Barreiras que afetam a sustentabilidade financeira de sistemas de gerenciamento integrado de resíduos sólidos urbanos

Barriers that affect the financial sustainability of integrated management systems of urban solid waste

Resumo

O gerenciamento integrado d resíduos sólidos urbanos (GIRSU) é considerado um desafio pelos municípios por diversos fatores, sendo o principal a alta demanda financeira do processo. A ineficiência na prestação desse serviço está associada à falta de entendimento sobre os diversos elementos que afetam todo o sistema de gerenciamento, dificultando a tomada de decisão pelos gestores. Desta forma, este artigo tem como objetivo identificar as barreiras que afetam a sustentabilidade financeira do GIRSU. A pesquisa bibliográfica selecionou 48 artigos nas bases Scopus e Web of Science, empregando o método Smart bibliometrics para subsidiar a análise sistemática. Os elementos foram apresentados e discutidos o potencial de influência sobre o sistema de gerenciamento de resíduos, em quais países decorrentes do nível de desenvolvimento tiveram mais trabalhos publicados na área e uma discussão sobre cada elemento apontado. Os resultados identificaram lacunas de pesquisa como a ausência de uma análise em que considere a inter-relação entre os elementos levantados, e ausência de estudos acerca dos métodos que podem ser utilizados para isso. Esse estudo fornece importantes contribuições a fim de planejar, alterar ou implementar sistemas de GIRSU nos municípios cidades, fornecendo informações sobre os elementos críticos que afetam a sustentabilidade financeira do gerenciamento dos RSU.

Palavras-chave:
Gestão de resíduos sólidos municipais; autossuficiência financeira; análise econômica

Abstract

The integrated management of urban solid waste (IMUSW) is considered a challenge by cities due to several factors, the main one being the high financial demand of the process. Inefficiency in providing this service is associated with a lack of understanding about the various elements that affect the entire management system, making decision-making difficult for managers. Therefore, this article aims to identify the barriers that affect financial sustainability in IMUSW. The bibliographic research selected 48 articles in the Scopus and Web of Science databases, using the Smart bibliometrics method to support the systematic analysis. The elements were presented and discussed about the potential influence on the waste management system, in which countries due to the level of development had the most published works in the area and a discussion about each element highlighted. The results identified research gaps such as the absence of an analysis that considers the interrelationship between the elements raised, and the absence of studies on the methods that can be used for this. This study provides important contributions in order to plan, change or implement IMUSW systems in cities, providing information on the critical elements that affect the financial sustainability of USW management..

Keywords:
Municipal solid waste management; financial self-sufficiency; economic analysis

Introdução

O gerenciamento dos resíduos sólidos tornou-se uma das questões que mais desafia os governos devido à crescente geração desses resíduos, à sobrecarga no orçamento municipal e à falta de entendimento sobre uma diversidade de fatores que afetam as diferentes etapas desse processo (Abdel-Shafy & Mansour, 2018; Guerrero et al., 2013; Retuerto et al., 2021; Wang & You, 2021). Mais de 2 bilhões de toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) são gerados globalmente a cada ano, e isso aumentará em quase 70% até 2050 sem ação urgente. Desses resíduos gerados em escala municipal, 33% não é gerenciado de maneira ambientalmente adequada (Kaza et al., 2018).

A complexidade do gerenciamento dos resíduos se dá em termos das inúmeras variáveis que compõem o sistema (Sancheta et al., 2021) e das várias mudanças que ele sofre ao longo do tempo. Essas mudanças advêm do aumento da quantidade e diversidade de resíduos sólidos gerados (Fidelis et al., 2020), da implementação mais ou menos efetiva de políticas públicas (Xiao et al., 2020), e principalmente devido aos custos para gerir o grande volume de RSU (Alzamora & Barros, 2020; Cetrulo et al., 2018; Fidelis et al., 2020; Lee-Geiller & Kütting, 2021).

Neste sentido, um dos principais aspectos para se alcançar um eficiente gerenciamento dos RSU é a questão ligada à sustentabilidade financeira, que é definida como um conjunto de estratégias financeiras, procedimentos administrativos, contábeis e operacionais, que visam garantir operações ininterruptas, na qual a instituição possui a capacidade de cumprir financeiramente com suas obrigações presentes e futuras (Hurst & Lusardi, 2004; Kakati & Roy, 2021). Do ponto de vista da sustentabilidade financeira do Gerenciamento Integrado dos Resíduos Sólidos Urbanos (GIRSU), o que se quer é garantir a prestação dos serviços de coleta, transporte, transbordo, destinação final (reciclagem, compostagem, aproveitamento energético) e disposição final ambientalmente adequada, de forma a cobrir financeiramente todos os custos, bem como a expansão que acompanha o crescimento populacional e as incertezas futuras, mantendo o equilíbrio financeiro.

Espera-se que o custo de gerenciamento de RSU no mundo atinja um crescimento de quase 100% em 2025, aumentando de R$ 1 trilhão para quase R$ 2 trilhões (Razzaq et al., 2021). Em países emergentes, segundo o Banco Mundial (2018), os gastos com gerenciamento de RSU representam até 20% do orçamento municipal (Kaza et al., 2018), um número significativo considerando a variedade de serviços públicos. No Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), as despesas per capita para gerenciar RSU nos municípios aumentaram 13,2% entre 2017 e 2019 (Brasil, 2020) alcançando R$ 25 bilhões em 2020 (Brasil, 2022). Diante desse contexto, as autoridades públicas têm sido desafiadas a gerir o sistema de GIRSU e sua complexidade, ao mesmo tempo que mantém a sustentabilidade financeira dos serviços e atendam aos elementos compulsórios de suas políticas de resíduos.

Desta forma, o presente trabalho visa elucidar o seguinte questionamento: Quais as lacunas apontadas pela literatura acerca dos elementos que afetam a sustentabilidade financeira do GIRSU nos municípios?

Sendo assim, a principal contribuição deste artigo foi identificar, por meio de revisão sistematizada da literatura, as lacunas que ainda precisam ser preenchidas em relação aos elementos que, por sua complexidade e temporalidade, dificultam os países alcançarem a sustentabilidade financeira no GIRSU.

Metodologia

A metodologia deste artigo foi desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e sistemática. A pesquisa bibliográfica analisa materiais publicados que fornecem exame da literatura recente e atual e pode cobrir uma ampla gama de assuntos em vários níveis de completude e abrangência. Pode incluir descobertas de pesquisas e oferecer novas perspectivas sobre uma questão ou destacar uma área em necessidade de mais pesquisas. A pesquisa sistemática procura por meio de elementos de interesse avaliar sistematicamente os artigos selecionados e sintetizar evidências de pesquisa (Dang & Weiss, 2021; Grant & Booth, 2009).

Em função disso, os passos seguidos para a definição do portfólio de artigos, ou seja, seleção dos artigos que efetivamente irão contribuir para responder à pergunta desta pesquisa, são apresentados na Figura 1.

Figura 1
– Passos para obtenção do portfólio de artigos. Fonte: Autores.

Após a etapa de definição da pergunta de pesquisa, realizou-se a etapa de definição dos termos de busca. Pesquisou-se termos de busca em artigos, livros e documentos relacionados a temática e os termos identificados foram então inseridos nas bases de dados para proceder com a seleção dos artigos.

Foram escolhidas as bases de dados Scopus e Web of Science devido à maior relevância para a busca da literatura científica (Khudzari et al., 2018; Solis et al., 2019), assim como sua ampla cobertura que possibilita alcançar maior número de artigos (Salvador et al., 2019).

A busca nas bases de dados desenvolveu-se por meio da combinação dos termos de busca da Tabela 1 e utilização de operadores booleanos, que atuam como palavras que informam ao sistema de busca como combinar os termos da pesquisa, sendo utilizados OR e AND, e significam, respectivamente, OU e E. Além disso, a delimitação temporal da busca abrangeu entre 1 de março de 2017 e 17 de março de 2022, ou seja, foram considerados os artigos dos últimos 5 anos com intuito de alcançar os estudos mais recentes.

Tabela 1
– Combinações de termos de busca utilizados para pesquisa nas bases

Termos de busca
financial* sustainab*, financial* stability, financial* viability, financial* viable, financial* self-sufficiency, financial* evaluation, balance financial*, financial* independence, financial* analysis, financial* commitment, financial* planning, financial* performance, financial* efficiency, economic* sustainab*, economic* stability, economic* viability, economic* viable, economic* self-sufficiency, economic* evaluation, balance economic*, economic* independence, economic* analysis, economic* commitment, economic* planning, economic* performance, economic* efficiency	municipal solid waste, urban solid waste	management, governance

• Fonte: Autores.

Foram considerados somente artigos de pesquisa, e os termos de busca foram delimitados aos títulos, palavras-chave e resumos, resultando em um total bruto de 356 artigos. Feito isso, foi utilizado o método Smart bibliometrics, a fim de compilar os artigos encontrados nas bases de dados em um único documento em planilha excel, e padronizar as informações, como ano, título, autores, fator de impacto, número de citações, palavras-chave e resumo, para analisar e filtrar os resultados. Este método é empregado no ambiente de pesquisa para fornecer uma visão geral do estado da arte do conhecimento científico sobre determinado tema, sendo uma técnica importante para orientar a seleção do repertório bibliográfico e fundamentar a discussão teórica (Pessin et al., 2022). Com o cadastro realizado na plataforma do Smart bibliometrics, são inseridos os documentos em PDF gerados nas bases de dados da pesquisa inicialmente realizada, e assim o software gera o resultado compilado compatível com planilha excel.

Posteriormente, realizou-se a etapa de filtragem dos artigos, sendo eliminadas as duplicidades e os artigos cujo título, resumo e palavras-chave não condiziam com o tema pesquisado.

Na última etapa, os 130 artigos foram lidos integralmente para verificar sua compatibilidade com a pergunta de pesquisa anteriormente citada. Desses, 48 foram selecionados para confecção do portfólio final de artigos.

Resultados e discussão

De acordo com Chaves et al. (2020) e Byamba & Ishikawa (2017), existe um despreparo dos municípios para um GIRSU eficiente que se desdobra em múltiplas dimensões, sendo a interconectividade dos elementos importante para a funcionalidade e desempenho geral do sistema. Portanto, a análise precisa considerar aspectos de gestão, econômico-financeiros, políticos e sociais, pois as abordagens integradas são uma ferramenta promissora para enfrentar a situação atual do gerenciamento de resíduos, especialmente nos países emergentes.

Sendo assim, a seguir são apresentadas e discutidas as principais dimensões e seus elementos que afetam a sustentabilidade financeira do GIRSU.

Dimensão de gestão

O GIRSU pode ser dividido em três atividades principais, de acordo com equipamentos e operacionalização dos serviços oferecidos pelas prefeituras municipais, sendo: coleta e transporte, destinação final e disposição final de rejeitos (Di Maria & Micale, 2013). Dos artigos selecionados, 38% indicaram que os elementos de coleta e transporte são os que representam a maior parcela de gastos municipais para esse serviço. De acordo com Guerrero et al. (2013), Di Maria & Micale (2014), Colvero et al. (2020) e Benitez-Bravo et al. (2021) de 70% a 95% do custo total de gerenciamento de RSU pode ser decorrente dos componentes de coleta e transporte. Em países em desenvolvimento, isso é devido ao modelo de gestão de RSU adotado, geralmente insuficiente com uma cobertura incompleta de coleta de resíduos, baixas taxas de separação na fonte e recuperação desses resíduos (Colvero et al., 2020), além de rotas sem planejamento e/ou revisão com o tempo (Benitez-Bravo et al., 2021). Nos países desenvolvidos, o modelo de gerenciamento de RSU está focado na hierarquia da gestão de resíduos, que consiste em redução da geração, reutilização, recuperação e disposição (Colvero et al., 2020). Isso retrata como o gerenciamento de RSU segue caminhos distintos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Nas cidades latino-americanas, o método de coleta de RSU do tipo porta-a-porta é o mais usual, empregando caminhões de carga traseira equipados com motores à diesel os quais suportam viagens de longa distância, incorrendo em despesas consideráveis com consumo de combustível, manutenção dos caminhões, e com os salários da equipe de coleta (Souza et al., 2021). D’Onza et al. (2016) relatam que os custos do serviço de coleta de resíduos aumentam quando métodos de coleta seletiva são incorporados ao sistema. Para tanto, estratégias de separação na fonte e oferecimento do estrato para a coleta de matéria orgânica, papel/papelão, vidro, plástico, pilhas etc., devem ser planejadas e executadas para o melhor dimensionamento de insumos. Esses fatores estão na base dos aumentos de custos frequentemente observados com a coleta seletiva de RSU (Campos-Alba et al., 2021b; Chifari et al., 2017). No entanto D'Onza et al. (2016) afirmam que quando a proporção de resíduos oriundos da coleta seletiva aumenta no total de resíduos coletados, há melhor aproveitamento dos recursos desse serviço. Essa melhoria na capacidade de coleta, por sua vez, pode proporcionar futuramente a sustentabilidade financeira do processo ao gerar economias de escala para cada tipo de resíduo. A eficiência do gerenciamento de resíduos é potencializada pela coleta seletiva, quando essa seleção envolve pelo menos o ciclo completo de papel, vidro e plástico (Campos-Alba et al., 2021), e quando se implementa conjuntamente a educação ambiental (Galavote et al., 2023). Os municípios que realizam a coleta seletiva de resíduos, com exceção dos menores, possuem maior autossuficiência financeira, isto é, maior capacidade de cobrir as despesas com os serviços de manejo de RSU, com as receitas arrecadadas com tais serviços.

Ambas as etapas do gerenciamento de RSU de destinação e disposição final foram apontadas como principais elementos que afetam o equilíbrio financeiro das prefeituras em 11 artigos, totalizando 23% do portfólio. Juntas essas etapas podem chegar a comprometer de 15% a 20% do orçamento municipal total, a depender da tecnologia empregada (Yadav et al., 2018). Apesar da semelhança levantada neste estudo no peso desses elementos na sustentabilidade financeira das prefeituras, Hernández (2021) aponta que a disposição final representa cerca de 14% dos gastos com o gerenciamento dos RSU, devido às taxas de despejo dos rejeitos em aterro sanitário. E apenas uma pequena parcela dos gastos totais, menor que 5%, é atribuível à destinação de RSU, sendo decorrente da quantidade deficiente de resíduos reciclados nas cidades em torno do mundo.

De acordo com Matheson (2022), países com taxas de reciclagem mais elevadas alcançam melhores índices de autossuficiência financeira, sendo encontrados em países desenvolvidos, pois implementam vários programas para promover a reciclagem (Chifari et al., 2017). Enquanto isso, países em desenvolvimento enfrentam obstáculos para atingirem os objetivos da reciclagem, dentre os quais: falta de vontade política, políticas públicas sem foco na reciclagem, falta de inclusão dos catadores, fundos insuficientes, ausência de programas educacionais, e nenhuma política relacionada à implementação da economia circular (Dutra et al., 2018; Araya-Córdova et al., 2021).

A recuperação energética de RSU como uma alternativa à disposição dos mesmos em aterros sanitários é crescente, sendo a tecnologia Waste to Energy (WtE) frequentemente vista como uma opção, pois elimina o desperdício e possibilita a produção de energia (Azis et al., 2021). No entanto, é uma alternativa que ainda requer mais estudos, pois pode acarretar um impacto negativo na sustentabilidade financeira devido ao custo necessário para investimento inicial, e operacional, sendo por isso algo ainda distante da realidade de países de menor renda (Agaton et al., 2020). Nos países em desenvolvimento o aterro sanitário ainda é o método de disposição final preferido, por ser o mais barato (Galavote et al., 2022). No Brasil, por exemplo, houve um aumento de 73% no uso dos aterros sanitários, passando de 33 milhões de toneladas por ano (2010) para 48 milhões de toneladas (2020) (Brasil, 2022). Segundo o SNIS 2020 o percentual com descarte inadequado foi de 15% para lixões a céu aberto e 12% para aterros controlados (Brasil, 2022). Um grande desafio para os países em desenvolvimento é a transição do atual modelo de gestão de resíduos baseado no aterramento para um modelo voltado para a coleta seletiva, reciclagem e inclusão social (Dutra et al., 2018; Azis et al. 2021).

Sendo assim, a tecnologia relacionada à equipamentos, veículos e inovações na área do gerenciamento dos resíduos, é outro elemento que afeta a sustentabilidade financeira, sendo apontada em 17% do portfólio. São necessários melhores sistemas para melhorar as práticas de gerenciamento e descarte de resíduos, sendo necessários investimentos em tecnologias que promovam a redução da geração de resíduos, priorizando a prevenção e a recuperação de recursos, e a melhoria das vantagens operacionais da sustentabilidade financeira municipal (Bui et al., 2020). Devido ao grau de desenvolvimento e acesso a recursos, os países desenvolvidos são os que se encontram mais próximos a alcançar essa sustentabilidade, baseada na estratégia de desperdício zero, princípios de economia circular, recuperação de energia a partir de tratamentos térmicos aplicados aos resíduos (Islam & Jashimuddin, 2017), e políticas avançadas de sistemas de cobrança (Alzamora & Barros, 2020). Por exemplo, na Europa, abordagens de logística reversa ou transformação de resíduos para energia são geralmente incentivadas, sendo o aterro considerado a última opção (Trulli et al., 2018).

A ausência de planejamento (13%) e ausência de informações (9%) também foram importantes barreiras de gerenciamento apontadas que afetam a sustentabilidade financeira, com maior destaque para os países em desenvolvimento. A falta de planejamento adequado para o gerenciamento de resíduos sólidos acarreta elevação de custos com o manejo desses resíduos e prejuízos à qualidade de vida da população e ao ambiente (Ferreira & Barros, 2021). E para planejar e melhorar o complexo manejo de RSU, é necessário conhecer o sistema. Nesse sentido, Pisani et al. (2018) indicam que a previsão dos índices de geração de RSU é requisito fundamental para o planejamento das operações e processos envolvidos na cadeia de gerenciamento de resíduos. Além disso, tais previsões são necessárias para estimar volumes totais de RSU para especificar a vida útil dos equipamentos empregados no gerenciamento de resíduos, bem como do aterro sanitário. Dessa forma, a falta e a confiabilidade de dados sobre o gerenciamento dos RSU são entraves graves, constituindo uma barreira à ação ou permitindo suposições incorretas.

Segundo Dutra et al. (2018) a falta de informações sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos não é um obstáculo apenas no Brasil, mas também em muitos países da América Latina e até nos Estados Unidos da América (EUA). Isso dificulta o desenvolvimento de um mercado de reciclagem, chave para a construção de um modelo de GIRSU e aproveitamento dos preceitos da economia circular. Rebehy et al. (2017) destacam ainda que a ausência de planejamento e informações dificultam a implantação de sistemas efetivos de cobrança pelos serviços prestados pelos titulares, inviabilizando o aumento de recursos, refletindo na dificuldade financeira enfrentada pelas cidades.

O processo de tomada de decisão pelos gestores, elemento apontado em 6% do portfólio, é uma importante barreira à sustentabilidade financeira, quando não são analisadas as variáveis que integram o sistema de gerenciamento de resíduos e realizada a avaliação econômica dos diferentes cenários (Vargas-Terranova et al., 2022). Como exemplo, o processo de tomada de decisão pode influenciar na definição da taxa aos grandes geradores de resíduos, no modelo de implantação e ampliação da coleta seletiva, na escolha do melhor método de disposição final e na definição do investimento dispendido para as melhorias no sistema. A decisão de escolher a alternativa mais adequada depende das prioridades dos decisores políticos, em que o cenário ideal é aquele no qual a qualidade na saúde humana e ambiental seja otimizada com um investimento e custo que se ajustem aos recursos disponíveis pelo Estado Federativo, ou seja, mantendo a sustentabilidade financeira (Mehta et al., 2018).

Vargas-Terranova et al. (2022) e Razzaq et al. (2021) afirmaram que a qualificação técnica é necessária para atender adequadamente as responsabilidades relacionadas ao gerenciamento dos RSU e alcançar a sustentabilidade financeira devida, sendo apontada em 4% do portfólio. Marino et al. (2018) apontam que cidades com nível maior de capacidade administrativa têm menos atrasos na implementação de programas governamentais e, por isso, mais chances de atingir o equilíbrio das contas no gerenciamento dos RSU, do que regiões com menos de 20.000 habitantes. Isso pode ser devido à necessidade das cidades pequenas de priorizar outros temas, como saúde, educação e superar questões culturais (Chaves et al., 2014). Além disso, o percentual de equipes consideradas multidisciplinares é extremamente baixo (2%), o que desperta sobre o despreparo das prefeituras para a busca de soluções e alternativas para viabilizar os planos municipais contornando restrições orçamentárias ou de mão de obra qualificada (Marino et al., 2018).

A ausência de fiscalização foi apontada em 2% do portfólio como barreira para o alcance da sustentabilidade financeira dos países, sendo citada para os países de maior renda. Razzaq et al. (2021) apontam que a falta de medidas adequadas em termos de policiamento ambiental está relacionada à má gestão dos RSU globais, e que o governo deveria incentivar e fiscalizar, implementando taxas ou multas municipais às partes interessadas que pertencem à indústria de reciclagem, para materiais não recicláveis. Além disso, o governo deveria estabelecer e fiscalizar um limite mínimo para todas as indústrias de acordo com o uso de material reciclável em seu processo produtivo, ao invés de depender de compromissos subjetivos.

Dimensão econômica

A limitação financeira-orçamentária, foi apontada em 17% do portfólio, sendo considerada um importante entrave para se alcançar a sustentabilidade financeira no gerenciamento dos RSU por diversos autores, como Bui et al. (2020), Araya-Cordova (2021), Habib et al. (2021) e Zilka et al. (2021). A dificuldade financeira enfrentada pelas cidades é apontada como um dos principais fatores que desencadeiam uma série de problemas no gerenciamento correto dos resíduos. É obstáculo para a implementação de políticas de saneamento e para a sustentabilidade financeira do GIRSU, o que também reflete em equipamentos e infraestruturas defasados, bem como em tecnologias desatualizadas (Cetrulo et al., 2018). A falta de recursos inviabiliza as mudanças necessárias no sistema para o alcance da sustentabilidade financeira, e é dada por: orçamentos inadequados, fluxo de caixa desequilibrado, tarifas desatualizadas, arrecadação insuficiente e inexistência de linhas de crédito (Leal Filho et al., 2016).

Nesse sentido a cobrança pelo gerenciamento dos resíduos é de extrema importância para melhorar a fonte de financiamento e equilibrar as contas dos titulares desse serviço, podendo variar de uma taxa fixa até o chamado ''pay as you throw" (PAYT), um sistema proporcional em que o valor total varia de acordo com os resíduos gerados individualmente (Alzamora & Barros, 2020). Há uma considerável variação entre os países nos sistemas de cobrança e preços, geralmente quanto mais desenvolvido um país, mais sofisticado ele é em termos de esquemas de cobrança.

Possibilidades de minimização dos custos do gerenciamento podem ser encontradas em processos de regionalização (Chen et al., 2018; Patouillard et al., 2018; Zhang et al., 2018), em que apresentam-se como solução para a determinação de arranjos geoespaciais que apontem para uma gestão consorciada, com ganhos de escala e compartilhamento de infraestrutura (Wang et al., 2020). A geolocalização de plantas administrativas de GIRSU tem se mostrado de grande valia para racionalizar diversos processos com foco em economicidade espacial e pode reduzir custos operacionais, sobretudo os associados com a coleta, pois diminui o percurso necessário a ser percorrido pelos caminhões (Richter et al., 2021). A regionalização dos serviços relacionados ao gerenciamento dos resíduos sólidos leva em consideração as características socioeconômicas e demográficas das unidades geográficas, tais como estados, cidades ou bairros (Campos-Alba et al., 2021). É uma prática conhecida em todo o mundo, com desdobramentos no desenvolvimento de sistemas de gerenciamento solidário entre municípios, de forma abrangente, integrada e eficiente, com visão estratégica focada na sustentabilidade financeira dos sistemas.

Os incentivos também são instrumentos considerados que trazem desoneração para o sistema de GIRSU, podendo ser: incentivo monetário, incentivo de enquadramento ambiental, incentivo institucional e incentivo moral (Lu & Wang, 2022). Dentre eles, o incentivo monetário é a estratégia mais eficaz, pois pode exercer uma influência significativa sobre o comportamento pró-ambiental das pessoas, sendo uma das intervenções governamentais mais eficazes e universais para impulsionar a reciclagem e obter sucesso no sistema de gerenciamento (Fan et al., 2019; Lu & Wang, 2022). Exemplos de implementação de subsídios voltados para a desoneração da cadeia podem ser: subsídio para instituições terceirizadas de descarte de resíduo, subsídio para instituição estatal de descarte de resíduo, subsídio voltado para a pesquisa e desenvolvimento para tecnologia verde, e subsídio para publicidade governamental (Sun et al., 2021). Estes autores demonstraram que a maior probabilidade de se obter sucesso com esse instrumento é quando há múltiplas políticas de subsídios, porém, se o subsídio é demasiado, isso pode levar a um desperdício das finanças governamentais, o que indica a importância de se estabelecer um valor monetário adequado para trazer benefício para a sustentabilidade financeira do sistema, e não o contrário.

Dimensão das políticas públicas

No âmbito político a ausência de interesse político em assuntos relacionados ao gerenciamento dos resíduos sólidos foi o elemento que obteve maior destaque para o alcance da sustentabilidade financeira no manejo dos RSU, sendo citado em 13% do portfólio, e considerado uma barreira tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento. Araya-Córdova et al. (2021) apontam que a falta de interesse governamental é um fator que pode impedir os países em desenvolvimento de atingir os objetivos da reciclagem e do GIRSU. A falta de vontade política também foi retratada por Oduro-Appiah et al. (2017) em um trabalho em que avaliaram o sistema de gestão de resíduos sólidos de Gana. Os autores indicaram uma taxa de reciclagem de 5% alegando esse baixo índice à falta de interesse político em desviar os resíduos da disposição final.

A falta de políticas específicas relacionadas ao gerenciamento de resíduos sólidos, a ausência de regras e regulamentações, a ausência de programas educacionais em todos os níveis, e nenhuma política relacionada a preservar ou criar uma economia circular são fatores apontados em 6% do portfólio como dificuldades a serem enfrentadas para alcançar a sustentabilidade financeira no gerenciamento dos RSU, tanto em países subdesenvolvidos, quanto em desenvolvimento. Porém, o número de estudos que retratam a ausência ou rigidez de políticas voltadas para o GIRSU nos países desenvolvidos foi maior neste trabalho, e pode indicar que apesar de estarem a frente dos países de menor renda na questão sobre o gerenciamento dos resíduos, ainda há que se melhorar a implementação de políticas para esse fim.

Razzaq et al. (2021) apontam a necessidade de se haver leis rígidas que incentivem o uso de materiais recicláveis no processo produtivo de empresas, de forma a impulsionar a reciclagem e o equilíbrio financeiro das contas das prefeituras, e estimular a produção ecologicamente correta. Nos países desenvolvidos os custos para gerenciar os RSU diminuíram devido às políticas nacionais de gestão de resíduos. Em alguns países da UE, como Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda e Suécia, a implementação de políticas públicas visando a adoção de práticas para redução, prevenção e não geração de resíduos sólidos elevou as taxas de reutilização de resíduos sólidos, reciclagem, incineração (com recuperação de energia) e/ou compostagem para 95% (Paes et al., 2020). O governo dinamarquês adotou várias medidas políticas paralelamente ao esforço da UE, como redução do aterro, aumento da reciclagem e melhora da compostagem. Como resultado, no período de 1993 a 2018, a recuperação de RSU aumentou de 80% para 99%, a compostagem aumentou de 9% para 17% e o aterro diminuiu de 20% para 1% (Magazzino et al., 2021). Isso demonstra a importância das políticas de resíduos, bem como de sua constante atualização para se adequar à novos caminhos que convergem no equilíbrio das contas dos titulares dos serviços de gerenciamento de RSU.

A ausência de penalidades foi ressaltada em 4% do portfólio e são consideradas instrumentos fiscais muito utilizados nos países, de fácil implementação e que fortalecem a base financeira das instituições gestoras (Habib et al., 2021; Matheson, 2022). Habib et al. (2021) enfatizaram a necessidade de imposição de multas pelos governos aos poluidores, para que se tornem responsáveis pela geração de resíduos. Essa prática deve ser executada nas cidades, a fim de reduzir ao máximo a geração de resíduos, e diminuir os encargos financeiros públicos para gerenciar os mesmos. Para isso as penalidades devem ser de valor suficientemente adequado e aplicadas de forma eficiente, uma vez que multas com valores ínfimos não impedem o despejo ilegal, mesmo que haja o risco, e multas com valores expressivos, cada vez mais comuns em países em desenvolvimento, muitas vezes não são aplicadas, devido ao policiamento inadequado e à inacessibilidade.

As penalidades por despejo ilegal é uma estratégia utilizada pela maioria dos países e são um instrumento importante para alterar o comportamento do gerenciamento de resíduos, particularmente em sociedades onde está enraizada a cultura pelo despejo de resíduos. Mas para cumprir essa função, o gerenciamento deve ser punitivo, mas acessível para a população-alvo, e recursos públicos devem ser alocados de forma suficiente para garantir um risco razoável de detecção (Matheson, 2022).

A falta de implementação de políticas de cobrança, foi um elemento apontado como barreira para a sustentabilidade financeira em 2% do portfólio. Para o sistema de gerenciamento ser financeiramente sustentável, as cobranças pela coleta e destinação de resíduos devem ser impostas aos usuários, isso proporcionará mais receita para a agência, melhorando assim o desempenho (Muhammad & Salihi, 2018). Os países desenvolvidos estão à frente não apenas em termos de existência de sistemas de cobrança, mas também em seu tipo, com uma presença maior de PAYT em seus territórios. Os países subdesenvolvidos priorizam sua atenção em outros departamentos da gestão pública, e por isso são deficientes na prestação desse serviço e não cobram. Já os países em desenvolvimento ainda não cobram e/ou lutam para universalizar a cobrança, já que a maioria dos municípios ainda financia o serviço por meio de impostos gerais. Quando utilizada, a forma de cobrança geralmente escolhida é a tarifa fixa, por sua simplicidade de cálculo e entendimento (Alzamora & Barros, 2020).

Rebehy et al. (2017) ao estudar a gestão de RSU no Brasil, indica que a ausência de políticas e sistemas efetivos de cobrança pelos serviços prestados ou disponibilizados pelos municípios, tem reflexo na falta de recursos enfrentada pelas cidades. De acordo com Segala (2014) essa ausência é causada por fatores como decadência política, dificuldades em estabelecer métodos adequados e justos de cobrança, dificuldades em medir os resíduos gerados individualmente e falta de planejamento. Para melhorias nos sistemas de cobrança é necessária não apenas a presença de um marco legal, mas uma maior maturidade na gestão dos resíduos (Alzamora & Barros, 2020).

Dimensão social

A falta de participação efetiva da população foi apontada em 13% do portfólio, como elemento que afeta os países a alcançarem a sustentabilidade financeira no gerenciamento dos resíduos. Somente com a participação da população, programas de reciclagem e pagamento por produção de resíduo obtêm sucesso, sendo maiores dificultadores quando implementados em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A mudança comportamental e a conscientização devem andar concomitante às metas estabelecidas para melhoria ambiental e a sustentabilidade financeira, orientando o público com etapas claras e resultados que ser alcançar. Sem conhecer o impacto de suas ações, o público fica menos motivado e menos propenso a responder a quaisquer novas políticas e programas. Portanto, apresentar programas educacionais que reflitam a situação atual dos resíduos auxilia a alcançar uma mudança comportamental, sendo necessário o envolvimento de todas as partes interessadas para avançar na modernização do gerenciamento dos resíduos (Byamba & Ishikawa, 2017). A população deve ser um elemento que deve fazer parte do planejamento do gerenciamento dos RSU, do contrário provavelmente o sistema terá insucesso.

Nos países em que atuam, o fortalecimento da organização de catadores de materiais recicláveis demonstrou ser de grande importância para a sustentabilidade financeira do GIRSU, conforme pode ser observado em 9% do portfólio. Diversos estudos comprovam que a participação dos catadores dentro da cadeia de gerenciamento dos resíduos representa economia de recursos para o Sistema Municipal de Resíduos Sólidos (Dutra et al., 2018; Ghisolfi et al., 2017; Lima & Mancini, 2017). Segundo Aparcana (2017) o setor informal contribui significativamente para as taxas de reciclagem de muitas cidades em países de baixa e média renda, reduzindo assim o volume de resíduos depositados em aterros, poluição ambiental, criando ao mesmo tempo valor agregado local através do mercado de reciclagem, além de oportunidades de emprego. Sendo assim, o seu não envolvimento está atrelado a perda de receitas corroborando para que o sistema tenha insustentabilidade financeira.

A Figura 2 apresenta um resumo detalhado dos resultados e discussão apresentada, e representa a classificação dos elementos nas dimensões que afetam a sustentabilidade financeira do GIRSU, levantados neste estudo. Os números e o percentual indicam a quantidade de artigos publicados que apontaram o elemento levantado, indicando o potencial de influência desse elemento sobre a sustentabilidade financeira do GIRSU. A barra e as cores demonstram a quantidade e em quais países de acordo com o nível de desenvolvimento deles, tiveram mais artigos publicados na área, adotando amarelo para países subdesenvolvidos, azul para em desenvolvimento, e verde para desenvolvidos.

Figura 2
- Dimensões e elementos que afetam a sustentabilidade financeira do GIRSU, de acordo com o nível de desenvolvimento dos países. Fonte: Autores.

Conclusões

Neste estudo foi proposto o levantamento das lacunas apontadas pela literatura acerca dos elementos que afetam a sustentabilidade financeira do GIRSU nos municípios, em diferentes países.

Esses resultados demonstram que apesar da sustentabilidade financeira do GIRSU ser uma problemática que atinge o mundo todo, é mais difícil de ser alcançada pelos países de menor renda, devido à maior dificuldade ao acesso aos recursos, questões de gestão, desinteresse político, questões sociais e culturais. Nesse sentido, embora os países desenvolvidos produzam mais resíduos que os demais, estes possuem melhores sistemas de gerenciamento, pois investem grande parte do dinheiro neste setor. É crescente o uso de sistemas de engenharia e tecnologias nestes países, especialmente as direcionada para viabilidade de resíduos para produção de energia. Os instrumentos econômicos de taxas, cobranças e penalidades também são mais avançados, o que reflete em maior acesso a recursos financeiros para implementar melhorias nos sistemas de GIRSU nestas regiões.

Os resultados dessa pesquisa também demonstram a variedade de elementos nas múltiplas dimensões que afetam a sustentabilidade financeira do gerenciamento de RSU. Esses elementos se correlacionam, e para uma avaliação efetiva do GIRSU é necessária uma análise em que o método considere a integração e inter-relação entre eles. Entretanto, isso não foi encontrado na análise da literatura, o que indica uma lacuna a ser preenchida.

Além disso, não foram encontrados estudos sobre levantamento e compilação dos métodos que podem ser utilizados para estudos envolvendo o gerenciamento dos RSU e a sustentabilidade financeira do processo, também podendo ser considerado uma lacuna de pesquisa.

Esses achados podem auxiliar os gestores municipais na melhor tomada de decisão, proporcionando uma visão dos elementos que mais afetam a sustentabilidade financeira do sistema de gerenciamento de RSU, contribuindo para identificar pontos de alavancagem para intervenções, um melhor planejamento ou melhorias nos seus sistemas de GIRSU.

Ressalta-se que o elemento ambiental não foi um fator apontado neste trabalho como barreira, pois neste estudo constitui-se em um objetivo indireto mais do que um elemento que afeta a sustentabilidade financeira.

• Como citar: Brumatti, D. V., Chaves, G. L. D., & Siman, R. R. (2024). Barreiras que afetam a sustentabilidade financeira de sistemas de gerenciamento integrado de resíduos sólidos urbanos. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 16, e20230020. https://doi.org/10.1590/2175-3369.016.e20230020

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Editor responsável: Luciene Pimentel da Silva

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Mar 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  26 Jan 2023
• Aceito
  04 Dez 2023