, de acordo com a vontade do escritor. Segundo Candido (1976, p. 58), “a necessária simplificação, que pode consistir numa escolha de gestos, de frases, de objetos significativos, marcando a personagem para a identificação do leitor, sem com isso diminuir a impressão de complexidade e riqueza”.
Para o autor (1976), é possível que, no mundo real, tenhamos uma interpretação de cada ser humano, o que nos permite averiguar a diversidade da essência desse ser e, ao mesmo tempo, observar o movimento dos seus modos-de-ser. Também é possível fazermos várias interpretações sobre a personagem de ficção que atua no romance porém, é o seu criador que lhe confere uma linha de coerência fixa, “delimitando a curva de sua existência e a natureza de seu modo-de-ser” (CANDIDO, 1976, p. 59). Os elementos que compõem a personalidade da personagem estão todos diante dos nossos olhos, pois foram pré-estabelecidos pelo escritor, que os organizou em uma lógica coerente, para que ela possa dar a impressão de estar vivendo o enredo da narrativa e, ao mesmo tempo, parecer um ser ilimitado e contraditório.
Todavia, todo esse possível entendimento da personagem justifica-se em razão da coerência à qual ela é submetida. O teórico acrescenta que “a compreensão que nos vem do romance, sendo estabelecida de uma vez por todas, é muito mais precisa do a que nos vem da existência. Daí podermos dizer que a personagem é mais lógica, embora não mais simples, do que o ser vivo” (CANDIDO, 1976, p. 59).
Tomamos o escritor inglês, Edward Morgan Forster, que também propõe um estudo acerca das personagens do romance, classificando-as como “planas” e “redondas”. Chamadas de humours no século XVII, as personagens planas são constituídas “ao redor de uma ideia ou qualidade simples” (FORSTER, 2005, p. 91) e, por vezes, são nomeadas especificamente de tipos ou caricaturas.
Forster (2005) exemplifica que as personagens redondas se caracterizam como redondas quando podem nos surpreender de maneira convincente; se isso não acontecer, são consideradas planas. Ainda para Forster, a vida da personagem está circunscrita às páginas do romance, e o romancista, ao usá-la sozinha ou conjuntamente com outros elementos, estabelece uma espécie de elo entre a condição da raça humana e sua obra.
Antonio Candido cita Forster e afirma que este estabelece uma comparação entre o ser humano e o ser ficcional, logo, entre o Homo sapiens e o Homo fictus. Para Candido, o homo fictus vive mais intensamente as relações humanas do que o homo sapiens. Sob o olhar do leitor, é possível se ter uma visão mais coerente da personagem do que das pessoas com as quais convivemos. O autor ainda acentua que “é como se chegássemos ao fim de um livro e apreendêssemos, no conjunto, todos os elementos que integram um ser. Por isso, em certos casos extremos, os artistas atribuem apenas à arte a possibilidade de certeza, - certeza interior, bem entendido” (CANDIDO, 1976, p. 64).
De acordo com Candido (1976), o autor, ao criar sua personagem, quando a toma de um modelo real, sempre vai acrescentar a ela, no plano psicológico, sua incógnita pessoal, com a finalidade de desvendar esta característica do ser que é copiado. Através das personagens, busca-se interpretar a personalidade dos seres humanos. Voltando aos estudos de Forster, observa-se:
Se uma personagem de romance for exatamente igual à rainha Vitória - não parecida, e sim exatamente igual –, então ela realmente é a rainha Vitória, e o livro, ou todas as suas partes concernentes a esta personagem, deixará de ser um romance para se tornar um memorial. Um memorial é história, baseia-se em evidências. Já o romance se baseia em evidências + ou -x, sendo a incógnita o temperamento do romancista; e a incógnita sempre modifica o efeito de evidência, e às vezes, até a transforma completamente (FORSTER, 2005, p. 70-71).
Antonio Candido (1976, p. 66) verifica os estudos inovadores de Forster acerca da personagem e indaga: “no processo de inventar a personagem, de que maneira o autor manipula a realidade para construir a ficção? A resposta daria uma ideia da medida em que a personagem é um ente reproduzido ou um ente inventado”.
Diante das questões relativas ao ser ficcional, Antonio Candido tem como ponto de partida o conceito de que a personagem é um ser fictício. O autor, ao tomar como um dos princípios básicos na construção da personagem o desejo de ser fiel ao modelo real, sustenta que se pode admitir a oscilação entre dois polos ideais: ou uma transposição fiel dos modelos ou uma invenção imaginária.
Candido afirma que as personagens podem ser transpostas com certa fidelidade aos modelos reais. Em decorrência da experiência interior, o escritor projeta na personagem seus sentimentos e vivências mundanas. Outra possibilidade está no fato de as personagens serem projetadas de modelos anteriores, reconstituídas indiretamente pelo escritor, seja por documentação, seja por testemunho, sobre as quais a imaginação trabalha. Uma terceira opção sugere a construção das personagens a partir de um modelo real, conhecido pelo escritor.
Diante de aspectos teóricos levantados por Candido percebemos que o escritor ao criar seus seres ficcionais pode inspirar-se em um modelo real, conhecido direta ou indiretamente e que vale como um pretexto básico, um estimulante para o trabalho de caracterização, o qual explora ao máximo as virtualidades da personagem através da fantasia. Outra técnica sugerida pelo autor é a construção das personagens a partir de um modelo real dominante, que se junta a outros modelos secundários, refeitos e constituídos pela imaginação. As personagens também podem ser elaboradas com fragmentos de diversos modelos vivos, tendo como produto final - uma personalidade nova.
Por fim, um último mecanismo, de acordo com Candido, refere-se à origem das personagens, que são traçadas mais ou menos a partir da realidade, porém, em muitos casos, as raízes podem desaparecer na personalidade fictícia, que, ou, não tem qualquer modelo consciente, ou os elementos eventualmente tomados à realidade não podem ser traçados pelo próprio escritor.
Com isso, a personagem é constituída a partir da representação de um ser humano, em que o autor projeta suas experiências mundanas, estabelecendo um elo entre o universo real e o ficcional e, por si só, um caráter de verossimilhança. Logo, é possível que os leitores e leitoras se identifiquem com determinada personagem e sua trajetória dentro da narrativa. Assim, as personagens obedecem a uma determinada concepção de homem, a um intuito simbólico ou a outros estímulos, corporificados pelo autor, baseado numa experiência de vida mais interior do que exterior.
Diante das questões expostas, percebemos que a personagem principal busca por ela mesma reparar um erro cometido no passado. Isso representa uma característica muito importante para os leitores (as) contemporâneos: a possibilidade de identificação, pois de uma certa maneira, em algum momento, os seres reais passam por dramas parecidos aos vividos por Briony Tallis.
2 A protagonista no romance: entre a culpa e o desejo de reparação
O enredo de Reparação (2002), de Ian McEwan começa em uma pequena cidade do interior da Inglaterra no início do século XX, mas que com o desenrolar dos acontecimentos, se estende pela Londres da década de 40. O cenário mais específico é casa da família Tallis. Os fatos iniciam com a espera de Leon, o filho mais velho do casal, Jack e Emily, e seu amigo Paul Marshall. Leon é irmão de Cecilia, recém chegada da faculdade de Cambridge e Briony, uma menina de 13 anos, muito apaixonada por livros e por criar histórias.
Briony é uma menina muito inteligente e devido à paixão por histórias, almeja um dia se tornar uma famosa escritora. Durante uma visita dos primos, Lolla de 15 anos e dos gêmeos, Pierrot e Jackson de 9, Briony monta o roteiro de uma peça teatral, Arabela em Apuros, a ser protagonizada pelos quatro para os demais familiares. Contudo, a apresentação fracassa.
Paralelo a estes acontecimentos, Cecilia inicia um romance com Robbie, filho do jardineiro da família e protegido por Jack Tallis. Robbie escreve para sua amada duas versões de uma carta amorosa: uma que segue os padrões tradicionais e outra que revela explicitamente seus desejos sexuais e a vontade que sente de se encontrarem a sós. Por engano, leva a carta de conteúdo sexual para Cecilia, e encarrega Briony de entregá-la, mas só se dá conta do engano quando é tarde demais. A situação se agrava quando, antes do jantar, Briony presencia a cena sexual entre sua irmã e Robbie, mas para ela, isto significava uma agressão.
Após o jantar, os gêmeos desaparecem e todos saem para procurá-los e Briony, então, presencia Lolla sendo estuprada por uma das pessoas do jantar. Imediatamente, acusa Robbie pelo ato, que é enviado para a prisão e para a Segunda Guerra Mundial. A partir disso, Cecilia rompe relações com sua irmã. Com o passar dos anos, quando Briony descobre o lado verdadeiro dos acontecimentos, que Lolla casara com seu estuprador, Paul Marshall e que o ato sexual entre o casal não significava uma agressão, escreve o romance Reparação como retaliação à injustiça praticada.
Ao pensarmos em uma análise de obra literária, devemos atentar que o romance é uma elaboração estética que em sua estrutura interna apresenta as entidades ficcionais que compõem a narrativa, enredo, narrador, tempo, espaço e personagens. Dentre esses elementos, o que dá vida e ação à narrativa, segundo Antonio Candido (1976), é a personagem. O autor também enfatiza que ela está imbricada no contexto da obra, tomando a estrutura do gênero como uma importante aliada para sua eficácia.
De acordo com Anatol Rosenfeld (1976), a personagem vai ser definida nitidamente aos olhos do leitor, quando engendrada no tempo e na ação da narrativa, cabendo a ela, revelar o caráter ficcional do texto. Rosenfeld afirma:
Há numerosos romances que se iniciam com a descrição de um ambiente ou paisagem. Como tal poderia possivelmente constar de uma carta, um diário, uma obra histórica. É geralmente com o surgir de um ser humano que se declara o caráter fictício (ou não-fictício) do texto, por resultar daí a totalidade de uma situação concreta em que o acréscimo de qualquer detalhe pode revelar a elaboração imaginária (ROSENFELD, 1976, p. 23).
Se qualquer detalhe revela os caminhos percorridos pelo autor para a construção da personagem, percebemos que Reparação não define o espaço no início da narrativa, mas sim um importante componente ficcional, Briony Tallis, a personagem principal da obra.
Além da personagem, temos outro elemento importante dentro da obra: a escrita de uma peça teatral, o que assegura o caráter metaficcional do romance. Segundo Krause (2010, p. 9), a metaficção se define por ser “um fenômeno estético autorreferente através do qual a ficção duplica-se por dentro, falando de si mesma ou contendo a si mesma”. Pode-se, então pensar nela como uma narrativa que remete a si mesma, falando de si mesma. No romance em questão, todos os acontecimentos se dão pelo ato de narrar de Briony, a personagem principal, evidenciando os laços entre arte e literatura como um impulso criador em busca da reparação. Desta forma, Reparação é uma narrativa metaficcional moderna, pois, remete dentro de si mesmo, à produção de um romance como poder transformador de amadurecimento e desafronta da protagonista.
Nesse sentido, vários podem ser os fatores que levam os romancistas a criarem suas personagens. Diferentemente da literatura produzida no século XIX, que recriava a realidade empiricamente, a literatura produzida no século XX, ou seja, o romance moderno, de acordo com Rosenfeld (1969, p. 81), apreende a realidade mais profunda do ser. Essa peculiaridade é empregada por McEwan na construção e função de Briony. No decorrer da narrativa, a protagonista vai deixando transparecer a expiação de sua culpa, pois se torna enfermeira, com o ímpeto de pagar pelo erro cometido. É possível observar essa ideia, através da seguinte passagem da obra:
Por mais que se esfalfasse em trabalhos braçais e nas tarefas mais humildes da enfermagem, por melhores e mais intensos que fossem seus esforços, por mais que houvesse aberto mão dos conhecimentos que lhe proporcionaria o estudo, da oportunidade de viver no campus de uma universidade, ela jamais poderia desfazer o mal que causara, ela não tinha perdão (McEWAN, 2002, p. 341).
Briony luta para ordenar o caos em que transformou a sua vida, juntamente com a de Robbie e Cecilia e a literatura acompanha essa trajetória do início ao fim. A protagonista, aos treze anos de idade, tenta entender o mundo adulto, mas um erro de interpretação provindo do seu imaginário faz com que os fatos que ela conhece se contraponham com os que ela desconhece e através disso, preenche as lacunas da verdade usando a ficção, ou melhor, “a verdade” que julga ser a correta.
Cada parte da obra de McEwan foi cuidadosamente elaborada, na maioria das vezes, enfocando as descrições. Num primeiro momento, não é possível perceber a ordem exata dos acontecimentos, mas no decorrer da narrativa, o leitor pode ordená-los, pois vai se evidenciando que o mesmo episódio está sendo narrado de pontos de vista diferentes. Em cada momento uma determinada personagem mostra sua interpretação, e com isso, permite que o leitor interprete da maneira que melhor lhe convém. A cena da biblioteca é um exemplo desta característica.
Primeiro, tem-se o ponto de vista de Briony:
Embora estivessem imóveis, sua percepção imediata era de que havia interrompido um ataque, uma luta corporal. A cena era uma concretização tão cabal de seus piores temores que ela teve a impressão de que sua imaginação excitada havia projetado aquelas figuras nas lombadas dos livros nas estantes. Essa ilusão, ou esperança de ilusão dissipou-se assim que sua vista se adaptou à penumbra. Ninguém se mexia. Briony olhou por cima do ombro de Robbie e viu os olhos apavorados de sua irmã. Ele havia se virado para trás para ver quem tinha entrado, mas não soltou Cecília. Apertara seu corpo contra o dela, levantando-lhe a barra da saia acima do joelho, e a encurralara no ângulo reto formado pelas estantes. Com a mão esquerda atrás da nuca da moça agarrava-lhe o cabelo, e com a direita segurava-lhe o braço erguido num gesto de protesto, ou de autodefesa (McEWAN, 2002, p. 151).
Em contrapartida à interpretação da menina, apresenta-se o ponto de vista de Robbie e Cecilia: “Apoiada contra o canto pelo peso dele, ela mais uma vez pôs as mãos entrelaçadas atrás do pescoço de Robbie, apoiou os cotovelos em seus ombros e continuou a beijar-lhe o rosto […] Robbie contemplava a mulher, a moça, que conhecia desde pequeno […]” (McEWAN, 2012, p. 152). Ao focalizar a percepção do casal, o que se tem são dois amigos de infância e colegas de faculdade, que estão apaixonados. A partir da cena mostrada, uma sucessão de equívocos é feita pela protagonista, que vai modificar sua vida e mandar um inocente para a cadeia.
A função da personagem de ficção é enfatizada por Giörgy Lukács, quando afirma que os heróis do romance encaram uma busca constante precisando muitas vezes contornar uma situação durante essa busca. Podemos então dizer que a protagonista do romance incorpora esta característica, pois a atmosfera criada através do erro cometido, ao acusar Robbie de violentar Lola acarreta, com o passar dos anos, uma busca incessante da sua culpa em reparar a realidade, que ficara no passado. As lembranças do seu ato acompanham-na constantemente, refletindo na essência dos seus sentimentos. Pessoas reais podem passar por situação semelhante e, assim, por meio de Briony “recupera-se a referência ficcional, como processo de articulação da narrativa e da sua relação com o mundo” (REIS, 2001, p. 31).
Com isso, o romance moderno envolve em sua caracterização, os sentimentos de suas personagens, sua vida interior, seus sentimentos contraditórios. Para auxiliar ao leitor compreender a trajetória de expiação da culpa por parte da protagonista, o que se passa em sua mente, o tempo psicológico ganha as páginas do romance. Em Reflexões sobre o romance moderno,Rosenfeld (1969, p. 83) enfatiza que “a tentativa de reproduzir este fluxo de consciência - com uma fusão dos níveis temporais - leva à radicalização extrema do monólogo interior”. Este mecanismo é utilizado por McEwan para ressaltar o sentimento constante de culpa, provocado pela consequência da mentira, que acompanha a protagonista no decorrer de sua vida. Um exemplo significativo dessa característica é quando Fiona falava sobre seu irmão para Briony, enquanto passeavam no St. James's Park:
Fiona, ao seu lado, falava sobre seu irmãozinho adorado e o comentário inteligente que ele fizera no jantar, enquanto Briony fingia prestar atenção e pensava em Robbie. […] Se alguma coisa acontecesse com Robbie, se Cecília e Robbie jamais pudessem ficar juntos… […] A única situação concebível seria o passado não ter acontecido. […] Se Robbie não voltasse… […] Briony, você está bem? (McEWAN, 2002, p. 344-345).
Esta fusão do tempo cronológico com o psicológico requer uma maior atenção por parte do leitor ao tentar compreender a narrativa e os sentimentos da personagem. O fluxo de consciência da protagonista instaura a repetição constante que o peso da culpa representa na sua vida. As reflexões de Briony, sobre o erro cometido, fazem com que o passado venha a se repercutir no presente, perseguindo-a numa constante linear.
Diante destas observações, ressaltamos que Briony possui traços significativos ao que Forster (2005, p. 100) classifica como personagem redondo. A principal característica, segundo o autor é que esse tipo de personagem “é capaz de nos surpreender de maneira convincente” Neste sentido, na obra Reparação, cada página do romance vai desvelando o fio condutor que mescla arte e literatura a uma realidade vivida pela personagem principal. Briony surpreende o leitor do início ao fim da narrativa. A capacidade de acusação e a busca da reparação através da escrita do romance autobiográfico mostram a competência da protagonista.
Assim, a personagem principal impressiona o leitor, devido à aparência de vida própria, podendo ser possível penetrar na essência humana e issofaz com que o leitor perceba os dramas subjetivos vividos por tal personagem. Isto se torna mais nítido quando a heroína vai até a casa de sua irmã e a conversa que trava com Robbie acentua ainda mais o caráter surpreendente de sua atuação: “Você acha que eu ataquei sua prima?” […] “Sim, sim e não.” “E por que é que você tem tanta certeza agora?” […] “Porque cresci”. […] “Porque cresceu, repetiu.” […] “Quanto tempo você ainda precisa crescer?” (McEWAN, 2002, p. 409). Este discurso mostra o momento em que Briony percebe a gravidade do crime cometido ao estar diante do homem que, inocentemente mandou para a cadeia e para a Segunda Guerra Mundial.
Tal transgressão não se limita só ao encontro entre a acusadora e o acusado, mas marca as cicatrizes que este erro deixa na vida de Robbie, Cecilia e de Briony. A justificativa que a protagonista usa, afirmando ter crescido e deste momento em diante compreendido tudo que havia acontecido, culpa a inocência da menina fantasiosa e mimada de treze anos que comete o engano. A potencialidade de sua atuação vai se tornar ainda mais arrebatadora quando a relação entre ela e Robbie começa a ficar mais conflituosa.
A voz do narrador evidencia este fato quando ambos se calam e somente os olhos se comunicam, trazendo à tona o sentimento de Briony: “Estranho que, apesar de sua culpa, ela sentisse necessidade de resistir a ele. Se não resistisse, seria aniquilada” (McEWAN, 2002, p. 410). A protagonista se mantém firme diante da pessoa a qual mais causou mal durante toda a sua existência. Mesmo revelando que o estuprador de Lola fora Paul, agora casados, Briony concorda em iniciar com os procedimentos legais na tentativa de inocentar Robbie. A protagonista pode então, finalmente, resolver a problemática do passado. Na verdade o que dá ação à narrativa é um fato que ocorreu no passado, mas as questões são constantemente repercutidas no presente, através da expiação de culpa da personagem, sofrimento de Robbie na guerra e o distanciamento de Cecilia para com sua irmã.
O ponto de partida é a possível reconciliação com Robbie e Cecilia, quando o jovem casal apaixonado, deixa Briony partir numa calçada perto da estação de Balham, em Londres. Cada passo dado pela protagonista e cada pensamento elaborado por ela desse momento em diante, nutrem um único desejo: a possibilidade de uma reparação. O narrador sabe o que Briony está sentindo e é através das duas últimas frases que encerram a terceira seção da obra, que marca esse objetivo: “Sabia o que se exigia dela. Não apenas uma carta, mas uma reparação, e ela estava pronta para começar” (McEWAN, 2002, p. 418). Os pensamentos da personagem principal permitem que o leitor atento descubra que Briony tenta uma reparação através da escrita do romance, permitindo, então, a Robbie e Cecilia serem felizes na ficção. Ocorre, então, a onisciência, que de acordo com Friedman:
significa literalmente, aqui, um ponto de vista totalmente ilimitado - e, logo, difícil de controlar. A estória pode ser vista de um ou de todos os ângulos, à vontade: de um vantajoso e como que divino ponto além do tempo e do espaço, do centro, da periferia ou frontalmente. Não há nada que impeça o autor de escolher qualquer deles ou de alterar de um a outro o muito ou pouco que lhe aprouver (FRIEDMAN, 2002, p. 173).
Tal característica se intensifica na última seção do livro, que apresenta a protagonista como romancista consagrada, após ter participado da homenagem, preparada por seus familiares, na antiga propriedade da família Tallis. Na ocasião, Arabela em apuros, a peça escrita por Briony quando ela tinha apenas 13 anos, foi encenada para comemorar os setenta e sete anos de vida da protagonista.
Após sair de um consultório médico, no qual toma conhecimento que sofre de demência vascular, as suas emoções se intensificam ao pegar um táxi e avistar de longe, Lola e Paul no War Museum. Logo, Briony percebe que não pode publicar seu romance em vida, devido ao processo judicial que lhe seria aplicado. As lembranças vão fluindo em sua memória na medida em que o táxi se aproxima da mansão onde reside; a trajetória pelo bosque, a ponte, a ilha e as modificações na casa, a fazem relembrar o passado.
O ápice surpreendente do enredo acontece quando Briony revela numa narrativa em primeira pessoa ser a autora do romance Reparação. Como antes mencionado, já que se trata de uma personagem com personalidade marcante para o desenvolvimento da narrativa, por que não encontramos uma narradora autodiegética?1 Por que ela não narrou a própria história, mas usa a voz de outrem para fazê-la? Um drama vivido por um casal apaixonado e um erro cometido por uma menina de imaginação fértil é passível de ser contada em terceira pessoa?
Carlos Reis e Ana Cristina Lopes (REIS; LOPES, 1998, p. 126) afirmam que o narrador do nível extradiegético relata uma história em que pode ter tomado parte ou não. Desta forma, para a interpretação que se busca, a utilização deste método narrativo, considerando a possibilidade da narradora ser participante da história e, consequentemente um elemento de caráter diegético, leva a conclusão de que seu intuito é aproximar-se do leitor, para que ambos vejam a focalização por um mesmo ângulo.
É exatamente este universo que Briony cria em seu romance, pois o leitor não é informado que a protagonista está narrando sua autobiografia, ou seja, tudo o que permeia a narrativa é construído e focalizado de acordo com o ponto de vista da autora, narradora e personagem, utilizando uma narrativa em terceira pessoa. Ocorre com a protagonista algo que, muitas vezes, acontece com as pessoas, pois, de uma certa maneira, assumimos o papel de personagens e narradores de histórias que marcaram a nossa vida. Pode-se dizer que, assim, “unidos, enredo e personagem fazem parte de um todo consensual, no qual a personagem deve parecer tão perto do real quanto possível, deve ter vida, ser um ser vivo aproveitando os limites de sua própria realidade” (MIGUEL, s.p, 2016).
Após as comemorações de seu aniversário de setenta anos, sentada diante de sua escrivaninha, a romancista rememora os dois últimos dias que se passaram. Concluindo suas considerações metaficcionais, Briony revela então, que o último romance teve versões diferentes:
Versão original, janeiro de 1940; última versão, março de 1999; entre uma e outra, meia dúzia de rascunhos diferentes. O segundo, junho de 1947; o terceiro… Que diferença faz? A tarefa que me impus há cinquenta e nove anos finalmente foi cumprida. Cometemos um crime - Lola, Marshall e eu - e, a partir da segunda versão, resolvi narrá-lo. Achei que tinha a obrigação de não disfarçar nada - nomes, lugares, circunstâncias exatas. Coloquei tudo no texto, por uma questão de exatidão histórica (McEWAN, 2002, p. 441).
A partir desse momento, a fantasia e a realidade da protagonista adulta e cheia de culpa, se separam, pois nem todos os fatos foram trazidos à tona. Há um oculto e a própria protagonista revela-o: “É só nesta última versão que o casal apaixonado termina bem, um ao lado do outro, numa calçada da zona sul de Londres, enquanto eu vou embora. Todas as versões anteriores eram impiedosas” (McEWAN, 2002, p. 442). E Briony continua:
Mas agora não posso mais achar que meu objetivo seria atingido se, por exemplo, eu tentasse convencer meu leitor, por meios diretos ou indiretos, de que Robbie Turner morreu de septicemia em Bray Dunes no dia primeiro de junho de 1949, ou que Cecilia foi morta em setembro do mesmo ano pela bomba que destruiu a estação de metrô de Balham. Que eu não cheguei a ver os dois naquele ano. Que minha caminhada em Londres terminou na igreja em Clapham Common, e que Briony, acovardada, voltou mancando para o hospital, incapaz de encarar sua irmã, que ainda se recuperava da morte de seu amado. Que as cartas trocadas estão nos arquivos do War Museum (MCEWAN, 2002, p. 442-443).
Então, a personagem principal segue se questionando:
Como um romance poderia terminar assim? Que sentido, que esperança, que satisfação o leitor poderia extrair de um final como esse? Quem ia querer acreditar que eles nunca mais voltaram a se ver, nunca consumaram seu amor? Quem ia querer acreditar nisso, a menos que fosse em nome do realismo mais árido? Não consegui fazer isso com eles. Estou velha demais, apaixonada demais por estes farrapos de vida que ainda me restam. […] depois que eu morrer, e que os Marshall morrerem, e o romance for finalmente publicado, nós só existiremos como invenções minhas. […] ninguém estará interessado em saber quais os eventos e quais os indivíduos que foram distorcidos no interesse da narrativa. Sei que haverá sempre um tipo de leitor que se sente obrigado a perguntar: mas, afinal, o que foi que realmente aconteceu de verdade? A resposta é simples: o casal apaixonado está vivo e feliz. Enquanto restar uma única cópia, um único exemplar datilografado de minha versão final, então minha irmã espontânea e fortuita e seu príncipe médico haverão de sobreviver no amor (MCEWAN, 2002, p. 443).
Com a constante mutabilidade do romance com o passar dos anos, as vertentes psicológicas das personagens tornam-se um tanto complicadas, fazendo com que seus atos deixassem de ser previsíveis, incorporando características mais intrigantes. O cuidado de McEwan ao criar Briony e desenvolver suas ações, intensifica uma personalidade tridimensional, em que através da tríade autora, narradora e personagem se desse o narrar autobiográfico.
No romance criado pela personagem, o pacto de veracidade com o leitor é rompido, uma vez que sua elaboração ocorre para reparar esteticamente, um acontecimento que através da ética não pôde se realizar. Contudo, Briony não pratica a humildade em narrar sua autobiografia em primeira pessoa, ao contrário, utiliza a terceira pessoa, revelando-se uma narradora que sabe tudo sobre os acontecimentos e pensamentos das demais personagens. A protagonista consegue manipular novamente tudo o que acontece, deixando uma dúvida ao leitor, sobre a veracidade dos fatos. Assim, é visível a intenção de Briony em possibilitar que leitor extraia de sua obra uma mensagem de amor e esperança, no qual o casal apaixonado vive um final feliz na ficção já que na realidade isso não foi possível.
Através de tal desfecho, a ficção preenche novamente as lacunas da realidade. A fantasia foi o elemento que impulsionou seu crime, mas foi também o principal elemento na tentativa de reparação. Com isso, a vida de Briony tanto molda como é moldada pela literatura e a peça Arabela em Apuros, exerce fundamental importância, pois é através dela que o ciclo de vida da protagonista inicia e também se encerra. A encenação da peça por seus descendentes remonta seu passado, o dia mais quente de verão de 1935, em que os primos vieram do norte e ela cometera seu crime. Ela pôde ver-se novamente como menina e relembrar os acontecimentos que motivaram a escrita do romance Reparação.
Embora a protagonista esteja consciente de que o que importa é a tentativa de reparação do erro, utilizando do poder de lidar com as palavras, revelado desde a infância e sua autonomia como romancista em decidir o final da história, o perdão lhe é negado. Briony, assim afirma:
Agrada-me pensar que não é por fraqueza nem por evasão, e sim como um gesto final de bondade, uma tomada de posição contra o esquecimento e o desespero, que deixo os jovens apaixonados viver e ficar juntos no final. Dei-lhes felicidade, mas não fui egoísta a ponto de fazê-los me perdoar. Não exatamente, não ainda. Se eu tivesse o poder de evocá-los na minha festa de aniversário… Robbie e Cecília, ainda vivos, apaixonados, sentados lado a lado na biblioteca, sorrindo de Arabella em apuros? Não é impossível. Mas agora preciso dormir (McEWAN, 2002, p. 444).
A atitude de Briony em permitir a vida e felicidade do casal apaixonado no final do seu romance não inclui por completo o perdão e, talvez, uma reconciliação. Porém, num jogo metaficcional de palavras, a romancista deixa explícita a vontade de evocá-los em sua festa de aniversário. Mas o que está novamente atrás das máscaras é, talvez, o desejo de receber o perdão e, quem sabe, escrever um último capítulo, reconciliando-se com Robbie e Cecilia e ao lado deles, sorrir e se emocionar através da encenação de Arabella em Apuros na biblioteca, o lugar em que o casal apaixonado fez amor pela primeira e única vez.
É por meio da ficção que Briony exerce sua liberdade como personagem, narradora e autora dentro do romance de McEwan, deixando transparecer a seus leitores, a liberdade que possuem em aceitar ou não, a produção de sua obra. Através do fluxo de consciência da protagonista, é possível fazer uma leitura dos seus sentimentos e perceber, que está realmente arrependida do que fez.
Considerações finais
O objetivo geral deste trabalho foi analisar como ocorre a trajetória da protagonista, Briony, na obra Reparação, de Ian McEwan. Optou-se por enfocar este objeto de estudo, devido à importância das novas maneiras de se representar a realidade, incorporadas no romance moderno e nas personagens que movimentam este tipo de narrativa.
Ian McEwan foi categórico na elaboração da personalidade e da profundidade dos pensamentos e ações da protagonista, classificada no pólo em que Antonio Cândido (1976, p. 70) caracteriza como “uma invenção totalmente imaginária”. Porém, representa fielmente os dramas humanos e através da sua atuação na obra, é possível refletir sobre as condições humanas, seus enganos, limites, sensações, emoções e arrependimentos. Retomando o viés teórico adotado para análise, notamos que a protagonista toma consciência de seu próprio comportamento, por isso tenta reparar o erro que cometeu, exatamente como pode acontece com algumas pessoas reais. Qualquer leitor pode se identificar com as ações de Briony, uma vez que, a obra literária, representa a realidade.
Percebemos que a literatura no romance se manifesta através de dois modos distintos: para cometer e reparar o erro. No romance, a realidade se funde com a ficção e através dela, a protagonista recria a realidade acusando Robbie de estuprar sua prima Lola e novamente, ao escrever seu romance, permite uma vida feliz e unida entre o casal apaixonado, na tentativa de reparar o mal que causara. Mas o perdão não lhe foi concedido, o que abre uma lacuna para o inacabamento da reparação, que só se conceberia por completo, se o casal realmente perdoasse e se reconciliasse com Briony.
A leitura sobre a trajetória da protagonista na obra Reparação proposta neste artigo, não é a única, tampouco seria nossa intenção esgotar as várias possibilidades de reflexão e discussão deste romance. McEwan (2002) criou uma narrativa permeada de sentidos capaz de ser alvo de diversas interpretações, dependendo do ponto de vista teórico adotado.
A análise da protagonista com base nos postulados teóricos abordados acerca da personagem de ficção, as características da metaficção e os estudos sobre o narrador, analisados no romance Reparação, permitiram interpretar que os aspectos da narrativa moderna moldaram a construção e a função da personagem principal e também, influenciaram em sua trajetória. A escrita do romance por parte da protagonista foi uma maneira de tentar reparar o erro cometido contra Robbie e Cecilia.
Concluímos que Briony Tallis permite ao leitor uma possível identificação, pois muitos de nós já cometemos erros e tentamos repará-los. Logo, a relação entre ética e estética, erro e reparação através da escrita do romance pela protagonista desvenda o que McEwan coloca atrás das máscaras: a natureza humana, ao mesmo tempo, evidencia a questão da arte da literatura ao possibilitar uma possível identificação dos seres humanos com as personagens ficcionais.
Referências
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- REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina. Dicionário de teoria da narrativa. Ática, 1988.
- REIS, Carlos. O conhecimento da literatura Introdução aos Estudos Literários. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001.
- KRAUSE, Gustavo Bernardo. O livro da metaficção. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2017
Histórico
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Recebido
15 Nov 2016 -
Aceito
09 Fev 2017