RESUMO
O artigo problematiza o métier do professor alfabetizador, com destaque aos recursos pedagógicos e aos gestos de ensinar. Para tanto, com objetivo de compreender as dinâmicas educativas de alfabetização, traz dados construídos com professoras alfabetizadoras em pesquisa inspirada nos princípios teórico-metodológicos da Clínica da Atividade e retoma a noção de gesto profissional para circunscrever a noção de gesto de ensinar. Em uma perspectiva histórico-cultural, as análises explicitam a articulação entre gestos de ensinar e instrumentos técnico-semióticos, e sugerem que a complexidade da atividade de ensino está relacionada ao processo de gênese instrumental orientado à atividade do professor e dos alunos em processo de alfabetização.
Palavras-chave
Alfabetização; Professor Alfabetizador; Instrumentos Técnico-Semióticos; Perspectiva Histórico-Cultural
ABSTRACT
The article discusses the literacy teacher’s métier, emphasizing pedagogical resources and teaching gestures. To understand the educational dynamics of literacy, it brings data constructed in a research with literacy teachers inspired by the theoretical-methodological principles of the Clinic of Activity and resumes the notion of professional gesture to circumscribe the notion of teaching gesture. From a cultural-historical perspective, the analyzes make explicit the articulation between teaching gestures and technical-semiotic instruments and suggest that the complexity of the teaching activity is related to the process of instrumental genesis oriented towards the activity of the teacher and students in the literacy process.
Keywords
Literacy; Literacy Teacher; Technical Semiotic Instruments; Cultural Historical Perspective
Introdução
Este artigo1 1 Este artigo é dedicado às professoras alfabetizadoras e à minha mãe, com quem conheci os meandros do ofício e os primeiros gestos de ensinar. problematiza o métier do professor alfabetizador, com especial atenção aos gestos de ensinar e aos recursos para ensino, a partir da análise de dados construídos com um grupo de professoras alfabetizadoras. Apesar de a pesquisa2 2 Processos nº 2014/07038-6, nº 2021/08708-9, Fundação para Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). aqui apresentada ter sido realizada antes da pandemia de covid-19, em condição de ensino presencial, a análise do métier do professor alfabetizador, dos gestos de ensinar e dos meandros das práticas pedagógicas de alfabetização contribui para compreender as (im)possibilidades de efetivação dos processos pedagógicos, seja no modelo presencial, seja no modelo de ensino remoto.
No momento histórico atual, é inegável que o isolamento social imposto pela pandemia causou importantes rupturas e descontinuidades no processo educativo. A situação do ensino remoto emergencial, definido pela pandemia, escancarou a precariedade e as dificuldades para desenvolver as atividades pedagógicas, especialmente com as crianças da educação infantil ou em fase inicial de alfabetização (Dias; Smolka, 2021DIAS, Daniele Pampanini.; SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Das (im)Possibilidades de se alfabetizar e investigar em Condições de Isolamento Social. Revista Brasileira de Alfabetização, Florianópolis, ABAlf, n. 14, p. 228-244, 2021. Disponível em: https://revistaabalf.com.br/index.html/index.php/rabalf/article/view/495. Acesso em: 20 out. 2021.
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, entre muitos). Para além das dificuldades de acesso a equipamentos e internet de qualidade razoável, condições que afetam intensamente os alunos das escolas públicas, a organização do trabalho pedagógico com crianças da educação infantil e do início do ensino fundamental permanece como grande desafio: quais são as demandas e as especificidades do trabalho do professor alfabetizador? Como e o que o professor faz quando ensina – gestos de ensinar? Como ele observa os alunos e como ajusta sua própria atividade para mediar a atividade dos alunos? Como escolhe e recria os recursos e os procedimentos a serem implementados em sala de aula?
Gestos de Ensinar, Recursos e Instrumentos Técnico-Semióticos em Situações de Trabalho
Tomamos aqui a noção de gesto profissional ou gesto de métier como referência para circunscrever a noção de gesto de ensinar. O gesto de métier pode ser entendido como preexistente e característico da atividade em um determinado campo de trabalho (Bronckart, 2006BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de Linguagem, Discurso e Desenvolvimento Humano. Organização e tradução de Anna Rachel Machado; Maria de Lourdes M. Matencio. Campinas: Mercado de Letras, 2006.; 2009BRONCKART, Jean-Paul. Posfácio: Ensinar: um “métier” que, enfim, sai da sombra. In: MACHADO, Anna Rachel; CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes; ABREU-TARDELLI, Lília Santos (Org.). Linguagem e Educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas: Mercado de Letras, 2009. P. 161-174.; Cizeron, 2010CIZERON, Marc. Le Geste Professionnel comme Concept et Outil d’analyse. In: CIZERON, Marc; GAL- PETITFAUX, Nathalie. Analyse des Pratiques: expérience et gestes professionnels. Clermont-Ferrand: Presses de l’Université Blaise Pascal, 2010. P. 257-268. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00811926. Acesso em: 2 maio 2019.
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; Clot, 1998CLOT, Yves. Le Travais sans l’homme? Pour une psychologie de milieux de travail et de vie. Paris: La Découverte & Syros, 1998.; 2007CLOT, Yves. De l’analyse des Pratiques au Développement des Métiers. Éducation et Didactique, Rennes, v. 1, n. 1, abr. 2007. Disponível em: http://educationdidactique.revues.org/106. Acesso em: 30 set. 2016.
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, Felix; Saujat, 2015FELIX, Christine ; SAUJAT, Frédéric. Le Métier d’enseignant: un impensé dans le rôle de l’établissement comme organisation apprenante?. In: LUC, Ria (Org.). Former les Enseignants au XXIe Siècle: établissement formateur et vidéoformation. Louvain-la-Neuve: De Boeck Supérieur De Boeck, 2015. P. 61-72. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01760558. Acesso em: 5 fev. 2017.
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; 2015; Machado, 2004MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004.; 2007MACHADO, Anna Rachel. Por uma Concepção Ampliada do Trabalho do Professor. In: GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos; MACHADO, Anna Rachel; COUTINHO, Antónia (Org.). O Interacionismo Sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. P. 77-97; Roger, 2010ROGER, Jean-Luc. Refaire son Métier: essai de clinique de l’activité. Toulouse: Editions Érès, 2010. (Coleção Clinique du travail).; 2013ROGER. Jean-Luc. Metodologia e Métodos de Análise em Clínica da Atividade. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 16, n. especial 1, p. 111-120, 2013. ; Roger; Ruelland, 2009ROGER, Jean-Luc; RUELLAND, Danielle. Le “Travail sur le Travail” un Instrument d’action Personnel et Collectif pour les Professionnels de l’éducation Nationale – L’encadrement par les professionnels eux-mêmes. Rapport remis au Snes, Paris, 2009. Disponível em: https://www.snes.edu/IMG/pdf/RapportCnamSnes2009imp.pdf. Acesso em: 2 maio 2019.
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; Saujat, 2004SAUJAT, Frédéric. O Trabalho do Professor nas Pesquisas em Educação: um panorama. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. P. 3-34.; Sensevy, 2005SENSEVY, Gérard. Sur la Notion de Geste Professionnel. La Lettre de l’AIRDF, Lille, v. 1, n. 36, p. 4-6, 2005. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/airdf_1776-7784_2005_num_36_1_1638. Acesso em: 2 maio 2019.
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; Wallian, 2015WALLIAN, Nathalie. Sémiotique de l’agir enseignant en Eps: figures d’action et registres interprétatifs en milieu difficile. Carrefours de l’éducation, Amiens, v. 2, n. 40, p. 67-84, 2015. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-carrefours-de-l-education-2015-2-page-67.htm. Acesso em: 30 abr. 2019.
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; Yvon; Clot, 2004YVON, Frédéric; CLOT, Yves. Apprentissage et Développement dans l’analyse du Travail Enseignant. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 19, p. 11-38, dez. 2004. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752004000200002. Acesso em: 2 maio 2019.
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; entre outros).
Ao tratar do gesto profissional, Cizeron (2010)CIZERON, Marc. Le Geste Professionnel comme Concept et Outil d’analyse. In: CIZERON, Marc; GAL- PETITFAUX, Nathalie. Analyse des Pratiques: expérience et gestes professionnels. Clermont-Ferrand: Presses de l’Université Blaise Pascal, 2010. P. 257-268. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00811926. Acesso em: 2 maio 2019.
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destaca duas orientações teóricas distintas. Uma primeira que enfatiza o gesto profissional em direção à ação, propõe discutir os gestos inscritos no corpo, empiricamente observáveis, ou a dimensão verbal dos gestos (Goigoux, 2007GOIGOUX, Roland. Un Modèle d’analyse de l’activité des Enseignants. Éducation et Didactique, Rennes, v. 1, n. 3, 2007. Disponível em: http://journals.openedition.org/educationdidactique/232. Acesso em: 30 abr. 2019.
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; Sensevy, 2005SENSEVY, Gérard. Sur la Notion de Geste Professionnel. La Lettre de l’AIRDF, Lille, v. 1, n. 36, p. 4-6, 2005. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/airdf_1776-7784_2005_num_36_1_1638. Acesso em: 2 maio 2019.
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; 2010SENSEVY, Gérard. Notes sur la Notion de Geste d’enseignement. Travail et Formation en Education, Marseille, n. 5, p. 1-16, 2010. Disponível em: https://journals.openedition.org/tfe/1038. Acesso em: 19 abr. 2019.
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). No campo das Ciências da Educação e da Didática, Sensevy enfatiza a ação e define gesto de ensinar como uma determinada maneira de fazer, articulada ao conhecimento a ser ensinado, a um projeto educacional e às ferramentas semióticas que cristalizam o conhecimento incrustrado e permitem sua expressão. Ele afirma que “[…] um gesto de ensino depende, acima de tudo, do modo como uma determinada situação produz, na forma de ferramentas semióticas e vocabulários relacionados, densos significados públicos no conhecimento” (Sensevy, 2010SENSEVY, Gérard. Notes sur la Notion de Geste d’enseignement. Travail et Formation en Education, Marseille, n. 5, p. 1-16, 2010. Disponível em: https://journals.openedition.org/tfe/1038. Acesso em: 19 abr. 2019.
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, p. 8, tradução nossa).
A segunda orientação, na qual se insere a Psicologia do Trabalho e, particularmente, a Clínica da Atividade (Clot, 2006CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 2006.; 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.), prioriza a articulação com o trabalho. O gesto profissional está vinculado ao saber-fazer compartilhado e inscrito em um gênero profissional, à implementação de uma identidade e a um tipo de atividade profissional. “O gesto é assim carregado com o sentido vivido da situação pelo ator que o faz. […] O trabalhador é, então, o autor de seus gestos de métier e estes são, ao mesmo tempo, portadores da história de um ofício e do estilo de cada um” (Cizeron, 2010CIZERON, Marc. Le Geste Professionnel comme Concept et Outil d’analyse. In: CIZERON, Marc; GAL- PETITFAUX, Nathalie. Analyse des Pratiques: expérience et gestes professionnels. Clermont-Ferrand: Presses de l’Université Blaise Pascal, 2010. P. 257-268. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00811926. Acesso em: 2 maio 2019.
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, p. 2, tradução nossa).
Para Clot, o movimento de apropriação de um gesto profissional – genérico e social, porque inscrito na história do ofício – transpõe o gesto do outro, fonte externa do aprendizado que pode se modificar, ao se converter em recurso interno para o desenvolvimento do trabalhador, dada a necessidade de realizar microajustes às específicas condições de cada contexto: “De fato, o gesto se apresenta na atividade profissional um pouco como a palavra na atividade de linguagem. […] Aprender um gesto é retocá-lo continuamente em função dos contextos heterogêneos que ele atravessa e no âmago dos quais ele se refrata” (Clot, 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010., p. 157).
Neste artigo, pautamo-nos na noção de gesto de métier, conforme a segunda orientação, buscando analisar os gestos profissionais na relação com a totalidade da atividade profissional (Clot, 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.; Clot; Fernandez; Scheller, 2007CLOT, Yves. De l’analyse des Pratiques au Développement des Métiers. Éducation et Didactique, Rennes, v. 1, n. 1, abr. 2007. Disponível em: http://educationdidactique.revues.org/106. Acesso em: 30 set. 2016.
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). Como explicam Roger e Ruelland (2009, p. 9, tradução nossa)ROGER, Jean-Luc; RUELLAND, Danielle. Le “Travail sur le Travail” un Instrument d’action Personnel et Collectif pour les Professionnels de l’éducation Nationale – L’encadrement par les professionnels eux-mêmes. Rapport remis au Snes, Paris, 2009. Disponível em: https://www.snes.edu/IMG/pdf/RapportCnamSnes2009imp.pdf. Acesso em: 2 maio 2019.
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, o conceito gesto de métier
[…] permite englobar diferentes tipos de gestos que se combinam ou se interpenetram no curso diário de ação: os gestos inspirados pelas maneiras usuais de fazer as coisas no meio, gestos ‘genéricos’ em nosso vocabulário; ações consistentes com o que é prescrito nas instruções etc. e isso pode ser descrito como ‘profissional’; gestos inspirados por colegas, relações profissionais; os gestos que fazem parte de sua maneira pessoal de conceber e fazer o ofício.
Assim, em analogia com as noções de gesto de métier e métier do professor (ofício ou trabalho docente) elaboradas pelos autores da Psicologia do Trabalho, destacamos o gesto de ensinar, buscando especificar um aspecto da atividade docente. Ao compreender que “[…] o trabalho docente não pode ser reduzido ao trabalho de ensinar, nem a prática em sala de aula esgota todas as práticas docentes” (Amigues, 2009AMIGUES, René. Le Travail Enseignant: prescriptions et dimensions collectives de l’activité. Les Sciences de l’Education - Pour l’Ère Nouvelle, Caen, v. 42, n. 2, p. 11-26, 2009. Disponível em: http://www.congresintaref.org/actes_pdf/AREF2007_Rene_AMIGUES_282.pdf. Acesso em: 5 set. 2015.
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, p. 14, tradução nossa), entendemos que o gesto de ensinar integra a atividade docente como uma de suas dimensões, tais como os coletivos de trabalho, os gêneros da atividade, as regras do ofício e as ferramentas (Amigues, 2004AMIGUES, René. Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Tradução de Anna Rachel Machado. Londrina: Eduel, 2004. P. 35-53.).
Com relação ao gesto de ensinar do professor alfabetizador, é “[…] importante trabalhar e argumentar mais profunda e insistentemente sobre a natureza social desse gesto, desse trabalho, dessa prática, que é o ensinar/aprender a forma escrita de linguagem na instituição escolar” (Smolka, 2014SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Da Complexidade do Gesto de Alfabetizar: dimensões, condições, contradições. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUDESTE – ANPEd, 11., 2014, São João del-Rei. Anais […]. São João del-Rei: ANPED, 14 out. 2014. 16 p., p. 3, grifo da autora). A noção de gesto de ensinar se vincula à história do desenvolvimento do gesto de apontar, exemplo prototípico descrito por Vigotski (2000)VIGOTSKI, Lev Semenovich. O Método Instrumental em Psicologia. In: VIGOTSKI, Lev Semenovich. Teoria e Método em Psicologia. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1996. P. 93-101., porquanto as duas formas de gestos têm em comum os processos sociais e historicamente mediados de significação.
O gesto de ensinar é duplamente mediado, pelo professor e pelos instrumentos semióticos, para compartilhar e produzir com seus alunos significados acerca do objeto de conhecimento; o gesto de apontar é mediado pela mãe que atribui sentido aos movimentos do bebê em direção a um objeto. Os movimentos se tornam um signo indicativo apropriado pelo bebê – nesse processo, a mediação social instaura a mediação semiótica. “Para que o gesto seja realizado na íntegra, é necessário um objeto, e o significado que este objeto adquire é, na realidade, secundário e derivado que surge do significado primário do gesto” (Vygotski, 2000VYGOTSKI, Lev Semenovich. Obras Escogidas. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Visor, 2000. (Volume III)., p. 338, tradução nossa). Nesse processo, a “[…] internalização das relações sociais consiste numa conversão das relações físicas entre pessoas em relações semióticas dentro da pessoa. Em outros termos, algo que ocorre no mundo público, passa a ocorrer também no mundo privado” (Pino, 2005PINO, Angel. As Marcas do Humano: às origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005., p. 112, grifo do autor).
Em ambas as situações – gesto de apontar e gesto de ensinar – a mediação social e a semiótica são condição para os processos de produção e apropriação de novos signos e sentidos, pois os dois gestos encarnam as dimensões do significado e da ação intencional apropriada nas relações sociais.
É o gesto de ensinar, então – apontar, marcar, significar –, que retomamos aqui, em toda sua complexidade. Se o gesto de apontar é um lugar de emergência da significação (produção de signos e sentidos), o gesto de ensinar (se)constitui (n)a elaboração histórica desse gesto. O gesto de ensinar condensa, assim, muitos gestos de apontar
(Smolka, 2010SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Ensinar e significar: as relações de ensino em questão ou das (não)coincidências nas relações de ensino. In: SMOLKA, Ana Luiza Bustamante; NOGUEIRA, Ana Lúcia Horta. Questões de Desenvolvimento Humano: práticas e sentidos. Campinas: Mercado de Letras, 2010. P. 107-128., p. 128).
O gesto de métier mantém relação intrínseca com as ferramentas ou instrumentos de trabalho; no caso do professor, entendemos que o gesto de ensinar se inscreve em uma tradição pedagógica e na história do ofício, que disponibilizam inúmeros recursos e meios de ensino, como manuais, fichas pedagógicas, tipos de exercícios, formas de usar a lousa3 3 Ver em Nonnon (2000) a análise do gesto profissional diário de escrita – modo específico de escrita pública – no quadro-negro, entendido como objeto material e simbólico que medeia o trabalho do professor e o dos alunos. , de organizar o espaço da sala de aula e de gerir as atividades dos alunos etc (Amigues, 2004AMIGUES, René. Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Tradução de Anna Rachel Machado. Londrina: Eduel, 2004. P. 35-53.).
Contudo, como afirma Machado (2010, p. 3)MACHADO, Lucília. Instrumentos de Trabalho. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Maria Cancella; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Dicionário de Trabalho, Profissão e Condição Docente. Belo Horizonte: Gestrado; FAE; UFMG, 2010. Disponível em: https://gestrado.net.br/verbetes/instrumentos-de-trabalho/. Acesso em: 8 dez. 2020.
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, “[…] os instrumentos de trabalho não atuam por si mesmos. Eles são produzidos e significados pelo homem e testemunham as relações deste com a natureza, as formas históricas de vida social e cultural”. Assim, embora os instrumentos e os recursos disponíveis ao professor carreguem a história do ofício, eles apenas sugerem possibilidades, mas não determinam exatamente o gesto de ensinar, nem tampouco independem da ação do professor, pois, a cada gesto de ensinar, o métier é atualizado e renovado: “[…] um gesto se libera do gesto dos outros, não por sua negação, mas pela via de seu aperfeiçoamento” (Clot, 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010., p. 161). Essas observações acerca das relações entre recursos e instrumentos, gestos de ensinar e gênese instrumental são fundamentais para a crítica às concepções do ensino como atividade regulada e definida unicamente pelos recursos e materiais didáticos – cartilhas, livros didáticos, material apostilado –, como se tais recursos tivessem autonomia e independência com relação à atividade e ao gesto de ensinar do professor.
Segundo Rabardel (1995, p. 4)RABARDEL, Pierre. Les Hommes et les Technologies; approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin, 1995. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01017462. Acesso em: 2 maio 2019.
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, o instrumento pode ser considerado como uma entidade mista, que vincula de uma só vez o sujeito e o artefato, como “[…] um artefato material ou simbólico produzido pelo usuário ou por outros; um ou mais padrões de uso associados resultantes de uma construção própria ou da apropriação de esquemas sociais pré-existentes”. E, nas situações nas quais o artefato se transforma em instrumento para a ação, ocorre o que o autor nomeia como gênese instrumental: é somente na atividade que um artefato se institui como instrumento para o sujeito em direção aos objetivos de sua ação.
Um artefato passa de seu uso efetivo pela mediação de uma criação instrumental, ela mesma dependente da atividade do sujeito. Um instrumento resulta, por conseguinte, de uma dupla seleção progressiva: ao mesmo tempo seleção no artefato das operações realmente necessárias à sua utilização num dado tipo de situações e, no sujeito, seleção dos esquemas socializados pelo uso desse artefato nesse mesmo tipo de situações
(Clot, 2006CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 2006., p. 120).
A integração de instrumentos à atividade permite a emergência e a transformação de novas funções relacionadas ao uso e ao controle do instrumento, à medida que transforma o processo e os aspectos particulares de todos os processos psíquicos, constituindo o que Vigotski chama de ato instrumental. Em seus estudos sobre as operações em que determinados signos atuam como meios psicológicos auxiliares para o processo de memorização, ele argumenta que a natureza do ato instrumental constitui a singularidade dos processos psíquicos e define ato instrumental como “[…] a orientação geral da operação que utiliza o signo e a introdução do signo como meio na operação de memorização” (Vygotski, 2000VYGOTSKI, Lev Semenovich. Obras Escogidas. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Visor, 2000. (Volume III)., p. 252, tradução nossa). Ainda segundo o autor,
[…] [a] invenção e a utilização dos sinais como meios auxiliares para a solução de alguma tarefa psicológica colocada ao homem (memorizar, comparar algo, informar, escolher, etc.) supõem, em seu aspecto psicológico, por um momento, em uma analogia com a invenção e o uso de ferramentas
(Vygotski, 2000VYGOTSKI, Lev Semenovich. Obras Escogidas. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Visor, 2000. (Volume III)., p. 91, tradução nossa).
Diferentemente do instrumento de trabalho, voltado às transformações no mundo material, as operações com signos constituem “[…] um meio de influência do sujeito sobre si mesmo, um meio de autorregulação e de autocontrole” (Friedrich, 2012FRIEDRICH, Janette. Lev Vigotski – mediação, aprendizagem e desenvolvimento: uma leitura filosófica e epistemológica. Tradução de Anna Rachel Machado; Eliane Gouvêa Lousada. Campinas: Mercado de Letras, 2012., p. 57). Assim, os signos produzidos e apropriados nas relações sociais exercem a função de instrumento psicológico. “Nessa perspectiva, é a natureza social dos instrumentos psicológicos que se torna um dos objetos privilegiados da psicologia, pois se busca compreender quais são os objetos que adquirem essa função, em qual época e de que modo” (Friedrich, 2012FRIEDRICH, Janette. Lev Vigotski – mediação, aprendizagem e desenvolvimento: uma leitura filosófica e epistemológica. Tradução de Anna Rachel Machado; Eliane Gouvêa Lousada. Campinas: Mercado de Letras, 2012., p. 62).
Isso posto, voltemos ao gesto de ensinar: a atividade do professor é mediatizada por instrumentos técnico-semióticos que integram o próprio métier, dos quais ele se apropria e lança mão em sala de aula. A atividade do professor é duplamente dirigida e endereçada, à sua própria atividade e à atividade do grupo de alunos. Portanto, o gesto de ensinar é, também, mediatizante – “[…] uma atividade voltada, simultaneamente, para seu objeto e para a atividade dos outros que incide sobre esse objeto, uma atividade que intervém, igualmente, nas relações entre eles” (Clot, 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010., p. 190). Como atividade mediatizada e mediatizante, o gesto de ensinar se constitui na inter-relação com diversos aspectos: as ações e as dimensões psicológicas, as condições materiais concretas, os meios e recursos disponíveis, as dimensões históricas e sociais do ofício.
Com relação ao processo de alfabetização, como os gestos de ensinar se articulam aos recursos disponíveis para o professor? Como e quais recursos assumem o estatuto de instrumento psicológico para a atividade do professor? Como os gestos de ensinar e os recursos usados pelo professor podem se converter em instrumentos psicológicos para os alunos? Para problematizar tais questões, propomos retomar situações de uma pesquisa com professoras alfabetizadoras.
As Sutilezas dos Gestos de Ensinar nas Práticas de Alfabetização
Tendo como foco compreender as dinâmicas educativas do processo de alfabetização, apresentamos à escola nossa proposta de pesquisa inspirada nos princípios teórico-metodológicos da Clínica da Atividade (Clot, 2006CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 2006.; 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.), que “[…] propõe meios de agir sobre as relações entre atividade e subjetividade, indivíduo e coletivo” (Clot, 2017CLOT, Yves. Clínica da Atividade. Horizontes, Bragança Paulista, v. 35, n. 3, p. 18-22, 2017. Disponível em: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/526. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://revistahorizontes.usf.edu.br/hor...
, p. 18).
Os procedimentos da Clínica da Atividade buscam instaurar situações dialógicas para abordar ações de trabalho concretas e situadas, através de dois métodos: as instruções ao sósia e as autoconfrontações. “Ambas querem desenvolver a função psicológica do coletivo para imaginar novas possibilidades de pensar e de agir. […] O coletivo muda de local no decorrer da intervenção, tornando-se fonte para modificar a organização do trabalho” (Clot, 2017CLOT, Yves. Clínica da Atividade. Horizontes, Bragança Paulista, v. 35, n. 3, p. 18-22, 2017. Disponível em: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/526. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://revistahorizontes.usf.edu.br/hor...
, p. 21).
No procedimento de instrução ao sósia, pede-se ao indivíduo que explique a um interlocutor
[…] as instruções mais precisas para que este possa substituí-lo no trabalho, sem que essa substituição seja perceptível aos outros. […] Esse procedimento visa a provocar uma ‘reentrada’ na ação e, por seu intermédio, a entrada em cena dos componentes e contradições do real da atividade
(Roger, 2013ROGER. Jean-Luc. Metodologia e Métodos de Análise em Clínica da Atividade. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 16, n. especial 1, p. 111-120, 2013. , p. 114).
O método da autoconfrontação visa provocar o diálogo sobre situações de trabalho, a partir do registro em vídeo, como uma “[…] atividade que vai se dar em um diálogo interior do sujeito consigo mesmo, e com seus interlocutores, que são os membros do grupo de trabalho ao qual ele pertence” (Roger, 2013ROGER. Jean-Luc. Metodologia e Métodos de Análise em Clínica da Atividade. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 16, n. especial 1, p. 111-120, 2013. , p. 114). Para a pesquisa na escola, foram propostas sessões de autoconfrontação simples, quando cada professora assistiu e comentou com a pesquisadora trechos videogravados por ela selecionados, e de autoconfrontação cruzada, em que as duplas de professoras assistiram e comentaram entre si e com a pesquisadora os trechos videogravados por elas selecionados4 4 Dados os limites e o foco deste artigo, sugerimos consultar a fundamentação teórico-metodológica e a descrição pormenorizada dos procedimentos da pesquisa em Nogueira (2021). .
Após o primeiro contato com a equipe gestora da escola municipal onde a pesquisa foi realizada, o grupo de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental (EF) foi consultado e manifestou interesse em discutir as práticas de alfabetização. Com a concordância do grupo, explicamos as atividades que pretendíamos desenvolver ao longo do ano letivo, em uma reunião na qual oito professoras das turmas de 1º ao 5º ano do EF confirmaram interesse em participar e autorizaram que a pesquisadora filmasse atividades em suas salas de aula5 5 Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Parecer nº 1.875.566. .
Dados os imprevistos comuns ao cotidiano escolar e a necessidade de reagendar atividades, foi possível acompanhar seis professoras – duas de cada turma de 1º a 3º ano do EF. Ao longo do ano letivo, foram realizadas 28 atividades com as professoras (sessões de observação, entrevistas e reuniões individuais, em duplas e coletivas), nas dependências da escola e no horário de trabalho das docentes. Antes do encerramento do ano letivo, todos os professores das séries iniciais do EF foram novamente convidados para uma reunião geral, com o objetivo de compartilhar o panorama das práticas de alfabetização, especialmente as formas de sistematização do conhecimento e os instrumentos técnico-semióticos propostos pelas professoras.
De início, considerando os procedimentos da instrução ao sósia (Clot, 2006CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 2006.), as professoras foram convidadas a descrever detalhes de seu trabalho com os alunos, individualmente ou em duplas. Nessas reuniões, professoras e pesquisadora definiam o dia e/ou determinada atividade didática a ser observada e filmada pela pesquisadora. Todos os registros em vídeo foram entregues a cada professora, para que selecionasse trechos a serem vistos e comentados, em um primeiro momento, com a pesquisadora e, posteriormente, também com a professora de outra turma da mesma série, segundo os procedimentos de autoconfrontação simples e cruzada.
Para este artigo, foram selecionados os registros de situações de pesquisa com a participação de três professoras: P1, professora do 2º ano, com mais de cinco anos de experiência docente; e as professoras do 3º ano: P2, com menos de três anos, e P6, com mais de dez anos de experiência docente. Durante o 1º semestre letivo, quando foram realizadas as primeiras observações e entrevistas, as turmas foram caracterizadas da seguinte forma pelas professoras: a maior parte dos alunos do 2º ano estava no processo inicial de alfabetização e cada uma das duas turmas de 3º ano tinha por volta de dez alunos não alfabetizados. Importante registrar que as professoras participantes da pesquisa propunham alfabetizar a partir de textos e não usavam cartilhas no processo de alfabetização.
As análises que seguem trazem excertos de entrevistas e reuniões realizadas com as professoras (P1, P2 e P6) e a pesquisadora (PQ). Formados por sequências discursivas extensas, os recortes foram delimitados considerando a situação de interação verbal que permitisse contextualizar e compreender a discussão de determinado tópico ou acontecimento (Bakhtin, 1986BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução de Michel Lahud; Yara F. Vieira. São Paulo: Hucitec, 1986.; 1997). As sequências discursivas integram o conjunto de registros em vídeo e/ou áudio, transcritos segundo adaptação das normas descritas por Castilho e Preti (1987)CASTILHO, Ataliba Teixeira de; PRETI, Dino (Org.). A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo: materiais para seu estudo. São Paulo: T.A. Queiroz; FAPESP, 1987. (Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta de São Paulo – Projeto NURC/SP. Volume II: Diálogo entre dois informantes).6 6 Nas transcrições, as ocorrências são sinalizadas conforme segue (Castilho; Preti, 1987): incompreensão de palavras ou segmentos ( ); hipótese do que se ouviu ou do que foi omitido na fala (hipótese); truncamento /; pausa ...; entoação enfática – letras maiúsculas; superposição e simultaneidade de vozes [; indicação de que a fala foi tomada ou interrompida (…); citações literais ou leituras de texto “ ”; recorte ou interrupção da transcrição […]; comentários descritivos do transcritor (( )). .
Ao longo da pesquisa, a opção pelos procedimentos indiretos de instrução ao sósia e de autoconfrontação para provocar a emergência de situações dialógicas permitiu a articulação entre intervenção, pesquisa e formação (Nogueira, 2021NOGUEIRA, Ana Lúcia Horta. Como analisar o Métier do Professor Alfabetizador? Contribuições teórico-metodológicas da perspectiva histórico-cultural e da Clínica da Atividade. Horizontes. Bragança Paulista, v. 39, p. 1-27, 2021. Disponível em: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/1266. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://revistahorizontes.usf.edu.br/hor...
). Assim como diversos autores que se pautam nos princípios da Clínica da Atividade, ressaltamos que a situação de pesquisa instaura e qualifica o diálogo entre as professoras e a pesquisadora que, por conhecer o métier da professora alfabetizadora, comenta e indaga sobre aspectos específicos da atividade. Desse modo,
[…] o fato de pertencerem [ambos] ao mesmo campo profissional pode ser produtivo para os diálogos profissionais e, consequentemente, para o desenvolvimento do ofício […] e pode ser considerado como mais uma voz que entra no diálogo para discussão e reflexão, e não necessariamente uma voz que se sobrepõe e apaga os outros diálogos
(Anjos; Smolka; Barricelli, 2017ANJOS, Daniela; SMOLKA, Ana Luiza Bustamante; BARRICELLI, Ermelinda. Atividade de Pesquisa, Atividade de Ensino: a atividade do intervenant no campo da educação. Horizontes, Bragança Paulista, v. 35, n. 3, p. 133-145, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.597. Acesso em: 10 fev. 2019.
https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i... , p. 141).
As diferentes possibilidades de intervenção dos professores com os alunos durante o processo de alfabetização foram um aspecto bastante presente nas entrevistas e nas reuniões com as professoras participantes da pesquisa. Como as sequências discursivas apresentadas a seguir permitem problematizar, as professoras envolvidas tinham diferentes formas de organizar as atividades de alfabetização e de auxiliar seus alunos.
Sequência discursiva 1, reunião inicial com P2 (3º ano EF):
((A entrevista teve início com a solicitação de que a professora explicasse à PQ, como deveria agir em sua ausência – tal como solicitado no procedimento de “instrução ao sósia”))
PQ: Então volta só um tiquinho… Quando você falou da correção com o grupo que usa o livro… aí o grupo que tem mais dificuldade…. Como é que você faz com eles… Quando eles estão fazendo a cruzadinha por exemplo… E eles não conseguem escrever… O que que eu… como é que eu digo para eles?
P2: Então… você vai dando a cruzadinha, vai tomando leitura… Aí você sabe que letra fica pensando… Nessa sempre vem um: “professora, como é que faz isso?” Eu tenho que ficar parando… Né?… E indo lá e falando “olha aqui o desenho” sempre tem um desenho… Que desenho é esse? Sempre “tenta fazer do seu jeito”.
PQ: Está…
P2: Tem hora que traz tudo errado e eu escrevo o nome certo embaixo e falo “é assim que escreve? Você está vendo se está igual?” “não”… Eu estou corrigindo eles, escrevendo certo embaixo.
PQ: E quando eles vão escrever como é que você ensina além de escrever o certo embaixo para corrigir? Se eles não fizeram ainda, como é que você atua?
P2: Por exemplo a cruzadinha… “que animal é esse?”… Só que eles… Um ajuda o outro também… Senta junto e um não sabe fica lá tentando… Aí… eu sempre coloco assim… Por exemplo… Tem as meninas que não conseguem ler… elas olham… olham… “é esse, professora?”… “é… Que desenho é esse?”… Aí elas olham “é uma ema?”… Eu falei “sim”… “e como é que faz ema?”… Que elas veem lá, né?… Quando eu estou tomando [leitura]“e-ma”… Aí elas “e-ma”… Aí elas vão lá e ficam uma conversando com a outra… Tem hora que vem com o nome certo… “e-ma”… Umas ajudam… Elas ajudam.
[…]
PQ: Então agora me explica… Quem não está alfabetizado como é que consegue fazer a cruzadinha… O que que eles usam para descobrir que letra que é? Onde eles encontram essa letra?
P2: Então… olha muito…. MUITO no alfabeto… Eu falo assim… “olha lá para aquela letra… É igual a essa daqui… Fica pensando aí e depois você me fala”… Se não conseguir mesmo assim, aí eu volto e falo… Aí eu leio “olha aqui olha… p… p… pa… pa…”.
[…]
P2: Tem um [aluno] agora… ele só sabia vogal… Eles aprenderam porque… SIM porque eu dei… Ele tinha colado no caderno no início do ano… Eu trabalhei muito: o alfabeto… as letras do alfabeto.
PQ: E você trabalhou como as letras do alfabeto? Fala um pouquinho.
P2: Então… Sabe… Tem… Tinha muito assim a letra com o desenhinho eles pintavam… E falava ó “t” tar-ta-ru-ga.
[…]
PQ: Isso você fez para sala inteira?
P2: Não… Só para quem (não) estava alfabetizado… Eu consegui trabalhar o alfabeto inteiro passando de duas em duas letrinhas… E agora só na junção de sílabas e cruzadinha e começo a colocar textos assim de quatro linhas com as letras bem GRANDES.
Na primeira reunião com P2, a professora comentou sobre a organização do trabalho de alfabetização e da atividade dos alunos, tema que ressurgiu algumas semanas depois, na autoconfrontação simples.
Sequência discursiva 2, sessão de autoconfrontação simples com P2 (3º ano EF):
PQ: Agora… as crianças que não estão escrevendo… que estão começando a escrever… Como é que você ajuda?
P2: Essas que estão começando a escrever… Assim… porque agora só tem duas… Né?
[…]
PQ: Como é que você ensina? Por exemplo… BRANCA DE NEVE é…
P2: Ela está naquela fase ó… que coloca o “b”… Aí depois coloca “a”… Para ela escreveu o nome branca de neve… Né?
PQ: Está… E quando que você… Como é que você ajuda?
P2: Então… Eu estou reescrevendo embaixo… Eu peço ela para ler e falo: “está igual? Como é que você está escrevendo aqui?” Ela: “aqui é Branca… professora”… “está faltando letra?”… “está… Mas eu não estou lembrando qual é a letra!”
[…]
P2: Ela tem o quadro… tem o quadro e…
PQ: No quadro ela tem o quê?
P2: O alfabeto… tem as letras… Qual a letra que vem depois que…
PQ: Ela conhece algumas palavras? O nome de todos os amigos… Alguma coisa que você possa dizer para ela: “olha… O nome da Beatriz começa igual?”
P2: Ela tem… Ela sabe o nome dela… Né? Tem as letras do nome dela… Tudo… E ela tem…
Na entrevista inicial e na autoconfrontação simples, P2 relatou o uso de algumas estratégias de ensino durante as atividades de escrita com os alunos não alfabetizados de sua sala de 3º ano do EF: pedir para o aluno “pensar na letra”, “olhar o alfabeto” (exposto acima da lousa), “identificar a letra” ou fazer a correção “escrevendo certo embaixo”. Ao mencionar a correção, a professora se mostra preocupada em ensinar a grafia correta das palavras, dizendo que “escreve certo embaixo” do texto dos alunos.
A questão da correção da produção escrita da criança também é abordada por P6, na entrevista inicial.
Sequência discursiva 3, entrevista inicial com P6 (3º ano EF):
P6: Aí eu faço tipo… correção de texto, sabe? Coletiva… Ponho no projetor… Tem um textinho que eles escreveram e aí eles… Eu digito… Por exemplo eu digitei… apareceu um textinho bem escrito até do Davi, sem nenhuma pontuação, e a gente trabalhou pontuação pra chuchu… Né? Vírgula…usar vírgula… E ele colocou lá… A gente trabalhou a vida no campo… Ah… No campo tem isso… Isso…isso… Isso e isso… Poxa, uma oportunidade para trabalhar a vírgula, e essa criança não faz uma vírgula… Aí eu pedi pra ele… Eu digitei… o texto… Entrego um para cada criança e eles vão pontuar.
[…]
P6: Esse é um jeito… Ah… Mesmo o texto dele… Ele escreveu algumas palavras erradas… “poico” ao invés de “porco”… “plantação”… O “an” tem muita criança que usa o “e” ainda…
[…]
P6: Então… Faço assim… Às vezes ele lê na frente… Enquanto ele está lendo eu estou digitando… Já projetando no computador… Aí olha… “a Clara vai ler o texto dela.. A gente vai eh… Corrigir…”, então… Aí ela lê… Primeiro parágrafo eu já vou digitando simultaneamente
[…]
PQ: Porque… Assim… Uma série de coisas estão sendo trabalhadas aí, né?
P6: O que que você acha?
PQ: AH EU ACHO SUPER LEGAL… O que você acha que as crianças vão trabalhando então?
P6: O que eu acho que… Que aparece é a questão… ortográfica… A sequência… eh… a sequência de ideias… a paragrafação… Porque sempre tem um que fala que “ah, mas ela está colocando outra ideia… Não tem que ir pra linha nova?”, que tem um jargão que eu crio que é “ideia nova… linha nova”… tem um jargão
[…]
PQ: O que eles podem aprender?
P6: AH… NÃO SEI… ((risos)).
PQ: AH… VAMOS PENSAR JUNTAS… Eu acho que tem…
P6: Deixa eu ver… Deixa eu pensar/
[…]
P6: Porque a gente tem que corrigir… Né?
PQ: Eles te ajudam nessa escrita? Você pergunta assim: “e tal palavra como é que eu escrevo”?
P6: Eu pergunto… Eu pergunto… Eu pergunto… Às vezes eu escrevo errado de propósito… Aí eles falam.
Ao comentarem sobre como intervêm na produção escrita dos alunos, P2 diz “escrever corretamente abaixo do texto da criança”; P6 relata escrever/digitar o texto que é projetado, à medida que a criança vai lendo. Quais são as diferenças entre os gestos de ensinar das professoras? De que forma o processo de elaboração dos conhecimentos acerca da escrita é por elas mediado?
Embora as ações de P2 retomem parte das prescrições e formas de agir pertinentes ao métier do professor alfabetizador, tais como soletrar e indicar as letras, suas descrições apresentam poucos recursos semióticos e estratégias para intermediar o processo de ensino. Os procedimentos de ensino relatados por P2 apontam como fonte de consulta apenas as letras do alfabeto exposto acima da lousa e a cópia da palavra corretamente escrita “abaixo do texto da criança”.
Quando a pesquisadora pergunta se todos já sabiam o nome e o som das letras do alfabeto, a professora esclarece que havia apresentado as letras do alfabeto, estabelecendo relações com as letras iniciais de palavras. Além do alfabeto acima da lousa e de alguns desenhos e pequenos textos dos alunos, expostos em outra parede da sala, não havia cartazes com textos, listas de palavras ou outras produções que pudessem servir como fonte de consulta e de comparação para os alunos em processo de alfabetização. As ações da professora parecem estar circunscritas pela noção de que as crianças aprendem a escrever pensando sozinhas a partir do alfabeto exposto ou copiando palavras. Nesse sentido, a correção da escrita pode se sobrepor e ocupar o lugar de outras formas de ensino.
Diferentemente, o relato de P6 sobre a situação de escrita e a correção coletiva do texto permite entrever outros procedimentos de ensino e de esclarecimento de características da forma escrita de linguagem. A situação descrita se configura como momento de ensino para toda a classe, a professora assume a função de escriba do texto que é projetado, ela escreve para seus alunos e junto com eles (Vigotski, 2000VIGOTSKI, Lev Semenovich. O Método Instrumental em Psicologia. In: VIGOTSKI, Lev Semenovich. Teoria e Método em Psicologia. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1996. P. 93-101.). O gesto de ensinar da professora leva à constituição de relações de ensino bastante peculiares, ela (re)organiza os recursos e os meios de trabalho, articulando a correção e o ensino, que se tornam atividades complementares e interdependentes. Ensina por meio de inúmeros gestos – de apontar, perguntar, chamar a atenção para detalhes da escrita: “eu pergunto… eu pergunto… eu pergunto… às vezes eu escrevo errado de propósito”. Ainda como parte dos recursos disponíveis para os alunos em processo de alfabetização, havia vários cartazes expostos pelas paredes da sala, tais como listas de nomes e data de nascimento dos alunos, lista de palavras conforme regularidades ortográficas, jornal de parede, painel de curiosidades e novos conhecimentos. Desse modo, por trás das ações de P6, parece estar a noção de seu papel para organizar recursos e promover o desenvolvimento de seus alunos, ou seja, a abordagem da professora como “[…] atividade de concepção e de organização de um meio de trabalho é certamente orientada para a atividade do aluno, mas também para o professor, que vai ser o executor de sua própria concepção” (Amigues, 2004AMIGUES, René. Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Tradução de Anna Rachel Machado. Londrina: Eduel, 2004. P. 35-53., p. 45).
Gestos de Ensinar, Recursos e Instrumentos nas Práticas de Alfabetização
Para ampliar a compreensão dos gestos de ensinar articulados aos recursos e aos instrumentos no métier do professor alfabetizador, passemos aos comentários de P1 por ocasião da entrevista de autoconfrontação simples.
Sequência discursiva 4, sessão de autoconfrontação simples com P1 (2º ano EF):
((P1 estava contando sobre a elaboração de um cartaz com nome de frutas))
PQ: Voltando à ideia da lista de frutas… Essa que você falou que estava… Se você faz esta lista e aí eles têm que escrever…
P1: É…hoje, quer ver? Teve uma palavra… ANTENA.
PQ: antena… Vocês têm que escrever… Você fala assim “olha… Não parece?”
[…]
P1: É… e vai dar uma olhada… Uma pesquisada no que a gente já tem exposto…
PQ: Isso… isso.
P1: E a gente pode até colocar… jogar… umas frutas aleatoriamente…
[
PQ: Pode.
P1: Para ilustrar o cartaz.
PQ: Ou até pode… Mas por que a gente não facilita?
P1: Colocar as figuras?
PQ: Por que que não põe? ((risos))
P1: Mas será que… não vai remeter somente à ((imagem)) fruta? Não às letras?
PQ: Só à figura?
P1: SÓ À FIGURA? Sabe por que que eu falo isso?
PQ: Eu entendo.
P1: Quando a gente fazia crachá na educação infantil no minigrupo a gente colocava o desenho… Né?
PQ: Depois vocês queriam tirar o desenho para…
P1: É… tinha que tirar o desenho por quê? Porque eles têm que usar e não mais a figura…
PQ: Mas tem um momento… quando…. (o cartaz deve servir para todo mundo)… Eu estou entendendo a sua preocupação… Para alguns… se não tiver algum apoio… Ele não saberia (usar aquilo)… Pode ser que… Vamos pensar…
P1: É… A gente começa com as frutas… Depois a gente tira…
PQ: Você pode até fazer o cartaz de um jeito que… Depois você recorta… E tira “ó gente… todo mundo já sabe? Vamos ler?”… Sei lá… Uma vez por semana… Duas vezes por semana…
P1: Para memorizar mesmo… Né?
PQ: Vamos ler… brincar… copiar…
P1: Aí eu dou sílabas soltas e eles organizam…
PQ: ISSO… Como é que nós estamos? Todo mundo já sabe?… Você não precisa mais ter apoio… Podemos tirar as figuras agora?
Na sala de aula de P1 também havia vários cartazes com textos escritos expostos pelas paredes, com nome dos alunos, lista de aniversários, rotina diária e semanal, calendário. O comentário da professora a respeito do uso de imagens no cartaz – “pode até colocar umas frutas aleatoriamente” – levou à discussão acerca da função que o desenho poderia ter para as crianças memorizarem uma lista de palavras, que serviria como fonte de consulta, comparação e de reflexão acerca da escrita. Neste sentido, quando procura organizar deliberadamente recursos semióticos para ensinar aqueles “que estão com maior dificuldade”, P1 articula e ajusta sua própria atividade de ensino à atividade e ao desenvolvimento dos alunos.
O movimento da professora explicita a necessidade de considerar o múltiplo endereçamento da atividade de ensino, que “[…] não consiste apenas em saber como um professor faz para gerenciar as interações em sala de aula, mas como ele faz para organizar o meio de trabalho que mobiliza todo o grupo/classe” (Souza-e-Silva, 2004SOUZA-E-SILVA, Maria Cecília P. O Ensino como Trabalho. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. P. 81-104., p. 93), considerando os diferentes ritmos e processos de desenvolvimento dos alunos.
Cabe destacar que a preocupação de P1, ao propor a elaboração de um cartaz, está pautada em suas observações sobre o processo de desenvolvimento dos alunos. “Definir assim o trabalho do professor em classe estabelece o contorno do exercício da profissão e suas dificuldades e sublinha também a não coincidência entre o tempo de ensino e o tempo da aprendizagem. Ensinar não é fazer aprender imediata e instantaneamente” (Souza-e-Silva, 2004SOUZA-E-SILVA, Maria Cecília P. O Ensino como Trabalho. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. P. 81-104., p. 93, grifo da autora). Logo, a necessidade de adequação aos diferentes momentos de desenvolvimento dos alunos, que demanda ajustes sutis e refinados conforme a criança e a atividade, orienta sua forma de intervenção: o que e como ensinar? O que é importante apontar e destacar para o aluno? Que recursos utilizar?
Esses mesmos questionamentos sobre a organização das estratégias e recursos para ensinar permeiam os comentários de P6 a seguir.
Sequência discursiva 5, reunião inicial com P6 (3º ano EF):
PQ: Volta um pouquinho… Quando você me fala que eles não dão conta de ler… sem a mediação… sem ajuda… Como é que você… quando você tem que ajudar… o que que você faz?
P6: É… Então… Para as crianças que estão em… Eu recebi um grupo de crianças que não sabiam o alfabeto ainda, né?… Mesmo sendo o terceiro ano… Tinha aí no começo do ano então eu fui trabalhando… Trabalhava assim… eu pegava um texto conhecido… Normalmente um texto de memória… parlenda… musiquinha… E aí lia com eles e eles recitavam… Cantavam… Tal… Procuravam palavrinhas… Aí depois eu dava fatiado… Eles montavam… Aí foram lá na frente… Apresentavam para o resto da sala. Eu tive uma… a gente tinha aqui uma professora adjunta que entrava na minha sala dois períodos na semana… aproveitava ela […]
PQ: Quando você tem que ajudar, de que jeito é essa ajuda?
P6: Eu faço assim… eu…normalmente coloco eles em grupo porque eu acredito nesse trabalho, apesar de tumultuar um pouco… Eu AINDA acredito nesse trabalho… Porque eu estou um pouco desgastada disso… MAS eu ainda acredito nesse trabalho, então eu boto eles em grupo e aí é… Eles leem juntos como conseguem… ‘olha você vai tentar ler e tal’; aí eu peço para identificar palavras e aí eu leio com eles também… Está? Faço essa leitura com eles e depois eu procuro dar atividades em que eles vão conseguir fazer mediando… Um mediando o outro… Então assim… ‘olha… Vamos procurar palavrinhas com a letra do seu nome’… E aí ‘palavrinhas com o nome da sua parceira’… Mas a leitura em si… Como é um terceiro ano assim com essa característica… As crianças que precisam de mediação que estão no grupo três… Que seria um silábico-alfabético agora… Eu tomo leitura… mesmo… tem que ler para mim… Olha ‘esse pedaço você vai ler para mim’… Põe o dedinho e aí lê para mim.
[…]
PQ: Então vamos voltar… Quando você está dizendo que aí você ajuda… Como você ajuda quando a criança enrosca numa palavra na leitura?
P6: Eu falo assim… Por exemplo na leitura eu falo… Olha é… ‘vamos ver’ por/ essas que estão mais avançadas eu vou pedacinho por pedacinho… Então vamos ler aqui ó… Que som que forma… Isolo para ele focar, né?… Se precisar isolo…. É… ‘que letra que é a primeira letra?’… ‘t’… ‘qual que é o som do t?’… Aí ele vai falar… Eles já sabem assim de tanto a gente falar… Aí ‘com e’… ‘te’… ‘está então aqui, ó, te vamos continuar’… Eu faço oralizar… Fico falando para eles ‘fala o que que você está vendo’, né?… Esses que estão MAIS avançadinhos assim… Agora as que estão silábicas agora daí já é mais complicado… Já é… Eu te/ eu vou contando… Vou falando mesmo o som que tem… Olha… Aqui está escrito sei lá… PAI… ‘olha essa letrinha é o / que letra que é? É o p; então olha o a do lado… fica pa’… ‘se for o p sozinho que som que tem?’… ‘faz o p no ar’… eles fazem o p no ar…
[…]
PQ: Nessa hora o que que você usa por exemplo de recurso… O que que tem na sala? O que que tem na mão? Só para gente ir imaginando… Para eu imaginar como que você faz
P6: Está… É… eu tenho na sala… Eles têm um saquinho com as letras móveis… Esse…. esse grupinho mais… Têm as letras móveis… Eles têm o alfabeto lá em cima da lousa…
PQ: Está… Então na hora em que você está lendo para eles por exemplo você retoma o alfabeto…
P6: Retomo o alfabeto… No caderno na capa do caderno eu colei também o alfabeto também associando a uma imagem… Tem (…)
PQ: Então fala um pouquinho disso.
[…]
P6: No caderno eles têm o alfabeto e algumas crianças têm o alfabeto… Com uma imagem indicando… que na verdade a ideia a gente começou a fazer um alfabeto para… Eles têm aquele da lousa mas a gente começou a montar um… Montamos na verdade… Botamos lá e eles tinham a letrinha e eles desenhavam do lado o… Uma palavra que tinha aquele som inicial… Só que a turma da tarde rasgou… Então eu pus aqui um feito JÁ PRONTO na capa do caderno.
PQ: E não são todas as crianças que têm esse alfabeto? Porque alguns não precisam
[…]
P6: TODOS têm o alfabeto mas esse com a imagem não são todos
[…]
PQ: Eles usam?
P6: Eles USAM […] na hora da leitura… o alfabeto está do LADO.
Quando a pesquisadora indaga à professora quais são as formas de mediação (termo usado por P6) presentes nas atividades, ela enumera um conjunto de ações voltadas à atividade da criança: alfabeto para consulta relacionado a imagens, uso de textos para memorizar palavras, auxílio para leitura e para comparar palavras com mesmo som ou letras. Dentre os recursos indicados, P6 destaca a presença de letras móveis para atividades de escrita e do alfabeto com imagem, e reitera que sempre providencia cópias para os alunos e que “na hora da leitura, o alfabeto está do lado”.
Interessante retomar ainda a entrevista de autoconfrontação simples, quando P6 explicita o uso de outro recurso para o processo de alfabetização.
Sequência discursiva 6, sessão de autoconfrontação simples com P6 (3º ano EF):
PQ: E ainda tem criança que está aglutinando as palavras?
P6: Tem criança que não segmenta corretamente […]
P6: Não tem como… Então assim… estou trabalhando com esses na questão do texto mais essa coisa mesmo de segmentação, né?… De dividir… Vamos ver aonde é que termina… Mas aí é um trabalho bem mediado individualmente, né?… Eles fizeram aqueles textinhos fatiados para colocar… Para saber como é que é?
PQ: Não… Não… Por que é que você chama de fatiado?
P6: Fatiado LITERALMENTE… Eu pego um texto conhecido… Uma parlenda… Um texto da oralidade que eles já conhecem e que tem oralidade… Eu faço para eles tudo… As palavras todas separadas e eles tem que montar isso… De organizar o texto colando.
PQ: Recorta?
P6: Às vezes, eu já dou recortado… E eles vão colando… Então eles fizeram isso… Estão fazendo isso ainda… Às vezes eu peço para escrever o texto no computador porque tem a questão do espaço…
Considerando a dificuldade de alguns alunos para delimitar as palavras nos textos, P6 propõe que remontem um texto conhecido a partir das palavras isoladas em tiras de papel. Essa situação pode ser tomada como um exemplo típico da necessidade de ajuste da atividade pelo professor, a partir das observações dos indicadores de desenvolvimento de seus alunos. Com relação à análise da atividade, portanto, é necessário ressaltar a “[…] importância das ferramentas na interação entre um sujeito e sua tarefa, não somente para aumentar a eficiência dos gestos, mas também como meio de reorganizar sua própria atividade” (Amigues, 2004AMIGUES, René. Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Tradução de Anna Rachel Machado. Londrina: Eduel, 2004. P. 35-53., p. 44). Os comentários da professora sobre a organização do trabalho de alfabetização explicitam a complexidade da tarefa do professor para efetivar o ajuste entre a atividade do aluno e a sua própria, através da escolha de determinados meios para ensinar, recursos que possam ser convertidos em instrumentos técnico-semióticos para mediar a atividade dos alunos.
Como anteriormente exposto, o gesto de ensinar se constitui como atividade mediatizada e mediatizante, dado o duplo endereçamento da atividade, orientada à própria atividade do professor e à atividade dos alunos (Clot, 2010CLOT, Yves. Trabalho e Poder de agir. Tradução de Guilherme J. de F. Teixeira; Marlene M. Z. Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.). Com relação à situação relatada, podemos dizer que a atividade de P6 é mediatizada pela seleção de um recurso e uma estratégia para a mediação pedagógica. E, por se dirigir também à atividade dos alunos, o gesto de ensinar é simultaneamente atividade mediatizante. Nessa situação, o recurso pedagógico selecionado pela professora – palavras em tiras de papel – medeia a atividade de ensinar e, uma vez que o recurso pedagógico evidencia o limite das palavras de um texto, ele pode se tornar um meio de “influência do sujeito sobre si mesmo” (Friedrich, 2012FRIEDRICH, Janette. Lev Vigotski – mediação, aprendizagem e desenvolvimento: uma leitura filosófica e epistemológica. Tradução de Anna Rachel Machado; Eliane Gouvêa Lousada. Campinas: Mercado de Letras, 2012., p. 57), como mediatizante da atividade dos alunos.
Os comentários de P1 e P6 sobre a seleção e a apresentação dos recursos e os constantes ajustes em sua tarefa de ensinar nos remetem ainda à questão da gênese instrumental, anteriormente discutida (Amigues, 2004AMIGUES, René. Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Tradução de Anna Rachel Machado. Londrina: Eduel, 2004. P. 35-53.; 2009; Clot, 2006CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 2006.; Rabardel, 1995RABARDEL, Pierre. Les Hommes et les Technologies; approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin, 1995. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01017462. Acesso em: 2 maio 2019.
https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-010...
; 2005). Em seus estudos sobre o trabalho, Rabardel apresenta a noção de gênese instrumental, ao analisar que, em função da especificidade da tarefa a ser realizada, o trabalhador recria e seleciona determinados artefatos – e se apropria deles –, que poderão se constituir em instrumentos para viabilizar sua atividade.
É durante a atividade que um artefato ganha o estatuto de instrumento (Clot, 2006CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 2006.; Rabardel, 2005RABARDEL, Pierre. Instrument, Activité et Développement du Pouvoir d’agir. In: LORINO, Philippe; TEULIER, Régine. Entre Connaissance et Organisation: l’activité collective. Paris: La Découverte, 2005. P. 251-265. (Coleção Recherches). Disponível em: http://www.cairn.info/entre-connaissance-et-organisation-l-activite-coll---page-251.htm. Acesso em: 6 jun. 2019.
http://www.cairn.info/entre-connaissance...
). Ao elaborar um cartaz ou ao lançar mão das palavras escritas em tiras de papel, portanto, as professoras utilizam e colocam à disposição dos alunos recursos que instrumentalizam o gesto de ensinar e propiciam (re)organizar sua própria atividade, que, por sua vez, tem o objetivo de organizar a atividade dos alunos. Essas situações nos levam a reafirmar o argumento vigotskiano acerca da relevância da construção dos atos instrumentais, para a emergência e a transformação de novos processos psíquicos. Embora a professora selecione um recurso genérico que integra a memória coletiva do métier do professor alfabetizador, é somente ela quem conhece o processo de desenvolvimento dos alunos, quem pode reconhecer os objetivos e os ajustes necessários aos gestos de ensinar. Nesse sentido, a apropriação e a recriação dos gestos de ensinar e dos instrumentos técnico-semióticos são atravessadas pelo processo de gênese instrumental (Rabardel, 1995RABARDEL, Pierre. Les Hommes et les Technologies; approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin, 1995. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01017462. Acesso em: 2 maio 2019.
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), orientado ao professor e aos artefatos que medeiam a atividade dos alunos. “A apropriação de artefatos como instrumentos em situações de uso é conceituada como uma ‘gênese instrumental’, que transforma a organização da atividade do sujeito, as tarefas que eles autoatribuem e as características do artefato” (Folcher, 2003FOLCHER, Viviane. Appropriating Artifacts as Instruments: when design-for-use meets design-in-use. Interacting with Computers, Oxford, v. 15, n. 5, p. 647-663, out. 2003. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0953543803000572. Acesso em: 30 abr. 2019.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
, p. 648, tradução nossa).
E ainda com relação ao processo de gênese instrumental, tendo em vista o papel mediador dos artefatos e recursos, é fundamental analisar o “[…] processo pelo qual o sujeito lhes dá o status de meios para atingir os objetivos de sua ação […] dimensão produtiva da atividade, os sujeitos desenvolvem atividades de elaboração de instrumentos psicológicos e materiais com uma finalidade construtiva” (Folcher, 2003FOLCHER, Viviane. Appropriating Artifacts as Instruments: when design-for-use meets design-in-use. Interacting with Computers, Oxford, v. 15, n. 5, p. 647-663, out. 2003. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0953543803000572. Acesso em: 30 abr. 2019.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
, p. 648, tradução nossa). Esse é o processo de instrumentalização (Folcher, 2003FOLCHER, Viviane. Appropriating Artifacts as Instruments: when design-for-use meets design-in-use. Interacting with Computers, Oxford, v. 15, n. 5, p. 647-663, out. 2003. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0953543803000572. Acesso em: 30 abr. 2019.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
; Hila, 2019HILA, Cláudia Valéria Doná. Teoria da Instrumentação e a Formação Inicial de Professores de Português. UniLetras, Ponta Grossa, UEPG, v. 32, n. 1, 61-76, 2010. Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/issue/view/239/showToc Acesso em: 2 maio 2019.
https://www.revistas2.uepg.br/index.php/...
; Rabardel, 1995RABARDEL, Pierre. Les Hommes et les Technologies; approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin, 1995. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01017462. Acesso em: 2 maio 2019.
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), no qual os recursos externos elaborados para transmitir o conteúdo de uma disciplina passam a regular e transformar efetivamente a atividade dos alunos (Dolz; Moro; Pollo, 2000DOLZ, Joaquim; MORO, Christiane; POLLO, Antonella. Le Débat Régulé: de quelques outils et de leurs usages dans l’apprentissage. Repères, Lyon, n. 22, p. 39-59, 2000. Disponível em: http://ife.ens-lyon.fr/edition-electronique/archives/reperes/web/fascicule.php?num_fas=278 Acesso em: 21 maio 2017.
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; Schneuwly, 2000SCHNEUWLY, Bernard. Les Outils de l’enseignant: un essai didactique. Repères, Lyon, n. 22, p. 19-38, 2000. Disponível em: http://ife.ens-lyon.fr/edition-electronique/archives/reperes/web/fascicule.php?num_fas=278. Acesso em: 21 maio 2017.
http://ife.ens-lyon.fr/edition-electroni...
). Processo de instrumentalização que converte recursos e meios de ensino em instrumentos técnico-semióticos que, uma vez apropriados, orientam e medeiam a atividade psicológica.
Apontamentos Finais: a complexidade do trabalho das professoras alfabetizadoras
Como as professoras organizam suas práticas de alfabetização? Como e com quais recursos ensinam seus alunos durante as atividades de escrita? O que define e como se constitui o métier da professora alfabetizadora? A partir dessas questões buscamos compreender os detalhes e a complexidade dos gestos de ensinar (Smolka, 2010SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Ensinar e significar: as relações de ensino em questão ou das (não)coincidências nas relações de ensino. In: SMOLKA, Ana Luiza Bustamante; NOGUEIRA, Ana Lúcia Horta. Questões de Desenvolvimento Humano: práticas e sentidos. Campinas: Mercado de Letras, 2010. P. 107-128.) e suas implicações em termos da organização das práticas de alfabetização e do processo de apropriação da escrita pelos alunos.
Em uma perspectiva histórico-cultural, as análises apresentadas sugerem a relevância, para a organização da atividade de ensino, dos instrumentos semióticos como meios psicológicos auxiliares para a criança em atividades de leitura e escritura – instrumentos mediatizados e mediatizantes.
Ao problematizar o aparecimento de uma série de dispositivos artificiais voltados ao domínio dos próprios processos psíquicos durante o desenvolvimento histórico do homem, Vigotski (1996, p. 93)VIGOTSKI, Lev Semenovich. O Método Instrumental em Psicologia. In: VIGOTSKI, Lev Semenovich. Teoria e Método em Psicologia. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1996. P. 93-101. afirma: “[…] os instrumentos psicológicos são criações artificiais; estruturalmente, são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios, assim como a técnica se destina ao domínio dos processos da natureza”.
Sob esse ponto de vista, portanto, a atividade de ensino estaria totalmente relacionada à gênese instrumental, à (re)elaboração e ao uso de instrumentos semióticos que permitam ao professor organizar sua atividade e meios de trabalho que, por sua vez, irão organizar a atividade dos alunos. No ensino, os instrumentos psicológicos seriam os meios para a transformação da forma de agir, pelo uso dos quais todas as funções do comportamento são radicalmente reestruturadas (Schneuwly, 2008SCHNEUWLY, Bernard. Vygotski, l’ecole et l’écriture. Cahiers de la Section des Sciences de l’Education, Genebra, n. 118, out. 2008. Disponível em: https://archive-ouverte.unige.ch/unige:18580. Acesso em: 22 maio 2017.
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, p. 58).
Nas situações descritas, as professoras exploram e ensinam os diversos aspectos semióticos e o funcionamento da linguagem escrita (Geraldi, 2014GERALDI, João Wanderley. Por que Práticas de Produção de Textos, de Leitura e de Análise Linguística? In: SILVA, Lílian Lopes Martin da; FERREIRA, Norma Sandra de Almeida; MORTATTI, Maria do Rosário Longo (Org.). O Texto na Sala de Aula: um clássico sobre o ensino de língua portuguesa. Campinas: Autores Associados, 2014. P. 207-222.; Goulart, 2013GOULART, Cecília Maria Aldigueri. Processos de Alfabetização para quem? In: NOGUEIRA, Ana Lúcia Horta (Org.). Ler e escrever na Infância. Campinas: Leitura Crítica, 2013. P. 99-114.; 2014GOULART, Cecília Maria Aldigueri. Aspectos Semióticos da Aprendizagem Inicial da Escrita. In: GOULART, Cecília Maria Aldigueri; WILSON, Victoria. Aprender a Escrita, aprender com a Escrita. São Paulo: Summus, 2014. P. 21-42.; Smolka, 1989SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A Criança na Fase Inicial da Escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez; Campinas: Ed. Unicamp, 1989.). As observações e os comentários das professoras trazem um pequeno panorama da variedade de gestos de ensinar, recursos pedagógicos e instrumentos técnico-semióticos, elementos entretecidos nas relações de ensino durante o processo de alfabetização.
A atenção e o cuidado das professoras no entretecimento desses elementos nos levam a reafirmar a posição de Amigues sobre a complexidade do trabalho docente.
As atividades de concepção, organização e regulação das diferentes situações fazem do professor um ator, um produtor de significação de situações de finalização de sua própria ação que não corresponde absolutamente à imagem de executor ou de profissão de média importância que lhe costumam atribuir
(Amigues, 2004AMIGUES, René. Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O Ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva. Tradução de Anna Rachel Machado. Londrina: Eduel, 2004. P. 35-53., p. 52).
As práticas pedagógicas descritas pelas professoras trazem sutilezas relacionadas ao gesto de ensinar, aos mínimos detalhes e peculiaridades da ação do professor, aos ajustes provocados pela observação dos alunos, às formas pessoais de agir a partir da combinação de diferentes modos de fazer, dos gestos habituais e/ou prescritos, inspirados pelos colegas, pelas instruções didáticas, entre outras instâncias (Roger; Ruelland, 2009ROGER, Jean-Luc; RUELLAND, Danielle. Le “Travail sur le Travail” un Instrument d’action Personnel et Collectif pour les Professionnels de l’éducation Nationale – L’encadrement par les professionnels eux-mêmes. Rapport remis au Snes, Paris, 2009. Disponível em: https://www.snes.edu/IMG/pdf/RapportCnamSnes2009imp.pdf. Acesso em: 2 maio 2019.
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).
O métier não é sedentário; ao contrário, ele migra entre diferentes registros – impessoal, transpessoal, interpessoal e pessoal (Clot, 2007CLOT, Yves; FERNANDEZ, Gabriel; SCHELLER, Livia. Le Geste de Métier: problèmes de la transmission. Psychologie de l’interaction: Dialogue, Activité, Développement, Paris, v. 23-24, p. 109-138, 2007. Disponível em: https://serval.unil.ch/resource/serval:BIB_7DADFD51DD87.P001/REF. Acesso em: 22 maio 2019.
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; 2017CLOT, Yves. Clínica da Atividade. Horizontes, Bragança Paulista, v. 35, n. 3, p. 18-22, 2017. Disponível em: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/526. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://revistahorizontes.usf.edu.br/hor...
). O desenvolvimento dos gestos profissionais está relacionado ao fato de que qualquer atividade de trabalho tem origens sociais e culturais, mesmo a atividade de ensino, comumente considerada individual e isolada.
O métier, como totalidade estruturada e estruturante, se constitui ao mesmo tempo que o trabalho se realiza. É todo no sentido de que é um conjunto de componentes construídos por circunstâncias que se atualizam em situação, que podem ser traduzidas em regras, gostos, valores, técnicas, normas […] O métier é a cada vez conservação de práticas e fonte para a atividade enfrentar a prescrição
(Durand, 2015DURAND, Marc. Conclusion: formation et analyse du travail dans le champ de l’education. In: BORER, Valérie Lussi; DURAND, Marc; YVON, Frédéric (Org.). Analyse du Travail et Formation dans les Métiers de l’education. Louvain-la-Neuve: De Boeck Supérieur, 2015. P. 239-256. Disponível em: https://www.furet.com/media/pdf/feuilletage/9/7/8/2/8/0/4/1/9782804194079.pdf. Acesso em: 5 fev. 2017.
https://www.furet.com/media/pdf/feuillet... , p. 250).
Como nossas análises procuram explicitar, a complexidade do trabalho das professoras alfabetizadoras está justamente na possibilidade de (re)criação e de ajuste constante dos gestos de ensinar, no processo de gênese instrumental contingenciado pelos diferentes registros e pelas múltiplas dimensões da atividade.
Dentre essas dimensões, além das condições históricas concretas e dos conhecimentos do próprio métier, destacamos a observação cotidiana dos indicadores da progressão do desenvolvimento dos alunos, como uma das referências primordiais para o processo de gênese instrumental. A definição dos contornos das relações de ensino e dos gestos de ensinar no processo de alfabetização demanda o acompanhamento dos alunos, para conhecer como eles realizam as atividades de escrita, quais são as dificuldades que apresentam, o que eles consultam em busca de quais informações para escrita, entre outros aspectos.
Na contemporaneidade, diante dos acirrados debates sobre educação domiciliar, ensino remoto, padronização curricular, material didático apostilado, avaliações estandardizadas, desqualificação e intensificação do trabalho docente, entre outras formas de ataque ao (princípio do) ensino público, é fundamental problematizar a quem serve o aumento das desigualdades que esses movimentos têm produzido (Laval, 2019LAVAL, Christian. A Escola não é uma Empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2019.). Nesse sentido, a explicitação da centralidade e da complexidade do trabalho das professoras alfabetizadoras é uma defesa do ensino público.
Notas
-
1
Este artigo é dedicado às professoras alfabetizadoras e à minha mãe, com quem conheci os meandros do ofício e os primeiros gestos de ensinar.
-
2
Processos nº 2014/07038-6, nº 2021/08708-9, Fundação para Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
-
3
Ver em Nonnon (2000)NONNON, Elisabeth. Le Tableau noir de l’enseignant, entre Ecrit et Oral. Repères, Lyon, n. 22, p. 83-120, 2000. Disponível em: http://ife.ens-lyon.fr/edition-electronique/archives/reperes/web/fascicule.php?num_fas=278. Acesso em: 21 maio 2017.
http://ife.ens-lyon.fr/edition-electroni... a análise do gesto profissional diário de escrita – modo específico de escrita pública – no quadro-negro, entendido como objeto material e simbólico que medeia o trabalho do professor e o dos alunos. -
4
Dados os limites e o foco deste artigo, sugerimos consultar a fundamentação teórico-metodológica e a descrição pormenorizada dos procedimentos da pesquisa em Nogueira (2021)NOGUEIRA, Ana Lúcia Horta. Como analisar o Métier do Professor Alfabetizador? Contribuições teórico-metodológicas da perspectiva histórico-cultural e da Clínica da Atividade. Horizontes. Bragança Paulista, v. 39, p. 1-27, 2021. Disponível em: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/1266. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://revistahorizontes.usf.edu.br/hor... . -
5
Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Parecer nº 1.875.566.
-
6
Nas transcrições, as ocorrências são sinalizadas conforme segue (Castilho; Preti, 1987CASTILHO, Ataliba Teixeira de; PRETI, Dino (Org.). A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo: materiais para seu estudo. São Paulo: T.A. Queiroz; FAPESP, 1987. (Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta de São Paulo – Projeto NURC/SP. Volume II: Diálogo entre dois informantes).): incompreensão de palavras ou segmentos ( ); hipótese do que se ouviu ou do que foi omitido na fala (hipótese); truncamento /; pausa ...; entoação enfática – letras maiúsculas; superposição e simultaneidade de vozes [; indicação de que a fala foi tomada ou interrompida (…); citações literais ou leituras de texto “ ”; recorte ou interrupção da transcrição […]; comentários descritivos do transcritor (( )).
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Abr 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
14 Abr 2022 -
Aceito
15 Ago 2022