Resumo
Este artigo busca compreender os gargalos da política de transporte público coletivo (TPC) de Belo Horizonte, quando comparada às de outras capitais, em especial, ao caso do município de Curitiba-PR. Para tanto, foi escolhido o IMUS (Índice de Mobilidade Urbana Sustentável), desenvolvido por Costa (2008), ferramenta de suporte à elaboração de políticas públicas. O índice é composto por 87 indicadores, os quais podem ser utilizados em sua totalidade ou parcialmente, a depender do foco da análise. Nesta pesquisa, focada no transporte público, foram selecionados 22 indicadores diretamente ligados ao tema. Foi realizada uma análise comparativa entre os resultados obtidos para Belo Horizonte e aqueles obtidos por outras capitais brasileiras. Os resultados apontaram desempenho insatisfatório de Belo Horizonte, decorrente principalmente das notas negativas dos indicadores relacionados ao financiamento do sistema e à provisão de infraestrutura pelo poder público. Como conclusões, o estudo sugere o aprimoramento dos mecanismos de financiamento do TPC, bem como maiores investimentos na infraestrutura urbana, além de sugerir a realização de estudos complementares de viés qualitativo.
Palavras-chave: Mobilidade Urbana Sustentável; Transporte Público Coletivo; Índice de Mobilidade Urbana; Financiamento; Infraestrutura urbana
Abstract
This paper aims to understand what are the main weaknesses of the public transportation policy of Belo Horizonte when compared to the policy adopted by other capital cities, with a special focus on the city of Curitiba-PR. To do so, we chose the IMUS (Sustainable Urban Mobility Index), developed by Costa (2008), a support tool for public policy development. The index includes 87 indicators, which can be applied only partially depending on the focus of analysis. Since the focus of this research is public transportation, only 22 indicators directly related to the topic were calculated. In addition, a comparative analysis was performed between the results obtained by other Brazilian capitals. The results obtained by applying the index pointed to an unsatisfactory performance achieved by the Municipality, resulting mainly from the negative scores achieved by indicators related to the form of financing of the system and the provision of infrastructure by the public authority. As conclusions, the study suggests the improvement of financing mechanisms for public transportation, as well as greater investment in urban infrastructure and further qualitative studies.
Keywords: Sustainable Urban Mobility; Urban Mobility Index; Funding; Urban infrastructure
Introdução
A função social da cidade é designada pela Constituição como fator primordial a ser considerado pelas políticas de desenvolvimento urbano no Brasil, para garantir que a cidade seja um ambiente propício à efetivação dos direitos fundamentais de seus habitantes. Na literatura, são apontadas diversas relações entre o exercício do direito à cidade, redução das desigualdades sociais e a melhoria da qualidade de vida urbana (Brasil, 1988).
Nesse contexto, a mobilidade urbana foi definida pela Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) como a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano. No mesmo sentido, diversos autores definem a mobilidade pelo viés de facilidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, ou seja, como o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens. Por essas definições, busca-se afastar a ideia tradicionalmente veiculada de que a mobilidade se refere apenas ao tráfego de veículos, chamando a atenção para a importância do conceito para as relações que se desenvolvem no espaço urbano (Pires, Pires, 2016).
Com o avanço da urbanização e a complexificação das condições de vida na cidade, a mobilidade urbana foi paulatinamente se equiparando às políticas públicas sociais de extrema relevância, tais como a educação, a saúde e a seguridade social. Prova disso é a inserção do transporte no rol de direitos sociais contidos no artigo 6º da Constituição Federal, por meio da Proposta de Emenda Constitucional nº 74 de 2013, como consequência direta das manifestações contra o aumento tarifário ocorridas naquele ano. Outro marco relevante na institucionalização da mobilidade como um direito consiste na Política Nacional de Mobilidade Urbana que estabelece os objetivos, princípios e diretrizes a serem observados pelos municípios em seu território (Brasil, 2012).
Em nível internacional, porém, destaca-se a Carta Mundial pelo Direito à Cidade, aprovada no V Fórum Social Mundial ocorrido em 2005, em Porto Alegre. Em seu artigo 1º, a declaração defende que “as cidades devem ser um espaço de realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, assegurando a dignidade e o bem-estar coletivo de todas as pessoas, em condições de igualdade, equidade e justiça, assim como o pleno respeito à produção social do habitat”, pois “todas as pessoas têm direito de encontrar nas cidades as condições necessárias para a sua realização política, econômica, cultural, social e ecológica, assumindo o dever de solidariedade”. Dessa forma, são estabelecidos princípios e diretrizes a serem considerados para o planejamento de cidades equitativas e sustentáveis, a partir de uma pauta de compromissos definida a nível internacional.
A importância da mobilidade para o desenvolvimento urbano se dá principalmente por dois pilares: pela sustentabilidade ambiental e pela relevância social que recai sobre o transporte urbano. A relevância da mobilidade urbana sob a ótica da sustentabilidade ambiental ocorre em razão do impacto que os modos motorizados e individuais de transporte podem exercer sobre o meio ambiente, em especial sobre as mudanças climáticas. Já a relevância da mobilidade urbana sob o ponto de vista social decorre principalmente do impacto que os gastos com transporte podem exercer sobre o orçamento familiar, bem como pelas oportunidades estudo, trabalho, saúde e cultura que uma mobilidade urbana eficiente pode garantir às populações mais pobres.
Entretanto, a concretização de uma mobilidade urbana sustentável representa um grande desafio para a maioria das cidades brasileiras. Nesse contexto, o Município de Belo Horizonte integra o grupo de metrópoles que sofrem com constantes congestionamentos e problemas crônicos de infraestrutura, acarretando prejuízos à população e ao meio ambiente (Pereira et al., 2021).
Todos esses fatores contribuíram para que a mobilidade urbana adquirisse maior relevância no campo das políticas públicas e fosse reconhecida como um campo que exige planejamento governamental para sua efetivação11. Buscando compreender melhor essa problemática, e contribuir para seu equacionamento, muitos pesquisadores têm trabalhado na busca de métodos voltados a fornecer diagnósticos sobre os sistemas de mobilidade municipais e a propiciar a efetivação de cidades mais sustentáveis e equitativas.
Dentre os diversos índices e indicadores disponíveis na literatura, merece destaque o Índice de Mobilidade Urbana Sustentável – IMUS, desenvolvido por Costa (2008), cujo objetivo primordial é apoiar a tomada de decisão no âmbito do planejamento urbano a partir de uma análise das três dimensões da sustentabilidade (econômica, ambiental e social). Trata-se de um instrumento já consolidado na literatura e aplicado por diversos pesquisadores para avaliar os sistemas de mobilidade de várias cidades brasileiras, tais como Curitiba-PR por Miranda (2010), Goiânia-GO por Abdala (2013), e Vitória-ES por Costa (2016). Tal índice ainda pode ser utilizado de forma parcial ou setorial, a partir da aplicação de apenas alguns de seus indicadores previamente selecionados com o objetivo de embasar uma análise de recorte mais restrito.
Nesse contexto, o que o presente artigo pretende compreender é quais são as principais deficiências da política de transporte público coletivo (TPC) do município de Belo Horizonte - MG, quando comparada a outras capitais de porte semelhante. Para isso, pretende-se utilizar o IMUS como ferramenta de avaliação dos sistemas de TPC do município, a partir do levantamento de dados e aplicação de seus indicadores à localidade estudada. Por meio da análise dos resultados dos indicadores, pretende-se realizar algumas inferências sobre os pontos positivos e negativos do sistema local.
Em seguida, serão utilizados os resultados obtidos a partir da aplicação do IMUS em outras capitais como forma de contraponto, buscando-se obter uma visão geral sobre a sustentabilidade aferida em outros sistemas de transporte já estudados. Para esta etapa, serão utilizados os trabalhos previamente disponíveis na literatura que retratam a aplicação do IMUS nas localidades de Curitiba-PR (Miranda, 2010), Goiânia-GO (Abdala, 2013) e Vitória-ES (Costa, 2016).
Por fim, o município de Curitiba-PR será utilizado como referencial aprofundado, por meio da análise comparada do desempenho obtido pela capital paranaense nos indicadores em que representam os maiores gargalos do sistema de Belo Horizonte. A escolha da capital paranaense como referencial se justifica pelo seu amplo reconhecimento como benchmark nacional em matéria de mobilidade urbana, em razão do pioneirismo em investimentos no sistema público de transportes.
Ao final do estudo, pretende-se contribuir para o aprimoramento do desenho institucional das políticas de transporte, propondo-se a indicação, por meio de evidências empíricas, de áreas que devem ser priorizadas na elaboração de políticas urbanas – visando, em última instância, a concretização da função social e ambiental da mobilidade urbana.
Referencial bibliográfico
A definição da sustentabilidade como pauta de compromissos políticos vem se desenvolvendo desde 1987 e evoluiu muito desde então. A primeira definição institucional sobre o conceito de desenvolvimento sustentável ocorreu em 1987 na Conferência Mundial realizada pela Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - “World Commission on Environment and Development (WCED)”. Na ocasião, definiu-se como desenvolvimento sustentável aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”. Já em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92), consolidou-se a indissociabilidade entre desenvolvimento e conservação do meio ambiente. Todas essas mobilizações foram importantes para estruturar a pauta da sustentabilidade como novo parâmetro para o desenvolvimento industrial e capitalista das nações, tendo como foco a mudança de paradigma pelo qual o desenvolvimento econômico era encarado até então (WCED, 1987; Seabra et al., 2013).
A questão passa a impactar o contexto urbano a partir da Primeira Conferência Europeia das Cidades e Vilas Sustentáveis, em 1994, quando se realizam as primeiras discussões sobre a correlação entre desenvolvimento sustentável e planejamento urbano. Na ocasião, as cidades europeias participantes assinaram conjuntamente a Carta de Aalborg, que estabeleceu uma pauta de compromissos para o desenvolvimento sustentável das cidades, dentre os quais o correto ordenamento do território, a redução dos níveis de exploração de recursos não renováveis, a equidade social e a mobilidade urbana. Sobre o conceito de sustentabilidade ambiental utilizado pelo pacto de Aalborg, destaca-se o seguinte trecho:
Sustentabilidade ambiental significa manutenção do capital natural. Exige que a taxa de consumo de recursos renováveis, nomeadamente água e energia, não exceda a respectiva taxa de reposição e que o grau de consumo de recursos não-renováveis não exceda a capacidade de desenvolvimento de recursos renováveis sustentáveis. Sustentabilidade ambiental significa também, que a taxa de emissão de poluentes não deve ser superior à capacidade de absorção e transformação, por parte do ar, da água e do solo.
Além disso, a sustentabilidade ambiental garante a preservação da biodiversidade, da saúde humana e da qualidade do ar, da água e do solo, a níveis suficientes para manter a vida humana e o bem-estar das sociedades, bem como a vida animal e vegetal para sempre (Aalborg, 1994).
Interessante notar que o documento também faz referência à dimensão social da sustentabilidade, ao destacar que as populações pobres são as mais afetadas pelos problemas ambientais e as menos aptas para resolvê-los. E conclui:
A desigualdade das riquezas está na origem de comportamentos insustentáveis, tornando a evolução mais difícil. Nós pretendemos integrar na proteção ambiental as necessidades sociais básicas das populações, bem como programas de ação sanitária, de emprego e habitação (idem).
Finalmente, especificamente no âmbito da mobilidade urbana e dos transportes, destacam-se o conceito de transporte sustentável trabalhado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2000, e as contribuições oferecidas pela Quarta Conferência Europeia das Cidades e Vilas Sustentáveis em 2004.
O primeiro deles define como “transporte sustentável” o que contribua para o bem-estar econômico e social, sem prejudicar a saúde humana e o meio ambiente (Costa, 2008).
Já a Quarta Conferência Europeia das Cidades e Vilas Sustentáveis foi relevante por, segundo Seabra et al. (2013), reconhecer o papel do planejamento e desenho urbano e a interdependência entre o transporte, saúde e meio ambiente e a necessidade de promover modelos de mobilidade sustentável.
Finalmente, no âmbito nacional, merece destaque a definição do Ministério das Cidades sobre mobilidade urbana sustentável, que a define como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não motorizados e coletivos de transporte de forma efetiva (Brasil, 2006). O órgão ainda enfatiza que a análise de sustentabilidade para o setor de transportes é resultado de três parâmetros - econômico, social e ecológico (Brasil, 2006, p. 51).
Com base nessas considerações, o Ministério das Cidades (2006, p. 40) estabeleceu três macro objetivos a serem perseguidos pelas políticas de mobilidade urbana, que se definem por:
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Sustentabilidade ambiental, que possui como objetivos internos o uso equânime do espaço urbano, melhoria da qualidade de vida, melhoria da qualidade do ar e a sustentabilidade energética;
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Desenvolvimento urbano, que visa a integração do transporte ao desenvolvimento econômico, a redução das deseconomias da circulação e a oferta de um transporte público eficiente e de qualidade;
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Inclusão social, objetivando o acesso democrático à cidade e ao transporte público, valorização da acessibilidade universal e dos deslocamentos de pedestres e ciclistas.
Importante destacar que o “acesso democrático” citado no item III decorre essencialmente do fato de a população de menor renda ser dependente do transporte coletivo para ter acesso a bens, serviços e oportunidades de trabalho, além de residir em áreas mais distantes dos centros econômicos. Nesse contexto, o investimento público direcionado à efetivação da mobilidade desempenha uma função equitativa, na medida em que corrige desigualdades impostas pela segregação espacial.
Em resumo, a promoção da sustentabilidade, inclusive no meio urbano, pode ser considerada uma pauta de compromissos políticos consolidada, de modo que as políticas de TPC se inserem nessa discussão em decorrência principalmente: (i) dos impactos negativos que os meios de transporte individuais podem gerar em razão das altas emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE); e (ii) da capacidade do transporte coletivo de contribuir para a indução do desenvolvimento econômico e de propiciar a fruição democrática do espaço urbano. Menciona-se, ainda, que esse entendimento foi adotado pelo Ministério das Cidades e demais órgãos federais, na condição de entes norteadores das políticas urbanas a serem desenvolvidas pelos municípios
Entretanto, sabe-se que a concretização desses objetivos através de políticas públicas ainda enfrenta diversos desafios, especialmente em países em desenvolvimento. O presente trabalho se baseará num índice que possibilita a avaliação de cada um desses macro objetivos e permite a identificação dos principais gargalos do setor, conforme será demonstrado no capítulo metodológico. Nesse sentido, a aplicação e discussão dos resultados obtidos pelo IMUS buscará identificar, de forma concreta, quais medidas podem ser implementadas pelos municípios para fortalecer seus sistemas de TPC.
Metodologia
A partir da revisão de literatura realizada, optou-se pela utilização do Índice de Mobilidade Urbana Sustentável - IMUS na presente pesquisa. O referido índice é uma ferramenta de suporte à elaboração e avaliação de políticas públicas desenvolvido por Costa (2008) e que tem como foco avaliar a mobilidade dos municípios a partir das três dimensões da sustentabilidade - ambiental, econômica e social.
O índice é constituído de uma hierarquia de critérios que agrega 09 Domínios, 37 Temas e 87 Indicadores, utilizando ainda um sistema de pesos que permite identificar a importância relativa de cada critério de forma global para cada dimensão da sustentabilidade (Costa, 2008). Em outras palavras, os Domínios representam grandes categorias temáticas consideradas essenciais, para a autora, para a delimitação de aspectos inerentes à mobilidade urbana sustentável – sendo eles: i) Acessibilidade; ii) Aspectos Ambientais; iii) Aspectos Sociais; iv) Aspectos Políticos; v) Infraestrutura de Transporte; vi) Modos Não Motorizados; vii) Planejamento Integrado; viii) Tráfego e Circulação Urbana; e ix) Sistemas de Transporte Urbano. Por sua vez, os Temas nada mais são do que subcategorias, dentro dos próprios Domínios, que tratam de questões específicas associadas a cada Domínio (Costa, 2008). Os indicadores, por fim, são as unidades efetivamente mensuráveis do índice que serão capazes de oferecer dados quantitativos sobre as condições de mobilidade de determinado município. A pontuação oferecida pelo índice varia de 0 a 1, a depender da qualidade da mobilidade do município avaliado. Nesse sentido, quanto mais próximo o índice estiver do valor “1”, melhores, e mais sustentáveis, serão as condições da mobilidade (Abdala, 2013).
Além dessa sistemática, outro elemento de destaque observado no IMUS é o sistema de pesos atribuídos a cada um de seus Temas, permitindo que seja avaliada a relevância que determinados dados quantitativos podem adquirir quando se leva em conta cada um dos três aspectos da mobilidade sustentável (Econômico, Ambiental e Social).
Por essas razões, o IMUS se revela como uma importante ferramenta de apoio ao diagnóstico e à elaboração de políticas de mobilidade municipais. Dentre as vantagens oferecidas pelo índice, destacam-se: i) a possibilidade de avaliação objetiva das condições de mobilidade de determinado município e identificação de seus principais gargalos; ii) a conversão de diversos elementos levantados pela literatura especializada em mobilidade e sustentabilidade em dados observáveis e quantificáveis; iii) a comparabilidade entre os resultados atingidos por municípios distintos; iv) o fato de o sistema de pesos do IMUS fornecer um diagnóstico setorial para os âmbitos Econômico, Ambiental e Social, permitindo a identificação de qual pilar da sustentabilidade estaria mais fragilizado no município de estudo; e, por fim, v) a possibilidade de aplicação parcial do próprio índice, com seleção apenas dos indicadores relacionados a um setor específico da mobilidade.
A aplicação do IMUS neste trabalho estará direcionada à avaliação do sistema de transporte público coletivo, à semelhança das pesquisas realizadas por Maia (2013) e Costa (2016) - nos municípios de Fortaleza-CE e Vitória-ES, respectivamente.
Dos 87 Indicadores que compõem o IMUS, serão calculados apenas 22, mobilizando-se apenas 3 dos 9 Domínios presentes no índice (Acessibilidade, Infraestrutura de Transportes e Sistemas de Transporte Urbano). A seguir, a Figura 1consolida os indicadores relacionados ao sistema de TPC, agrupados em seus temas correspondentes:
A consolidação desses indicadores em um “novo” índice foi realizada por Maia (2013) e reproduzida no trabalho de Costa (2016), recebendo a denominação de IMUS-TP. Tal consolidação exigiu o cálculo de novos pesos, para que fosse mantida a mesma relevância de cada Indicador no “IMUS original”, mas ainda produzindo um valor final variando entre 0 e 1. Os novos valores de pesos atribuídos aos Domínios (PD), Temas (PT) e Indicadores (PI) estão discriminados na Figura 2 abaixo. Os valores da coluna ‘PFinal’ são obtidos através da multiplicação entre PD, PT e PI.
Os resultados que serão utilizados como contraponto na presente pesquisa – referentes aos resultados da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) e dos municípios de Curitiba e Goiânia – foram todos submetidos ao novo sistema de pesos e à consolidação dos indicadores contida no IMUS-TP, possibilitando, assim, a comparação dos resultados.
Destaca-se, finalmente, que as localidades analisadas apresentam contingentes populacionais que, embora apresentem variações, podem ser considerados da mesma ordem de grandeza para os padrões brasileiros, como pode-se ver na Tabela 1:
Resultados
O cálculo dos indicadores que integram o IMUS-TP no Município de Belo Horizonte, bem como suas fontes e métodos de cálculo, estão descritos no Apêndice A deste trabalho. O valor global do IMUS-TP obtido foi de 0,440, confirmando Belo Horizonte como uma cidade portadora de diversas deficiências na área de mobilidade urbana. A Tabela 2 mostra, ainda, os resultados setoriais atingidos pelo Município nas dimensões Social, Econômica e Ambiental:
- Escores obtidos para o IMUS-TP em Belo Horizonte, em nível global e por dimensões de análise
Tendo em vista que o IMUS-TP é, primordialmente, uma ferramenta de comparação entre diferentes municípios, são apresentados na Tabela 3 abaixo os resultados obtidos pelas localidades de Goiânia, Curitiba e na RMGV, extraídos do trabalho de Costa (2016) e calculados a partir das memórias de cálculo dos trabalhos de Costa (2016), Abdala (2013) e Miranda (2010):
Como se pode perceber, o município de Belo Horizonte obteve um resultado consideravelmente inferior aos municípios de Curitiba e Goiânia, e levemente superior ao verificado na RMGV.
Importante ressaltar, de início, que o desempenho obtido pelos sistemas de transporte está, evidentemente, condicionado a diversos elementos não capturados pela análise do IMUS-TP. Como exemplos mais significativos de variáveis capazes de impactar o desempenho dos indicadores pode-se citar as conformações geológicas da região urbanizada, os fatores históricos que influenciaram o processo de urbanização dos municípios estudados e a legislação sobre o uso e ocupação do solo.
Com relação ao primeiro elemento, deve-se lembrar que o relevo do município de Belo Horizonte destoa fortemente daquele das demais cidades, em razão do relevo fortemente acidentado da região. Tal fator, além de representar um grande desafio para a própria operação dos sistemas de mobilidade, ainda é responsável por impor uma urbanização difusa e pouco coordenada em direção aos vetores Norte e Oeste da cidade, contrastando com o crescimento concêntrico verificado em Curitiba e Goiânia.
Feitas essas considerações, serão discutidos, a seguir, os principais pontos positivos e negativos diagnosticados pela aplicação do IMUS-TP na localidade estudada – a partir da análise pormenorizada dos principais indicadores que obtiveram pontuações negativas ou positivas – para, em seguida, serem tecidas considerações sobre o desempenho atingido pelos mesmos indicadores no município de Curitiba-PR.
Discussão
Indicadores de alto desempenho
São considerados indicadores de alto desempenho os que obtiveram score 1,00 (nota máxima atribuída pelo índice) e que, portanto, traduzem os aspectos positivos encontrados no município analisado. No caso de Belo Horizonte foi verificado o desempenho máximo nos indicadores da Tabela 4:
Assim, os indicadores que obtiveram score igual a 1,00 correspondem a 5 dos 21 indicadores calculados (representando cerca de 23% das categorias analisadas pelo IMUS-TP). Pode-se dizer que tais categorias foram responsáveis por impedir uma queda ainda maior do desempenho global obtido pelo índice em Belo Horizonte, compensando, de certa forma, os resultados desfavoráveis atingidos por outros indicadores.
O indicador 1.1.2 -Transporte público para pessoas com necessidades especiais recebeu nota máxima em razão de 100% da frota do transporte coletivo contar com adaptações para pessoas com necessidades especiais e restrições de mobilidade. Já o indicador 9.1.2 – Frequência de atendimento ao público recebeu nota máxima em razão de o cálculo descrito no Apêndice A deste trabalho indicar uma frequência média superior a 4 ônibus por hora (ou um ônibus a cada 15 minutos), considerando-se as linhas que atendem a rede viária principal da cidade.
Além disso, o indicador 9.1.5 – Idade média da frota também obteve uma boa classificação em razão de a frota do transporte coletivo apresentar uma idade média de apenas 4 anos e 7 meses. É importante destacar que, quando se considera apenas os dados referentes ao Sistema Convencional, a idade média da frota corresponde a 5 anos e 3 meses. Entretanto, a média global do sistema é otimizada quando se considera os dados do Sistema Suplementar. Mesmo assim, o fato de a idade média da frota relativa ao Sistema Convencional ser levemente superior a 5 anos já representa um ponto positivo, considerando-se que, na avaliação proposta pelo IMUS, a nota máxima é atribuída ao município cuja frota de veículos possua uma idade média de até 5 anos.
O indicador 9.2.1 – Diversidade dos modos de transporte, por sua vez, obteve score equivalente a 1,00 em razão de o município contar com 7 modos de transporte diferentes – a pé, bicicleta, automóvel, táxi, ônibus, ferroviário (metrô) e transportes por aplicativos. Por fim, o indicador 9.3.1 – Contratos e licitações também atingiu a nota máxima, tendo em vista que 100% dos contratos de operação do transporte coletivo se encontram regularizados, o que garante mais transparência e segurança jurídica na provisão de serviços de transporte regulares e de qualidade à população.
Chama a atenção o fato de que, dentre os 5 (cinco) indicadores que atingiram o score máximo, 3 (três) estão relacionados a aspectos eminentemente operacionais do sistema (idade média dos veículos, frequência média de atendimento, e adaptação dos veículos para pessoas com necessidades especiais). É possível considerar que tais elementos estão mais relacionados com a efetividade da fiscalização exercida pelo órgão regulador e pela própria segurança jurídica decorrente da existência de contratos de concessão formais com os prestadores de serviços (fator que ensejou o score máximo atribuído também ao indicador 9.3.1 – Contratos e licitações). A respeito da correlação existente entre a regularidade dos contratos e os quesitos avaliados nos indicadores 1.1.2, 9.1.2 e 9.1.5, Costa (2008) esclarece que:
A regularidade dos processos licitatórios reflete, portanto, a transparência e o compromisso do município em prover serviços de transporte regulares e de qualidade à população.
Em termos sociais e econômicos, os contratos de prestação de serviços de transporte garantem ao município o cumprimento das exigências mínimas com relação aos serviços prestados (frequência, qualidade, segurança, conforto, entre outros), ao mesmo tempo que garantem ao contratado os direitos de constância do objeto contratual e equilíbrio financeiro (Costa, 2008, p. 290).
É exatamente esta a situação comprovada pelos indicadores de alto desempenho em Belo Horizonte, nos quais foi comprovado o cumprimento de determinados padrões mínimos de qualidade (frequência de atendimento e condições da frota de veículos), claramente induzidos pelas concessões vigentes. Há que se ressaltar que tais quesitos se relacionam com fatores pontuais da infraestrutura de transporte que são melhor absorvidos pelo parceiro privado (relacionados estritamente às condições dos veículos), mas que ainda se mostram insuficientes diante dos desafios macro que envolvem a provisão de infraestrutura do sistema de transporte (tais como construção de terminais, aprimoramento da rede viária, ampliação da rede de transporte, dentre outros).
Importante ressaltar, por fim, que a análise quantitativa oferecida pelos indicadores pode e deve ser aprimorada por meio de análises qualitativas complementares. Tome-se como exemplo o fato de que dois dos indicadores que obtiveram nota máxima (9.1.2 e 9.2.1) serem constituídos por uma avaliação média de aspectos que podem ter assimetrias significativas entre diferentes regiões da cidade (como baixo atendimento a áreas periféricas e alto atendimento a áreas centrais). Tal fato poderia implicar em uma falta de equidade no desenvolvimento das políticas de transporte, que seria mascarada pela média de cálculo.
Dessa forma, uma ponderação qualitativa dos indicadores do IMUS possibilitaria um refinamento das diretrizes obtidas para a formulação das políticas de transporte.
A despeito dessas considerações, é possível concluir que os indicadores acima necessitam de políticas públicas e investimentos apenas para preservar suas boas características, de forma a evitar que haja um retrocesso em setores bem avaliados da mobilidade em Belo Horizonte.
Indicadores de baixo desempenho
Os indicadores classificados como de baixo desempenho são os que apresentam maiores deficiências e que necessitam de intervenções e políticas públicas mais estruturadas, voltadas a reverter um quadro de grandes fragilidades na mobilidade do município. Os indicadores de baixo desempenho foram divididos em: i) indicadores nulos, que representam as categorias que obtiveram score igual a 0,00 (zero) nas avaliações propostas pelo índice; e ii) indicadores com pontuação abaixo de 0,350, os quais, embora não tenham atingido a nota mínima, contribuíram consideravelmente para o baixo desempenho do IMUS-TP em Belo Horizonte.
Indicadores nulos
O baixo desempenho atingido por Belo Horizonte pode ser explicado, em parte, pelo alto número de indicadores que obtiveram valor nulo quando submetidos à avaliação proposta pelo IMUS, os quais são detalhados na Tabela 5:
Pode-se notar, que a quantidade de indicadores que receberam o score 0,00 corresponde ao mesmo número de indicadores que receberam o score 1,00, representando cerca de 23% do total de categorias analisadas pelo IMUS-TP (ou 5 dos 21 indicadores calculados).
O indicador 1.1.3 - Despesas com transporte é avaliado a partir dos gastos mensais comprometidos com o transporte coletivo, considerando-se o valor da tarifa vigente no município. Em Belo Horizonte, foi constatado que o gasto com transporte coletivo, em 2019, equivalia a 22,5% do salário-mínimo vigente à época. Um comprometimento da renda familiar dessa grandeza corresponde, pela tabela de normalização proposta pelo IMUS, a um score equivalente a 0,00, assim como qualquer comprometimento de gastos superior a 20% da renda familiar.
No mesmo sentido, o indicador 9.1.6 - Índice de passageiros por quilômetro (IPK) apresentou resultados bem abaixo do padrão estabelecido pelo IMUS. Isso porque os dados publicados pela BH Trans indicam uma média de 2,30 passageiros para cada quilômetro percorrido pela frota. Costa (2008) argumenta que um IPK baixo (como é o caso de Belo Horizonte) corresponde a custos operacionais altos, sendo um indicativo de alerta a respeito do grau de utilização do serviço de transporte público por ônibus na cidade e da eficiência dele no que diz respeito ao planejamento físico da rede de linhas. A autora alerta, entretanto, que o índice deve ser avaliado com cautela, uma vez que um IPK elevado pode representar além de um sistema mais eficiente, um sistema com pior qualidade de serviço para o usuário, em função do aumento na lotação dos veículos (Costa, 2008). Exatamente por isso, o desempenho do indicador é considerado ótimo nos casos em que se verifica um IPK igual ou superior a 4,5, até o limite de 5 passageiros/km. Por outro lado, é considerado crítico o IPK de até 2,5 ou superior a 5 passageiros/km.
Os indicadores 9.2.2. - Transporte coletivo x transporte individual e 9.2.3 - Modos não motorizados x modos motorizados evidenciam os maiores problemas relacionados à mobilidade urbana no município, por indicarem haver elevada participação do transporte individual na divisão modal de transporte (uma vez que a razão entre o número de viagens diárias feitas por modos coletivos de transporte e o número de viagens diárias feitas por modos individuais é inferior a 1), atrelada a um alto índice de motorização no município (visto que a razão entre o número diário de viagens na área urbana ou metropolitana feitas por modos não motorizados de transporte e número diário de viagens feitas por modos motorizados de transporte também é inferior a 1).
Por fim, o indicador 9.5.2 - Tarifas de transporte apresentou desempenho crítico em razão de a variação percentual dos valores de tarifa de transporte público urbano ter sido consideravelmente superior à inflação apurada para o mesmo período.
As considerações acima permitem inferir duas conclusões principais, à primeira vista. Em primeiro lugar, pode-se dizer que a ocorrência de 5 (cinco) scores iguais a 0,00 no IMUS-TP coloca Belo Horizonte como o município que apresentou maior número de indicadores zerados, considerando-se as capitais em que o índice já foi aplicado. Isso porque, conforme será mais detalhado adiante, na cidade de Curitiba-PR foi verificado apenas 1 (um) score igual a 0, enquanto Goiânia-GO e Região Metropolitana de Vitória - ES apresentaram, igualmente, apenas 4 (quatro) scores zerados. Tal fato, assim como o elevado número de indicadores que atingiram nota igual ou inferior a 0,350, ajudam a explicar o resultado crítico atingido por Belo Horizonte – equivalente a 0,440.
Em segundo lugar, é importante ressaltar que 3 (três) dos 5 (cinco) indicadores zerados se relacionam diretamente com a sustentabilidade financeira das concessões, acendendo um alerta crítico sobre a forma de financiamento do sistema e à necessidade de se buscar soluções alternativas. Em outras palavras, o tripé de resultados negativos composto pelos indicadores 1.1.3 – Despesas com transporte, 9.5.2 – Tarifas de transporte, e 9.1.6 – Índice de passageiros por quilômetro nos informa simultaneamente que: i) as tarifas do sistema de transporte público têm sofrido ajuste reiteradamente superiores à inflação verificada no período; ii) o valor gasto com transporte já compromete parte considerável da renda familiar , tornando inviável a manutenção dos aumentos tarifários nos níveis atuais; e iii) o IPK baixo verificado em Belo Horizonte aponta para a insustentabilidade financeira da concessão a longo prazo, uma vez que o número de passageiros pagantes não tem sido suficiente para cobrir os custos operacionais. O IPK calculado no indicador 9.1.6 também se relaciona diretamente com os resultados obtidos pelos indicadores 9.2.2. - Transporte coletivo x transporte individual e 9.2.3 - Modos não motorizados x modos motorizados, uma vez que comprova a evasão do usuário do sistema de transporte coletivo, e faz agravar ainda mais a crise de mobilidade no município.
Além disso, pode-se notar uma suposta correlação entre o indicador 9.1.2 (frequência de atendimento, avaliada positivamente) com o baixo IPK e, consequentemente, com o maior gasto com transportes, apontando para uma possível ineficiência na racionalização das linhas. Assim, é importante reforçar novamente a necessidade de análises complementares, de viés qualitativo, para se refinar o diagnóstico promovido pelos indicadores. Dentre os indicadores explorados nesta seção, sugere-se principalmente a investigação sobre os possíveis impactos da dispersão demográfica verificada em Belo Horizonte sobre o IPK e sobre a organização do sistema de transporte como um todo.
Indicadores com pontuação abaixo de 0,350
Conforme mencionado acima, o município estudado apresentou, para além dos indicadores zerados, diversos indicadores que obtiveram score igual ou inferior a 0,350, como pode-se ver na Tabela 6:
Com base nesses dados, é possível perceber que diversos indicadores se relacionam a problemas externos à concessão dos serviços, não podendo ser resolvidos pela simples atuação da concessionária. Isso porque os indicadores 5.2.1- Vias para transporte coletivo, 9.1.1- Extensão da rede de transporte público, 9.1.4 - Velocidade média do transporte público denunciam problemas majoritariamente relacionados à infraestrutura pública urbana, condição que precede a execução dos serviços de transporte propriamente ditos. De igual modo, o indicador 9.4.1 - Terminais intermodais expressa uma deficiência tanto no investimento em diferentes modos de transporte quanto na construção de terminais que favoreçam a articulação entre os modais, o que, embora possa ser embutido dentro dos contratos com os prestadores privados, depende primordialmente de escolhas e comandos emanados do poder público.
Além disso, o indicador 9.5.3 - Subsídios públicos depende integralmente da escolha do gestor em aportar recursos públicos no sistema, com vistas a favorecer a modicidade tarifária e a sustentabilidade econômico-financeira da concessão.
O resultado do indicador 9.1.7 - Passageiros transportados anualmente, por outro lado, pode ser visto como uma consequência explícita dos resultados obtidos pelos demais indicadores (com destaque para os que receberam nota igual a 0,00 ou abaixo de 0,350), uma vez que a evasão dos usuários do sistema de transporte coletivo é um reflexo da falência verificada nos demais quesitos de avaliação.
Tais fatores demonstram que a elevação da nota atribuída pelo IMUS-TP a Belo Horizonte e, consequentemente, o aprimoramento efetivo das condições de mobilidade no município, dependem primordialmente de ação e planejamento diretos do poder público, uma vez que muitos dos problemas reportados estão fora do escopo de atuação das concessionárias e, portanto, não seriam resolvidos pela simples delegação dos serviços à iniciativa privada – por mais eficientes que sejam os mecanismos de contratualização.
Mais uma vez, entretanto, é necessário ressaltar a importância que análises qualitativas futuras podem desempenhar para o aprimoramento do diagnóstico realizado. Isso porque, à semelhança do que se verificou com os indicadores 9.1.2 e 9.2.1, a fragilidade da infraestrutura urbana sugerida pelos indicadores acima pode sofrer considerável variação a depender das regiões urbanas analisadas – uma vez que tais infraestruturas tendem a ser mais precárias nas zonas periféricas.
No tocante ao município de Curitiba, por fim, o único indicador que recebeu o score igual a 0,00 (zero) foi o 9.4.1– Terminais intermodais, o que, logicamente, se deve ao fato de a cidade não possuir sistema de transporte coletivo sobre trilhos, sendo toda a demanda absorvida somente pelo sistema de transporte por ônibus. Além disso, a cidade – que é referência em matéria de mobilidade urbana em todo o país – recebeu apenas 2 (dois) indicadores com score abaixo de 0,350, sendo eles: 9.1.1– Extensão da rede de transporte público (0,130) e 9.1.7 – Passageiros transportados anualmente (0,250)2. Tais características - aliadas à nota global atingida pelo município, de 0,787 - confirmam a cidade de Curitiba como um município com características bastante positivas com relação à mobilidade urbana, e cujos elementos estruturantes das políticas de mobilidade merecem ser estudados com vistas a aperfeiçoar as políticas desenvolvidas por outras localidades.
Visando consolidar as informações acima, o Gráfico 1 apresenta a porcentagem de indicadores de alto e baixo desempenho em cada umas das cidades analisadas:
Análise do Município de Curitiba como benchmark nacional
Para finalizar a presente análise comparativa do IMUS-TP, pretende-se, por fim, retomar a análise dos indicadores de baixo desempenho em Belo Horizonte, e compará-los com os resultados atingidos por Curitiba, como se vê na Tabela 7. O objetivo da comparação é indagar qual foi o desempenho da capital paranaense nos quesitos em que Belo Horizonte verificou suas maiores fragilidades e, posteriormente, identificar quais elementos da política de transporte de Curitiba permitem explicar os resultados obtidos. Confira-se:
- Comparação dos indicadores de baixo desempenho em Belo Horizonte e resultados atingidos por Curitiba
À luz dos dados acima, é possível perceber que as maiores disparidades entre os sistemas de Belo Horizonte e de Curitiba são apontadas nos indicadores selecionados em verde, nos quais a capital paranaense obteve scores iguais ou superiores a 0,500 – o que, portanto, fez elevar consideravelmente a média geral do IMUS-TP local.
Fica evidenciado, mais uma vez, como a questão da remuneração pelos serviços prestados representa um grande gatilho no sistema de Belo Horizonte, uma vez que os indicadores 1.1.3 - Despesas com transporte, 9.5.2 - Tarifas de transporte e 9.5.3 - Subsídios públicos representam justamente quesitos nos quais pode-se verificar uma grande diferença entre o desempenho obtido pelas duas cidades. O fato de esses três indicadores terem alcançado notas consideravelmente mais elevadas em Curitiba não apenas eleva a média geral do índice paranaense, como também tem reflexos positivos no desempenho de outros indicadores estritamente relacionados com o grau de adesão dos usuários ao sistema – quais sejam: 9.1.6 - Índice de passageiros por quilômetro e 9.1.8 - Satisfação do usuário com o transporte público.
Chama a atenção, ainda, a disparidade de resultados verificada também nos indicadores 5.2.1 - Vias para transporte coletivo e 9.1.4 - Velocidade média do transporte público, os quais, conforme citado anteriormente, estão mais atrelados à infraestrutura fornecida pelo poder público do que com a atuação da concessionária. Fica evidenciado mais uma vez que, por mais eficiente que possam ser – ou vir a ser – os mecanismos de delegação e regulação pelo poder concedente, a adoção de políticas coordenadas e ações diretas por parte do poder público são imprescindíveis para o aprimoramento das condições de mobilidade no município estudado.
Finalmente, é interessante notar que o indicador 9.1.1 representa o único critério no qual Belo Horizonte obteve uma nota superior a Curitiba. O resultado indica que Belo Horizonte possui uma proporção maior de vias com circulação de transporte coletivo em relação à rede viária total, quando comparada a Curitiba - o que, de fato, pode representar algo positivo para o município estudado. Entretanto, a julgar pelos resultados dos demais indicadores, esse resultado parece não refletir na qualidade do sistema de TPC como um todo, apontando, possivelmente, para o fato de Curitiba possuir uma rede com linhas mais racionalizadas. Outra explicação plausível para essa questão estaria relacionada mais uma vez ao relevo acidentado e com a alta dispersão da mancha urbana verificada em Belo Horizonte, evidenciando novamente que análises qualitativas relacionadas à organização espacial dos municípios poderiam contribuir para a análise em estudos futuros.
Conclusões
O presente estudo teve como objetivo identificar alguns gargalos da política de transporte público coletivo de Belo Horizonte, quando comparada às de outras capitais, com foco especial no caso do município de Curitiba-PR.
Para fins de embasamento teórico, foi estudada a evolução do conceito de mobilidade urbana sustentável, a partir de discussões que se desenvolveram no campo nacional e internacional. Ressaltou-se, assim, a necessidade de planejamento do setor de transportes urbanos a partir de três parâmetros: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e desenvolvimento ecológico - os quais devem nortear a consecução das políticas urbanas.
Em seguida, foram mobilizados os indicadores fornecidos pelo IMUS-TP para a avaliação de critérios básicos atrelados à sustentabilidade dos sistemas de transporte. O resultado alcançado por Belo Horizonte com a aplicação do IMUS-TP foi de 0,440, o que, considerando-se que a escala de resultados varia entre 0,000 e 1,000, pode ser considerado um resultado negativo e que aponta para deficiências graves no sistema de transporte do município. Em termos comparativos, a nota geral foi levemente superior ao valor atingido pela RMGV (0,435) e consideravelmente inferior aos valores atingidos por Goiânia-GO (0,603) e Curitiba-PR (0,787).
Alguns indicadores apresentaram scores máximos e merecem destaque por representarem os pontos positivos do transporte coletivo municipal. São eles: 1.1.2 - Transporte público para pessoas com necessidades especiais, 9.1.2 Frequência de atendimento ao público, 9.1.5 Idade média da frota, 9.2.1 Diversidade dos modos de transporte e 9.3.1 Contratos e licitações.
Por outro lado, o baixo valor global obtido por Belo Horizonte se justifica pelo seu elevado número de indicadores que atingiram scores zerados ou abaixo de 0,350 – e que representam, portanto, os principais gargalos do sistema de transporte municipal, devendo ser priorizados na elaboração de políticas do setor. Os indicadores que obtiveram scores iguais a 0 (zero) correspondem a: 1.1.3 Despesas com transporte; 9.1.6 Índice de passageiros por quilômetro; 9.2.2 Transporte coletivo x transporte individual; 9.2.3 Modos não motorizados x modos motorizados e 9.5.2 Tarifas de transporte. Tais resultados permitem fazer ao menos duas constatações: (i) primeiramente, que o município estudado conta com um alto índice de motorização e que, ainda, tal motorização está concentrada nos meios individuais de transporte; e (ii) em segundo lugar, que os demais resultados negativos obtidos pelo município estão diretamente relacionados com a forma de remuneração dos serviços. Isso porque o IPK aferido foi de 2,3 passageiros/km, valor considerado crítico para a sustentabilidade econômico-financeira do sistema (Costa, 2008), enquanto o sistema também sofre com aumentos tarifários excessivos (indicador 9.5.2) e que oneram demasiadamente o orçamento domiciliar (indicador 1.1.3). Os fatos em questão já apontam, de início, para a necessidade de revisão da forma de remuneração e financiamento cogitada para os serviços.
Já os indicadores que atingiram scores abaixo de 0,350 consistem em 5.2.1 Vias para transporte coletivo, 9.1.1 Extensão da rede de transporte público, 9.1.4 Velocidade média do transporte público, 9.1.7 Passageiros transportados anualmente, 9.1.8 Satisfação do usuário com o transporte público, 9.4.1 Terminais intermodais e 9.5.3 Subsídios públicos. Percebe-se que boa parte dos indicadores em questão se relacionam com a provisão de infraestrutura adequada pelo próprio poder público (tais como os indicadores 5.2.1, 9.1.4 e 9.4.1) e com a forma de financiamento do sistema (uma vez que a queda vertiginosa do número de usuários, apontada pelo indicador 9.1.7, implica em uma diminuição considerável da arrecadação tarifária, ao mesmo tempo em que o poder concedente não concede nenhum tipo de subsídio para a operação dos serviços). Conclui-se, assim, que a elevação do desempenho da mobilidade sustentável em Belo Horizonte, quando submetida à avaliação proposta pelo IMUS-TP, perpassa principalmente pelo reforço das condições de infraestrutura que precedem a execução do serviço e pela aplicação de novos mecanismos de financiamento da atividade – seja por meio de aportes concedidos nos termos da Lei n º 12.766/2012, seja por meio do pagamento de contraprestação pública pela execução de parcela do serviço, ou até mesmo por meio de mecanismos mais tradicionais como revisão dos métodos de fixação tarifária ou alocação de parte dos riscos de demanda ao concessionário.
Por fim, sugere-se a realização de análises qualitativas complementares, voltadas à exploração de elementos não capturados pela aplicação direta dos indicadores – como, por exemplo, a variação espacial da provisão de infraestrutura urbana em diferentes localidades do município, e o impacto que as características demográficas dos municípios podem desempenhar sobre os indicadores.
Declaração de disponibilidade de dados
O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.PNYHQP.
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Vale ressaltar que o referido índice sofreu com a carência de dados para o cálculo de dois indicadores, a saber: “Transporte Coletivo x Transporte Individual” e “Modos Não Motorizados x Modos Motorizados”. Entretanto, tal fato não inviabilizou o cálculo, uma vez que os pesos dos indicadores ausentes foram redistribuídos de forma igualitária, entre os demais, permitindo assim, que o resultado do índice permanecesse confiável (Miranda, 2010).
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Como citar: Leitão, N. B. M. A., Ferreira Jr, S., & Costa, B. L. D. (2024). Políticas de Transporte Coletivo em Belo Horizonte/MG: uma análise à luz da sustentabilidade e da equidade. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 16, e20230262. https://doi.org/10.1590/2175-3369.016.e20230262
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Editado por
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Editor responsável: Rodrigo Firmino
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Jun 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
29 Jun 2023 -
Aceito
22 Jan 2024