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Paradigmas, percepções e práticas em saúde mental: um estudo de caso à luz de Bakhtin

RESUMO

Este artigo propõe pensar sobre as vicissitudes do cuidado na rede pública de atenção psicossocial e sobre a fundamentação de uma perspectiva ético-dialógica de trabalho a partir de contribuições bakhtinianas. A reflexão se entretece na análise de impasses e possibilidades para a práxis em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da Região Metropolitana I do Estado do Rio de Janeiro. O estudo é resultado da pesquisa de mestrado vinculada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os profissionais e observação participante no cotidiano da instituição. A partir das análises realizadas sob o prisma do Construcionismo Social e do recurso de análise de práticas discursivas e produção de sentidos, verificamos a presença de posicionamentos contraditórios expressos em percepções que se mostraram ao mesmo tempo consonantes e conflitantes com pressupostos ético-dialógicos.

PALAVRAS-CHAVE:
Saúde mental; Sofrimento psíquico; Dialogismo; Cuidado; Ética

ABSTRACT

This paper proposes to think about the vicissitudes of care in the public psychosocial care network and about the fundamentals of an ethical-dialogical perspective of work with grounds in the Bakhtinian contributions. The reflection is interwoven in the analysis of the impasses and possibilities for the praxis in one Centro de Atenção Psicossocial - [Psychosocial Care Center - PCC] in the metropolitan area of the State of Rio de Janeiro, Brazil. The study is the result of a Master’s Degree research, linked to the Public Health Postgraduate Program of the Sergio Arouca National Public Health School of the Oswaldo Cruz Foundation. Semi-structured interviews and participant observation were carried out with professionals during the institutional routine. From the analyses performed under the perspective of Social Constructionism and using the resource of analysis of discursive practices and meaning production, we verified the presence of contradicting positions expressed in perceptions that are both aligned and conflicting with dialogical ethics assumptions.

KEYWORDS:
Mental health; Psychic suffering; Dialogism; Care; Ethics

Olhares como produtores de saberes e fazeres

Sob a análise da maneira como o sujeito em sofrimento mental é percebido no meio social ao longo do espaço-tempo, descortina-se a produção de uma trama discursiva que culmina no surgimento do estigma da loucura e exclusão social daqueles classificados nessa categoria (FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica. Tradução José Teixeira Coelho Neto. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009 [1961].). Nesse sentido, a loucura se revela como uma posição socialmente construída por intermédio de discursos, isto é: uma realidade elaborada socialmente por meio do compartilhamento de uma percepção específica, de um discurso sobre ela (PORTER, 1991PORTER, R. Uma história social da loucura. Tradução Angela Melim. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.; GOFFMAN, 1975GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1975 [1963].; 2012GOFFMAN, E. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva. Petrópolis: Vozes, 2012(1967).). Então, nessa ótica, os discursos não seriam somente conjuntos de signos, mas “[...] práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1969]., p.55), realizam-se na relação e podem ser apreendidos na observância de sua essência histórica e cultural (BAKHTIN, 2006BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.).

Os modelos históricos de compreensão e tratamento da loucura corroboram essa assertiva introdutória e, entre eles, há um exemplar, que permanece operante há mais de dois séculos, produzindo práticas concretas que norteiam relações silenciadoras e estigmatizantes com os sujeitos em sofrimento mental. Trata-se do paradigma manicomial - padrão de atenção ao sofrimento psíquico forjado pela psiquiatria clássica no final do século XVIII e ainda hegemônico no contexto brasileiro.

Tradicionalmente, o paradigma manicomial se caracteriza por uma organização hospitalocêntrica, na qual a internação é indispensável, ocorre de forma compulsória e o saber psiquiátrico é exclusivo na condução do tratamento. Subjugada a esta lógica, a loucura foi alvo de uma terapêutica ineficaz que acarretou o isolamento dos sujeitos em condições marcadas por relações objetivadas, desrespeito à humanidade e violência; em tais circunstâncias, o desfecho comum era o agravamento das condições gerais de saúde ou o óbito (AMARANTE, 2011AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. 2. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.).

A década de 1980 demarca o momento em que são exigidas mudanças com vistas à reformulação da assistência em saúde mental. A partir daí, o modelo psiquiátrico tradicional é veementemente questionado e os manicômios são rejeitados como lugar de tratamento, pois se aclara a percepção de que tais locais reforçam o modo estigmatizante, segregador e silenciador de relação com a diferença subjetiva (AMARANTE, 2009AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica pelo Brasil. 2. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.). Dessa forma, teve início o processo de Reforma Psiquiátrica1 1 Amarante (2009) define Reforma Psiquiátrica como um processo histórico de formulação crítica e prática que objetiva questionar os saberes e as instituições psiquiátricas e elaborar propostas de transformação do modelo clássico hegemônico (o modelo psiquiátrico tradicional, ou manicomial) de atenção à saúde mental. , com ampla participação social e articulado a lutas militantes, como o Movimento da Luta Antimanicomial (MLAM) e aquelas relativas à conquista da saúde como direito constitucional e em prol da redemocratização do país. As novas propostas para a assistência em saúde mental deram origem a um modelo de base psicossocial que orienta as atuais práticas sob a lógica do cuidado promotor de saúde e transformador da percepção social do sofrimento psíquico. Nesse intento, muitos direcionamentos2 2 Destacamos aqui os principais direcionamentos: i) Extinção gradativa dos manicômios; ii) Organização de uma rede de cuidados aberta, composta por diferentes dispositivos não manicomiais de atendimento; iii) Desinstitucionalização dos sujeitos cronicamente asilados e articulação do retorno destes para a vida em sociedade; iv) Composição de equipes multidisciplinares de trabalho; v) Uso de diferentes recursos terapêuticos, menos invasivos possíveis; vi) Oferta de múltiplos formatos de atividades e realização de alianças no território para garantia de maior inserção social dos sujeitos em tratamento; e vii) Tratamento humano e respeitoso orientado a promover a ressocialização do sujeito (BRASIL, 2001). foram pautados à época, e gradualmente implementados até o momento atual.

A sintética incursão histórica suprarrealizada teve o intuito de situar e introduzir a discussão sobre aquilo que identificamos como o nascedouro de um impasse na atualidade: a coexistência de dois padrões de assistência diversos, regidos por lógicas opostas; dois modos divergentes de compreender o processo saúde-enfermidade-cuidado. Isso implica dizer que há um choque entre paradigmas no campo da saúde mental, entre o paradigma manicomial (modelo assistencial tencionado pela psiquiatria tradicional) e o paradigma psicossocial (novo modelo de cuidado que surge a partir do processo de Reforma Psiquiátrica). Falaremos sobre as características desses modelos, sobre os impasses que se desdobram da coexistência deles no campo do cuidado e sobre as possibilidades de potencializar o modelo psicossocial com base nos aportes de Mikhail Bakthin. Refletiremos a respeito dessas questões na análise de um caso.

1 O paradigma manicomial

O termo paradigma é comumente usado para significar modelo, regra ou padrão a ser seguido. Destarte, as realidades são interpretadas a partir do paradigma assumido, que funciona como guia para as escolhas, modos de ver, produção de sentidos, saberes e práticas em geral. Um paradigma pode ser entendido como um modelo que possibilita conformar percepções por comparação (CAPURRO, 2003CAPURRO, R. Epistemologia e ciência da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (ENANCIB), 5., 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação, 2003. p.20.). Assim, conforme a história denuncia, a psiquiatria alcançou reconhecimento como primeira especialidade médica ao desenvolver um novo saber sobre a loucura e um modelo de tratamento que estabelece a compreensão do psíquico por comparação com o biológico. Dito de outro modo, o paradigma psiquiátrico orienta a percepção da loucura de acordo com a lógica e valores da ciência médica. Desse modo, o trabalho, na qualidade de trabalho médico, se baseia em aplicar o conhecimento aprendido em formação, sendo a atuação do profissional apoiada na base técnica previamente adquirida para observar, pesquisar, identificar e diagnosticar a doença (PERRUSI, 1995PERRUSI, A. Imagens da loucura: representação social da doença mental na psiquiatria. São Paulo: Cortez, 1995., p112).

Tal viés aparece com clareza na obra inaugural da ciência psiquiátrica: o Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania (2007 [1800]); nesse livro bicentenário, o médico francês Phillipe Pinel propõe uma metodologia baseada na internação dos sujeitos em asilos exclusivos para estudo minucioso, catalogação e descrição das manifestações da loucura (os sintomas). É elucidativo observar que Pinel era integrante do grupo chamado “Os Ideólogos”, grupo empenhado na busca de fundamentos científicos para os fenômenos que estudava a partir do modelo da História Natural (AMARANTE, 2008AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. 3. reimp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008., p.39). Nessa racionalidade, as doenças são algo natural, espécies formadas por sintomas, que requerem explicação e classificação para serem distinguidas entre outros tipos de doenças (MACHADO, 2006MACHADO, R. Foucault, a ciência e o saber. Rio de Janeiro: Zahar, 2006., p.65). Assim, com base no paradigma da História Natural, a loucura foi reificada como doença mental.

Na norma psiquiátrica, a doença mental consiste em um conjunto de sintomas não somente entendidos como signos da enfermidade, mas representativos dela. É um modelo de clínica que circunscreve a doença (representada por conjuntos de sintomas) como objeto de estudo e intervenção. Para ilustrar esse fato, Franco e Franca Basaglia usam um aforismo bastante apropositado: eles assinalam que a psiquiatria põe o sujeito entre parênteses para se ocupar da doença (AMARANTE, 2003AMARANTE, P. A (clínica) e a reforma psiquiátrica. In: AMARANTE, P. (org.). Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: NAU, 2003. p.45-65., p.57). O ato de “parentesear” o sujeito prejudica a prestação de um cuidado integral, porque no interior dos parênteses ficarão outras dimensões da vida implicadas no sofrimento mental, levando à condução de uma atenção parcial, com foco estritamente técnico-biológico.

Tomemos a entrevista psiquiátrica como exemplo para essa assertiva. Podemos defini-la como “[...] um evento comunicativo em que o paciente ‘descreve’ sintomas e o médico os analisa e prescreve o melhor tratamento” (PEREIRA, 2010PEREIRA, T. C. Roteiros da entrevista clínico-psiquiátrica: diretrizes teórico-metodológicas: “a rotina estabelecida pela tradição e pelos costumes”. Linguagem em (Dis)curso. Palhoça, v. 10, n. 3, 2010. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/. Acesso em: 18 mar. 2019.
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, p.685). Nessa definição, vemos que o principal objetivo é o diagnóstico, realizado em um processo de pesquisa da fala do sujeito para equiparar elementos daí captados com sintomas catalogados em um quadro de classes de doenças mentais. Nesse caso, podemos dizer que a escuta prestada é do tipo seletiva, uma vez que se ouve dos relatos aquilo que possibilita a classificação nosográfica (NOVAES, 2000NOVAES, M. Os discursos paralelos nas entrevistas psiquiátricas: a violação do princípio de cooperação entre médico e paciente. Revista do GELNE. Natal, v. 02, n. 02, 2000. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/gelne/article/view/9327/6681. Acesso em: 18 out. 2019.
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, p.03). Esse posicionamento contraditório de “escuta seletiva” tende a se reproduzir para além do dispositivo de entrevista psiquiátrica, nos padrões de assistência da equipe multiprofissional.

A compreensão da loucura como um distúrbio orgânico é uma realidade produzida pelo paradigma psiquiátrico tradicional, cuja atividade por mais de dois séculos levou à naturalização de percepções do sofrimento mental resistentes à ressignificação3 3 O discurso da disciplina alienista incorporou rótulos estigmatizantes para classificar o louco; signos como o da anormalidade, periculosidade, degeneração, inadequação social, estranheza, desrazão, desvio moral, dentre outras negativações aceitas historicamente pelo corpo social, foram reavivados por uma leitura científica que os reapresentou como sintomas da doença mental. . Assim, a história da medicina mental expõe a construção de modos de relação com a loucura mediados por signos de negatividade: os sintomas. Amarante (2008)AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. 3. reimp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. resume a questão: “A conduta das pessoas para com o louco passa a ser aquela mesma que a psiquiatria produz e adota” (AMARANTE, 2008AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. 3. reimp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008., p.82).

A análise dos fundamentos do paradigma psiquiátrico é importante para compreender a persistência de um grande impasse na atenção à saúde mental hoje: a priorização da terapêutica medicamentosa. Podemos ver essa questão como desdobramento de entender as expressões do sofrimento psíquico como sintomas de uma patologia, que devem ser suprimidos por meio de psicofármacos. Daí advém a visão social do medicamento como solução para o sofrimento mental.

Essa lógica vem fomentando o fenômeno da Medicalização, termo que alude ao processo por meio do qual o saber biomédico se apropria de problemas externos ao seu campo disciplinar, os interpreta como doença e lhes confere tratamento médico. Nesse sentido, medicalizar4 4 É importante ressaltar a diferença entre medicar e medicalizar. No ato de medicar, o tratamento médico incide sobre uma doença e, portanto, é apropriado. Em contraposição, no ato de medicalizar, o tratamento médico incide sobre o que não é doença, sendo impróprio nesse caso. remete à tradução literal da palavra, ou seja, “tornar médico” (CONRAD, 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007., p.161). Freitas e Amarante (2015)FREITAS, F.; AMARANTE, P. Medicalização em psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015. esclarecem que o fenômeno da medicalização remete a diferentes sentidos, cujo ponto comum é fazer referência à ação de “[...] transformar experiências indesejáveis ou perturbadoras em objetos da saúde, permitindo a transposição do que originalmente é da ordem do social, moral ou político para os domínios da ordem médica e práticas afins” (FREITAS e AMARANTE, 2015FREITAS, F.; AMARANTE, P. Medicalização em psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015., p.14). A medicalização do sofrimento psíquico se tornou um problema de maior gravidade desde a invenção dos medicamentos neurolépticos nos anos de 1950. Essa novidade ensejou alianças entre a indústria farmacêutica e a psiquiatria, levando ao aumento da credibilidade dessa especialidade e à promoção da crença no progresso científico do tratamento das “doenças mentais”, até então consideradas incuráveis. Desse momento em diante se fortaleceu a ideia de que a cura do sofrimento psíquico é possível via terapêutica medicamentosa (FREITAS e AMARANTE, 2015FREITAS, F.; AMARANTE, P. Medicalização em psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015., p.18).

Embora seja notório o fato dos psicofármacos não curarem, eles atraem pelo seu efeito silenciador, normalizador de condutas e comportamentos que geram incômodo social. A ação dessas drogas relativa à inibição de emoções, pensamentos, sensações e motricidade leva o sujeito a ter dificuldades para falar, para compartilhar em diálogo as suas histórias e significações de vida. Quando os psiquiatras franceses Jean Delay e Pierre Deniker lançaram os medicamentos neurolépticos em 1952, alardearam que eles devolveriam a fala do louco (ROUDINESCO, 2000ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000., p.22). Na realidade, vê-se um resultado oposto àquele prometido.

2 O paradigma psicossocial

O atual modelo de assistência em saúde mental é fruto de esforços e lutas militantes para romper com a lógica manicomial. A Política Nacional de Saúde Mental retrata o engajamento em prol da consolidação de um novo paradigma de cuidado à pessoa em sofrimento mental. Nessa perspectiva, trabalha-se pela implementação de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) aberta e de base comunitária, bem como pela composição de equipes multidisciplinares que devem orientar suas práticas no sentido de combater o estigma da loucura, reconhecer os determinantes sociais da saúde, cooperar para a recuperação da dignidade do sujeito e para sua inserção na sociedade. A RAPS é integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e composta por diferentes dispositivos de atenção5 5 Dentre os dispositivos que compõem a RAPS estão os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura (CECOs), os leitos de atenção integral em hospitais gerais e nos CAPS III, as cooperativas e empresas sociais e as Unidades de Acolhimento (UAs). substitutivos ao manicômio (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, v. 23, 2011.).

No modelo de atenção psicossocial, busca-se instituir uma rede intersetorial para melhor atender às necessidades do sujeito em tratamento, com atenção às demandas psicossociais e de direitos humanos. Busca-se agregar recursos do território ao tratamento por meio da interlocução e criação de alianças no âmbito educacional, comunitário, laboral, familiar, dentre outros possíveis. Isso é importante para propiciar uma atenção consonante com o princípio da integralidade, constituindo-se em meio estratégico para combater o velho paradigma que silencia, isola e desacredita a loucura.

Decerto, o novo paradigma de cuidado exibe grande potência inovadora e transformadora, uma vez que suas diretrizes se aplicam a promover posicionamentos opostos àqueles observados no modelo que intenta substituir. No entanto, na contramão dos novos padrões técnico-assistenciais, prevalece o problema da medicalização - prática silenciadora, denunciante da dificuldade de abertura para a relação com o outro do cuidado. Paradoxalmente, o sujeito que sofre a dor psíquica não encontra um espaço de diálogo no local que existe para acolhê-lo e trabalhar a partir de sua fala. Psicofármacos, ou outras maneiras de “fazer calar”, são administrados em situações nas quais seria possível e desejável lançar mão de terapêuticas dialógicas.

Essa situação nos convoca a direcionar o olhar analítico para aquilo que concerne a negativas de diálogo: problemas na dimensão relacional do processo de cuidado. Enfocar os aspectos relacionais é crucial para que a discussão sobre as barreiras na produção de cuidado vá além da consideração de questões estruturais, organizacionais e biológicas, nas quais as análises se detêm costumeiramente.

Com efeito, muitos estudos vêm demonstrando que os principais dilemas e conflitos no campo da atenção psicossocial se desdobram da dimensão relacional. Nesse sentido, a investigação de alguns contextos aponta como principal revés que os modos de perceber dos profissionais se apresentam sintonizados com a lógica manicomial, conformando práticas incompatíveis com os novos padrões de cuidado (KODA, 2002KODA, M. Y. Da negação do manicômio à construção de um modelo substituto em saúde mental: o discurso de usuários e trabalhadores de um núcleo de atenção psicossocial. 2002. 186 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.; SILVEIRA; VIEIRA, 2005SILVEIRA, D. P.; VIEIRA, A. L. S. Reflexões sobre a ética do cuidado em saúde: desafios para a atenção psicossocial no Brasil. Estudos e pesquisa em psicologia. Rio de Janeiro, v. 05, n. 01, 2005. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/index. Acesso em: 26 abr. 2019.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
; GUEDES et al., 2010GUEDES, A. C.; KANTORSKI, L. P.; PEREIRA, P. M.; CLASEN, B. N.; LANGE, C.; MUNIZ, R. M. A mudança nas práticas em saúde mental e a desinstitucionalização: uma revisão integrativa. Revista Eletrônica de Enfermagem. Goiás, v. 12, n. 3, 2010, Disponível em: https://www.fen.ufg.br. Acesso em: 15 mar. 2019.
https://www.fen.ufg.br...
; NUNES et al., 2016NUNES, J. M. S.; GUIMARAES, J. M. X.; SAMPAIO, J. J. C. A produção do cuidado em saúde mental: avanços e desafios à implantação do modelo de atenção psicossocial territorial. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p.1213-1232, 2016.). Em vista disso, é importante que reflitamos sobre a maneira como, nas relações, os processos dialógicos podem contribuir para superar o desafio de transformar as percepções e práticas no campo da saúde mental.

3 Contribuições bakhtinianas para uma ética dialógica

Qual a importância dos processos dialógicos para a produção de cuidado na atenção psicossocial? Para pensar sobre essa questão, precisamos conduzir a palavra diálogo para o centro da análise - pois, embora seja semanticamente rica, seu emprego geralmente se faz de forma esvaziada e alegórica. Mas é preciso destacar que “[...] uma palavra que se impõe é, muitas vezes, todo um mundo de relações que ela revela; [...]. Quando uma palavra perde o vigor, é uma ideia que perde a vida” (NOVAES, 2009NOVAES, A. Entre vícios e virtudes. In: NOVAES, A. (org.). Vida, vício, virtude. São Paulo: Editora Senac São Paulo; Edições SESC SP, 2009., p.13). Diante disso, é profícuo resgatar a palavra diálogo, realçar o seu sentido, o seu valor epistemológico e ético e sua contribuição para pensar questões relativas ao cuidado em saúde mental.

O termo diálogo é originário do grego diálogos, constituído por duas partículas justapostas: a preposição dia, que significa “por meio de” e o nome logos, geralmente traduzido como “palavra”. Diálogo, então, é o equivalente semântico da expressão “por meio da palavra”. Do ponto de vista etimológico, a palavra é condição para o diálogo e, dentro dessa lógica, podemos compreender o diálogo como uma experiência que liga os sujeitos e cria possibilidades para compartilhar sentidos por intermédio da palavra (BRAIT; MAGALHÃES, 2014BRAIT, B.; MAGALHÃES, A. S. Uma palavra sobre dialogismo. In: BRAIT, B.; MAGALHÃES, A. S. (orgs.). Dialogismo: teoria e(m) prática. São Paulo: Terracota, 2014. p.13-15.). Novaes (2009)NOVAES, A. Entre vícios e virtudes. In: NOVAES, A. (org.). Vida, vício, virtude. São Paulo: Editora Senac São Paulo; Edições SESC SP, 2009. situa o diálogo como propiciador de pontes de entendimento para construção conjunta de sentidos. Assim, o diálogo não seria apenas um gênero discursivo; teria valoração ética em qualquer atividade humana. Para o autor, a crescente dificuldade em dialogar constitui uma “tragédia contemporânea” presente nas diferentes manifestações de intolerância à diferença.

Mikhail Bakhtin figura entre os mais importantes teóricos do diálogo. Para ele, a vida tem uma essência irremediavelmente dialógica e, especialmente por isso, a interação humana mediada pela fala é uma das principais temáticas que investiga. O filósofo russo caracteriza o diálogo como a maneira mais básica e importante de comunicação, um gênero de discurso primário que se produz na relação imediata entre os sujeitos (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306.). Ele afirma que “[...] pode-se compreender a palavra diálogo num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006., p.125). Ele também explica o termo como uma maneira de reagir à palavra alheia com outra palavra (MACHADO, 2014MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2014. p.151-166.).

Bakhtin revitalizou a palavra diálogo com base em um conceito proposto a partir dela: o dialogismo. Apesar de aparentar ser um caso de sinonímia, conforme sugere uma primeira leitura, o dialogismo se refere aos eventos inter-relacionais como base da existência humana. O conceito alude à abertura para a relação, expressa no empenho em compreender as significações do outro, tendo em vista que “[...] em certa medida, a compreensão é sempre dialógica” (BAKHTIN, 2011bBAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011b. p.307-334., p.316). Desse modo, a relação dialógica é apresentada como um modo singular de relação fundada no sentido, que acontece a partir da troca de enunciados entre os sujeitos do discurso.

Segundo Brait e Melo (2014)BRAIT, B.; MELO, R. Enunciado / enunciado concreto / enunciação. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5.ed. 2. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. p.61-78., a noção de enunciado está no centro dos estudos bakhtinianos e permite refletir sobre as dimensões histórica, cultural e social da linguagem. A fala é articulada por meio do enunciado, que consiste na menor unidade do discurso; a expressão dos pensamentos e sentimentos humanos e sua tradução em palavras acontece por meio de enunciados (ou enunciações). Assim, “[...] a língua passa a integrar a vida a partir de enunciados (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306., p.265).

Sumariamente, um enunciado é uma expressão particular sustentada por uma estrutura trina: tema, estilo de linguagem e construção composicional6 6 Para mais informações sobre os elementos que compõem o enunciado, ler Brait e Melo (2014). , que se vincula a certo domínio de atividade humana e do emprego da língua. Segundo Bakhtin assinala, em cada domínio há um repertório de enunciados específico - ou gêneros do discurso. Ele não faz diferenciação entre gêneros orais e escritos, porém os categoriza em gêneros do discurso primários7 7 Os gêneros do discurso primários são diálogos marcados por maior simplicidade, imediatismo e informalidade; um exemplo são as conversas do dia a dia. e secundários8 8 Os gêneros do discurso secundários são comunicações de maior complexidade. São como gêneros primários reelaborados, mais institucionalizados, estabilizados e, geralmente, estão na forma escrita (como os romances, dramas, pesquisas científicas, teatro, etc.). Como exemplos de gêneros do discurso são citados o gênero artístico, o científico, o diálogo cotidiano, o oficial, o literário, o técnico, os retóricos, o sociopolítico, os publicísticos entre outros (MARCHEZAN, 2014; BAKHTIN, 2016). e assinala que os gêneros possuem caráter essencialmente social, dialógico e ideológico (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra; notas da edição russa de Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.).

Então, as situações comunicativas se processam por meio de enunciados, unidades reais do discurso, que podem ser de natureza falada ou escrita e integram um gênero do discurso (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306.). Adquirimos os gêneros do discurso de forma semelhante àquela que conduz ao desenvolvimento da língua materna - a saber, por meio de enunciados concretos transmitidos nas comunicações cotidianas, e não em dicionários ou gramáticas. Conforme Machado (2014)MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2014. p.151-166. pontua, a experiência comunicativa humana se desdobra do ato de se apropriar criativamente da palavra do outro.

Em contraponto à oração (unidade da língua que está sob a regência de regras da gramática e exprime pensamentos acabados), cada enunciado se constitui como um dos elos de uma corrente de enunciados. A partir desse entendimento, podemos dizer que nas situações de interação espera-se atitude recíproca por parte dos envolvidos; espera-se que o outro participe ativamente, concordando, discordando, apresentando complementos, contestando, ou respondendo de alguma outra forma. Isso remete ao princípio de alternância, que é o demarcador dos limites do enunciado. Implica dizer que, no ato comunicativo, os sujeitos do discurso devem se revezar no uso da palavra: “O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar a sua compreensão ativamente responsiva” (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306., p.275).

Compreensão responsiva, na ótica bakhtiniana, significa pensar os sujeitos não como simples emissores e receptores de mensagens (falante e ouvintes), mas o oposto disso: “toda a compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva [...]; toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante” (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306., p.271).

Nesse ponto, ressaltamos que o desfecho do processo identitário é tributário da experiência de alteridade. Por isso, “A identidade do sujeito se processa por meio da linguagem, na relação com a alteridade” (MACHADO, 2014MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2014. p.151-166., p.123). É lógico pensar que as experiências relacionais podem contribuir tanto para construção quanto para desconstrução de identidades. Isso posto, e considerando a visão bakhtiniana de que o fundamento da existência humana é a relação dialógica, ou seja, o homem é um ser dialogal, podemos concluir que a privação dessa vivência acarreta sofrimento. Se for assim, precisamos questionar o porquê da possibilidade de troca dialógica ser subtraída de alguns sujeitos, especialmente em contextos que propõem produzir cuidado. Colocamos essa questão, pois historicamente o sujeito considerado louco sofre silenciamento9 9 O exemplo está na escolha da medicação como principal recurso para tratar o sofrimento mental, prática que ocorre no interior de um modelo de cuidado que se pretende dialógico, mas se concretiza de forma monológica, pois abdica de abrir possibilidades de fala e reconhecê-la como elemento relevante no processo de cuidado - em geral, pela precipitação em julgar aquilo que nos enunciados é significado exclusivamente como um sintoma psicótico. nas relações estabelecidas com ele, inclusive na relação terapêutica.

A filosofia dialógica bakhtiniana nos fornece elementos para discutir mais sensivelmente os impasses do campo, pois aborda amplamente as vicissitudes da relação inter-humana e a importância do desenvolvimento de posicionamentos responsivos/compreensivos. As palavras, por essência, querem escuta, desejam e intentam a compreensão e detestam a irresponsividade (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra; notas da edição russa de Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.105). Nessa direção, se considerarmos que a postura ética é sempre atinente ao outro, e se levarmos em conta que o homem é um ser-para-o-diálogo, a noção de compreensão responsiva será elevada a posicionamento ético indispensável em todas as relações, inclusive nas relações de cuidado.

Somente em uma relação dialógica acontece a abertura para acolhimento e respeito das significações do outro, ainda que tais significações sejam de difícil apreensão10 10 Em muitas vivências de sofrimento mental os enunciados se mostram desorganizados ou confusos, até mesmo porque é difícil para o sujeito colocar sua experiência mental traumática e dolorosa em palavras. . Somente em relações dialógicas há empenho para compreensão e produção conjunta de novos significados. Pela palavra o sujeito desvela sua posição na existência, os afetos provocados pelas vicissitudes do viver, e seus modos de lidar com o mal-estar social. Por isso, somente a escuta das enunciações pode oportunizar a construção de caminhos de cuidado produtores de saúde.

A partir das construções de Bakhtin encontramos argumentos para pensar um cuidado “ético-dialógico” em saúde mental, isto é, um modo de cuidar em que o diálogo desponta como a base ética do vínculo terapêutico; um tipo de cuidado em que a escuta compreensiva, a valorização da presença do sujeito e o olhar acolhedor para a diferença de quem sofre a dor psíquica são diretrizes primordiais.

Existe uma exemplar experiência ético-dialógica: o Open-Dialogue, ou Diálogo Aberto - abordagem que teve início há quase quatro décadas na Lapônia ocidental finlandesa, usada oficialmente no sistema público de saúde mental da Finlândia (SEIKKULA e ARNKIL, 2016SEIKKULA, J.; ARNKIL, T. E. Diálogos terapéuticos en la red social. Barcelona: Herder Editorial, 2016. Edição Kindle.). Freitas e Amarante (2015)FREITAS, F.; AMARANTE, P. Medicalização em psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015. relatam que a região da Finlândia passava por graves reveses na área econômica e da saúde, apresentando resultados insatisfatórios no tratamento da esquizofrenia (que era hospitalocêntrico e medicalizado), e exibindo os piores índices quando comparado a outros países da Europa. Na década de 1980, por exemplo, a incidência era de 35 novos pacientes com esquizofrenia por 100 mil habitantes (SEIKKULA et al., 2003SEIKKULA, J. et al. Open Dialogue Approach: Treatment Principles and Preliminary Results of a Two-year Follow-up on First Episode Schizophrenia. Ethical and Human Sciences and Services, v. 05, n. 03, 2003. Disponível em: http://developingopen dialogue.com/wp-content/uploads/2015/04/2-year-follow-up-2003.pdf. Acesso em: 18 out. 2019.
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). Hoje, a região apresenta os melhores resultados do contexto ocidental. O número de casos anuais de esquizofrenia diminuiu de 35 para 2 por 100 mil habitantes de 1985 a 2005 - esta média permanece até hoje, destacando o país pelos excelentes resultados que atinge e, por isso, o método do Diálogo Aberto tem sido muito pesquisado e aplicado por outros países.

A abordagem do Diálogo Aberto possui dois atributos basais: 1 - é um sistema de tratamento integrado, de base comunitária, no qual o envolvimento da família e da rede social do sujeito é fundamental, desde o primeiro contato da solicitação de ajuda; 2 - é uma “Prática Dialógica”, uma forma distinta de conversação terapêutica dentro da “reunião de tratamento” (que é o principal contexto terapêutico) (OLSON et al., 2014OLSON, M.; SEIKKULA, J.; ZIEDONIS, D. The Key Elements of Dialogic Practice. In: Open Dialogue: Fidelity Criteria. The University of Massachusetts Medical School. Massachusetts, v. 1, 2014. Disponível em: http://umassmed.edu/psychiatry/ globalinitiatives/opendialogue/. Acesso em: 26 abr. 2019.
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). Em suma, trata-se de um modo de organizar a prática em que se faz a administração seletiva e mínima de medicamentos psicofármacos, pelo menor tempo possível e apenas quando a necessidade é imperativa (quando as ações psicossociais não respondem sozinhas). O diálogo é a diretriz norteadora do tratamento, sendo a comunicação dialógica entre a rede de profissionais, o sujeito em tratamento, sua família e sua rede social o ponto central da abordagem que, inclusive, tem as ideias dialógicas de Bakhtin como fundamento.

4 A pesquisa: local e desenho

Realizamos a pesquisa em um Centro de Atenção Psicossocial do tipo II (CAPS-II11 11 Centro de Atenção Psicossocial implementado em municípios com população entre 70 mil e 200 mil habitantes (BRASIL, 2004). ) da Região Metropolitana I do Estado do Rio de Janeiro. O local de pesquisa foi escolhido por ser representativo de realidades que enfrentam adversidades extremas para funcionar, bem como por estar inserido em um município próximo a locais que sediaram grandes manicômios. Estamos falando de um contexto histórico-cultural que se formou à sombra de gigantes asilares. Assim, a escolha do local de pesquisa advém do interesse em observar os dilemas para o desenvolvimento do cuidado em saúde mental em conjunturas desse tipo. O município12 12 Trata-se de um pequeno município rural flagelado por graves questões sociais, como o desemprego e o subemprego, transporte precário, baixa cobertura de saneamento básico, pavimentação e abastecimento de água. A estes problemas somam-se graves reveses na Educação e a crise na Segurança Pública ante o domínio de milícias no município, que se desdobrou no crescimento do uso abusivo de drogas ilícitas. Tais iniquidades sociossanitárias se revelam imediatamente, ainda que por um exame superficial, e afetam a saúde das pessoas que vivem nesse território. em que o CAPS se insere foi avaliado com o pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) entre os 12 municípios que integram a região - e entre os piores IDH do país. A Rede de Atenção à Saúde (RAS) local sofre o impacto da difícil conjuntura. Nesse sentido, o processo de desmantelamento da saúde pública (comum em todo o Estado), o aumento da procura por atendimento nos serviços de saúde (em função do agravamento progressivo das mazelas territoriais), o corte de recursos financeiros (consequência das seguidas gestões municipais corruptas), tudo isso desembocou em uma precarização alarmante.

Todas as demandas identificadas na RAS como sendo de “saúde mental” são direcionadas para o CAPS do nosso estudo, que existe desde 2001, quando foi inaugurado em uma sede provisória. Aos poucos foi construída a sede definitiva: um prédio pequeno de dois pavimentos. Mesmo perante o desinvestimento contínuo, até o final do ano de 2014 o dispositivo permaneceu ativo e funcionando conforme a proposta de trabalho psicossocial. E, além disso, envidou esforços para solucionar graves impasses territoriais, como prestar atendimento para crianças ou adolescentes em sofrimento mental severo e persistente, bem como pessoas em sofrimento mental decorrente do uso abusivo de álcool e outras drogas. Dessa forma, a despeito das dificuldades de sua rotina como CAPS-II, o dispositivo abraçou o desafio de funcionar, adicionalmente, como um CAPSi13 13 Centro de Atenção Psicossocial para atendimento de crianças e adolescentes gravemente comprometidos psiquicamente (como aqueles com diagnóstico de psicose, autismo ou neuroses graves), implementado em municípios com população acima de 200 mil habitantes (BRASIL, 2004). e um CAPSad14 14 Centro de Atenção Psicossocial para pessoas que fazem uso prejudicial de álcool ou outras drogas, implementado em municípios com população entre 70 mil e 200 mil habitantes (BRASIL, 2004). .

Mediante a crise no governo municipal e a mudança de gestão, o ano de 2015 iniciou-se com demissões em massa, que levou à redução da equipe de trabalho do CAPS praticamente para a metade e ao desinvestimento financeiro radical. A partir disso, o sucateamento do local se agravou e a maioria das atividades foi suspensa. As condições de infraestrutura do CAPS são péssimas e provocam impacto pelo alto nível de degradação15 15 Para citar algumas das observações: pintura extremamente desgastada pelo tempo, problema de infiltração nas paredes, que se apresentavam mofadas e tomadas por lodo (motivo do cheiro desagradável e marcante nos ambientes); mato crescendo livremente ao longo da calçada; vidros das janelas e basculantes quebrados; interior mal iluminado, quente e de ar saturado; ausência de limpeza; e alguns compartimentos isolados por falta de condição de uso (insalubridade). do lugar.

Esta pesquisa foi desenhada como um estudo de caso e a estratégia de investigação consistiu em realizar entrevistas semiestruturadas e observação participante no cotidiano da instituição - opção fecunda para pesquisas que tomam as percepções humanas por objeto de estudo. Desse modo, se buscamos a compreensão de percepções, devemos considerar que elas resultam de um misto de múltiplos e complexos processos (culturais, sociais, inconscientes, econômicos, técnicos, etc.) e precisamos nos aproximar do participante da pesquisa, do seu texto (ou discurso) e do seu contexto (âmbito em que o seu discurso produzido) (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306.).

Os participantes da pesquisa são trabalhadores com vínculo empregatício no CAPS. Toda a equipe técnica aceitou conceder entrevista. Assim, foram entrevistados 14 profissionais: nove de nível superior e cinco de nível médio e técnico; todos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na apresentação das análises usamos nomes fictícios para resguardar o anonimato dos sujeitos da pesquisa.

5 Pressupostos teórico-metodológicos

A realidade resulta de um processo humano de cocriação que se forja no esforço contínuo para compreender o mundo. Buscamos constantemente dar substância às coisas ao redor de nós, aos fatos, às vivências, aos sentimentos. Atribuir sentido é um fazer fundamentalmente humano; e o sentido, por sua vez, possui uma índole responsiva, ou seja, está vocacionado a dar respostas. Quando não é possível responder a uma questão, atribuir sentido a algo, esse algo se manterá externo ao diálogo (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a. p.261-306.). Outro detalhe relativo ao sentido é o seu potencial infinito. Ele não existe por si só nem isoladamente, mas apenas para outro sentido. Dessa maneira, o que está em causa é o intercâmbio, dado que “uma ideia se torna ideia real no processo de intercâmbio de ideias, isto é, no processo de produção do enunciado para o outro” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra; notas da edição russa de Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.149).

Atribuir sentido quer dizer produzir conhecimento - atividade que realizamos a todo o momento (SPINK, 2010SPINK, M. J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Edição Virtual. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de pesquisas sociais, 2010., p.34), e isso nos permite solucionar nossos problemas cotidianos e resolver questões práticas do dia a dia. As nossas percepções são elaboradas a partir da articulação de inúmeros elementos intersubjetivos (valores, ideologias, tradições, normas, desejos, cultura, fantasias, crenças) que se tramam de modo singular no exercício de produção de sentido.

No que tange à conexão entre produção de sentido e processo de cuidado, destacamos duas particularidades indissociáveis do trabalho em saúde. Em primeiro lugar, o trabalho em saúde é essencialmente relacional, visto que se realiza com, entre, para e a respeito dos sujeitos. Trata-se de um fazer no qual é necessário intenso trabalho psíquico, pois nele se conciliam e se chocam elementos intersubjetivos diversos, que variam em tipo e intensidade para todos os envolvidos. Em segundo destaque, trata-se de um trabalho fundamentalmente comunicativo, o que lhe imprime grande complexidade, pois a comunicação envolve linguagem, contexto sociocultural e as especificidades da formação profissional e do campo de atuação. Nesse intercâmbio comunicativo nasce o discurso, entendido como fruto das interações sociais; uma espécie de linguagem social16 16 A linguagem social é uma noção bakhtiniana que faz referência aos estilos de linguagem, ou estilos funcionais, isto é, um gênero peculiar a determinado campo profissional ou momento da comunicação - o equivalente dos Gêneros de fala descritos por Spink (2010). , sempre dirigida ao outro, que varia conforme o contexto, o grupo social e a relação estabelecida com ele (SPINK, 2013SPINK, M. J. Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. Edição Virtual. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de pesquisas sociais, 2013., p.03).

De acordo com Bakhtin, “Discurso é a língua in actu” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra; notas da edição russa de Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.117). Esse entendimento nos remete ao conceito de prática discursiva, definida como “[...] linguagem em ação, ou seja, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas” (SPINK, 2013SPINK, M. J. Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. Edição Virtual. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de pesquisas sociais, 2013., p.05). Spink e Gimenes (1994)SPINK, M. J.; GIMENES, M. G. G. Práticas discursivas e produção de sentido: apontamentos metodológicos para a análise de discursos sobre a saúde e a doença. Saúde e sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p.149-171, 1994. descrevem as práticas discursivas como modos de produção de realidades psicológicas e sociais via discurso. Essa concepção também está expressa na seguinte afirmação: “[...] as práticas desenvolvidas nos serviços de atenção à saúde, conscientes ou não, estão relacionadas diretamente com determinadas concepções de saúde-doença-cuidado vigentes” (BATISTELLA, 2007BATISTELLA, C. Saúde, doença e cuidado: complexidade teórica e necessidade histórica. In: FONSECA, A. F. (org.). Território e processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, FIOCRUZ, 2007. p.25-49., p.01). Além do que, conforme a observação de Koda (2002)KODA, M. Y. Da negação do manicômio à construção de um modelo substituto em saúde mental: o discurso de usuários e trabalhadores de um núcleo de atenção psicossocial. 2002. 186 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002., o trabalho nas instituições de atenção à saúde mental produz os conhecimentos que subsidiam o saber-fazer cotidiano.

Os discursos se transformam em prática: as práticas discursivas que, de maneira simplificada, podem ser entendidas como sendo o produto da articulação entre o que pensamos, falamos e fazemos. Logo, os discursos são saberes que se formam para a prática e, ao mesmo tempo, práticas que originam saberes (FOUCAULT, [1969] 2008FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1969]., p.205). Em face do exposto, as percepções são compreendidas como produtoras de conhecimentos que conformam as práticas reforçadoras ou modificadoras de realidades sociais concretas.

Essa é a principal ideia defendida pelo Construcionismo Social: a realidade é uma construção dialogada e partilhada, um empreendimento viável apenas conjuntamente e por intermédio das práticas sociais (SPINK, 2010SPINK, M. J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Edição Virtual. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de pesquisas sociais, 2010., p.09). Nessa lógica, a realidade é uma instância criada pelos sujeitos sociais na esteira da tradição cultural que impera em um determinado grupo, no interior do qual existe, mas pode variar ou não existir fora dele. Os sentidos são elaborados dentro das relações - que são regidas por regras, hábitos, valores e normas reconhecidas e compartilhadas em uma comunidade em particular. Deste modo, a construção da realidade é concebida como a efetivação de acordos comunitários, que chancelam as verdades reconhecidas (GERGEN, 2010GERGEN, K. J. Construcionismo social: um convite ao diálogo. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010.). Nessa visão, a verdade é produzida pelo grupo social. Esse é um modo de perceber esclarecedor, que conduz à rejeição de verdades universais e à valorização de reflexões amparadas em maneiras plurais de dar sentido e avaliar, com especial favorecimento do diálogo nos processos de significação.

6 Análise do caso

Por meio das entrevistas e da observação participante, examinamos como os profissionais do CAPS se posicionam sobre os sujeitos em tratamento, sua condição de saúde e o cuidado dispensado a eles no serviço. Direcionamos o nosso foco de análise para os sentidos produzidos nas narrativas, nas atitudes, nos gestos e em tudo aquilo que deixou entrever os modos de significação dos acontecimentos, conceitos, relações e experiências no cotidiano de trabalho. Nesse intento, analisamos as práticas discursivas buscando perceber os afastamentos e consonâncias com um direcionamento ético-dialógico no cuidado, considerando os repertórios interpretativos dos entrevistados, o endereçamento aos interlocutores nos enunciados e as ocorrências polissêmicas. Com base nas informações do diário de campo, no exercício de escuta das entrevistas e no Mapa de Associação de Ideias17 17 Mapa de Associação de Ideias consiste em um recurso de análise de entrevistas, cujo propósito é organizar as análises e, assim, auxiliar o exercício de interpretação. O mapa é elaborado com base na organização do conteúdo das entrevistas de acordo com categorias gerais (temáticas) afinadas aos objetivos do estudo. Para mais informações sobre este recurso, consultar Spink e Gimenes (1994). produzido a partir delas, procedemos à análise dos discursos organizando-a em três categorias que denominamos de argumentos de escuta, como no quadro abaixo:

Quadro 1
Esquema de organização das análises

Percebemos que as narrativas dos profissionais são fortemente atravessadas pelos aspectos contextuais. Sobre isso, um fato se destaca: uma divisão temporal indicativa de duas fases distintas do CAPS, referentes ao antes e depois da mudança na gestão política municipal no início do ano de 2015. As percepções se apresentaram bastante sensíveis a essa divisão de tempo, de maneira que as explicações se ampararam nela para a maioria dos temas abordados. Desse fato emergiu o primeiro argumento de escuta: “Os dois momentos do CAPS”.

O período de 2001 ao final de 2014 foi bastante contemplado nos discursos dos profissionais que trabalharam na instituição nesse intervalo de tempo. O período foi relatado como tempo de atividade intensa, de um trabalho ideal e prazeroso, ainda que marcado por dificuldades oriundas do desinvestimento progressivo nas políticas de saúde. As falas sobre esse tempo são nostálgicas e as práticas no serviço são entendidas pelos profissionais como práticas harmonizadas às diretrizes da Reforma Psiquiátrica. Nesse sentido, os entrevistados entendem que a função do CAPS (conforme descrita em Brasil (2004)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial. Brasília, 2004.) era cumprida plenamente nessa fase que identificamos como a fase do “antes”.

É importante observar que a inauguração do CAPS se deu em 2001, ano de promulgação da Lei Federal 10.216 - que virou política de Estado na atenção à saúde mental, demarcando um momento de mudança na lógica de cuidado. Provavelmente por isso, a atmosfera dos primeiros anos do CAPS era envolvida pelos princípios antimanicomiais e pelo esforço para incorporar os parâmetros da Reforma Psiquiátrica. As principais características referidas como marca do período do “antes” pelos profissionais são a potência do trabalho multidisciplinar, os espaços de troca de conhecimento, o esforço conjunto para promoção do difícil trabalho em rede e a sustentação de fazeres inventivos.

Em face do evento de mudança administrativa na gestão municipal, no ano de 2015 uma nova fase começa para o CAPS - que aqui identificamos como a fase do “depois”. As vivências desse momento (que engloba o momento atual) aparecem nos relatos por meio de qualificadores como “ausência de incentivo”, “abandono”, “desestímulo”, “desânimo”, “precariedade”, “falta de recurso”, “falta de rede”, “desvalorização”, “equipe reduzida”, “paralização”, e “estagnação”, para destacar os mais frequentes. Trata-se de um momento percebido pelos profissionais como o início de um processo de mortificação do dispositivo e dos seus trabalhadores.

A partir disso, o abandono da nova gestão municipal, as consequências do desfinaciamento radical e, principalmente, as demissões de pessoas ativas da equipe, que inspiravam ao enfrentamento da realidade adversa cotidiana, aparecem nas falas como motivo do sentimento de desesperança e impotência compartilhado por todos. Esse quadro trouxe como consequência a redução das atividades do CAPS à oferta de consultas psiquiátricas, poucas consultas psicológicas, intensa dispensação de receitas e medicação (esta última é a real razão da ida dos usuários ao dispositivo). Alguns profissionais assinalaram em suas narrativas que, nesses moldes, o dispositivo funciona de modo ambulatorial.

Apenas um ponto positivo do trabalho cotidiano foi indicado pelos entrevistados: os próprios membros da equipe. Essa percepção aparece unânime nos relatos em amplo repertório para indicar o preparo técnico e qualidades humanas dos pares, por meio de expressões como “arregaçam as mangas”, “têm disposição”, “sempre prontos”, “são disponíveis”, “fazem um trabalho maravilhoso”, “levam a sério”, “são atuantes”, “trabalham com amor”, “têm sensibilidade”, “são capacitados”.

Conforme explorado no referencial teórico, nos baseamos na ideia de que as percepções se constroem em um processo complexo de natureza intersubjetiva e se revelam nas práticas discursivas. Em vista disso, ao observar o trabalho vivo, o real do fazer cotidiano no seu contexto e a dinâmica inter-relacional, é possível apreender os sentidos produzidos para o sujeito em sofrimento mental, para sua diferença. Assim, realizamos a análise do segundo argumento de escuta (“Os olhares para a diferença”), buscando aprender as significações e nelas identificar elementos que se aproximam ou se afastam da ética dialógica.

Algumas formas de entender o sujeito em sofrimento mental se apoiaram no significante “carência”. O sujeito é percebido como alguém carente de afeto (fato relacionado com o estigma), carente materialmente (visão que pode estar ligada à realidade de pobreza extrema que predomina no município) e carente de ser ouvido (em alusão à importância da diretriz da escuta).

Sofrimento e angústia são dois significantes correntes nas narrativas para explicar a condição de saúde dos sujeitos do cuidado. Nisso não são enfocadas categorias ou causas, como ocorre na percepção psiquiátrica; o sentido, nesse caso, não enfocou aquilo que diferencia e sim o que há de comum na humanidade. Afinal, sofrer e se angustiar é algo possível a toda pessoa. Nessa forma de perceber, o sofrimento mental tem a ver com as vicissitudes do viver, com o mal-estar produzido pela vida social. Nos relatos, o sujeito não aparece como um doente mental; diversamente, a maioria dos olhares interpretativos são mais consonantes com a visão psicossocial.

No que se refere à análise do último argumento de escuta, “Os sentidos sobre o cuidado”, os profissionais compartilharam suas interpretações sobre os antigos e os novos padrões de assistência, sobre o que deve ser priorizado ou combatido no tratamento. Nisso, buscamos observar os posicionamentos e apreender as percepções que guiam os modos de cuidar e as relações com os sujeitos tratados no microcontexto estudado.

Ao falar sobre o trabalho do CAPS, os entrevistados discorreram sobre o trabalho prescrito, mencionando aquilo que é normatizado para os dispositivos substitutos ao manicômio de modo geral. Dentro desse repertório, destacaram como prioridade o trabalho interdisciplinar, a oferta de múltiplas atividades terapêuticas, o trabalho em rede, a escuta e, especialmente, o acolhimento. Assim, marcado por uma polissemia, o acolhimento18 18 A diretriz de acolhimento está amplamente presente nas publicações do campo da saúde (referindo-se especialmente a um modo de humanizar as relações). Em saúde mental, figura como conduta necessária nas novas práticas, como um meio de criar vínculo terapêutico e superar o estigma da exclusão. Diante disso, produzir acolhimento aparece como o negativo de produzir exclusão. apareceu nas narrativas como prioridade do CAPS, visto em sua potência para proporcionar diálogo, proximidade e colaborar para a ressocialização dos sujeitos. Ao serem convocados a falar sobre o que, dentre as atribuições prescritas, tem sido possível realizar de concreto no fazer diário, a maioria dos profissionais ressaltou que apenas logram oferecer acolhimento, conforme podemos verificar no trecho:

A: E, me diz o que tem sido possível fazer?

J: É, o trabalho que nós temos feito, que é um trabalho de acolhimento. [...] Em meio à precariedade que nós estamos, evidentemente, o acolhimento tem sido forte. Porque o acolhimento, ele vai além, evidentemente, além das estruturas.

A: Uhum... Até independe, né?

J: Sim. É, vai além das estruturas, né. O acolhimento é pessoal, é individual, e isso tem sido nosso forte em meio à precariedade. (Jair - Técnico)

A unidade funciona de “portas abertas” e a receptividade aos sujeitos assistidos é explícita; eles circulam pelos espaços do CAPS livremente, sendo recebidos de forma acolhedora, com respeito e humanidade. Nos modos de perceber, a noção de acolhimento aparece como uma postura que convoca à relação, à presença disponível para a comunicação. No entanto, não são criados dispositivos favoráveis ao acolhimento, ou oferecidas terapêuticas dialógicas, a não ser as raras consultas psicológicas individuais. E, contraditoriamente, a medicação aparece (nos discursos e nas práticas observadas) ocupando posição central no tratamento. Uma das entrevistadas reconhece a possibilidade de sua postura ser medicalizadora, dizendo “estar impregnada pela medicalização19 19 O termo impregnação é usado geralmente para informar a presença de sintomas de saturação pelo uso intenso de medicação neuroléptica nos sujeitos. ”, como uma espécie de autocrítica ao próprio posicionamento.

Os sentidos produzidos para explicar a relação com o sujeito do cuidado indicam sensibilidade e abertura dialógica. A relação terapêutica é pensada como uma relação afetiva, comunicativa, humanizada, de reconhecimento da alteridade e reciprocidade. Nessa significação, as narrativas ressaltaram a importância das habilidades humanas para facilitar o vínculo e a aposta no sujeito como produtor do saber que leva à construção das próprias soluções de saúde. As palavras do repertório interpretativo são bastante singulares e, em muitos casos, usadas de forma particular e criativa. Assim, a postura dialógica, referenciada especialmente pela valorização da escuta, aparece de diferentes maneiras, como podemos ver a seguir neste trecho exemplar:

H: [...] Porque quando eu deixo de dar ouvido a quem anseia por ser ouvido, eu deixo ele numa loucura. Mas, que loucura? Na loucura de querer ser ouvido. É uma coisa saudável. Aí, deixa de ser loucura. Aí eu troco de nome. Não é loucura: é saudade. [...] E se alguém que tem que ouvir não ouve ele, ele vai entrar numa depressão. E essa depressão vai causar uma saudade tão grande que pode trazer para ele um transtorno. [...] Quando diz trans-torno [pronúncia com divisão], significa que no transitar da mente existe um retorno. Acho que pode ser entendido assim. Então, o que que é o transtorno mental? De uma maneira profunda, é a saudade daquilo que havia antes e que hoje ele resgata através da intervenção de quem se preparou para isso. (Hugo - Técnico de Enfermagem).

Hugo usa a palavra saudade em substituição à palavra loucura para explicar como, em sua concepção, acontece o sofrimento psíquico. No seu modo de perceber, a loucura é resultado da privação de ser ouvido. Sua definição concede outra realidade para a loucura, que passa do campo da diferença para o campo da semelhança. Além disso, a loucura deixa de ser vista como um desvio e passa a integrar a dimensão das experiências humanas comuns ao ser esvaziada da interpretação patológica. O mesmo ocorre com a palavra transtorno. No trecho, Hugo fez um jogo de palavras que altera o valor semântico do termo e o diferencia daquele atribuído pelo discurso psiquiátrico. Ele divide a palavra transtorno em duas partículas: “trans” e “torno”. Assim, a partícula “trans” significa deslocamento ou travessia e a partícula “torno” tem o mesmo sentido do verbo tornar, indicando o ato de voltar ao começo. No entendimento de Hugo, transtorno indica o transcorrer de uma experiência que tende a resgatar o estado de saúde anterior à instalação do sofrimento mental. Ele usa as palavras do repertório manicomial, mas as significações se formatam por meio da desconstrução dos sentidos originais.

De um modo geral, as percepções dos trabalhadores do CAPS se mostraram harmônicas com a noção bakhtiniana de relação dialógica. Conforme salientamos, para Bakhtin o homem é um ser dialogal e, por isso, a interação dialógica é de caráter essencial. Ser privado das trocas comunicativas pode levar à vivência de sofrimento. Os modos de compreender dos profissionais apontam a centralidade do posicionamento diálogo nas relações que se estabelecem com o sujeito em sofrimento mental. Assim, no campo das práticas e dos discursos, identificamos muitos elementos em consonância com os pressupostos ético-dialógicos, mas também elementos divergentes - o que revela conflitos e contradições na forma de produzir sentido no contexto estudado. Diante dessa divergência, uma pergunta se impõe: o que causa tropeço nesse caso?

Considerações finais

Nesse estudo, percebemos graves impasses para a efetivação do projeto psicossocial no CAPS e em seu território. As dificuldades são representadas principalmente pelo funcionamento ambulatorial do dispositivo, pela medicalização e pela ausência do trabalho em rede. Os profissionais reconhecem a equipe do CAPS como o diferencial, como ponto forte do trabalho, e afirmam que a atuação em saúde mental não depende de infraestrutura, mas do “material humano”. Também expressam o desejo de que o “CAPS volte a funcionar como um CAPS”, mas não percebem que os recursos para que isso aconteça estão disponíveis - considerando que eles mesmos apontaram em seus enunciados que a solução está no uso de si. Ou seja: mesmo em face do recurso principal (o recurso humano qualificado), o problema permanece.

Embora esse quadro sugira a operação radical da lógica asilar, vemos, por outro lado, inúmeras práticas discursivas afinadas com pressupostos ético-dialógicos - especialmente no que se refere ao modo de perceber o cuidado, as relações com o sujeito em sofrimento psíquico e sua condição de saúde. Identificamos valores indispensáveis para o acontecimento de um encontro inter-humano, em sua qualidade dialógica. Mas, ainda que a lógica psicossocial apareça de forma clara e sensível nas percepções, ela não prospera. É evidente a existência de uma tensão interparadigmática na dinâmica local.

Vimos que no período do “antes”, a dinâmica subjetiva prazer-sofrimento no trabalho apresentava relativo equilíbrio e, assim, mesmo enfrentando graves problemas, havia estímulo e desejo para a construção de caminhos de superação inventivos. Percebemos que o período do “depois”, simbolizado pelas perdas radicais e inesperadas, foi experimentado como um mal-estar de forte intensidade que impactou a subjetividade da equipe pela inibição da potência de agir e a perda de sentido do trabalho. Assim, no “depois”, a dimensão do prazer foi subtraída, sobrando apenas o puro mal-estar e sofrimento, vividos como perda de vitalidade, interdito da ação e impotência.

Percebemos que o exercício de produção de sentido, oportunizado pelo dispositivo de pesquisa, proporcionou um espaço no qual as questões puderam ser verbalizadas, levando à simbolização e reflexões imprescindíveis para a construção de um saber-fazer com o mal-estar da práxis diária, gerando impactos positivos.

No trabalho, pudemos apreender a importância de enfocar a dimensão relacional do processo de cuidado e de investigar as microtramas para analisar os impasses que se desdobram de forma singular no trabalho real de cada contexto, considerando as vozes que fazem parte da situação. Nesse sentido, entendemos que as metodologias dialógicas, inspiradas nos aportes bakhtinianos, são fecundas para ensejar soluções para os diversos problemas presentes no campo da saúde mental.

  • 1
    Amarante (2009)AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica pelo Brasil. 2. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. define Reforma Psiquiátrica como um processo histórico de formulação crítica e prática que objetiva questionar os saberes e as instituições psiquiátricas e elaborar propostas de transformação do modelo clássico hegemônico (o modelo psiquiátrico tradicional, ou manicomial) de atenção à saúde mental.
  • 2
    Destacamos aqui os principais direcionamentos: i) Extinção gradativa dos manicômios; ii) Organização de uma rede de cuidados aberta, composta por diferentes dispositivos não manicomiais de atendimento; iii) Desinstitucionalização dos sujeitos cronicamente asilados e articulação do retorno destes para a vida em sociedade; iv) Composição de equipes multidisciplinares de trabalho; v) Uso de diferentes recursos terapêuticos, menos invasivos possíveis; vi) Oferta de múltiplos formatos de atividades e realização de alianças no território para garantia de maior inserção social dos sujeitos em tratamento; e vii) Tratamento humano e respeitoso orientado a promover a ressocialização do sujeito (BRASIL, 2001BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, seção 1.).
  • 3
    O discurso da disciplina alienista incorporou rótulos estigmatizantes para classificar o louco; signos como o da anormalidade, periculosidade, degeneração, inadequação social, estranheza, desrazão, desvio moral, dentre outras negativações aceitas historicamente pelo corpo social, foram reavivados por uma leitura científica que os reapresentou como sintomas da doença mental.
  • 4
    É importante ressaltar a diferença entre medicar e medicalizar. No ato de medicar, o tratamento médico incide sobre uma doença e, portanto, é apropriado. Em contraposição, no ato de medicalizar, o tratamento médico incide sobre o que não é doença, sendo impróprio nesse caso.
  • 5
    Dentre os dispositivos que compõem a RAPS estão os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura (CECOs), os leitos de atenção integral em hospitais gerais e nos CAPS III, as cooperativas e empresas sociais e as Unidades de Acolhimento (UAs).
  • 6
    Para mais informações sobre os elementos que compõem o enunciado, ler Brait e Melo (2014)BRAIT, B.; MELO, R. Enunciado / enunciado concreto / enunciação. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5.ed. 2. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. p.61-78..
  • 7
    Os gêneros do discurso primários são diálogos marcados por maior simplicidade, imediatismo e informalidade; um exemplo são as conversas do dia a dia.
  • 8
    Os gêneros do discurso secundários são comunicações de maior complexidade. São como gêneros primários reelaborados, mais institucionalizados, estabilizados e, geralmente, estão na forma escrita (como os romances, dramas, pesquisas científicas, teatro, etc.). Como exemplos de gêneros do discurso são citados o gênero artístico, o científico, o diálogo cotidiano, o oficial, o literário, o técnico, os retóricos, o sociopolítico, os publicísticos entre outros (MARCHEZAN, 2014MARCHEZAN, R. C. Diálogo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014. p.117-131.; BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra; notas da edição russa de Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.).
  • 9
    O exemplo está na escolha da medicação como principal recurso para tratar o sofrimento mental, prática que ocorre no interior de um modelo de cuidado que se pretende dialógico, mas se concretiza de forma monológica, pois abdica de abrir possibilidades de fala e reconhecê-la como elemento relevante no processo de cuidado - em geral, pela precipitação em julgar aquilo que nos enunciados é significado exclusivamente como um sintoma psicótico.
  • 10
    Em muitas vivências de sofrimento mental os enunciados se mostram desorganizados ou confusos, até mesmo porque é difícil para o sujeito colocar sua experiência mental traumática e dolorosa em palavras.
  • 11
    Centro de Atenção Psicossocial implementado em municípios com população entre 70 mil e 200 mil habitantes (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial. Brasília, 2004.).
  • 12
    Trata-se de um pequeno município rural flagelado por graves questões sociais, como o desemprego e o subemprego, transporte precário, baixa cobertura de saneamento básico, pavimentação e abastecimento de água. A estes problemas somam-se graves reveses na Educação e a crise na Segurança Pública ante o domínio de milícias no município, que se desdobrou no crescimento do uso abusivo de drogas ilícitas. Tais iniquidades sociossanitárias se revelam imediatamente, ainda que por um exame superficial, e afetam a saúde das pessoas que vivem nesse território.
  • 13
    Centro de Atenção Psicossocial para atendimento de crianças e adolescentes gravemente comprometidos psiquicamente (como aqueles com diagnóstico de psicose, autismo ou neuroses graves), implementado em municípios com população acima de 200 mil habitantes (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial. Brasília, 2004.).
  • 14
    Centro de Atenção Psicossocial para pessoas que fazem uso prejudicial de álcool ou outras drogas, implementado em municípios com população entre 70 mil e 200 mil habitantes (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: Os centros de atenção psicossocial. Brasília, 2004.).
  • 15
    Para citar algumas das observações: pintura extremamente desgastada pelo tempo, problema de infiltração nas paredes, que se apresentavam mofadas e tomadas por lodo (motivo do cheiro desagradável e marcante nos ambientes); mato crescendo livremente ao longo da calçada; vidros das janelas e basculantes quebrados; interior mal iluminado, quente e de ar saturado; ausência de limpeza; e alguns compartimentos isolados por falta de condição de uso (insalubridade).
  • 16
    A linguagem social é uma noção bakhtiniana que faz referência aos estilos de linguagem, ou estilos funcionais, isto é, um gênero peculiar a determinado campo profissional ou momento da comunicação - o equivalente dos Gêneros de fala descritos por Spink (2010)SPINK, M. J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Edição Virtual. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de pesquisas sociais, 2010..
  • 17
    Mapa de Associação de Ideias consiste em um recurso de análise de entrevistas, cujo propósito é organizar as análises e, assim, auxiliar o exercício de interpretação. O mapa é elaborado com base na organização do conteúdo das entrevistas de acordo com categorias gerais (temáticas) afinadas aos objetivos do estudo. Para mais informações sobre este recurso, consultar Spink e Gimenes (1994)SPINK, M. J.; GIMENES, M. G. G. Práticas discursivas e produção de sentido: apontamentos metodológicos para a análise de discursos sobre a saúde e a doença. Saúde e sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p.149-171, 1994..
  • 18
    A diretriz de acolhimento está amplamente presente nas publicações do campo da saúde (referindo-se especialmente a um modo de humanizar as relações). Em saúde mental, figura como conduta necessária nas novas práticas, como um meio de criar vínculo terapêutico e superar o estigma da exclusão. Diante disso, produzir acolhimento aparece como o negativo de produzir exclusão.
  • 19
    O termo impregnação é usado geralmente para informar a presença de sintomas de saturação pelo uso intenso de medicação neuroléptica nos sujeitos.
  • Fontes de financiamento:
    CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior: Processo 158927. Instituição: FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz - Programa de Excelência Acadêmica PROEX; Edital: PROEX 0487, Nível Mestrado, ano 2016-2018.
  • Considerações éticas:
    O artigo foi baseado em dissertação de mestrado cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2019
  • Aceito
    04 Jun 2020
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