Open-access Abandono e Permanência Escolar: analisando olhares de trabalhadores da educação do IFSC

RESUMO

A partir do olhar de trabalhadores da educação de diversos campi do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), o presente trabalho busca analisar os fatores que envolvem o abandonar ou permanecer dos estudantes da Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Desenvolvida como estudo de caso sob uma perspectiva dialética, a pesquisa, de abordagem qualitativa, evidenciou os diferentes olhares dos trabalhadores sobre os múltiplos e complexos motivadores do abandono ou permanência escolar. Revelou a fragmentação, a individualização, a culpabilização de seus sujeitos, a existência de ações pontuais de apoio à permanência e a ausência de avaliações e intervenções voltadas para modificar a estrutura, dual e excludente, da EPT.

Palavras-chave Abandono Escolar; Permanência Escolar; Educação Profissional e Tecnológica; Trabalhadores da Educação; IFSC

ABSTRACT

From the perspective of education workers from several campuses of the Federal Institute of Santa Catarina (Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC), this paper seeks to analyze the factors that involve school dropout or the permanence of students in Professional and Technological Education (Educação Profissional e Tecnológica - EPT). Developed as a case study from a dialectical perspective, the research, with a qualitative approach, highlighted the different perspectives of workers on the multiple and complex motivators of dropping out or staying at school. It revealed the fragmentation, the individualization, the blaming of its subjects; the existence of specific actions to support permanence and the absence of evaluations and interventions aimed at modifying the dual and excluding structure of EPT.

Keywords School Dropout; School Permanence; Professional and Technological Education; Education Workers; IFSC

Introdução

A expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Rede Federal) ampliou a democratização da oferta dessa modalidade de ensino, oportunizando para muitos jovens e adultos de diferentes regiões, classes sociais e culturais, o acesso a um ensino profissional público e de qualidade.

A Rede Federal, que até 2002 era composta por 140 unidades, passou por uma ampliação e interiorização no país após 2005, com o início do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, totalizando, em 2021, 661 unidades de educação profissional alocadas em 38 Institutos Federais (IFs), dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), 22 Escolas Técnicas vinculadas às universidades federais e o Colégio Pedro II.

Se, por um lado, a expansão da Rede Federal democratizou o acesso à educação profissional, por outro, evidenciou o abandono escolar2 nessa modalidade de ensino, que, segundo estudo de Zanin (2014), apresenta índices de abandono escolar muito elevados ao longo da história da educação profissional no país, o que tem gerado desafios e esforços, tanto para entender esse processo, quanto para superá-lo.

Corroborando essa situação, levantamento realizado por Érica Gallindo (2020) demonstrou que em um total de 1.267.609 ingressantes de 2009 a 2020 em cursos técnicos de nível médio (modalidade presencial) nos Institutos Federais, 492.188 alunos (38,83% das matrículas) deixaram de frequentar os cursos, informações essas que podem ser confirmados ao analisar os dados relativos ao índice de eficiência acadêmica3 dos Institutos Federais na Plataforma Nilo Peçanha4 (Brasil, 2021), que apontou a “evasão no ciclo” em um percentual de 50,31% em 2017, 49,4% em 2018, 43,17% em 2019 e 50,28% em 2020, em todos os cursos ofertados.

Além desse, outros estudos sobre a temática, como por exemplo os de Silva, Pelissari e Steimbach (2013), Fritsch (2017), Zanin (2014), entre outros, que dialogaram com estudantes da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), apresentam números que denunciam a dura face da exclusão escolar presente nessa modalidade de educação. Nesse sentido, eles indicam a pertinência de se investigar sobre o abandono e a permanência escolar e de compreender os múltiplos e complexos fatores que os envolvem.

Avançando nesses aspectos, nessa investigação buscou-se, sob a perspectiva dialética, dar voz aos servidores trabalhadores da educação, com o objetivo de analisar, a partir de seus olhares, os fatores que envolvem o abandono e a permanência escolar dos estudantes dos cursos técnicos subsequentes no Eixo Tecnológico Controle e Processos Industriais ofertados no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

A Trajetória da Pesquisa e Caracterização de seus Sujeitos

Para abordar a questão do abandono e permanência na EPT, optou-se pela aproximação ao fenômeno por meio de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de perspectiva dialética, posto que a problemática é demarcada pela realidade social e exige, ao mesmo tempo em que possibilita, a livre manifestação dos sujeitos investigados com relação aos seus interesses informativos, crenças e desejos (Aquino, 2014). Essa opção foi tomada tendo em vista que a perspectiva dialética, como método de pesquisa, permite aproximar-se da totalidade dos fenômenos pesquisados, investigando as causas, consequências, contradições, relações e dimensões qualitativas e quantitativas, se necessário, que envolvam a problemática.

Para atender ao objetivo da pesquisa, a modalidade utilizada foi o estudo de caso, circunscrevendo o universo da pesquisa a seis campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) que ofertavam cursos de educação profissional técnica subsequentes do Eixo Tecnológico Controle e Processos Industriais em diferentes regiões do estado de Santa Catarina: Chapecó, Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Jaraguá do Sul e Lages. Também constituiu o universo a Reitoria do IFSC.

A escolha pela instituição e cursos deveu-se aos altos índices de abandono escolar nela registrados que, nos cursos pesquisados do IFSC, apresentaram no período de aplicação da pesquisa, em 2018, um percentual de “evasão no ciclo” de 58,74%, chegando, em um dos campi participante da pesquisa, a um percentual de cerca de 84% de evasão no ciclo (Brasil, 2021), razão pela qual se apresentavam elementos que poderiam contribuir para a identificação e reflexão sobre os motivadores do abandono e permanência dos alunos desses cursos.

Os dados que subsidiaram a pesquisa foram obtidos por entrevistas semiestruturadas realizadas presencialmente no ano de 2018, com 36 servidores, dos quais 12 ocupavam cargos na docência, 8 eram técnicos no setor pedagógico, 10 fizeram parte de Grupos de Permanência e Êxito5 institucionais e 6 ocupavam a função de gestores nas diretorias de ensino dos campi.

Os 12 docentes participantes eram do sexo masculino, engenheiros ou tecnólogos e lecionavam em cursos técnicos de nível médio e superior na instituição. Dos 8 técnicos pedagógicos, 5 eram pedagogos, uma técnica em assuntos educacionais, uma psicóloga e uma assistente de aluno, sendo 7 do sexo feminino. Referente aos 6 gestores, todos eram do sexo masculino, docentes, bacharéis e lecionavam em disciplinas da área técnica. Sobre os 10 servidores que fizeram parte de Grupos de Permanência e Êxito, 6 eram docentes, do sexo masculino, apenas um era bacharel e os demais eram licenciados e nenhum deles atuava diretamente nos cursos de Controle e Processos Industriais; e 4 eram técnicos administrativos em educação (TAE), do sexo feminino, sendo 3 técnicas em assuntos educacionais e uma assistente de aluno.

Essa caracterização evidencia, nos campi pesquisados, a predominância de homens na docência e na gestão das diretorias de ensino e de mulheres ocupando mais os espaços como técnicas pedagógicas na instituição, questão que, como apontam Greschechen e Tamanini (2018), evidencia a divisão sexual do trabalho, representada pela hierarquização de cargos e determinação social que naturaliza, historicamente, que as profissões ligadas ao cuidado são consideradas tipicamente femininas, enquanto as que envolvem a produção de bens para a sociedade são socialmente consideradas como masculinas.

Sobre o tempo de exercício na EPT, havia desde servidores recém ingressantes até servidores que já exerciam a profissão há 30 anos no IFSC. Dos 12 docentes, 5 estavam no IFSC de 2 a 5 anos, 6 já atuavam de 8 a 12 anos e 1 trabalhava há mais de 26 anos na instituição. Destes, 11 docentes já possuíam experiência na educação em outras redes de educação, sendo a grande parte oriunda da rede particular de ensino profissional. Destes trabalhadores, 4 não possuíam experiência de trabalho em sua área de formação na indústria.

A maioria dos participantes técnicos pedagógicos (6) atuava no IFSC entre 3 a 7 anos. Um deles estava há apenas 1 ano na instituição e outro há 11 anos. Entretanto, todos eles já tinham experiência de trabalho na educação em outras redes e níveis de ensino, visto que 7 dos 8 participantes técnicos atuavam na educação há mais de 15 anos, e 1 deles declarou já ter 37 anos de exercício na educação. Dos 6 gestores, 1 ingressou há 2 anos no IFSC, 4 trabalhavam de 6 a 12 anos na instituição e 1 já atuava há mais de 30 anos no local. Referente à experiência profissional, 5 já atuavam na educação em outras redes antes de ingressar no IFSC e, considerando que todos são bacharéis, 5 trabalharam anteriormente em suas áreas de formação inicial.

A respeito dos 10 servidores dos Grupos de Permanência e Êxito, 9 deles atuavam no IFSC há menos de 7 anos, sendo 7 entre 2 meses e 3 anos; 2 de 6 a 7 anos e somente um com mais de 25 anos de trabalho na instituição. A grande maioria – 9 dos 10 – tinha experiência na área de educação antes de ingressar no IFSC, tendo atuado entre 18 e 34 anos em diversos níveis da educação.

Dos 36 servidores trabalhadores da educação participantes da pesquisa, 33 deles iniciaram o exercício de sua profissão na Rede Federal após 2005, quando ocorreu o plano de expansão da Rede, evidenciando-se que, além da democratização do acesso, a expansão possibilitou, também, a muitos servidores exercer sua profissão em escolas públicas federais.

O Abandono e a Permanência Escolar no IFSC

Conforme pondera Fritsch (2017, p. 84), o abandono escolar “[…] é um fenômeno complexo, resultado de múltiplas causas vinculadas a fatores e variáveis objetivas e subjetivas que precisam ser compreendidas no contexto socioeconômico, político e cultural, no sistema educacional e nas instituições de ensino” e compreendê-las tem sido objeto de trabalhos e pesquisas na área educacional que suscitam, por parte das instituições, preocupações que geram projetos de acompanhamento e de estudos para evitar o abandono e estimular a permanência dos estudantes.

Nessa perspectiva, compreende-se que as questões do abandono e permanência escolar envolvem questões pessoais, sociais, econômicas, políticas e culturais, externas e internas à escola, relacionadas dialeticamente entre si, sem sobreposição de importância de um fator sobre o outro, mas sim mutuamente relacionados.

Essa também foi a compreensão dos 10 trabalhadores da educação, membros de Grupos de Permanência e Êxito do IFSC, participantes da pesquisa, que corroboraram a ideia de que os motivadores do abandono e da permanência são multifatoriais, e que dialogar sobre essa temática requer que se abordem esses diversos motivadores.

Desconsiderando os 10 trabalhadores que fazem parte de Grupos de Permanência e Êxito da instituição, que, por força de sua atuação, têm a questão do abandono escolar como uma de suas preocupações institucionais, apenas 3 dos demais 26 servidores participantes – docentes, gestores de ensino e técnicos pedagógicos – estabeleceram, em suas respostas sobre os motivadores de abandono e permanência, alguma relação com um acompanhamento ou um estudo realizado na instituição ou no campus. Os demais relataram desconhecer qualquer estudo ou levantamento de motivadores e se manifestaram baseando-se fundamentalmente em suas vivências cotidianas na EPT.

No diálogo realizado com os 26 servidores docentes, gestores de ensino e técnicos pedagógicos sobre os motivadores do abandono, percebeu-se, também, a multiplicidade de fatores que a temática envolve, apresentando, em suas respostas, questões internas à instituição, externas à mesma e individuais dos estudantes, conforme sintetizado na Tabela 1, cujas respostas foram organizadas por categoria de sujeitos participantes.

Tabela 1
Motivadores do Abandono Escolar

Embora havendo a concordância de alguns motivadores nos discursos de todos os segmentos pesquisados, como a dificuldade de aprendizagem e em conciliar trabalho com estudos, os resultados apresentados na Tabela 1 apontam que, de forma geral, as respostas têm relação com a posição funcional dos respondentes, havendo motivadores que são mais evidenciados por alguns desses segmentos, como o fato de que os estudantes não se identificam com o curso, questão apontada com mais evidência pelos docentes, ou o que relaciona o abandono com a metodologia e didática docente, que se apresentou com mais destaque nas falas dos servidores que atuam nas coordenadorias pedagógicas. Da mesma forma, há fatores silenciados em alguns segmentos, como elementos que envolvem a relação professor e aluno que não aparece na fala dos gestores.

Entretanto, quando a questão se refere aos motivadores da permanência, as respostas evidenciam uma maior diversidade, conforme se observa na Tabela 2:

Tabela 2
Motivadores da Permanência Escolar

Da mesma forma que para o abandono, os motivadores para a permanência escolar remetem a questões externas e internas à instituição e individuais do aluno. Ressalta-se que, de maneira similar, os fatores de permanência que envolvem a prática docente, tais como metodologias de ensino, didática, relação professor-aluno, entre outras, também se apresentaram com menor destaque nas respostas dos professores participantes da pesquisa.

Os resultados apontados nas Tabelas 1 e 2 propiciaram diversas reflexões sobre os fatores que embasaram essas percepções, apresentadas em sequência.

O Ensino-Aprendizagem na EPT como Fator de Abandono ou Permanência

O processo de ensino-aprendizagem se apresenta como um fator importante para o abandonar ou o permanecer na escola. Apresentada como principal motivador de abandono, a dificuldade de aprender foi citada por 73% dos 26 participantes da pesquisa, sendo indicado por 92% dos 12 docentes, 67% dos seis gestores e 50% dos oito técnicos pedagógicos.

Presente em falas6 de docentes, técnicos pedagógicos e gestores de ensino, este motivador de abandono, em muitos momentos, foi por eles apresentado como uma questão nacional e decorrente de uma educação básica deficitária:

Docente 4 — Outras dificuldades que nós temos: a questão da formação que o aluno traz. Nós temos alunos que têm problemas, principalmente o público da noite, que tiveram, às vezes, uma base educacional um pouco fraca. Principalmente na matemática.

Gestor 3 – Eu acho que nós estamos sim com um problema muito grave na Educação Básica em nosso país […] existe essa defasagem muito, muito, muito grande.

Chama a atenção, entretanto, o fato de que a dificuldade de aprendizagem é altamente indicada como fator de abandono por todos os segmentos participantes, contrapondo-se à pouca indicação da “facilidade” de aprendizagem como motivador de permanência, que representou apenas 17% das falas dos docentes e 13% dos técnicos pedagógicos, conforme apresentada na Tabela 2.

Essas questões evidenciam a importância da aprendizagem na análise dos motivadores do abandono e permanência. Em muitos momentos, esse motivador se apresenta como um fator externo à Educação Profissional e Tecnológica, decorrente de uma Educação Básica deficitária; em outros, como um fator individual, voltando-se para uma culpabilização do estudante pelas lacunas e carências de seu percurso formativo ou suas questões cognitivas.

Ao avaliar as questões que relacionam o abandono e o fracasso escolar ao sistema capitalista, Fornari (2010) denuncia aquelas que atribuem ao indivíduo a responsabilidade por abandonar os estudos e os culpam pelo fracasso. Para a autora, é comum estudos que se fundamentam em concepções liberais conservadoras associarem o abandono e o fracasso escolar às características individuais dos sujeitos, indicando, por exemplo, questões como a de que o baixo rendimento escolar é consequência da falta de vontade particular e da família, desconsiderando, com isto, os múltiplos fatores econômicos, políticos e culturais que envolvem o sujeito em determinado contexto.

Há que se considerar que a dificuldade de aprendizagem envolve questões econômicas, sociais, culturais e políticas, e que a educação capitalista é excludente e reproduz uma sociedade desigual. Nesse contexto, a dificuldade de aprendizagem estará sempre presente em um sistema de educação desvalorizado, que não possui políticas públicas comprometidas com uma educação pública de qualidade para grande parcela da sociedade brasileira e que reforça uma dualidade estrutural, na qual o ensino para a população com maior vulnerabilidade socioeconômica apresenta inúmeros problemas, tais como a falta de investimento, a desvalorização dos trabalhadores da educação, as estruturas físicas deficientes, as salas de aula lotadas, entre outras questões.

Corroborando essa situação, dados da Plataforma Nilo Peçanha (Brasil, 2021) mostram que 78,6% (1.632 matrículas) dos estudantes do IFSC que frequentaram cursos técnicos subsequentes na área de Controle e Processos Industriais, no período noturno, em 2018 (ano de aplicação das entrevistas), possuíam renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, podendo se depreender, com esse perfil socioeconômico, que foram estudantes que, em geral, fizeram sua Educação Básica em escolas públicas que, considerando a realidade brasileira, apresentam as dificuldades descritas acima.

Para superar essa situação e as deficiências que possam ser justificativas para a culpabilização dos alunos e os conduzam ao fracasso escolar, enquanto não se supera a crônica falta de investimentos e de condições de estudo e trabalho, principalmente nos estabelecimentos públicos, tornam-se necessárias ações que propiciem a permanência dos alunos nas escolas. Nesse sentido, os resultados dos estudos de Dore, Sales e Castro (2014, p. 383) sobre os fatores que fortalecem a permanência escolar apontam para a importância de apoio acadêmico para os estudantes, tais como ações de monitoria, aulas extras e apoio psicopedagógico. Da mesma forma, as autoras anunciam a necessidade de reflexão e de aprimoramento das práticas curriculares e pedagógicas. Destacam ainda que a superação das dificuldades de aprendizagem não é tarefa exclusiva dos docentes ou da instituição de ensino, exigindo, também,

[…] formulação de políticas educacionais integradas, uma nova assistência estudantil, em que as dimensões pedagógicas superem a lógica meramente assistencialista, bem como um efetivo acompanhamento pedagógico para agir preventivamente em relação aos alunos que se encontram em situação de risco de evasão e retenção escolar

(Dore; Sales; Castro, 2014, p. 16).

Além desses motivadores externos, que interferem no processo de ensino e aprendizagem, é necessário olhar os motivadores internos, que envolvem o trabalho docente, como a metodologia, a didática e a relação professor-aluno. Nas respostas dadas às questões que abordavam esses aspectos, dos 12 docentes participantes da pesquisa, apenas 2 mencionaram que a prática docente, a metodologia e a relação professor-aluno podem ser fatores que motivariam o abandono escolar, evidenciando que os professores da EPT pouco se percebem como fazendo parte do processo de abandono ou permanência escolar, o que ensejaria uma investigação mais detalhada.

Essa percepção remete às políticas e ações de formação dos professores da EPT, que, historicamente, têm sido tratadas de forma fragmentada e individualizada, coerentes com um modelo estrutural educacional dual e individualizado. Não havendo uma licenciatura para as disciplinas de caráter técnico, seus professores são oriundos de campos profissionais diversos, mas não da Educação. A sua formação inicial como bacharéis e as vivências anteriores em outros ambientes que não o escolar, acrescidas de complementações muitas vezes com baixo conteúdo pedagógico, habilitam-nos para as disciplinas técnicas, ficando a seus cargos a responsabilidade pela busca de uma formação pedagógica mais consistente, que lhes permita melhor entender o processo educacional de seus alunos.

Nessas condições, de forma equânime, também não se pode individualizar as ações e atribuir aos docentes a responsabilidade pelo processo de abandono escolar. Em muitos momentos, eles também se sentem abandonados pela ausência de formação e de suporte institucional para auxiliá-los na compreensão do fenômeno escolar e das particularidades da Educação Profissional e Tecnológica, conforme explicitado na fala de um gestor:

Gestor 3 — Em algumas situações, a sensação de impotência que a gente tem… e alguns problemas que a gente enxerga e que às vezes a gente não tem a mínima ideia como intervir, como fazer ou ajudar, então eu tenho muitos casos de alunos, por exemplo, com algum tipo de dificuldade e eu não sei lidar com aquilo.

Essa fala evidencia os desafios enfrentados por profissionais que estão atuando na docência e aponta a necessidade e urgência de políticas de formação de professores, inicial e continuada, pois o trabalho docente é um fator importante para garantir a permanência estudantil na Educação Profissional e Tecnológica.

Conciliar Trabalho e Estudo: desafio ambíguo

Questões que envolvem o mundo do trabalho foram outros fatores de destaque ao dialogar sobre motivadores do abandono e permanência escolar. Na opinião dos participantes, um dos principais motivos do abandono por parte dos estudantes é a dificuldade em conciliar trabalho e estudo (62% do total das respostas). Esse se configura, assim, como um motivador de relevância para o abandono escolar, pois a maior parte do corpo discente dos cursos técnicos subsequentes do Eixo Tecnológico Controle e Processos Industriais é composta por trabalhadores. Alia-se a esse esforço de conciliação entre as exigências do trabalho e as do estudo as dificuldades inerentes ao fato de que esses discentes retornam aos bancos escolares, muitas vezes, depois de anos de afastamento.

Docente 9 – O subsequente é 95% trabalhador, muitos mesmos, e trabalhadores nessas condições também há dez anos, há oito anos sem estudar, sem entrar numa sala de aula, trabalhadores de todas as áreas, muitos fora da área eletromecânica e muitos dentro dessa área eletromecânica também, mas à noite, assim, pessoas, têm jovens também, mas a maior parte são trabalhadores.

Essa descrição corresponde ao perfil do estudante nesses cursos e representa, também, um desafio à docência nos Institutos Federais, pois além da heterogeneidade presente na proposta da instituição pelo seu itinerário formativo (oferta de cursos em diversos níveis), esses docentes encontram em suas salas de aula um público heterogêneo, tanto em termos de faixa etária, como em visões de mundo e vivências no mundo do trabalho, apresentando dificuldades em se incorporar à práxis escolar.

Entretanto, de maneira ambígua, o fato de os alunos serem trabalhadores se apresentou, nas falas dos servidores, tanto como motivador da permanência como de abandono. Ao mesmo tempo que a dificuldade de conciliar trabalho e estudo pode levar ao abandono escolar, as perspectivas de melhorias nas condições de trabalho decorrentes de estar estudando soam como motivador de permanência. Alguns dos docentes interpretam essa situação como se segue:

Docente 7 – A troca de turno de trabalho é muito grande, isso tem que constar no teu trabalho ‘ah! professor! fiz até metade do semestre, mas agora tenho que trocar de turno, não vou conseguir mais vir’. Ou vem aqui, chega oito horas e tem que sair às dez, aí ele diz ‘professor, estava dormindo, estava descansando, porque eu trabalhei até às seis, agora já pego às onze, às dez da noite’ (motivador do abandono).

Docente 3 – Tem aluno que o principal motivador é ele já estar contratado na empresa, ele sabe que o diploma de técnico vai fazer ele crescer lá dentro, o conhecimento técnico vai fazer ele crescer lá dentro. Alguns outros alunos, eles entendem que ele está ali aprendendo algo também, melhorando o currículo para entrar lá na disputa no mercado de trabalho (motivador da permanência).

As dificuldades em conciliar trabalho e estudo, entretanto, têm-se apresentado como grande motivador de abandono escolar tanto em pesquisas que dialogam com trabalhadores da educação, quanto com estudantes, conforme apontam estudos realizados sobre o fenômeno na Educação Profissional e Tecnológica, como os desenvolvidos por Zanin (2014; 2019), Dore, Sales e Castro (2014), Fritsch (2017), entre outros. Essas pesquisas evidenciam a dificuldade das instituições em oferecer condições que atendam às realidades dos estudantes trabalhadores, que se veem na contingência de abandonar o curso, porque não conseguem conciliar as exigências do curso com as do trabalho e precisam fazer opções. Sobre essa questão, um servidor técnico pedagógico, referindo-se ao trabalhador estudante e fazendo comparação com alunos do ensino médio integrado, assim se expressa:

Técnico Pedagógico 5 – Vejo como um público, como tenho estado mais à noite, que é um público que é realmente deixado de lado. Minha percepção parece que o foco é no ensino médio integrado […]. Sinto muito essa diferença de acolhida, de público.

Nesse sentido, faz-se fundamental discutir o que se almeja para os trabalhadores estudantes, pois há uma ausência histórica de um projeto de educação que atenda às reais necessidades dos trabalhadores, como afirmado por Frigotto (2018, p. 46), para quem

[…] a burguesia brasileira nunca colocou de fato o projeto de uma escolaridade básica e formação técnico-profissional, como direito social e subjetivo, para a maioria dos trabalhadores e para prepará-los para o trabalho complexo, que a tornasse, enquanto classe detentora do capital, com condições de concorrer com o capitalismo central.

Essa percepção é compartilhada por Fritsch, Vitelli e Rocha (2014), quando ponderam que nenhuma política tem contribuído para modificar a realidade do trabalhador. Segundo esses autores, além da ausência das políticas, em geral, as práticas pedagógicas adotadas nas instituições de ensino não levam em conta o perfil e a condição social dos estudantes, que exigem práticas educativas que considerem o seu contexto socioeconômico e cultural.

Para atender a esses sujeitos, Garcia e Lima Filho (2004, p. 30) defendem uma educação que considere o trabalho como um princípio educativo, que possibilite “[…] humanização [e] socialização para participação na vida social [juntamente com o] processo de qualificação para o trabalho, mediante a apropriação e construção de saberes e conhecimentos, de ciência e cultura, de técnicas e tecnologia”.

Evidencia-se, assim, a importância do trabalho como princípio educativo, fundamentado nos princípios da politecnia, como a possibilidade de uma educação emancipadora humana, que é, como afirma Kuenzer (2001), por essência, a melhor escolha para a classe trabalhadora por satisfazer, em parte, a sua necessidade de transformação da sociedade. Desse modo, entende-se que defender o trabalho como princípio educativo é apontar para uma Educação Profissional e Tecnológica que almeje a emancipação humana.

O Acesso e a Identificação com o Curso na Educação Profissional e Tecnológica

Outro motivador de abandono em destaque nas falas dos participantes da pesquisa, em especial dos docentes (67%), foi o fato dos estudantes não se identificarem com o curso ou área de estudo que estão frequentando.

A questão da identificação dos estudantes com os cursos assume outra perspectiva quando ela implica no abandono escolar, pois deve ser levado em conta a subjetividade do indivíduo, visto que é possível que as motivações e os interesses sofram mudanças durante um percurso formativo e, ao constatar que não se identifica com o curso, o sujeito pode partir em busca de algo que lhe atenda melhor.

Nesse sentido, duas questões chamaram a atenção nos discursos de alguns servidores. A primeira delas atribui a não identificação com o curso ao fato de ele ser gratuito, não existindo por essa razão uma valorização do estudante, que por qualquer dificuldade o abandona. A segunda refere-se ao processo de ingresso no IFSC, especialmente após a decisão institucional de selecionar os estudantes por sorteio público, o que possibilitou a entrada de estudantes que não conhecem a área do curso.

Docente 2 – Tem outro fator também, que eu acho que não tinha falado com você, que é… a gente discutiu também, porque assim como aqui não paga mensalidade, é gratuito, o aluno acha que, assim, ‘ah, eu vô vê o que que dá, se eu gostar eu fico, se não gostar, eu saio, porque não paguei nada mesmo’.

Docente 5 – Pós sorteio, a característica é que não é o curso que eles querem, ‘vim aqui ver qual é’, eles falam mesmo isso né, ‘vim ver qual é’ e não é, não é aquilo que eles desejavam.

A esse respeito, é importante reforçar que o artigo 206 da Constituição Federal (Brasil, 1988) e o artigo 3º da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB (Brasil, 1996), garantem a gratuidade do ensino público como um direito. Além de direito, a gratuidade é uma conquista social. Portanto, em uma sociedade em que se presenciam discursos de mercantilização e financiamento da educação, faz-se fundamental fortalecer e defender os Institutos Federais como instituições públicas e gratuitas.

A possibilidade de cursar uma educação profissional pública e gratuita ampliou-se com o processo de expansão e interiorização da Rede Federal, que oportunizou a democratização do acesso a diversas regiões do Brasil, aumentando, em decorrência, o número absoluto de abandono escolar, visto que, conforme ponderam Silva, Pelissari e Steimbach (2013), a expansão da educação profissional e tecnológica não se propôs a alterar sua essência estrutural excludente. Sob o discurso de “democratização”, ampliou-se o acesso ao ensino técnico em sintonia com as demandas do mercado e do desenvolvimento, sem, no entanto, problematizar questões centrais que envolvem a educação, como a adequação do currículo, as visões e anseios dos estudantes, a cultura escolar e a gestão da escola pública, aspectos que estão presentes na fala de um gestor participantes da pesquisa:

Gestor 6 – A partir do momento em que eu tenho, tinha, talvez lá um processo seletivo onde eu selecionava (entre aspas) mais alunos para virem para o ‘campus’, talvez o aluno enxergava um valor maior… […] E aí, a partir do momento que a gente ampliou a universalização do acesso à educação, a gente também trouxe o problema da sociedade para dentro da instituição. E aí eu não sei se a gente estava igualmente preparado para lidar com esse problema da sociedade.

É importante descrever que alguns servidores defenderam que o processo de ingresso por sorteio público não alterou os dados do abandono e o perfil dos estudantes nos cursos pesquisados:

Gestor 5 – Eu sou um extremo defensor dessa questão do sorteio, falo assim, dependendo das opiniões que cada um tem, quando a gente fala de processo seletivo, por que é que vou selecionar os melhores e os melhores para estudar numa instituição que foi feita para atender a um público mais carente? Um público que precisa? […]. Eu mostro, eu pego ali, eu mostro para eles. Eu pego ali as médias, eu pego ali a evasão e a retenção e eu mostro para eles que não [enfatizou] muda. Não [enfatizou] muda. Tenho todos os dados ali.

A questão da gratuidade e a forma de ingresso dos alunos no IFSC acabaram por ressaltar dois elementos que estão presentes nas falas de 58% dos docentes participantes da pesquisa, evidenciando-se a interpretação de que o aluno é um indivíduo que está pensando apenas em si mesmo e é também culpado pelo processo. Ressaltam que eles não dão valor à instituição e não têm compromisso com suas escolhas, sendo em muitos momentos imediatistas e que desistem facilmente de seus objetivos.

Conforme destacam Dore, Araújo e Mendes (2014, p. 16), o discurso de uma solução pedagógica que se apresenta por um processo seletivo mais rígido, selecionando assim “os mais capazes” e contemplando apenas os que têm mérito acadêmico, assume uma perspectiva saudosista e conservadora que responsabiliza os novos estudantes pela queda na qualidade da educação. Para os autores, é preciso construir políticas que garantam a permanência e o sucesso dos estudantes, caso contrário “[…] democratizaremos o acesso, mas não democratizaremos o conhecimento, algo imprescindível para rompermos com a cultura escolar elitista, segregadora e dualista” (Dore; Araújo; Mendes, 2014, p. 16).

A democratização do acesso, por possibilitar que estudantes com menor capital cultural e social possam ingressar nos Institutos Federais, ameaça, na visão de boa parte dos participantes, a qualidade de uma estrutura que reforça a meritocracia e tem a competitividade como referência para garantir uma educação “forte e de qualidade”, slogan evidenciado em muitos momentos para referenciar as instituições públicas federais de Educação Profissional e Tecnológica.

Apropriando-se do termo “inclusão excludente”, cunhado por Kuenzer (2005) ao realizar uma reflexão sobre o papel da escola na sua relação com o mercado, considera-se que a democratização do acesso para todos, quando não proporciona ações e reflexões sobre as formas de garantir que aqueles que acessem tenham êxito e permanência, realiza uma inclusão excludente. Ao mesmo tempo que inclui o sujeito, não olhando para sua estrutura excludente, exclui-o, culpabilizando-o, inclusive, em alguns momentos, pela sua exclusão, o que reforça ainda mais a necessidade de uma inclusão real e transformadora, que garanta a permanência dos alunos nos cursos com os quais se identifiquem.

O Direito à Permanência na Educação Profissional e Tecnológica

Como já apresentado, a permanência escolar é um direito assegurado no artigo 206 da Constituição de 1988 e ratificado no artigo 3º da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB. No entanto, para cumpri-lo, é fundamental que existam mecanismos para tal, ou seja, é preciso estabelecer ações que possibilitem condições para que os estudantes permaneçam e concluam seus estudos.

Na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, uma das principais ações de apoio à permanência escolar é a assistência estudantil, regulamentada pelo Decreto n° 7.234 (Brasil, 2010), por meio do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Esse programa consiste em ações de assistência estudantil que são executadas por instituições federais de ensino superior e também pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, devido às suas especificidades.

No IFSC, em atendimento ao PNAES, a assistência estudantil foi regulamentada pela Resolução do CEPE/IFSC nº 01, de 30 de novembro de 2010, com o objetivo, conforme artigo 2º, de “[…] garantir condições de acesso e permanência com êxito dos estudantes no percurso formativo” (IFSC, 2010, p. 1). As ações e programas da assistência estudantil regulamentadas nessa Resolução incluem o atendimento universal e atendimento aos estudantes em vulnerabilidade social.

De acordo com essa resolução, o atendimento universal da assistência estudantil é destinado a todos os estudantes matriculados no IFSC e desenvolvido por meio dos seguintes programas: Programa de Desenvolvimento Técnico-Científico; Programa de Saúde e Apoio Psicossocial; Programa de Acompanhamento Acadêmico e Suporte ao Ensino; Programa Cultura, Arte e Esporte; Programa de Incentivo à Participação Político-acadêmica; Programa de Iniciação ao Mundo do Trabalho; Programa Alimentação Estudantil; Programa de Atendimento aos Filhos dos Estudantes, e Programa Moradia Estudantil (IFSC, 2010).

O atendimento aos estudantes em vulnerabilidade social, por sua vez, é realizado pelo Programa de Atendimento aos Estudantes em Vulnerabilidade Social (PAEVS), que, de acordo com o artigo 8º da resolução, “[…] configura-se na oferta de auxílios, através de benefício financeiro, para contribuir no atendimento às necessidades dos estudantes em vulnerabilidade social, visando sua permanência e êxito acadêmico” (IFSC, 2010, p. 3).

Ao dialogar com os participantes da pesquisa sobre políticas de apoio à permanência dos alunos, 97% dos entrevistados reconheceram a contribuição dada pela assistência estudantil nesse sentido. Entretanto, embora a regulamentação do IFSC preveja programas universais, observou-se, na maioria das falas, um entendimento de que a assistência estudantil se restringe a uma ação específica voltada para o atendimento do estudante em vulnerabilidade social, o que pode ser depreendido do destaque dado ao PAEVS como um motivador da permanência dos estudantes, em detrimento dos demais programas, conforme se infere em algumas falas:

Técnico Pedagógico 5 – Muitos chegam aqui com dificuldades financeiras muito grandes, então às vezes o auxílio que ele vem buscar junto ao PAEVS, que é o programa de assistência, é o motivador para mantê-lo.

Docente 9 – O próprio PAEVS é um motivador bem grande para a permanência, com certeza. Nossa região aqui é muito pobre, então tem muitos alunos que ficam aqui porque recebem o PAEVS, com certeza.

Mesmo assim, conforme dados apresentados previamente na Tabela 2, o PAEVS não mereceu muito destaque, tendo sido evidenciado na fala de apenas 33% dos gestores, 25% do pedagógico e 8% dos docentes.

Daros (2016) critica a assistência estudantil voltada para a transferência de renda, como uma ação que reduz o caráter multidisciplinar da Assistência Estudantil, limitando-se à prática de políticas que tendem a transferir recursos financeiros aos usuários em vez de proporcionar estruturas adequadas para a prestação dos serviços sociais para todos os estudantes. Estudo realizado pela autora sobre o abandono escolar evidencia que o foco na bolsa concedida, como transferência de renda, não é suficiente para conter os principais motivadores de abandono escolar, apontados, principalmente, pela dificuldade de conciliar estudo e trabalho e por dificuldades que envolvem o processo ensino-aprendizagem, questões também indicadas por alguns dos participantes da pesquisa:

Docente 5 – A parte financeira é importante, mas eu vejo mais alunos desistindo por questão de aprendizagem do que por questões financeiras.

Como ação de apoio à permanência escolar, no decreto que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) define-se no artigo 5º, parágrafo único, inciso II (Brasil, 2010), que as instituições federais de ensino superior deverão fixar mecanismos de acompanhamento e avaliação do programa, incluindo o PAEVS. No entanto, Daros (2016) aponta a ausência de pesquisas e instrumentos sistematizados de acompanhamento e avaliação do PNAES, tanto institucionais quanto no âmbito da SETEC/MEC, percepção compartilhada por alguns gestores, que apontaram a inexistência de uma avaliação sistematizada do PNAES na instituição, assim como de outras ações de apoio à permanência.

Gestor 3 – [Sobre o PNAES] Não conheço nenhum trabalho formal que tenha sido feito. Inclusive isso é algo de questionamento de auditoria já que nós tivemos, que a gente precisa, mas isso é como IFSC, porque o IFSC, pelo menos na auditoria, aponta que IFSC não tem estudos realizados. Precisa fazer um estudo melhor de como isso está impactando.

Saliente-se que, em relatório relativo à avaliação do PAEVS em 2016 (IFSC, 2016), não havia uma avaliação sobre a efetividade do programa para a permanência dos estudantes. O relatório evidenciou que a política de assistência estudantil tem um espaço de destaque na instituição ao dialogar sobre o direito à permanência escolar, no entanto, apontou desafios na institucionalização dos programas universais e nas avaliações da assistência estudantil.

Não se pode deixar de sinalizar, entretanto, a importância do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) como um avanço em relação à luta por políticas públicas voltadas para o apoio à permanência escolar. Em especial, na conjuntura política atual, intensificada pelos cortes na educação, o debate sobre a importância desse programa e fortalecimento para sua transformação em uma política pública se tornou fundamental ao se pretender uma Educação Profissional pública e de qualidade.

Além do PAEVS, outras ações desenvolvidas visando apoiar a permanência escolar foram indicadas pelos participantes da pesquisa. Entre elas eles destacaram o acolhimento aos estudantes; a monitoria; a redução da carga horária semanal do curso, deixando alguns tempos livres para que o estudante trabalhador tenha uma noite ou um horário para se dedicar a outras atividades como, por exemplo, estudo na biblioteca; atendimentos extraclasse ofertados pelos docentes para que realizem trabalhos ou atividades em laboratórios; a oferta de disciplinas voltadas para trabalhar a matemática básica e/ou aulas de nivelamentos; a modificação do Projeto Pedagógico do Curso (PPC), almejando incluir na carga horária mais disciplinas práticas; a realização de oficinas de hábitos de estudo; a realização de ambientação e recepção dos alunos ingressantes; o professor regente de turma, e as ações de busca e contato com os estudantes que desistiram de seus cursos.

Nos diálogos sobre as ações, notou-se, entretanto, a ausência de uma proposta institucional voltada para o fortalecimento e acompanhamento de ações de apoio à permanência, sendo as mesmas organizadas de forma individual ou local, muitas vezes, focadas em cursos ou apenas em determinados campi.

Observou-se, também, a ausência de um diálogo entre os campi sobre as ações que deveriam ser executadas como demonstração de um olhar total da instituição, ou seja, os relatos dos servidores evidenciaram ações pontuais e muitas vezes descontínuas e sem acompanhamento de alguns cursos ou campi:

Gestor 4 – Aluno que se integra à pesquisa tem menos chance de se evadir? Hipótese: sim. Esse sim é em cima da nossa experiência, certo? […] Ainda é algo só de percepção, mas precisamos de acompanhamento, registro e para cada intervenção dessas deveria ter um acompanhamento para gente justamente saber se dá certo ou não dá certo.

A ausência de avaliação dificulta interpretar os reais motivadores do abandono e pode até contribuir para fortalecer a crença de que é impossível modificar o abandono escolar e reproduzir questões que naturalizem o abandono, como, por exemplo, que isso é natural nos cursos de exatas.

É importante destacar que todas as ações citadas pelos entrevistados evidenciam preocupação institucional ou de servidores no sentido de possibilitar a permanência escolar. No entanto, não se pode deixar de evidenciar que essas ações, em muitos momentos, voltavam-se para uma responsabilização do estudante, isto é, era o estudante quem precisava utilizar os espaços ofertados, buscar a monitoria, desenvolver um hábito de estudos, não evidenciando, assim, um repensar da estrutura escolar. Isso não significa que as ações ofertadas não são importantes, ao contrário, demonstram interesse e preocupação institucional, mas evidenciam a necessidade de se refletir sobre a estrutura escolar.

Considerações Finais

Olhar para o abandono escolar vivenciado pelos alunos da Educação Profissional e Tecnológica implica, conforme apontado por Fritsch (2017), visualizar as mazelas produzidas por um projeto de sociedade excludente e fundamentado em princípios capitalistas, como a meritocracia, a individualização, a educação mercadológica, a dualidade estrutural.

Os trabalhadores da educação, de maneira geral, apoiados em suas experiências e vivências, veem os motivadores do abandonar ou permanecer como sendo gerados por questões de caráter individual, provocados pelos próprios estudantes, ou resultantes de processos externos à instituição de ensino na qual desenvolvem suas atividades de docência, gestão ou acompanhamento pedagógico.

Em que pese a preocupação sobre a temática, manifesta pelos servidores, as ações de apoio à permanência citadas se apresentaram fragmentadas, descontínuas e fortaleceram a individualização e culpabilização de seus sujeitos, deixando transparecer a ausência de fatores voltados para modificar algumas das estruturas da Educação Profissional e Tecnológica. Corroborando essa percepção, os entrevistados não explicitaram preocupação com outras questões para a permanência ou o abandono, tais como as práticas pedagógicas, a reestruturação curricular, as necessidades de seus sujeitos, a cultura escolar, a gestão pública escolar, a formação continuada dos trabalhadores, dentre outras, que poderiam influir na estrutura da EPT, e que são centrais num processo educativo.

Há que se considerar, entretanto, que essa é uma construção histórica e não se almeja culpabilizar os trabalhadores pelo fortalecimento de perspectivas excludentes. Os dados apenas reforçam o quanto o domínio dessas questões é velado e intrínseco no cotidiano, estando, muitas vezes, o próprio trabalhador reproduzindo-a em seu discurso sem sua consciência, seja por decorrência de sua formação, ou mesmo pela reprodução do que o constituiu histórica e socialmente.

Reforçam também a necessidade de se consolidar uma política de formação dos trabalhadores da educação profissional comprometida com a educação emancipadora humana, e a importância de se realizar um acompanhamento e análise dos índices e dos motivadores do abandono e permanência dos estudantes, para que seja possível a elaboração e avaliação das ações e políticas de apoio à permanência escolar.

Nesse sentido, há enormes desafios sociais e educacionais que precisam ser enfrentados para romper com a lógica reprodutora liberal e garantir os direitos das pessoas, entre eles a permanência escolar. Direito esse que é negado quando não se discute o abandono e a permanência escolar e se naturalizam essas questões no cotidiano da escola.

Notas

  • 1
    Este artigo tomou como base a tese de doutorado intitulada Abandono e permanência escolar na Educação Profissional e Tecnológica: olhares de trabalhadores da educação do Instituto Federal de Santa Catarina (Zanin, 2019), defendida em novembro de 2019 no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). O texto foi devidamente adaptado para a composição do presente artigo.
  • 2
    Nessa pesquisa, utiliza-se o termo abandono escolar ao invés de exclusão ou evasão escolar, pois considera-se que ele melhor representa a relação estabelecida entre os diversos fatores que envolvem o estudante e a escola, decorrentes de processos sociais, econômicos e culturais, visto que o estudante pode abandonar ou ser abandonado. Ressalva-se, no entanto, que no texto poderão ser encontradas outras denominações quando emitidas pelos autores tomados como referência.
  • 3
    O índice de eficiência acadêmica é a capacidade de uma instituição atingir os resultados previstos em termos de estudantes certificados, ou com potencial de certificação, em relação à quantidade total de matrículas considerando um determinado ciclo de matrículas. Para o cálculo de “evasão no ciclo”, entretanto, são considerados apenas os alunos que perderam o vínculo com a instituição antes da conclusão do curso, considerando apenas as matrículas vinculadas a ciclos de matrícula com término previsto para o ano anterior ao ano de referência (Moraes et al., 2018).
  • 4
    A Plataforma Nilo Peçanha, instituída pela Portaria nº 01 do Ministério da Educação (Brasil, 2018), é um ambiente virtual de coleta, validação e disseminação das estatísticas oficiais da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Nessa plataforma, são encontrados dados a partir do ano base de 2017.
  • 5
    Os Grupos de Permanência e êxito são grupos de trabalho (GT) que têm por objetivo estudar e organizar estratégias de acompanhamento e superação do abandono escolar.
  • 6
    Nos depoimentos, procurou-se respeitar a manifestação oral de cada um dos participantes, fazendo, entretanto, um trabalho de textualização visando minimizar eventuais erros de concordância e semântica.

Disponibilidade dos dados da pesquisa

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

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Editado por

  • Editor responsável: Luís Henrique Sacchi dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2022
  • Aceito
    23 Jan 2023
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