Resumo:
O Campus São Vicente - IFMT é responsável pela execução do Projovem Campo: saberes e fazeres da terra que atua, tanto na formação de professores (via especialização), quanto na formação da Qualificação Social e Profissional dos jovens e adultos oriundos da agricultura familiar. O objetivo deste artigo é descrever sobre o processo da certificação da qualificação profissional que envolve diretamente a juventude camponesa. Por meio da metodologia do estudo de caso de cunho participante será apresentado como essa política se desenhou durante sua inserção no contexto da juventude, na dimensão da formação técnica e da Educação do Campo. Os resultados evidenciam que os aspectos burocráticos da governabilidade impedem o IFMT de cumprir o seu papel social.
Palavras-chave: Juventude; Qualificação Social e Profissional; Educação do Campo
Abstract:
The Saint Vincent Campus - IFMT [Instituto Federal do Mato Grosso] is responsible for implementing the Projovem Rural Course: knowledge and practices of the earth that acts both in teacher training (via specialization) and in the Social and Professional Qualification training of young people and adults from the family farming. The aim of this article is to describe the certification process of vocational qualifications that directly involves peasant youth. By means of a participatory case study, it will present how this policy was designed during its insertion in the youth context, within the scope of technical training and Rural Education. The results show that the bureaucratic aspects of governability hamper the fulfillment of IFMT's social role.
Keywords: Youth; Social and Professional Qualification; Rural Education
De que Campo se está Falando? Uma visão incipiente...
O Campus São Vicente uma das unidades do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT) contribuiu para a inserção das discussões e projetos em torno da Educação do Campo dentro da instituição. Seja pelo fato de ancorar o Projeto de Especialização em Educação do Campo Projovem1 Campo: saberes e fazeres da terra, seja pela formação de Técnicos em Agropecuária dentro do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Essas atividades corroboram, a priori, com a sua aproximação e/ou intencionalidade em se trabalhar com a dimensão da juventude camponesa de forma mais implícita ou explícita.
Sendo um dos campi com características e vocação agrária, o Campus São Vicente orientou-se historicamente em formar e atender a demanda de técnicos para a atuação dentro da produção agropecuária do estado, sendo o agronegócio o marco orientador das políticas executadas. Atualmente, com a configuração de Instituto Federal (IF) os programas como o PRONERA e o Projovem Campo conseguem fazer um contraponto às orientações para o agronegócio. Sendo foco de uma resistência para se repensar a formação da juventude, da Educação do Campo e a dimensão técnica.
Considerando também, que o próprio Movimento da Educação do Campo é recente, vindo das duas últimas décadas do século passado (Arroyo, 1999; Caldart, 2007), esse campo do conhecimento dentro da instituição é algo incipiente e necessita de um marco legal, processual e de regulamentação. Mas, fundamentalmente, a Educação do Campo deve se institucionalizar respeitando e se apropriando da própria história deste movimento educativo, que tem como um dos seus alicerces as reivindicações e experiências pedagógicas dos movimentos sociais do campo.
Esse movimento no caráter histórico da Educação do Campo tem pelo menos 18 anos de existência, começando com a realização do I Encontro Nacional de Educadores/as da Reforma Agrária (ENERA) em 1997 e da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, em 1998. Estas datas e referências são frutos das práticas educativas realizadas pelos movimentos sociais do campo, principalmente pelo Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra (MST) nos acampamentos e assentamentos, desde o seu surgimento como movimento.
Considerando a gestação e o nascimento do uso do termo Educação do Campo pelos movimentos sociais do campo, em detrimento da Educação Rural, pode-se descrever o surgimento do Projovem Campo, a sua proposta geral e a inserção do programa no Estado de Mato Grosso como o primeiro passo da Educação do Campo dentro do IFMT.
É preciso deixar explícito que desde os anos 1960, com as ligas camponesas, já se tem um movimento dos povos do campo com suas experiências educativas. Entretanto, não se cunhava o termo educação do campo naquela época e todas as práticas dos movimentos sociais do campo estavam imersas na educação popular. Por isso, o movimento Por uma Educação Básica do Campo marca conceitualmente esse termo que surge principalmente das experiências dos povos do campo, principalmente das experiências educativas do MST desde a década de 1980.
Em meados do ano de 2007, o Programa de Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) se tornou uma política pública, sendo resultado de diversos contextos históricos como a construção do Programa Nacional de Juventude e o Projeto Saberes da Terra, que como um projeto piloto, visava implementar o Programa Nacional de Educação de Jovens e Adultos (EJA) para Agricultores/as Familiares integrado com a Qualificação Social e Profissional por volta do ano de 2005 - 2006 (Brasil, 2009).
O Projeto Saberes da Terra representa a síntese das propostas dos movimentos sociais e a proposta educativa de uma Educação do Campo contextualizada e que respeita os modos de vida dos povos do campo. Talvez por isto, a Pedagogia da Alternância2 foi à metodologia de trabalho adotada para a execução do projeto.
O Projeto Saberes da Terra se torna Projovem Campo e permanece com sua autonomia didático-pedagógica, com o objetivo inicial de aliar a escolarização do Ensino Fundamental na modalidade de ensino de EJA com a Qualificação Social e Profissional. O projeto perpassa tanto os processos formativos destes jovens e adultos agricultores, quanto dos seus próprios professores/formadores, técnicos e gestores, que irão por meio da formação continuada se aperfeiçoar nos cursos de especialização oferecidos pelas instituições de ensino superior, no qual entra o papel do IFMT, notadamente, do Campus São Vicente.
Cabe a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC/MT) atuar nesse processo de escolarização do Ensino Fundamental, contratando os professores/formadores e também na organização das turmas de EJA no campo. Esta parceria entre as instituições de ensino superior e as secretarias de educação não deveria se limitar ao atendimento do Ensino Fundamental. Deveria, sobretudo, efetivar e fortalecer os princípios do Movimento Por uma Educação do Campo que visa ampliar inclusive o acesso a Educação Básica, incluindo o Ensino Médio, destes jovens e adultos camponeses.
Dentro das especificidades de cada um dos parceiros (IFMT e SEDUC/MT), as instituições de ensino superior (IES) dentro do Projovem, além de trabalhar na formação continuada dos professores-educadores via curso lato sensu de especialização, cumprem um papel de fundamental importância atuando diretamente com a juventude, já que são as responsáveis pela formação e pela certificação da Qualificação Social e Profissional em Agricultura Familiar dos discentes (jovens e adultos agricultores), que terminarão o Projovem Campo aliando o Ensino Fundamental com esta formação técnica.
[...] A certificação é responsabilidade do ente executor e deverá ser feita por Escola Agrotécnica, Instituto Federal de Educação ou outra instituição congênere, designada pelo sistema de ensino, considerando sua regulamentação própria e as especificidades do Programa, contidas neste Projeto Base e nas resoluções pertinentes (Brasil, 2009, p. 57).
Dadas estas especificidades dentre as instituições de ensino dentro do estado, o Campus São Vicente é o mais viável para a atuação no programa Projovem Campo, tanto na formação de professores (via especialização), quanto na formação da qualificação social e profissional, seja pelo seu histórico, seja pelo fato de existir no Campus um núcleo de estudos em Agroecologia. A priori, suas características o qualificam para executar essa política pública.
Sendo a primeira Especialização em Educação do Campo do Estado de Mato Grosso, destaca-se a diversidade de municípios, localidades, turmas, educadores/as e educandos/as representando um sobrevoo da Educação do Campo neste contexto e a atuação do Campus e a sua capacidade de intervenção.
A Especialização Projovem Campo: saberes e fazeres da terra do Campus São Vicente começou sua primeira turma em abril de 2009, atendendo 120 discentes (educadores-professores), sendo que esses fazem parte de um total de 28 turmas do programa dentro do estado. Cada turma é formada por quatro educadores-professores das seguintes áreas de conhecimento: Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Linguagem e suas Tecnologias e; Ciências Agrárias.
Nem todas as turmas conseguiram alcançar o objetivo proposto no processo formativo, mas o mesmo foi ofertado em 28 localidades, entre municípios, distritos e assentamentos, sendo elas: Alta Floresta, Cáceres, Campo Novo dos Parecis, Castanheira, Chapada dos Guimarães, Cláudia, Colíder, Confresa, Cuiabá, Diamantino, Guarantã do Norte, Juara, Juruena, Matupá, Nobres, Nossa Senhora do Livramento, Nova Canaã, Nova Guarita, Novo Mundo, Paranaíta, Paranatinga, Peixoto de Azevedo, Poconé, Rosário Oeste, São Félix do Araguaia, São José dos Quatro Marcos, Tabaporã e Várzea Grande.
Cada uma destas localidades representa inúmeros processos educativos, indivíduos, sonhos e projetos de se realizar uma agricultura familiar sustentável e o fortalecimento da juventude camponesa. Esse aspecto do ensaio e erro se faz presente em qualquer projeto pioneiro, que para além de resultados pontuais, considera-se o processo de aprendizagem no seu caminho ou descaminhos percorridos entre a governabilidade e a governança, conceitos fundamentais para a avaliação do projeto como um todo.
É fundamental perceber a dinâmica da Educação do Campo e os avanços e retrocessos conquistados com o Projovem Campo: saberes e fazeres da terra. Para isto, o objetivo deste artigo é descrever sobre o processo da execução e gestão do Projovem Campo/MT dentro do Campus São Vicente/IFMT, mais especificamente sobre o processo de certificação da Qualificação Social e Profissional em Agricultura Familiar. Esta certificação e o processo de formação da juventude do campo, sendo uma das responsabilidades das IES participantes, revelam as possibilidades e limitações de se institucionalizar as políticas públicas para a juventude e sua formação técnica.
Caminhos Percorridos entre a Formação Técnica, a Juventude do Campo e o IFMT
Muito além do que avaliar a consolidação da Política Pública do Projovem Campo como um todo, apresenta-se aqui como esta política se formou dentro do contexto do Campus São Vicente, mais especificamente na dimensão da certificação técnica da Qualificação Profissional e Social em Agricultura Familiar, por meio da metodologia do estudo de caso de cunho participante inserindo a dimensão da juventude, formação técnica e a Educação do Campo.
A pesquisa não se configura como um estudo de caso organizacional ou como um estudo de caso etnográfico para se compreender a cultura organizacional de uma escola técnica, pois, fundamentalmente:
[...] Os propósitos do estudo de caso não são os de proporcionar o conhecimento preciso das características de uma população, mas sim o de proporcionar uma visão global do problema ou de identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados (Gil, 2009, p. 55).
Para vislumbrar as possibilidades e limitações de se institucionalizar as políticas públicas para a juventude e sua formação técnica não tem como deixar de descrever sobre a execução e gestão da especialização Projovem Campo: saberes e fazeres da terra, já que as duas ações (formação de professores e formação técnica) caminham lado a lado no desenvolvimento do programa. De acordo com Stake (1999, p. 11):
[...] De un estudio de casos se espera que abarque la complejidad de un caso particular [...] Estudiamos un caso cuando tiene un interés muy especial en sí mismo. Buscamos el detalle de la interacción con sus contextos. El estudio de casos es el estudio de la particularidad y de la complejidad de un caso singular, para llegar a comprender su actividad en circunstancias importantes.
Para a realização do estudo de caso, optou-se pela descrição detalhada da Especialização Projovem Campo: saberes e fazeres da terra. Esse processo formativo ocorreu em dois polos, sendo uma turma em São Vicente (no próprio Campus) e a outra na cidade de Colíder, no local do Território da Cidadania. O currículo privilegia dentro da Pedagogia da Alternância, o trabalho integrado de quatro áreas do conhecimento (Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Linguagem e suas Tecnologias e; Ciências Agrárias) na perspectiva de uma Educação do Campo contextualizada.
A especialização teve seu início em abril de 2009 e conforme o projeto/termo de cooperação estava previsto que o Campus São Vicente iria atender duas demandas, uma para o ano de 2009 e outra para o ano de 2010. Entretanto, a primeira demanda não concluiu seu processo formativo e a segunda demanda nem sequer começou. Estes fatos demonstram os entraves e aprendizados aqui chamados de desafios entre a governabilidade e a governança.
O recorte temporal da pesquisa vai de agosto de 2010 até julho de 2012, correspondendo ao período no qual um dos autores deste artigo (Senra) exercia a função de coordenador3 do processo formativo. A descrição do da execução e gestão do Projovem Campo representa o primeiro desafio da governabilidade e governança. Para isto, utilizou-se da pesquisa e da observação participante justamente pelo fato de estar à frente do projeto no período do recorte da pesquisa. Assim, foi possível perceber que, para além da realização do processo formativo, há os entraves burocráticos da execução de uma política pública, seja pelo financiamento, seja pela vontade política.
[...] A participação não envolve uma atitude do cientista para conhecer melhor a cultura que pesquisa. Ela determina um compromisso que subordina o próprio projeto científico de pesquisa ao projeto político dos grupos populares cujas situações de classe, cultura ou história se quer conhecer porque se quer agir (Brandão, 1999, p. 12).
Percebeu-se também que a formação ocorreu de forma fragmentada e não foi concluída. Houve troca de gestores, problemas na certificação dos discentes que concluíram o Ensino Fundamental. Outro problema evidente é que não houve o encaminhamento dos professores-educadores para a elaboração dos seus Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e a especialização não foi retomada pela gestão do Campus. Estas são só algumas evidências de que a temporalidade do curso foi comprometida e por isto a execução e gestão privilegiaram a observação e pesquisa participante.
[...] Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno [...] sendo o principal instrumento da investigação, o observador pode recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação do fenômeno estudado. A introspecção e a reflexão pessoal têm papel importante na pesquisa naturalística (Lüdke; André, 1986, p. 26).
Sob a gestão/coordenação do Prof. Ronaldo Senra foi possível realizar três eixos formativos: Economia Solidária; Desenvolvimento Sustentável e Solidário, com enfoque territorial e; Metodologia da Pesquisa e Produção do TCC I. Além destes eixos formativos, foi retomada a dimensão da formação técnica dos jovens ao que diz respeito à Qualificação Profissional e Social em Agricultura Familiar.
Para discorrer sobre a formação técnica dentro do projeto, foram realizadas três visitas in loco, junto às turmas do Projovem Campo/MT que estavam concluindo o Ensino Fundamental com a Qualificação Social e Profissional. Estas visitas foram realizadas pela coordenação do curso acompanhadas por um professor-formador da área de Ciências Agrárias. Com isto, por meio da observação participante e entrevistas informais (com os estudantes e professores) haveria subsídios suficientes para a certificação da juventude camponesa dentro do Projovem Campo.
Após esse processo e com a experiência adquirida no programa em Mato Grosso, vislumbrou-se a possibilidade de ampliar o Projovem Campo para o atendimento no Ensino Médio. Ou seja, em parceria com a Gerência de Educação do Campo da SEDUC/MT haveria a organização de algumas turmas como projeto piloto para que o projeto se ampliasse no atendimento educacional da juventude do campo. Caberia mais uma vez ao Campus São Vicente atuar na parte da formação técnica (com cursos de Agropecuária, Agroecologia, entre outros) e a SEDUC/MT com o Ensino Médio.
Diversas reuniões, articulações e a inserção do Campus São Vicente dentro dos espaços públicos que discutem a Educação do Campo, como a SEDUC/MT, o Comitê Interinstitucional e Permanente da Educação do Campo (CIPEC/MT) e o próprio IFMT, possibilitaram um olhar mais aguçado sobre este processo. Como exemplo, em março de 2012 houve uma oficina intitulada Ensino Básico, Técnico e Tecnológico: o papel do IFMT - Campus São Vicente e a articulação com os movimentos sociais do campo na construção de cursos e propostas com os objetivos de fortalecer as parcerias e construir propostas de cursos de extensão, ensino e pesquisa para os movimentos sociais do campo. Estas oficinas são importantes para o fortalecimento de programas, como o PRONERA, que atuam na agricultura familiar.
Os Aprendizados do Caminho: alguns resultados e discussões para além da governabilidade
Ao discutir os resultados, percebe-se que a proposta Por uma Educação Básica do Campo (Kolling; Nery; Molina, 1999) ainda está em construção e representa o grande desafio de acesso, permanência e qualidade da educação (negada) a juventude ao seu direito subjetivo. É possível referendar que os altos índices de jovens que não atingem o Ensino Médio na realidade rural são indicados por números alarmantes4, e que muitas vezes os aspectos da governança e da governabilidade impedem a concretude de políticas públicas para as juventudes camponesas. Mesmo o foco principal do artigo não sendo o acesso ao Ensino Médio pelos jovens do campo e os desdobramentos das articulações e propostas criadas no âmbito do Campus São Vicente. Para além da expansão de uma educação no campo5 é preciso fazer uma Educação do Campo, com a cara, voz, bandeiras, histórias, e que, essencialmente seja uma educação oriunda das matrizes pedagógicas (Arroyo, 1999) dos povos camponeses. Refletir sobre o Projovem Campo/MT é contribuir para um repensar a Educação do Campo no Estado de Mato Grosso.
Ao adentrar na gestão e execução do Projovem Campo, alguns contextos ajudam na compreensão do processo da especialização e da qualificação profissional, ofertada pelo Campus São Vicente. Inicialmente, o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) foi elaborado em agosto de 2008, ainda no âmbito do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET Cuiabá), sendo que sua aprovação foi realizada pelo Conselho Diretor desta instituição, que foi extinta e se tornou Campus do IFMT.
Com a criação dos IF, a lei que os ampara deixa uma abertura para que os projetos e processos realizados anteriormente sejam resolvidos no seu próprio âmbito (com os regulamentos anteriores), sem passar pela reitoria, conselho superior e outras instâncias. Sendo assim, a especialização Projovem Campo: saberes e fazeres da terra, que tinha o seu começo previsto para abril de 2009 e com o término para abril de 2011, ainda não foi finalizada6. Com isso, fica evidente que a falta de vontade política da gestão (equipe diretiva) do Campus e problemas de governabilidade são os únicos fatores determinantes para a não finalização deste processo.
Com a mudança estrutural e de gestão de CEFET para o IF, a execução do projeto também foi prejudicada pelo fato do antigo coordenador do curso ter assumido um cargo de confiança na reitoria, e com isso dificilmente iria acompanhar de perto o projeto e sua execução. Outros fatores também se demonstraram determinantes, como a greve do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a não liberação dos recursos no período do início do Eixo I: Condição Humana e Sustentabilidade, até o Eixo IV: Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas, que ocorreram no período de abril de 2009 a outubro de 2009.
Dessa forma, a especialização ficou parada por um ano e teve suas atividades retomadas quando uma nova coordenação assumiu em agosto de 20107. Diversas articulações foram necessárias, tais como: rastreamento do recurso, retomada das conversas, parcerias, agenda e outros, tentando descrever e compreender esse período enquanto processo de aprendizagem.
Muitos caminhos foram percorridos pelos professores-educadores do Projovem Campo ao executar o programa no seu cotidiano. E certamente, diversos e distintos desafios foram postos à realização deste trabalho que transdisciplinarmente (ou nas multirreferências) ousou realizar uma educação diferenciada para os povos do campo. Não foi possível mensurar ou detalhar todas as vivências de cada escola-comunidade, entretanto, a intencionalidade é descrever a importância que a proposta político-pedagógica do Projovem Campo possui, tanto para os movimentos sociais, quanto para a Educação do Campo de um modo geral.
E, ao discorrer sobre os aprendizados do projeto tanto no que diz respeito à execução e gestão da especialização, quanto da parte da certificação técnica dos jovens partícipes do Projovem Campo (pois ambas caminham lado a lado), a tese de Pedrotti-Mansilla (2010) inicialmente coloca os próprios educadores/formadores na posição de aprendizes da educação, assim como Freire (2005, p. 151), que diz que "[...] os homens se libertam em comunhão" e que este processo é contínuo e para a vida toda.
[...] A proposição é que utilizando da tática de aprendizagem consigamos aprender com os erros, de forma a vislumbrarmos novos caminhos que possam sustentar a Educação Ambiental nos Currículos mato-grossenses. O trabalho sustenta a tese de que na formulação de políticas públicas (PP), é emergencial considerar o controle social significativo (Pedrotti-Mansilla, 2010, p. 29).
É neste aprender com os erros que não há como distinguir o processo da especialização com a da Qualificação Profissional e Social em Agricultura Familiar que são os motes do projeto. Neste sentido, os conceitos de governança e de governabilidade servem de base para explicar os desafios postos dentro do Projovem Campo/MT. Estes são conceitos complexos, não cabendo aqui exaurir os dilemas e teorias sobre os mesmos.
Entretanto, se estes são conceitos relativamente novos na pesquisa educacional, cabe aqui reafirmar que a luta pela Educação do Campo, pela sustentabilidade, a luta pela escola, por uma educação libertadora é uma luta que se insere nas relações entre a sociedade, movimentos sociais e o estado de uma forma geral. Conforme Dale (2010, p. 1102) "[...] o estado atual da educação, como de outras instituições da modernidade, é fundamentalmente um reflexo de uma resposta à natureza variável da relação entre capitalismo e modernidade".
O termo Governança surge nos anos 1990, no século passado, como uma proposta do Banco Mundial no seu documento Governance and Development (Governança e Desenvolvimento), na tentativa de compreender as relações entre Estado e sociedade e como as ações estatais abrangem não só os aspectos econômicos, mas também sociais e políticas de gestão pública, fazendo parte da Nova Administração Pública (Gonçalves, 2006). É justamente neste contexto de globalização e neoliberalismo que é possível perceber que os IF, enquanto instituições acabam por absorver estas concepções de sociedade, estado e de gestão pública.
Discorrer como concepções distintas de educação (tecnicismo - institutos federais e, transformação - educação do campo) se entrelaça e a possibilidade de um processo dialógico foi justamente o cerne da tese de Senra (2014) para compreender a inserção da Educação do Campo no IFMT - Campus São Vicente. Uma educação dialógica é possível (ou será) só na tensão desta relação (entre sociedade e Estado) avançando na proposta de educação enquanto direito para os povos do campo.
O MST faz uma reflexão interessante ao fazer um balanço sobre a reforma agrária, ao afirmar que, se para o movimento a luta pela reforma agrária caminha lado a lado com a educação, houve poucos avanços estruturais.
[...] Embora FHC tenha propagandeado que realizou a maior reforma agrária da história do Brasil, seu governo nunca possuiu um projeto de reforma agrária real. Durante os dois mandatos, a maior parte dos assentamentos implantados foi resultado de ocupações de terra. Todavia, o número de assentamentos implantados foi diminuindo ano a ano (MST, 2010, p. 10).
Ao olhar o movimento nacional Por uma da Educação do Campo, a própria história dos movimentos sociais, como o caso do MST, evidencia que a luta pela reforma agrária, juntamente com a luta pela educação faz parte destes cenários que ratificam a relação tensitiva entre o estado e a sociedade.
[...] O fenômeno da globalização, entendido como um processo não exclusivamente econômico, mas também que envolve aspectos sociais, culturais, políticos e pessoais, recolocou, de maneira dramática, as relações entre sociedade e Estado. Trouxe como consequência uma mudança no papel do Estado nacional (não sua extinção, mas certamente uma reconfiguração) e suas relações no cenário internacional. Impulsionou, portanto, a discussão sobre os novos meios e padrões de articulação entre indivíduos, organizações, empresas e o próprio Estado, deixando clara a importância da governança em todos os níveis (Gonçalves, 2006, p. 4).
Descrevendo sobre a Especialização Projovem Campo, principalmente no que se refere a sua execução e gestão, e reafirmando que a mesma ainda não foi finalizada pela falta de "vontade política", faz-se necessário ancorar-se nos conceitos de governabilidade e governança para descrever este processo dentro de uma IES que também faz parte do Estado e é responsável, ou deveria ser, pela execução das políticas públicas de um modo geral, principalmente no que diz respeito às políticas de educação.
Existem diversos conceitos que envolvem os termos governança e governabilidade, e neste trabalho será adotada a perspectiva de que os dois conceitos compartilham "[...] uma questão central: a problemática de direcionar, regulamentar, governar, conduzir etc. na sociedade moderna - tendo em vista os indivíduos, as organizações, os sistemas, o Estado e a própria sociedade como um todo" (Amos, 2010, p. 25).
Desde o seu começo, a Especialização Projovem Campo passou por duas gestões diferentes, seja por parte da coordenação do curso, seja pela gestão do Campus São Vicente. De abril de 2009 até julho de 2010 havia um coordenador para o curso e, em agosto de 2010 uma nova coordenação assumiu, permanecendo até julho de 2012. Outro fator foi que de 2009 até final de 2012 havia uma gestão (direção do Campus) e com as eleições para mudança de diretor, em 2013, uma nova gestão assumiu o Campus. Este caráter de idas e vindas foi muito prejudicial ao processo formativo como um todo e a execução do projeto não teve um fluxo contínuo.
Desde o fim da nossa coordenação (julho de 2012)8 até dezembro de 2013 não houve nenhuma nomeação de um novo coordenador para assumir a finalização da especialização. Há informações extraoficiais que a Diretoria de Ensino do Campus se responsabilizaria por esta finalização, mas na prática, nada foi feito. Com isto, percebe-se que não há interesse institucional e nem preocupação em direcionar, regulamentar, ou concluir algo que está inacabado dentro da instituição, representando assim, uma ingovernabilidade institucional.
Em nenhum momento o coordenador do processo, entre o período de agosto/2010 a junho/2012 e que é um dos autores deste artigo, não se exime da responsabilidade pelas ações e limitações na qual foi executada a coordenação e a gestão. Este período é o campo de compreensão deste trabalho, adotando a governança educacional nos seus princípios, ousando nos desafios do Projovem Campo/MT: gestão-execução, currículo e desdobramentos (Senra, 2014); discorremos sobre o processo de aprendizagem e como esta política pública contribuiu de alguma maneira para o fortalecimento da Educação do Campo em territórios mato-grossenses.
[...] Se for analisada de perto a governança educacional (isto é, as combinações e a coordenação de atividades, atores/agentes, e escalas através das quais a "educação" é construída e ministrada nas sociedades nacionais), é possível identificar quatro categorias de atividades que, coletivamente, compõem a governança educacional (que, por razões de exposição, são consideradas como mutuamente excludentes e coletivamente exaustivas): financiamento; fornecimento ou oferta; propriedade; regulação. Essas atividades podem, em princípio (assim como são na prática), ser desempenhadas independentemente umas das outras por uma série de agentes outros que não o Estado (embora este continue sendo um possível agente de governança educacional num amplo conjunto de escalas, do local ao global) (Dale, 2010, p. 1111).
Dentro destas categorias citadas por Dale (2010), no que se referem aos aspectos da Gestão e da Execução do Projovem Campo/MT, descreve-se como primeiro desafio, os aspectos do financiamento e da oferta e as relações entre a IES enquanto demandante das políticas públicas e suas implicações. Atualmente, para a execução e realização de políticas públicas (que vão além do que a instituição já oferece) muitas das IES só aparecem enquanto proponentes/demandantes se houver a garantia de financiamento por parte dos órgãos oficiais do estado.
Talvez aqui se encontre o grande abismo e fosso educacional ao se pensar uma construção de políticas públicas voltadas para as diversidades educacionais. Mesmo as diversidades educacionais (Educação do Campo, Ambiental, Étnico-racial, etc.) fazendo parte das modalidades educativas, muitas vezes não fazem parte da Educação Básica como estrutura, cerne da política, mas sim como um apêndice/transversal no currículo da escola.
Com isto, não relegando as diversidades educacionais em segundo plano no quesito de políticas públicas, o que geralmente ocorre é que só há a execução e implementação destas políticas nas IES se houver um financiamento extra, além do orçamento previsto anualmente, talvez pela própria lei educacional (LDB, FUNDEB, etc.) priorizar o atendimento a Educação Básica. E, quando a atenção é para a Educação Superior, diga-se de passagem, é priorizado o currículo comum para a formação geral.
No IFMT, o Programa de Qualificação Profissional aliado a Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), o Projovem Campo, a Licenciatura em Educação do Campo (via edital de agosto de 2012 do MEC) dentro do Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) são alguns exemplos de como estas modalidades educativas, mesmo fazendo parte do Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI) ficam relegadas a financiamentos de outros órgãos e não são o foco institucional principal, sendo o foco principal apenas o ensino técnico, tecnológico e bacharelados ligados à tecnologia e a demandas de mercado.
A Licenciatura em Educação do Campo (Pronacampo-MEC) é um exemplo clássico entre a relação (financiamento e oferta) dentro do Campus São Vicente. O Ministério da Educação (MEC) lançou o Edital de Seleção n° 02, de 31 de agosto de 2012, intitulado Chamada Pública para Seleção de Projetos de Instituições Federais de Educação Superior - IFES para o Pronacampo. Além de um curto espaço de tempo para a elaboração e submissão da proposta, o MEC como contrapartida na chamada pública oferecia a possibilidade de abrir mais vagas em concursos públicos para as instituições ofertantes da licenciatura.
Aqui é possível trazer as reflexões de Molina e Rocha (2013) no que diz respeito ao próprio Pronacampo, para depois passar para a Licenciatura dentro do Campus São Vicente. Por um lado, há um ganho para a Educação do Campo com a possibilidade de haver mais 44 cursos de licenciaturas (instituições aprovadas no edital). Por outro lado, o Pronacampo é um programa sistêmico entre estado, município, MEC, escolas e deixa os movimentos sociais do campo de fora da articulação e discussão da Educação do Campo.
Se para os movimentos sociais esta articulação, discussão, gestão construídas ao longo destes anos todos, principalmente via PRONERA, possibilitaram a construção das políticas públicas representando o patrimônio jurídico-legal-histórico (Molina; Rocha, 2013) da Educação do Campo, o Pronacampo precisa ser pensado nas suas contradições e elementos emblemáticos.
Nesta perspectiva, o Fórum Nacional da Educação do Campo (FONEC), criado em 2010, considerado como sendo o desdobramento histórico do Movimento da Educação do Campo desde o seu surgimento com as conferências, lançou em agosto de 2012 um Manifesto a Sociedade Brasileira que reflete sobre o Pronacampo e em junho de 2013 houve uma Oficina de Planejamento do FONEC para repensar as ações do fórum mediante as estratégias do governo em executar o programa.
Aqui cabe contextualizar que em agosto de 2012 muito pouco se sabia sobre os desdobramentos do programa e não havia definições e ações concretas para o mesmo. Agora a própria licenciatura e outras ações já são evidenciadas para a execução. Entretanto, convém retomar o manifesto do FONEC para demonstrar mais uma vez sobre a relação estado e sociedade na difícil construção de políticas públicas, onde,
i. A implementação do PRONACAMPO atenta contra os próprios princípios da LDB, ao não instituir a gestão democrática e colocando apenas o sistema público estatal (estadual e municipal) como partícipe do Programa, ignorando experiências de políticas públicas inovadoras e de sucesso, que reconheceram e legitimaram o protagonismo dos sujeitos do campo na elaboração de políticas públicas como sujeitos, não apenas beneficiários [...]
vi. Denunciamos, com veemência, o esvaziamento dos espaços de diálogo e construção de políticas públicas com a presença dos movimentos e organizações sociais e sindicais do campo no âmbito do Ministério da Educação, secundarizando e negando a construção coletiva como princípio da Educação do Campo (Fonec, 2012, p. 2).
O Campus São Vicente participou da chamada pública, submetendo um PPC de Licenciatura em Ciências da Natureza, e apesar do parecer do MEC trazer as recomendações para que os erros conceituais (como Educação Rural, falta de articulação clara com os movimentos sociais do campo) fossem corrigidos, o projeto foi aprovado para suprir a demanda da falta de formação de professores no campo.
Porém, até o presente momento, o Campus, além de não ter corrigido os itens apontados pelo MEC no PPC, submetendo o mesmo apenas como demandante, não se mobilizou para por em prática a referida licenciatura, que não tem nem coordenador (o mesmo optou por atuar no Pronatec). Isto só deixa claro que além dos aspectos técnicos e burocráticos necessários à realização das políticas públicas, a governabilidade e a governança deve se efetivar se houver o diálogo entre estado e sociedade. E a apropriação por parte dos movimentos sociais do campo, que para além de beneficiários-demandados, querem propor e serem sujeitos da própria formação conseguindo tencionar as amarras estatais.
Dadas as exemplificações de como as IES ficam muitas vezes reféns dos financiamentos para a execução de políticas públicas, no aspecto do financiamento da Especialização Projovem Campo, os processos não são exceções de boa gestão e funcionamento sem problemas burocráticos. O FNDE é o órgão responsável para repassar, via termo de cooperação, o financiamento da execução dos programas feitos entre as IES e o MEC. Via de regra, este procedimento deveria facilitar os trâmites burocráticos e o repasse dos recursos ocorrer de forma mais rápida.
Entretanto, no caso do Projovem Campo, a especialização ocorreu no começo de 2009 e foi possível a realização dos quatro primeiros eixos da mesma. Verificou-se que de outubro de 2009 até agosto de 2010, quando a nova coordenação assumiu, a execução da especialização ficou parada. Um dos entraves é que o próprio FNDE entrou em greve e os termos de cooperação não haviam sido elaborados novamente9 para o ano de 2010, já que toda equipe gestora tinha saído ou assumido outras frentes de trabalho.
O aprender no caminho fez parte da inserção da militância para se pensar à execução da gestão da especialização, que poderia ter se perdido nos entraves burocráticos. Entretanto, superada as dificuldades iniciais e tendo o financiamento garantido via novo termo de cooperação, foi retomado o curso do projeto e conseguiu-se realizar o EIXO V: Economia Solidária nos dias 18 a 22 de outubro de 2010. Neste primeiro momento, optou-se por fazer este processo formativo com as duas turmas juntas (o que antes não ocorrera), no município de Jaciara no Núcleo Avançado de Jaciara, Campus São Vicente, para que elas pudessem visualizar o processo e a retomada de trabalho com um cronograma bem definido e fortalecer o núcleo enquanto espaço de formação de professores.
Com a retomada dos trabalhos, foi realizado mais um eixo temático, o EIXO VI: Desenvolvimento Sustentável e Solidário com enfoque Territorial, agora já com as duas turmas (Colíder e São Vicente) divididas. Fortalecendo a parceria com o município de Colíder, este eixo foi realizado no período de 22 a 26 de novembro de 2010. E no período de 06 a 10 de dezembro de 2010, ainda no Núcleo Avançado de Jaciara, Campus São Vicente, realizou-se a formação com a turma de São Vicente. Este eixo será discutido no segundo desafio da governabilidade e da governança que é o currículo e a contribuição da Educação Ambiental para a Educação do Campo.
A parceria com a Gerência da Educação do Campo da SEDUC/MT, que é a responsável pela execução do programa no estado e acompanha as turmas dos discentes do Ensino Fundamental, foi fortalecida e para além da especialização. Para a viabilidade da certificação em Agricultura Familiar destes jovens e adultos agricultores/as ficou firmado um cronograma de visitas in loco nas 28 turmas do Projovem Campo. Estas visitas foram acompanhadas por Ronaldo Senra no ano de 2011, como coordenador da Educação do Campo do Campus São Vicente, pelo próprio gerente da SEDUC/MT e de um Professor da área das Ciências Agrícolas, com o objetivo de perceber e traçar um panorama da dimensão pedagógica, social e de emancipação dos sujeitos envolvidos e formados pelo programa.
Infelizmente, pela falta de financiamento, pela falta de logística necessária e pelo fim da execução do Projovem Campo (primeira turma) dentro da SEDUC em abril de 2011 (que ocorreu nos 24 meses, de março de 2009 a março de 2011), não foi possível a visita in loco nas 28 turmas. Entretanto, conseguimos realizar três visitas técnicas em algumas turmas nos municípios de: Confresa, Rosário Oeste e Várzea Grande. Mesmo não representando o universo amostral de todo o Projovem Campo dentro do estado, estas poucas visitas subsidiaram a elaboração do relatório técnico para a certificação em Qualificação Social e Profissional em Agricultura Familiar que é função das IES dentro do programa e que foi realizado pelos professores da área de ciências agrárias dentro do processo formativo escolar.
Desta experiência das visitas, percebe-se o quão importante é o processo de escolarização para cada um/a destes jovens e adultos agricultores/as familiares. Talvez, nos poucos relatos e na perspectiva da continuidade dos estudos-escolarização é que se torna possível compreender, de maneira concreta, como a educação pode se tornar um processo de humanização, de libertação. Todos/as estes jovens e adultos/as possuem histórias de vidas, saberes e fazeres dos conhecimentos da terra e da sobrevivência diária, sendo sujeitos no sentido amplo da palavra. Contudo, a educação escolar ao ser concluída pelos mesmos, parece que devolve um elo perdido da dignidade ou da cidadania que lhes foi negada no seu processo de vida escolar, unindo a dignidade da vida e da escola.
As políticas educacionais estabelecidas para jovens e adultos devem levar em conta que estes sujeitos, homens e mulheres, estão depositando, ali, tempo, energia, imaginação e construindo um sonho de uma vida melhor; por isso o caráter de transitoriedade que ainda caracteriza ações desta natureza precisa ser superado. Está presente, para inúmeros homens e mulheres que procuram programas de educação de jovens e adultos, que a escola é um dos poucos instrumentos de ascensão social e de conquista de uma vida melhor, o que, com muitas contradições, pode constituir-se como possibilidade (Moll, 2001, p. 209).
Perceber a verdadeira dimensão do projeto e o seu alcance nos aspectos culturais, sociais e pedagógicos, será possível pelos desdobramentos que o mesmo provocou em cada cidade, assentamento, comunidade-escola. A priori observou-se a mudança cultural e comportamental relativo aos aspectos de produção rural familiar, como nos relata uma educanda: "[...] antes íamos ao mercado comprar ovo, com o projeto percebemos que nós mesmas podemos produzir" (fala de uma educanda do Projovem Campo).
Neste relato evidencia-se o quão é significativo e simbólico o programa Projovem Campo, representando uma das reivindicações e conquistas do Movimento da Educação do Campo. "O Projovem Campo, para nós do Movimento Sem-Terra, representa talvez a política pública que mais se aproxima das nossas propostas e reivindicações pela educação" (Coordenador Setor de Educação do MST-MT).
Outros relatos revelam que o processo educativo do projeto, respeitando os seus tempos de aprendizado (tempo-escola e tempo-comunidade) foi imprescindível para que eles concluíssem os estudos e tivessem uma educação significativa. Apesar de relatarem a preferência pela parte prática das aulas (como relatou um dos educandos), reconhecem que a conexão entre a teoria e a prática que ocorre no desenrolar dos eixos temáticos e articulador possibilitou a identificação com o processo educativo.
O Programa se destina ao desenvolvimento de uma política que fortaleça e amplie o acesso de jovens agricultores/as familiares, situados na faixa etária de 18 a 29 anos, no sistema formal de ensino, e sua permanência tendo em vista a conclusão do Ensino Fundamental com qualificação social e profissional (Brasil, 2009).
Pelo fato de ser um programa e não uma política pública permanente observa-se um dos primeiros desafios para se pensar na EJA do Campo, se a governabilidade e execução de um programa são justificadas pelos altos índices de analfabetismo e não escolarização no campo. O programa possui metas a serem atingidas pensando apenas em uma juventude e não na totalidade da EJA. São evidentes os índices e desigualdades quando se compara o campo com o urbano, no qual 61,80% dos seis milhões de jovens agricultores não concluíram a segunda etapa do ensino fundamental (Brasil, 2008).
No cenário da EJA, Jaqueline Moll nos ajuda na compreensão dos desafios desta modalidade educativa e como os silenciamentos e ausências de ações continuadas e sistemáticas representam a falta de políticas públicas neste campo (2001). Estes silenciamentos e ausências ficam visíveis também na execução do Projovem Campo/MT, principalmente pela governabilidade da formação de professores e da certificação técnica para a educação do campo, especificamente da Especialização Projovem Campo: saberes e fazeres da terra ofertada pelo Campus São Vicente, que teve seu começo em 2009 e até dezembro de 2013 não havia sido finalizada.
A autora sistematiza que o panorama atual da EJA no Brasil é povoado, desde a perspectiva das proposições do governo federal, por três programas: Programa de Alfabetização Solidária, PRONERA e Plano Nacional de Educação do Trabalhador (PLANFOR). Entretanto estes programas estabelecem interfaces com diferentes atores sociais, mas não se configuram como uma política nacional de educação de jovens e adultos e, segundo a autora "[...] são, em si, insuficientes para garantir ações sistemáticas, continuadas e permanentes, que deem conta das graves lacunas que caracterizam este campo" (Moll, 2001, p. 204).
Visando esta possibilidade, em março de 2012 o Relatório da Certificação Técnica em Qualificação Social e Profissional em Agricultura Familiar foi finalizado e foi encaminhado para a Direção de Ensino do Campus para que fosse feita a impressão e registro dos certificados dos mesmos. Os discentes do Projovem, turma 2009 da SEDUC/MT, concluíram o Ensino Fundamental em abril de 2011. Este atraso na elaboração do relatório de certificação se deve ao fato de que, houve da parte do novo coordenador uma preocupação maior com os aspectos da execução da formação dos educadores-professores referente à especialização. Dessa forma, protelou-se a dimensão da qualificação profissional dentro do projeto. Mesmo porque, esta qualificação deveria ter sido pensada desde o começo da execução do programa.
Assumido os erros, foi finalizado o relatório com os nomes dos discentes que concluíram o Ensino Fundamental pelo Projovem e que tinham direito a qualificação social e profissional. O Projovem Campo/MT conseguiu concluir a escolarização de Ensino Fundamental um montante de 259 educandos/as10 (em média). Para além da dimensão quantitativa na educação, é necessário perceber a dimensão qualitativa nos processos educativos, principalmente aqueles que visam à emancipação humana e se tratam das políticas de EJA.
O Projovem Campo, sendo mais um programa e não uma política permanente, também se prende na execução, nas metas a serem atingidas e na sistematização para a formação de turmas, já que é uma ação integrada com os sistemas de ensino e cada estado regulariza o número mínimo de alunos por turma. Dentro da execução do programa no estado, para além dos números e metas atingidas, é importante se deter aos processos de governabilidade e da governança e de aprendizados que o mesmo provocou, e quais desdobramentos o Projovem causou nas comunidades e escolas em que esteve inserido.
Esta governança é principalmente fruto da mobilização de cada sujeito do campo que atuou como professor formador de uma EJA Campo. "Para nós, o Projovem e outras políticas devem ser avaliadas não só do ponto de vista da quantidade, dos números, do atendimento da demanda, mas da qualidade de sua proposta" (Vander Reis - setor educação MST).
A cilada dos dados produz, no campo específico da educação de jovens e adultos, um absoluto anonimato que, homogeneizando a todos, não permite que saibamos quem é cada sujeito escondido atrás do número e do percentual, onde vive e como vive, onde trabalha, como ganha a vida, como se diverte, no que crê, que relações sociais estabelece, se tem família, se os filhos vão à escola, que sonhos projeta para o presente ou para o futuro? (Moll, 2001, p. 207).
É nesta dimensão da qualidade que o Campus São Vicente nega o direito destes discentes de serem certificados por um processo o qual fizeram parte, pois a emissão dos certificados não foi realizada pela antiga gestão (2012), e não está sendo realizada pela atual gestão (2013) do Campus que detém novamente o pedido e o relatório para a emissão dos certificados. Uma das alegações da não emissão dos certificados é dada por um professor que atuou como coordenador de extensão que: "[...] não sabe se esta certificação fica no âmbito da extensão ou se é função da direção de ensino".
Ora, se a instituição, diante de aparatos legais (relatório final, leis, etc.) que subsidiam e amparam a certificação, não consegue finalizar a simples emissão de alguns certificados, cabe questionar se não é realmente uma ingovernabilidade ou se a mesma se perde totalmente em aparatos burocráticos e pela falta de vontade política. Corroborando com Pedrotti-Mansilla (2010, p. 79), deve-se ir além do "[...] neo-institucionalismo que busca compreender somente o funcionamento das instituições para medir a eficácia" e a ênfase é apenas na cidadania do direito, mas é preciso construir a cidadania do dever. Neste caso, parece que a cidadania do dever é negligenciada, principalmente se tratando dos povos do campo, e a cidadania do direito se prende em processos politiqueiros e aparatos burocráticos para não ser nem sequer eficiente e eficaz.
A educação de jovens e adultos pode ser este espaço de vida pública ou de ingresso na vida pública. É sem dúvida, condição sine qua non para qualquer possibilidade de produzir um futuro que, como diria Paulo Freire: 'Seja de fato futuro e não mera repetição do presente'. ressignificar os espaços públicos de educação de jovens e adultos e, mais do que isso, a esfera pública, sem sucumbir ao canto da sereia do neoliberalismo, aproximando atores sociais e garantindo ações de médio e longo prazos articuladas em políticas, pode ajudar-nos a vislumbrar um mundo no qual a igualdade, democracia e cidadania não sejam palavras vãs (Moll, 2001, p. 210).
Será que o mesmo problema ocorrerá na lógica dos atuais programas técnicos e de qualificação profissional, diga-se de passagem, o Pronatec, que possui grandes fontes de financiamentos? E se o público fosse voltado para o agronegócio e não os/as agricultores/as familiares? Dificilmente isto ocorreria! Entretanto, estes desafios não foram suficientes para desqualificar a dimensão que o projeto tomou enquanto política pública dentro do estado.
É Possível Construir uma Governança nas Políticas Públicas: considerações finais
O projeto Projovem Campo compreende que os sujeitos do campo possuem conhecimentos e saberes significativos, que devem ser valorizados e dialogados com o conhecimento científico acumulado pela humanidade. Perceber que a instituição sai de seus limites, do seu internato acadêmico, alcança distâncias a mais de mil e trezentos quilômetros nesta imensidão chamada Mato Grosso e ousa propor novos modelos de formação humana pela Educação do Campo, é uma cena memorável no processo educativo do estado e pode ser esta possibilidade para a EJA Campo que Moll (2001) se refere.
Financiamento e oferta de políticas públicas se entrelaçam e fazem ter a dimensão de um processo educativo como o Projovem Campo/MT. Nesses desafios, percebe-se que a execução e gestão do programa estão a todo o tempo nestas correlações de forças entre as perspectivas da relação do estado e a sociedade, "[...] enquanto a governabilidade tem uma dimensão essencialmente estatal, vinculada ao sistema político-institucional, a governança opera num plano mais amplo, englobando a sociedade como um todo" (Gonçalves, 2006, p. 4).
É justamente pelos processos de governança que os movimentos sociais e os educadores-educandos do Projovem Campo se apropriaram da política pública, indo além dos aparatos burocráticos para a concretude de uma Educação do Campo. O Projovem Campo tomou outras dimensões, pois muitos jovens e adultos continuaram seus estudos, passaram em concursos públicos, se apropriaram das cooperativas e associações de produção rural familiar repensando o projeto de desenvolvimento de cada comunidade, assentamento e território camponês. Estes fenômenos na governança se apropriaram das concepções e princípios de uma Educação do Campo emancipatória e transformadora.
Referências
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1
Implementado em 2005, a ação que se denominava Saberes da Terra integrou-se, dois anos depois, ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), cuja gestão é da Secretaria Nacional de Juventude. O Projovem possui outras três modalidades, Adolescente, Trabalhador e Urbano. Acesso em: <http://portal.mec.gov.br/projovem-campo--saberes-da-terra>. 01 maio 2015.
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2
A Pedagogia da Alternância é uma das metodologias da educação mais usadas dentro dos movimentos sociais do campo em seus processos educativos. Surgiu na França em 1935 e teve o seu desdobramento no Brasil nas Escolas Famílias Agrícola (EFA) e tem como princípio básico dois tempos de aprendizagem interligados: tempo-escola e o tempo-comunidade (Rodrigues, 2008).
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Segundo dados do MEC/Inep e MDA/INCRA/PRONERA - PNERA (no ano de 2004) 95,7% dos jovens agricultores/as não tem o Ensino Médio e na região Centro-Oeste é de 90% que não tem este nível de ensino. Agora, se tratando da EJA Ensino Médio, o índice nacional chega a 99,3% da população que não tem acesso a esta modalidade de ensino e no Centro-Oeste chega a 99,1%.
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5
Nos últimos anos, o Estado de Mato Grosso ampliou o atendimento e expandiu as escolas no campo. Segundo informações extraoficiais da Gerência de Educação do Campo da SEDUC/MT, existem 167 escolas públicas estaduais que atuam na educação no campo, atendendo mais de 40 mil alunos. O atendimento ocorre por meio de diversas salas anexas e a falta de formação específica e falta de habilitação, ainda representam um grande desafio para a educação do campo.
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10
Estes dados foram levantados de acordo com as relações de concluintes que os próprios professores-educadores enviaram via email à coordenação da especialização "Projovem Campo: saberes e fazeres da terra", para a elaboração do relatório técnico para a emissão dos certificados da qualificação profissional. O número dos discentes que concluíram o ensino fundamental pode ser maior, pois, o levantamento desta demanda cabe a SEDUC/MT.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Fev 2017 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2017
Histórico
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Recebido
06 Maio 2015 -
Aceito
17 Mar 2016