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Letramento Digital para Idosos: percepções sobre o ensino-aprendizagem

Resumo:

Os programas de letramento digital para idosos propõem ampliar as habilidades e competências digitais, porém os conhecimentos sobre as abordagens metodológicas e de ensino nestas intervenções são escassos. O estudo objetivou verificar os fatores otimizadores no processo de ensino-aprendizagem em programas de letramento digital para idosos, a partir das percepções de alunos. Utilizando-se a técnica de análise de conteúdo, duas categorias principais foram identificadas entre as emissões de 278 participantes. Conclui-se que os aspectos humanos devem ser valorizados pelos instrutores no processo de ensino-aprendizagem para alunos idosos, principalmente, demonstrar as qualidades de ser paciente, calmo e atencioso.

Palavras-chave:
Letramento Digital; Idosos; Ensino-Aprendizagem

Abstract:

Digital literacy programmes for the elderly propose to expand digital skills and competences; yet, knowledge about the methodological and teaching approaches in these interventions is scarce. The study aimed to verify the optimising factors in the teaching-learning process in digital literacy programmes for older adults, based on students’ perceptions. Using the content analysis technique, two main categories were identified among the contributions of 278 participants. It was concluded that the human aspects should be valued by the instructors in the teaching-learning process for older-adult students, mainly, by demonstrating the qualities of being patient, calm and attentive.

Keywords:
Digital Literacy; Older Adults; Teaching-Learning

Introdução

A difusão da internet pelo mundo estimulou a criação de soluções on-line direcionadas aos vários domínios da vida, com potencial para melhorar a saúde, bem-estar cognitivo, social e emocional das pessoas. Estudos recentes demonstram que o uso das tecnologias da comunicação e informação (TIC’s), como os computadores, tablets ou smatphones, sugere o aprimoramento do bem-estar subjetivo entre os idosos (Nimrod, 2019NIMROD, Galit. Aging Well in the Digital Age: Technology in Processes of Selective Optimization with Compensation. Journals of Gerontology: Social Sciences, v. XX, n. Xx, p. 1-10, 2019. ); promove o engajamento social e a diminuição da solidão quando conectados em atividades on-line (Szabo; Allen; Stephens; Alpass, 2019SZABO, Agnes et al. Longitudinal Analysis of the Relationship between Purposes of Internet Use and Well-being among Older Adults. Gerontologist , v. 59, n. 1, p. 58-68, 2019. ); e contribui para o desenvolvimento de habilidades motoras, seguidas de habilidades perceptivas/cognitivas e afetivas/motivacionais mediante a prática de jogos digitais (Wang; Hou; Tsai, 2020WANG, Ya-ling; HOU, Huei-Tse; TSAI, Ching-Chung. A systematic literature review of the impacts of digital games designed for older adults. Educational Gerontology , v. 46, n. 1, p. 1-17, 1 jan. 2020. ).

Observa-se um aumento no uso da internet pelos idosos ao longo do tempo (Hunsaker; Hargittai, 2018HUNSAKER, Amanda; HARGITTAI, Eszter. A review of Internet use among older adults. New Media and Society, v. 20, n. 10, p. 3937-3954, 2018. ), no entanto, este grupo etário ainda possui acesso desigual às TIC’s quando comparado às gerações mais novas, ou seja, uma lacuna digital. Gil (2019GIL, Henrique. The elderly and the digital inclusion: A brief reference to the initiatives of the European union and Portugal. MOJ Gerontology & Geriatrics, v. 4, n. 6, p. 213-221, 2019. ) explica que os jovens nascidos em um contexto com tecnologias e recursos digitais já disponíveis são considerados os nativos digitais; por outro lado, aqueles que se adaptaram, ou buscam adaptar-se à nova realidade tecnológica, correspondem aos imigrantes digitais.

Para os idosos usufruirem dos benefícios tecnológicos de maneira mais abrangente, a exposição aos dispositivos digitais deve avançar para uma análise crítica dos conteúdos disponíveis. Silva e Behar (2019SILVA, Ketia; BEHAR, Patrícia. Competências Digitais na Educação: uma discussão acerca do Conceito. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 35, e209940, 2019.) ressaltam as principais diferenças entre os termos de alfabetização, letramento, fluência e competência digital, pois, embora sejam interligados, estes termos apresentam uma evolução conceitual. De acordo com as autoras, a alfabetização digital refere-se à obtenção de habilidades para a interpretação e compreensão dos códigos e da linguagem, ou seja, diz respeito ao primeiro nível de experiência e prática do indivíduo (domínio da escrita e compreensão da leitura) no contexto digital. Desta forma, a alfabetização diferencia-se do letramento digital, o qual consiste na capacidade de usar e compreender informações de vários formatos e fontes, incluindo a apropriação da nova tecnologia e a prática de leitura e escrita em tela. Identifica-se, portanto, uma ascensão de nível entre alfabetização e letramento digital, pois o último incorpora a noção cultural e social compartilhada em grupo das funcionalidades das tecnologias na sociedade do conhecimento.

Já a fluência digital refere-se ao progresso na facilidade de uso das tecnologias, conferindo ao indivíduo a capacidade de avaliar, selecionar, aprender e expressar-se digitalmente, de acordo com as preferências pessoais ou profissionais. Neste sentido, o indivíduo fluente digitalmente exerce a criatividade em produzir e gerar novos conhecimentos, e não apenas compreendê-los. Por fim, o conceito amplo de competência digital exprime os diversos elementos necessários para a utilização das TIC’s, como o conhecimento, as habilidades e as atitudes em relação a elas. Ou seja, “[...] o que se espera de um sujeito digitalmente competente é que este possa compreender os meios tecnológicos o suficiente para saber utilizar as informações, ser crítico e ser capaz de se comunicar utilizando uma variedade de ferramentas” (Silva; Behar, 2019SILVA, Ketia; BEHAR, Patrícia. Competências Digitais na Educação: uma discussão acerca do Conceito. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 35, e209940, 2019., p. 26).

O desenvolvimento das competências técnicas e operacionais alinhadas às habilidades de assimilação das informações tecnológicas contribuiria para diminuir a lacuna digital. No entanto, compreende-se que a adoção da tecnologia pelos idosos é uma temática complexa, pois envolve múltiplos aspectos afetivos e psicossociais que facilitam ou não o uso das tecnologias (Vroman; Arthanat; Lysack, 2015VROMAN, Kerryellen G.; ARTHANAT, Sajav; LYSACK, Catherine. “Who over 65 is online?” Older adults’ dispositions toward information communication technology. Computers in Human Behavior, v. 43, p. 156-166, 2015.). Gil (2015GIL, Henrique. Educação gerontológica na contemporaneidade: a gerontagogia, as universidades de terceira idade e os nativos digitais. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano, Passo Fundo, v. 12, n. 3, p. 212-233, 2015. ) argumenta a necessidade de ampliar as competências digitais dos idosos, por meio de programas educacionais preocupados com a operacionalização das estratégias técnicas e metodológicas.

O emergente campo da educação de idosos requer investigações mais aprofundadas, tanto do ponto de vista epistemológico quanto das abordagens metodológicas (Kern, 2018KERN, Dominique. Research on Epistemological Models of Older Adult Education: The Need of a Contradictory Discussion. Educational Gerontology , v. 44, n. 5-6, p. 338-353, 2018.). Doll (2016DOLL, Johannes. A educação no processo de envelhecimento. In: FREITAS, Elizabete V.; PY, Ligia (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia . 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan , 2016. P. 3554-3566.) observa a escassez de teorias educativas direcionadas às discussões da aprendizagem de idosos. Contudo, o reconhecimento da capacidade de aprendizagem dos idosos impulsionam reflexões sobre a prática de ensino para que propostas pedagógicas sejam condizentes às gerações de idosos atuais e futuras.

Com intuito de investigar as estratégias pedagógicas utilizadas em um programa de educação permanente para idosos, o estudo de Cachioni, Ordonez, Batistoni e Lima-Silva (2015CACHIONI, Meire et al. Metodologias e Estratégias Pedagógicas utilizadas por Educadores de uma Universidade Aberta à Terceira Idade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 81-103, 2015. ) revelou que uma pedagogia participativa e problematizadora, em que os conteúdos sejam significativos para os idosos, contribui para o aprendizado. No contexto da aprendizagem tecnológica, Tan (2018TAN, Seng C. Technologies for Adult and Lifelong Education. In: MILANA, Marcella et al. The palgrave international handbook on adult and lifelong education and learning. London: Palgrave Macmillan, 2018. P. 917-937.) recomenda a priorização das demandas dos alunos e não a concentração das atividades sob a ótica tecnocêntrica, ou seja, o ensino parte das demandas dos alunos para as tecnologias pertinentes, ao invés de concentrar-se na tecnologia para adequá-la aos propósitos dos alunos. Além disso, o autor salienta o necessário alinhamento entre a organização dos programas as teorias de aprendizagem apropriadas para os idosos.

Para melhor compreensão sobre o ensino-aprendizagem, Jarvis (2006JARVIS, Peter. Teaching styles and teaching methods. In: JARVIS, Peter (Ed.). The Theory and Practice of Teaching. 2. ed. Reino Unido: Routledge, 2006. P. 28-38.) explica a diferença entre os métodos de ensino e o estilo de ensino, sendo o primeiro relacionado à variedade de técnicas e procedimentos que podem ser aplicadas no ensino, mediante a partilha mútua de conhecimentos entre o instrutor/professor e o aluno adulto; já o estilo refere-se à “maneira de expressão”, “a arte de ensinar” dos professores durante o ensino (p. 30). A expressão “arte de ensinar” deriva-se, inicialmente, dos fundamentos e definição da didática proposto por John Amos Comenius (lat.). Na publicação Didactica Magna (lat.) de 1657, Comenius apresenta que a “didática significa arte de ensinar” (Comenius, 2001COMENIUS, John A. Didáctica Magna. Introdução, notas e tradução: Joaquim Ferreira Gomes. Lisboa: Fundação Caloutre Gulbenkian, 2001. Disponível em: <Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/didaticamagna.pdf >. Acesso em: 07 out. 2020.
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, p. 3), ao defender uma educação universal, humanista e disponível para todos.

Segundo Jarvis (2006JARVIS, Peter. Teaching styles and teaching methods. In: JARVIS, Peter (Ed.). The Theory and Practice of Teaching. 2. ed. Reino Unido: Routledge, 2006. P. 28-38.), há uma sobreposição entre o método e o estilo de ensino, pois é o mesmo professor que assume a condução da aprendizagem. No entanto, identificam-se características distintas entre os dois termos: por exemplo, professores podem ser “facilitadores autoritários” ou “facilitadores democráticos”, e estar envolvidos-trabalhar com “didáticas democráticas” ou “didáticas autoritárias” (p. 35). Conforme apresenta o autor, o ensino abrange outras perspectivas além da técnica e métodos, envolvendo maneiras de viver na interação entre professor-aluno.

Algumas pesquisas têm demonstrado as principais abordagens metodológicas utilizadas em programas de aprendizagem não-formal para os idosos, sob o ponto de vista dos instrutores e monitores (Cachioni et al., 2015CACHIONI, Meire et al. Metodologias e Estratégias Pedagógicas utilizadas por Educadores de uma Universidade Aberta à Terceira Idade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 81-103, 2015. ; LoBuono; Leedahl; Maiocco, 2020LOBUONO, Dara L.; LEEDAHL, Skype N.; MAIOCCO, Elycia. Teaching Technology to Older Adults: Modalities Used by Student Mentors and Reasons for Continued Program Participation. Journal of gerontological nursing, v. 46, n. 1, p. 14-20, 2020. ). O objetivo deste estudo centra-se nas percepções dos alunos idosos para identificar os fatores otimizadores no processo de ensino-aprendizagem em um programa de letramento digital para idosos. As contribuições do público-alvo em relação às abordagens de ensino colaboram com o desenvolvimento de recursos de aprendizagem mais adequados aos idosos.

Metodologia

O estudo de caráter exploratório e descritivo faz parte da previsão de produções científicas referente ao projeto maior intitulado “Letramento digital e intervenção programada remota a idosos por meio do uso de dispositivos móveis”, desenvolvido pela Universidade de São Paulo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) em parceria com o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação de São Carlos (ICMC). O projeto obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do campus da EACH. Durante os anos de 2018 e 2019, realizou-se uma intervenção educativa de letramento digital para idosos, em caráter de oficina, no contexto do programa USP 60+.

Foram aplicados protocolos de pesquisa nas ocasiões de pré-teste, no decorrer da atividade educativa e no pós-teste aos idosos durante os quatro semestres letivos da oficina, mediante o esclarecimento da pesquisa e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo atual concentrou na análise pré-teste das percepções dos idosos quanto à atividade de letramento digital, propondo a discussão no âmbito do processo de ensino-aprendizagem. A idade cronológica de sessenta anos foi adotada como critério de definição para pessoa idosa, de acordo com a legislação brasileira vigente (Lei n. 10.741, 2003BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 03 out. 2003. seção 1. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm >. Acesso em: 10 mar. 2020.
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).

A amostra do estudo foi composta por 317 idosos matriculados nos programas de extensão universitária da USP 60+. O método de pesquisa adotado foi a entrevista e os instrumentos para a coleta dos dados foram papel e caneta. Com a finalidade de preservar a identidade dos participantes da pesquisa, os respondentes foram identificados com os códigos definidos para cada categoria temática.

O preenchimento de um questionário sociodemográfico e econômico aplicado no início do Projeto de pesquisa revelaram as caraterísticas gerais da amostra. A maioria dos participantes foi composta pelo sexo feminino (59,3%), com idade entre 65 e 69 anos (32,5%), apresentando doze anos ou mais de escolaridade - expresso pelo total de anos de escolaridade formal (40,7%), com renda de quatro ou mais salários mínimos (32,8%), estado civil casado (44,2%) e com arranjo de moradia residindo com familiares, amigos ou agregados (64%).

No primeiro dia da oficina de letramento digital, antes de iniciar os conteúdos programáticos de carga horária total de trinta horas, os idosos regularmente matriculados foram convidados a responder de maneira livre à seguinte questão aberta: “Quais sugestões daria a pessoa que ensinam idosos a utilizarem smartphones ou tablets?”. O entrevistador registrou literalmente as respostas orais cedidas por cada aluno idoso.

A escolha pelo formato de questão aberta se deu pela possibilidade de obter diversos pensamentos e opiniões espontâneas dos participantes. De acordo com Fachin (2017FACHIN, Odilia. Fundamentos de metodologia: noções básicas de pesquisa científica. São Paulo: Saraiva, 2017.), a aplicação das questões abertas permite a detecção de opiniões, atitudes, motivação e significados em relação ao tema investigado, oferecendo ao pesquisador respostas com linguagem própria, sem limitações ou deliberações.

Todas as respostas dos participantes da pesquisa foram digitalizadas e organizadas no sistema de IBM-SPSS (software utilizado no Projeto maior). Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo, de abordagem qualitativa, a fim de categorizar as respostas dos participantes do estudo. Segundo Bardin (2016BARDIN, Laurence. Análise do Conteúdo: edição revista e ampliada. São Paulo: Edições 70, 2016. ), a análise categorial temática deve seguir três fases principais, composta de etapas importantes para explicitação, sistematização e expressão do conteúdo das mensagens: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Deste modo, a pré-análise do estudo consistiu na organização de todo material, buscando sistematizar os conteúdos de forma exaustiva, representativa, atentando-se à homogeneidade dos dados e à pertinência do estudo. Para isso, aplicou-se a leitura flutuante, o primeiro contato com os documentos coletados, conforme recomendação de desenvolvimento da técnica. Em seguida, explorou-se o material identificando as unidades de registro e as unidades de contexto.

Posteriormente, definiram-se os eixos temáticos (por exemplo, as respostas “ser paciente”, “ter muita paciência” foram codificadas sob o mesmo tema “paciência”). A regra de enumeração seguiu pela frequência simples - quantidade de aparições das unidades analisadas - e pela medida de coocorrência, considerando a distribuição dos elementos quando houve a presença simultânea de duas ou mais unidades de registro. Os eixos temáticos foram organizados em duas categorias, a saber: a) qualidades pessoais e b) didática e técnicas metodológicas. Por fim, a ação reflexiva subsidiou os processos de inferência e interpretação, sendo discutida considerando o referencial teórico proposto por Jarvis (2006JARVIS, Peter. Teaching styles and teaching methods. In: JARVIS, Peter (Ed.). The Theory and Practice of Teaching. 2. ed. Reino Unido: Routledge, 2006. P. 28-38.).

Utilizou-se o recurso da nuvem de palavras - artifício gráfico que identifica a relevância das palavras pela quantidade de vezes que são enunciadas - para a representação da categoria “qualidades pessoais”, a fim de obter uma visualização comparativa entre as palavras utilizadas nas respostas dos participantes. Assim, as respostas desta categoria foram codificadas e transformadas em unidades de contexto.

Resultados

Os resultados apresentaram percepções dos idosos em relação ao processo de ensino-aprendizagem em programas de letramento digital destinados a este grupo etário. Foram analisadas 278 (88%) respostas de 317 participantes do estudo, 39 (12%) delas foram excluídas devido à ausência de sugestões referidas pelos idosos (por exemplo, “não tenho sugestões” (A-5)) ou pela ausência de resposta. A Tabela 1 representa as duas categorias de análise do estudo, as respectivas definições, os eixos temáticos correspondentes e exemplos das emissões dos participantes. Ressalta-se que algumas destas emissões citadas como exemplo pertencem a mais de uma categoria.

Tabela 1:
Categorias de análise, definições, eixos temáticos e emissões dos participantes. São Paulo, 2020

Ao considerar as características sociodemográficas e econômicas dos participantes, os idosos que sugeriram “qualidades pessoais” eram na maioria mulheres (74%), com idade entre 60 a 69 anos (65%) e com ensino superior completo (26%). Sobre a categoria “didática e estratégias metodológicas”, metade dos idosos que sugeriram “focar em ações práticas” possuem dez ou mais anos de escolaridade e renda familiar superior a três salários mínimos; os que recomendaram “atentar-se aos déficits sensoriais”, 59% apresentaram idade entre 60 a 69 anos.

A Tabela 2 representa a distribuição da frequência entre as categorias e os respectivos eixos temáticos. Destaca-se que a soma ultrapassa o número total de respostas analisadas, pois 38 emissões (13%) enquadraram-se nas duas categorias, da mesma forma, os eixos temáticos da categoria 1 apresentaram co-ocorrência em 27 emissões (13%).

Tabela 2:
Distribuição de frequência das categorias e eixos temáticos correspondentes. São Paulo, 2020

Na categoria “qualidades pessoais” a palavra “paciência” se destacou como unidade de registro e unidade de contexto na análise sendo, portanto, foi alocada a um eixo temático próprio. A Figura 1 corresponde a esta categoria em nuvem de palavras, identificando o total de 21 qualidades diferentes. As palavras em destaque sinalizam a maior frequência nas respostas.

Figura 1:
Nuvem de palavras da categoria “qualidades pessoais”. São Paulo, 2020

A qualidade específica de ser paciente foi a sugestão mais relatada pelos participantes, embora outras qualidades tenham sido mencionadas pelos idosos, como atenção, calma, compreensão, tranquilidade e carinho. Ressalta-se que a palavra única “Paciência” (CAP122) apareceu em 72 respostas (40%) e as emissões de “Ter muita paciência” (CAP145), “Ter bastaste paciência” (CAP40) e “Muita paciência” (CAP183) em 24 respostas (13%).

Em relação à medida de coorrência entre as categorias, verificou-se que 13% (38 emissões) da amostra total de idosos propuseram aos instrutores “qualidades pessoais” alinhadas à “didática e estratégias metodológicas” para ensinar idosos. Além da sugestão de ser paciente, os idosos recomendaram maior atenção às suas dificuldades (52%), utilizando-se, principalmente, da repetição (18%) como uma estratégia no ensino. Verificou-se, ainda, que a qualidade de ser paciente foi mencionada em conjunto com outros atributos pessoais (13%), sendo a calma e a atenção os mais frequentes.

Discussão

O estudo explorou os aspectos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem em um programa de letramento digital, segundo as proposições dos alunos idosos. Os resultados da pesquisa confirmam a essência pluralista e o caráter interdisciplinar inerente do campo da educação de adultos (Fejes; Nylander, 2019FEJES, A.; NYLANDER, E. Introduction: Mapping the Research Field on Adult Education and Learning. In: FEJES, A.; NYLANDER, E. (Ed.). Mapping out the research field of adult education and learning. Switzerland: Springer, 2019. P. 3-14. ), pois evidenciam temáticas relacionadas às qualidades e habilidades pessoais e profissionais de instrutores, às estratégias metodológicas de ensino e às condições favoráveis para o aprendizado dos alunos na proposta educativa de letramento digital.

As características dos participantes do estudo corroboraram com os resultados encontrados por Vroman et al. (2015VROMAN, Kerryellen G.; ARTHANAT, Sajav; LYSACK, Catherine. “Who over 65 is online?” Older adults’ dispositions toward information communication technology. Computers in Human Behavior, v. 43, p. 156-166, 2015.), os autores identificaram que os idosos mais jovens, entre 65 a 70 anos, com ensino superior e vivendo com cônjuge ou companheiro eram propensos a utilizarem as tecnologias. Considerando a educação e a renda como as principais variáveis preditivas no acesso à internet por idosos (Fang et al., 2019FANG, Mei L. et al. Exploring Privilege in the Digital Divide: Implications for Theory, Policy, and Practice. Gerontologist, v. 59, n. 1, p. E1-E15, 2019. ), a maioria dos alunos idosos matriculados em programas de letramento digital deste estudo apresentaram maior nível educacional e renda familiar superior a três salários mínimos.

De maneira geral, as emissões dos participantes reafirmam as evidências descritas na pesquisa de LoBuono et al. (2020). Os autores verificaram práticas facilitadoras no ensino de letramento digital para idosos, porém a partir dos relatos de monitores e professores: instruções verbais e escritas de maneira clara, uso de materiais simplificados, explicação dos símbolos tecnológicos, sessões de revisão e repetição de maneira continuada e experiências práticas com as tecnologias. No entanto, as emissões dos idosos na atual pesquisa revelaram outros fatores adicionais envolvidos na condução do ensino, principalmente em relação aos atributos pessoais dos instrutores.

Qualidades pessoais

As qualidades pessoais, principalmente de ser paciente, calmo e atencioso foram compreendidas como os atributos mais apropriados para os instrutores de programas de letramento digital para idosos. A paciência destacou-se neste estudo, sendo em alguns momentos vinculada à prática didática do instrutor; e em outros, apresentada como necessária para orientar os idosos a transpor os problemas de aprendizagem ou dificuldades de memória.

A partir deste resultado, torna-se possível refletir sobre a autopercepção dos idosos em relação à aprendizagem. A qualidade sugerida aos instrutores de serem pacientes pode remeter à internalização de algumas expressões pelos alunos, tais como: “os idosos não aprendem” ou “os idosos tem muita dificuldade para aprender”. Palmore (2015PALMORE, Erdman. Ageism comes of age. The Journals of Gerontology: Série B, v. 70, n. 6, p. 873-875, 2015.) considera que o ageism - estereótipos negativos sobre o envelhecimento - é como uma “doença social” (p. 874), a qual se espalha entre as pessoas e de geração em geração. Observam-se atitudes preconceituosas inclusive entre os idosos, ao associarem a velhice à incapacidade e à doença.

O emprego da terceira pessoa do plural foi observado em algumas emissões dos participantes desta pesquisa, como em “Que ensine detalhadamente, pouco de paciência porque demoramos a aprender” (DEA/CAP 248) e “Às vezes coitados eles explicam, explicam e na nossa cabeça não entra” (DEA70). Assim, percebeu-se que os idosos generalizaram as dificuldades de aprendizagem a todas as pessoas idosas, os quais assumiram, portanto, de que a paciência seria fundamental para àqueles que ensinam idosos.

De acordo com a perspectiva teórica de Jarvis, nas situações de aprendizagem, os alunos adultos resgatam suas memórias interpretativas e emocionais vividas em experiências anteriores. Duas formas de memórias afetam, consideravelmente, o processo de ensino-aprendizagem: as memórias explícitas (experiências vividas de maneira consciente, como àquelas obtidas pelo conhecimento formal) e as implícitas (percepções de um evento ou acontecimentos que foram internalizados inconscientemente, como a reação afetiva, valores e atitudes pessoais em relação à vida cotidiana) (Jarvis, 2015JARVIS, Peter. Human Learning: implicit and explicit. Educação & Realidade , Porto Alegre, v. 40, n. 3, p. 809-825, set. 2015.).

Os resultados demonstraram também que a humanidade e a personalidade daqueles que ensinam fundiram-se à prática didática, sendo possível identificar entre as recomendações mencionadas pelos alunos idosos o perfil de instrutores “didáticos pacientes”, “observadores calmos” e “detalhistas atenciosos”. Conforme apresenta Jarvis (2006JARVIS, Peter. Teaching styles and teaching methods. In: JARVIS, Peter (Ed.). The Theory and Practice of Teaching. 2. ed. Reino Unido: Routledge, 2006. P. 28-38.) o ato de ensinar é considerado uma atividade intencional em que são oferecidas oportunidades para a aprendizagem e fundamenta-se em uma interação humana atenciosa. Portanto, envolve uma perspectiva mais ampla do que somente as abordagens técnicas e metodológicas, pois inclui também o perfil carismático do educador. O autor relata que a concentração em conteúdos, técnicas e métodos, por muitas vezes, oculta a base moral do ensino, a qual abrange os elementos humanos presentes na interação professor-aluno.

O estilo de ensinar é pouco referenciado nos cursos de formação de professores, embora seja tão importante quanto os métodos de ensino. O desempenho dos professores - o estilo de ensino, a “arte de ensinar” (Jarvis, 2006JARVIS, Peter. Teaching styles and teaching methods. In: JARVIS, Peter (Ed.). The Theory and Practice of Teaching. 2. ed. Reino Unido: Routledge, 2006. P. 28-38., p. 24) - deve ser considerado parte integrante do processo de ensino-aprendizagem, pois influencia de igual maneira a forma de aprendizagem e a motivação dos alunos em aprender.

Sob o ponto de vista dos instrutores e monitores, a qualidade de ser paciente também foi observada nos resultados da pesquisa desenvolvida por Arthanat, Vroman, Lysack e Grizzetti (2018ARTHANAT, Sajay et al. Multi-stakeholder perspectives on information communication technology training for older adults: implications for teaching and learning. Disability and Rehabilitation: Assistive Technology, v. 14, n. 5, p. 453-461, jul. 2018.), os quais encontraram que a confiança mútua, paciência e simplicidade no ensino de tecnologia foram as principais condições facilitadoras apontadas por aqueles que ministraram treinamentos para os idosos. A literatura tem apresentado que os aspectos afetivos e psicossociais também influenciam a adoção das tecnologias pelos idosos (Vroman et al., 2015; Lai, 2018LAI, Horng-Ji. Investigating older adults’ decisions to use mobile devices for learning, based on the unified theory of acceptance and use of technology. Interactive Learning Environments, p. 1-12, 2018.), sendo a condição de suporte social uma importante preditora neste processo (Tsai; Shillair; Cotten, 2017TSAI, Hsin-yi. S.; SHILLAIR, Ruth; COTTEN, Sheila R. Social Support and “Playing Around”: An Examination of How Older Adults Acquire Digital Literacy With Tablet Computers. Journal of Applied Gerontology , v. 36, n. 1, p. 29-55, 2017. ; Schreurs; Quan-Haase; Martin, 2017SCHREURS, Kathleen; QUAN-HAASE, Anabel; MARTIN, Kim. Problematizing the Digital Literacy Paradox in the Context of Older Adults ’ ICT Use: Aging, Media Discourse , and Self-Determination. Canadian Journal of Communication, v. 42, n. 2, p. 359-377, 2017. ).

Os vinte e um atributos pessoais desejáveis aos instrutores, identificados nesta pesquisa, corroboram com a importância dos aspectos afetivos e sociais na adoção das tecnologias pelos idosos. Gil (2019GIL, Henrique. The elderly and the digital inclusion: A brief reference to the initiatives of the European union and Portugal. MOJ Gerontology & Geriatrics, v. 4, n. 6, p. 213-221, 2019. ) destaca que tanto os fatores que levam à adoção das tecnologias (utilizar versus não utilizar) quanto os aspectos relacionados ao envolvimento e às habilidades digitais (programas de alfabetização e letramento digital, design acessível das tecnologias, condições sociais e culturais, entre outros) fazem parte do debate sobre a infoinclusão dos imigrantes digitais - os idosos.

Com a finalidade de compreender a temática de utilização das tecnologias pelos idosos, Arthanat et al. (2018ARTHANAT, Sajay et al. Multi-stakeholder perspectives on information communication technology training for older adults: implications for teaching and learning. Disability and Rehabilitation: Assistive Technology, v. 14, n. 5, p. 453-461, jul. 2018.) propuseram um modelo de treinamento em TIC’s para os idosos organizado em níveis, considerando os fatores pessoais, as experiências prévias, o contexto social e os aspectos demográficos dos perfis dos idosos que adotam as TIC’s. O modelo identificou as principais barreiras e os facilitadores na adoção progressiva das TIC’s pelos idosos, destacando que as boas práticas nos treinamentos - como a oferta de atividades motivadoras e um relacionamento mediado pela confiança e paciência entre os instrutores e os idosos - contribuem para a utilização sustentável e auto exploração das tecnologias, senso de autonomia e competência em cada nível de adoção das TIC’s. Portanto, a eficácia das intervenções de letramento digital para os idosos requer uma compreensão aprofundada dos aspectos multidimensionais do processo de ensino-aprendizagem.

Didática e estratégias metodológicas

Diferentes recomendações foram sugeridas pelos alunos em relação à didática e às estratégias metodológicas no ensino. Uma comunicação clara e acessível, bem como as competências profissionais de ensinar, dominar o conhecimento e explicar o conteúdo foram as principais sugestões aos instrutores, o que demonstra uma preocupação dos alunos idosos quanto à prática didática.

A sugestão de uma atitude atenta dos instrutores para identificarem as principais necessidades e dificuldades dos alunos durante o ensino reforça a adoção de uma conduta perceptível e adaptável dos instrutores ao ritmo da aprendizagem dos idosos (Arthanat et al., 2018ARTHANAT, Sajay et al. Multi-stakeholder perspectives on information communication technology training for older adults: implications for teaching and learning. Disability and Rehabilitation: Assistive Technology, v. 14, n. 5, p. 453-461, jul. 2018.). A prática didática acessível e flexível está presente entre as principais recomendações para desenvolver um programa de ensino para idosos sobre a tecnologia (Tyler; De George-Walker; Simic, 2020TYLER, Mark; DE GEORGE-WALKER, Linda; SIMIC, Veronika. Motivation matters: Older adults and information communication technologies. Studies in the Education of Adults, p. 1-20, mar. 2020.). Segundo Boulton-Lewis e Tam (2018BOULTON-LEWIS, Gillian. M.; TAM, Maureen. Issues in Teaching and Learning for Older Adults in Hong Kong and Australia. Educational Gerontology, v. 44, n. 10, p. 639-647, 2018.), as práticas didáticas flexíveis de professores e instrutores contribuem para o direcionamento dos alunos idosos em relação as suas escolhas e prioridades no processo de aprendizagem.

Considerando o caráter heterogêneo do grupo etário idoso, inclusive no contexto digital (Quan-Haase et al., 2018QUAN-HAASE, Anabel et al. Dividing the Grey Divide: Deconstructing Myths About Older Adults’ Online Activities, Skills, and Attitudes. American Behavioral Scientist, v. 62, n. 9, p. 1207-1228, 2018.), estudos recomendam a combinação de várias abordagens de ensino para a adoção e a utilização das tecnologias pelos idosos, como a aprendizagem observacional, aprendizagem colaborativa, providenciar explicações passo-a-passo e permitir práticas por tentativa e erro (LoBuono et al., 2020). Nesta pesquisa confirmam-se tais recomendações, pois evidenciou um necessário alinhamento entre as técnicas e métodos a serem adotados pelos instrutores às demandas específicas dos idosos.

A temática “atentar-se aos déficits sensoriais” incluíram emissões para identificação e compreensão das dificuldades dos alunos no processo de aprendizagem; a adequação dos materiais didáticos ou das atividades educativas; e o uso da estratégia da repetição dos conteúdos pelos instrutores/monitores. Para alguns idosos, a justificativa para a repetição ou a retomada dos conteúdos em aulas posteriores foi atribuída à dificuldade de memorização ou de aprendizagem, como observado em: “Os idosos vão perdendo a capacidade de memória, por isso, é sempre preciso relembrar” (DEA72). Nos estudos de Delello e McWhorter (2017DELELLO, Julie A.; MCWHORTER, Rochell R. Reducing the Digital Divide: Connecting Older Adults to iPad Technology. Journal of Applied Gerontology, v. 36, n. 1, p. 3-28, 2017. ), diante das mesmas dificuldades - de memória e de aprendizagem - os idosos sugeriram maior tempo de estudo, práticas das atividades com a tecnologia e a utilização de mais recursos visuais para as tarefas. Considera-se que, na maioria das vezes, são as técnicas de ensino que precisam ser modificadas para atender às demandas dos idosos, e não o conteúdo em si (Boulton-Lewis; Tam, 2018).

A sugestão dos participantes sobre “focar em ações práticas” remete à obtenção de conhecimentos úteis e relevantes, com aplicabilidade para a vida cotidiana. As emissões sugeriram atividades para manusear a tecnologia, como por exemplo, configurar o smartphone, instalar aplicativos, descarregar fotos, acessar à internet e fazer compras on-line; e ainda, demonstrações práticas em aula com dicas e descrição do passo-a-passo das ações. O reconhecimento da utilidade dos recursos tecnológicos é considerado um fator importante na adoção e utilização da tecnologia pelos idosos (Lee; Coughlin, 2015LEE, Chaiwoo; COUGHLIN, Joseph F. Perspective: Older Adults’ Adoption of Technology: An Integrated Approach to Identifying Determinants and Barriers. Journal of Product Innovation Management, v. 32, n. 5, p. 747-759, 2015.; Vroman et al., 2015VROMAN, Kerryellen G.; ARTHANAT, Sajav; LYSACK, Catherine. “Who over 65 is online?” Older adults’ dispositions toward information communication technology. Computers in Human Behavior, v. 43, p. 156-166, 2015.). As proposições prévias dos alunos idosos permitem o melhor planejamento dos conteúdos nos programas de letramento digital, a fim de evitar abordagens tecnocêntricas durante o ensino (Tan, 2018TAN, Seng C. Technologies for Adult and Lifelong Education. In: MILANA, Marcella et al. The palgrave international handbook on adult and lifelong education and learning. London: Palgrave Macmillan, 2018. P. 917-937.).

Outra temática evidenciada nos resultados foi a preservação da autonomia dos alunos durante o ensino, em que duas situações foram identificadas: não fazer pelos idosos e deixá-los interagirem sozinhos com as tecnologias, sem a interferência dos instrutores nas atividades práticas. A expressão dos idosos quanto as suas preferências e finalidade da aprendizagem deve ser reconhecida nos programas de letramento digital (Tyler et al., 2020TYLER, Mark; DE GEORGE-WALKER, Linda; SIMIC, Veronika. Motivation matters: Older adults and information communication technologies. Studies in the Education of Adults, p. 1-20, mar. 2020.; LoBuono et al., 2020). Desta maneira, busca-se promover o desenvolvimento da autorresponsabilidade no processo de aprendizagem e a valorização do empoderamento ao conhecimento pelos alunos (Boulton-Lewis; Tam, 2018).

Diante de todas as recomendações sugeridas pelos idosos aos instrutores de programas de letramento digital, confirma-se a complexidade da temática sobre o ensino, a adoção e a utilização das tecnologias pelos idosos, pois diversos aspectos estão envolvidos nestes processos (Doll; Machado; Cachioni, 2016DOLL, Johannes; MACHADO, Letícia R.; CACHIONI, Meire. O idoso e as novas tecnologias. In: FREITAS, Elizabete V.; PY, Ligia (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. P. 3585-3603.). Diferentes modelos teóricos buscam compreender os fatores envolvidos na adoção das tecnologias, como o Modelo de Aceitação da Tecnologia (TAM) e a Teoria Unificada da Aceitação e Uso da Tecnologia (UTAUT), sendo este último o mais abrangente, pois inclui novas variáveis associadas aos contextos social, afetivo e emocional na aceitação e uso das tecnologias (Gil, 2019GIL, Henrique. The elderly and the digital inclusion: A brief reference to the initiatives of the European union and Portugal. MOJ Gerontology & Geriatrics, v. 4, n. 6, p. 213-221, 2019. ).

No entanto, poucos estudos concentram suas pesquisas no processo de ensino-aprendizagem (Alvarenga; Yassuda; Cachioni, 2019ALVARENGA, Glaucia; YASSUDA, Mônica; CACHIONI, Meire. Digital Inclusion With Tablets Between Elderly: Methodology and Cognitive Impact. Psicologia, Saúde & Doença, v. 20, n. 2, p. 384-401, 2019.). De fato, verifica-se uma incipiência na construção do arcabouço teórico sobre a educação de idoso. O mapeamento organizado por Kern (2018KERN, Dominique. Research on Epistemological Models of Older Adult Education: The Need of a Contradictory Discussion. Educational Gerontology , v. 44, n. 5-6, p. 338-353, 2018.) revelou diversas abordagens epistemiológicas na literatura sobre a educação de idosos - gerontologia educacional, gerogogia, gerogogia crítica, geragogia, gerontagogia, educação permanente - o que demonstra o caráter pluralista da temática.

Cabe ressaltar que os participantes deste estudo compõem uma amostra de intervenção educativa específica de extensão universitária, limitando a generalização dos resultados para outros grupos de alunos idosos de diferentes propostas de letramento digital. Os instrumentos adotados para a coleta de dados, bem como a escolha da técnica de análise baseada na inferência, apresentam-se como limitadores desta pesquisa. Investigações posteriores sobre a temática são recomendadas, ampliando o tamanho amostral e incluindo na análise outros subgrupos envolvidos na intervenção educativa, como os instrutores/monitores.

Conclusões

O presente estudo direcionou a investigação para o processo de ensino e aprendizagem em programa de letramento digital para pessoas idosas. De acordo com os participantes, considera-se desejável a apresentação de um conjunto de habilidades, comportamentos e atributos pessoais e profissionais por aquelas pessoas que ensinam idosos a utilizarem a tecnologia, destacando-se os aspectos humanos envolvidos no processo de aprendizagem.

Para os alunos idosos, as principais recomendações aos instrutores/monitores de programas de letramento digital são: a) apresentar, principalmente, as qualidades pessoais de ser paciente, calmo e atencioso; b) dominar os conhecimentos sobre as tecnologias e a didática na condução do ensino; c) identificar e adequar a proposta educativa aos déficits sensoriais dos alunos idosos; d) planejar atividades de usabilidade prática da tecnologia na vida cotidiana; e e) favorecer a autonomia do aluno idoso durante a aprendizagem.

O estudo reforça a necessidade de maior aprofundamento em pesquisas sobre as condições de ensino para os idosos e destaca a relevância da preparação de instrutores e monitores que atuam em programas de aprendizagem tecnológica para este público. A superação da lacuna digital entre as diferentes gerações, e dentro do próprio segmento idoso, perpassa pela compreensão dos fatores envolvidos na adoção e uso de tecnologias por idosos, e também pela oferta de programas de letramento digital preocupados com a organização didática e o estilo de ensino direcionados a este grupo etário.

A “arte de ensinar” e os aspectos humanos na interação professor-aluno devem ser mais valorizados no processo de ensino-aprendizagem, sendo inclusos nas propostas de treinamento dos instrutores/monitores que ensinam idosos. Além disso, enfatiza-se a necessária abordagem dos conteúdos sobre o processo de envelhecimento e a fase da velhice, com intuito de conscientizar e reduzir os estereótipos negativos em relação às pessoas mais velhas. O ageism afeta a maioria das pessoas e em várias regiões do mundo (Palmore, 2015PALMORE, Erdman. Ageism comes of age. The Journals of Gerontology: Série B, v. 70, n. 6, p. 873-875, 2015.), os idosos podem internalizar de maneira consciente e inconsciente as atitudes e comportamentos sociais que os discriminam.

A tecnologia está cada vez mais presente em diversos contextos da sociedade, o que exige uma adaptação maior daqueles considerados imigrantes digitais (Gil, 2019GIL, Henrique. The elderly and the digital inclusion: A brief reference to the initiatives of the European union and Portugal. MOJ Gerontology & Geriatrics, v. 4, n. 6, p. 213-221, 2019. ). Almeja-se que a eficácia dos programas de letramento digital para os idosos contribua para a infoinclusão, e ao mesmo tempo, para a inclusão social dos idosos na era digital (Neves, 2018NEVES, Bárbara. Pessoas idosas e tecnologias de informação e comunicação: inclusão digital como forma de inclusão social. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano , Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 8-20, 2018.; Schehl, 2020SCHEHL, Barbara. Outdoor activity among older adults: Exploring the role of informational Internet use. Educational Gerontology , v. 46, n. 1, p. 36-45, 2020. )2 2 Agradecimentos: À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP pelo financiamento do Projeto e aos idosos inscritos no programa de letramento digital das USP 60+ (EACH/ICMC – 2018/2019). .

Referências

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  • Editora-responsável: Beatriz Vargas Dorneles

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2020
  • Aceito
    07 Out 2020
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