Resumo:
O artigo discute o ensino da paragrafação com base na análise do fazer docente de duas professoras do 5º ano de uma rede pública de ensino de Pernambuco. Para tanto, realizou-se uma entrevista e foram observadas dez aulas de língua portuguesa de cada uma. Tanto nos depoimentos como nas aulas, as professoras utilizaram/mencionaram variadas dimensões do ensino da paragrafação: 1) dimensão reflexiva; 2) dimensão saber fazer; 3) dimensão saber falar; 4) dimensão prescritiva. Contudo, os dados evidenciaram que ambas as docentes tinham, na prática, dificuldades em potencializar as atividades programadas, pois planejavam boas propostas, mas não conseguiam realizar uma mediação que favorecesse de modo mais efetivo a construção do conhecimento pelos alunos. Além disso, uma delas priorizava mais um ensino da paragrafação de caráter espontaneísta, pois ocorreram apenas quatro momentos em que esse conteúdo foi abordado/mencionado em suas aulas. Tais dados demonstraram que a prática docente pode contemplar diferentes dimensões do ensino da paragrafação, que juntas colaboram para a aprendizagem dos estudantes, mas a mediação docente é fator crucial para que as atividades sejam de fato potencializadoras da construção dos conhecimentos.
Palavras-chave: gramática; ensino; prática docente
Abstract:
This article discusses the paragraphing teaching based on the analysis of teaching of two teachers from the 5th year of the public school system in Pernambuco. To this end, it was performed an interview and ten Portuguese Language classes of each one were observed. Both in the statements and in classes, the teachers used/mentioned various dimensions of paragraphing teaching: 1) Reflective Dimension; 2) Knowing how to make it Dimension; 3) Knowing how to speak Dimension; 4) Prescriptive Dimension. However, the data showed that both teachers had, in practice, difficulty to enhance the planned activities, because they planned good proposals, but could not hold a mediation that favor the construction of knowledge by the students more effectively. In addition, one of them prioritized the paragraphing teaching in a more spontaneous way, as only four times the paragraphing was discussed/mentioned in her classes. These data showed that teaching practice can contemplate different dimensions of paragraphing teaching, that, together, collaborate to student learning, but teaching mediation is a crucial factor for the activities to be really an enhancer of knowledge construction.
Keywords: grammar; teaching; teaching practice
Introdução
Na sala de aula, ante a necessidade de definir o que deve ser ensinado, o professor se depara com várias incertezas. Em se tratando do ensino da análise linguística, muitas questões ainda se encontram em aberto e são palco de debates em que posições antagônicas permanecem. Uma das principais é a decisão sobre se o currículo deve, ou não, contemplar o ensino da gramática. Nos casos em que se defende tal ensino, a discussão é acerca da etapa de escolarização em que isso deve ocorrer. Outra questão é relativa a quais conhecimentos linguísticos devem ser abordados e os modos de se fazer essa abordagem.
Neste artigo, adotamos uma posição em que a gramática seja objeto de ensino na educação básica, com foco nos conhecimentos que impactam diretamente as atividades de leitura e produção de textos. Assim, concebemos que as nomenclaturas e classificações só apareçam na medida em que forem necessárias à compreensão dos usos dos recursos linguísticos para a constituição de sentidos. Isso, no entanto, não implica a impossibilidade de vivência de situações didáticas em que diferentes unidades linguísticas sejam objeto de ensino.
Diversos autores têm investido na defesa de que os alunos precisam estudar gramática e refletir sobre as diferentes unidades linguísticas (Geraldi, 1984; Neves, 1991; Possenti, 1996; Travaglia, 1995; Morais, 2002; Mendonça, 2006; Silva, 2008).
Geraldi (1984), por exemplo, foi o pioneiro no uso do termo “análise linguística” em seus escritos. Em nota de rodapé de seu livro O texto em sala de aula, explicou aos leitores que a análise linguística envolveria tanto o trabalho sobre as questões tradicionais da gramática, cuja unidade de análise seria a palavra/frase, quanto as questões relativas ao texto, tais como coesão e coerência internas; adequação do texto aos objetivos pretendidos; e organização e inclusão de informações.
Travaglia (1995, p. 235) destaca que o professor
deve sempre explorar a riqueza e a variedade dos recursos linguísticos em atividades de ensino gramatical que se relacionem diretamente com o uso desses mesmos recursos para a produção e compreensão de textos em situações de interação comunicativa.
Para Morais (2002), no entanto, essa defesa do ensino da gramática e da reflexão sobre as diferentes unidades linguísticas não é consensual. O autor nos ajuda a entender quais fatores contribuem para que se criem posições polarizadas e ambíguas acerca da didatização desse objeto de estudo. Uma primeira questão diz respeito à própria confusão, entre os estudiosos, sobre o que seja reflexão metalinguística. Outro ponto é a crença de que se pode aprender sobre essas diferentes unidades apenas lendo e produzindo textos, como se fosse algo naturalmente adquirido à medida que se vão construindo conhecimentos referentes aos outros eixos. Assim, esse autor propõe que no ensino da análise linguística sejam contempladas situações de reflexão sobre os recursos linguísticos que constituem os textos.
Nesse contexto, defendemos que a paragrafação é um dos conteúdos a serem focados na educação básica, buscando-se, por meio de situações didáticas reflexivas, evidenciar o papel das estratégias de paragrafação na constituição de sentidos dos textos. Por tal razão, consideramos necessário ampliar os estudos sobre ela e seu ensino na educação básica.
Por meio de levantamento bibliográfico em periódicos, teses e dissertações, foi possível constatarmos que pouco se tem investigado sobre esse tema. É possível que tal escassez seja decorrente da concepção de que não se deva ensinar gramática e, consequentemente, os processos de paragrafação. Mas há outras possíveis razões para essa precariedade de estudos.
De acordo com Bessonnat (1988), o parágrafo em si não é considerado, por muitos teóricos, uma unidade semântica pertinente do texto, que teria seu lugar na hierarquia canônica (palavra-frase-texto). Por isso, quando as gramáticas de texto sentem a necessidade de tomar uma unidade maior que a frase, geralmente acabam não usando a noção de parágrafo, mas determinam unidades mais largas, como sequências, macroestrutura ou episódio. Por outro lado, quando o parágrafo é tomado para análise, afirma o autor, quase sempre é tratado isoladamente, gerando um problema de articulação do texto. Desse modo, não é enfatizado o fato de que os parágrafos podem ajudar o leitor nas tarefas de descobrir as unidades de sentido de um texto, armazenar as informações e, ainda, colaborar para a fluência de leitura, além de se configurar como um meio de romper com a leitura fragmentada (leitura frase por frase) e de fornecer pistas para o leitor descobrir qual é a lógica de organização dessas partes do texto.
Diante da necessidade de discutir sobre tal tema, analisamos situações de ensino da paragrafação vivenciadas por duas professoras do 5º ano do ensino fundamental de uma rede pública de Pernambuco, relacionando-as às suas concepções sobre como abordar esse conteúdo curricular, ou seja, analisamos o depoimento e a prática dessas duas docentes. Para tanto, realizamos entrevistas e 20 observações de aula (dez em cada turma).
O ensino da paragrafação numa perspectiva reflexiva da língua
Apoiando-se em uma concepção sociointeracionista de língua/linguagem, muitos autores (Morais, 2002; Antunes, 2003; Dolz; Schneuwly, 2004; Mendonça, 2006) acreditam que a escola precisa dar prioridade aos aspectos sociointerativos da língua. Dolz e Schneuwly (2004), por exemplo, afirmam que é preciso auxiliar os estudantes a lidar com a língua no contexto social, sendo necessário:
- prepará-los para dominar a língua em situações diversas variadas, fornecendo-lhes instrumentos eficazes; - desenvolver nos alunos uma relação com o comportamento discursivo consciente e voluntário, favorecendo estratégias de autorregulação; - ajudá-los a construir uma representação das atividades de escrita e de fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de uma lenta elaboração. (Dolz; Schneuwly, 2004, p. 49).
Para participar, portanto, das variadas situações de uso da língua, segundo Dolz e Schneuwly (2004), os alunos mobilizam ao menos três capacidades de linguagem: capacidades de ação, relativas à representação mental da tarefa de comunicação; capacidades discursivas, que remetem à estruturação discursiva textual; e capacidades linguístico-discursivas, mobilizadas no momento das escolhas das unidades linguísticas ou da construção da textualização. É nesta última capacidade que os conhecimentos de gramática são amplamente utilizados e de forma bastante útil pelos falantes.
Além disso, como pode ser notado, busca-se um comportamento discursivo reflexivo e voluntário, que exigirá um domínio consciente das diversas capacidades a serem mobilizadas. Essa posição converge com a de Antunes (2003), a qual salienta que o papel da escola também é ajudar os alunos a adquirir níveis cada vez maiores de consciência em relação às normas gramaticais que especificam o uso da língua.
No entanto, é preciso deixar claro que, segundo os autores citados, o trabalho reflexivo em torno da gramática deve acontecer de forma concomitante ao trabalho com a leitura e a produção de textos. Na posição de Dolz e Schneuwly (2004), as tais capacidades linguísticas estão atreladas às discursivas, pois é no trato com o texto (lendo-o ou produzindo-o) que os conhecimentos de gramática serão mobilizados.
Portanto, tomar o texto como ponto de partida significa também estudar as unidades menores da língua com base na promoção de reflexões de como elas funcionam para imprimir determinados efeitos de sentido. Todavia, Bessonnat (1988), teórico francês que tem se dedicado a estudar sobre a paragrafação, alerta para a forma como o ensino da paragrafação possivelmente tem se caracterizado na escola. Segundo ele, ou o parágrafo é trabalhado de forma isolada (redija um parágrafo), deixando totalmente sem reflexão o problema da articulação do texto, ou essa articulação é explorada, mas por meio de um ensino baseado muito mais no fazer do que no refletir sobre.
Garcia (1970), pioneiro nos estudos sobre parágrafo no Brasil, também salienta a relevância da paragrafação para construção dos sentidos do texto. Para tanto, segundo ele, é necessário não nos fecharmos a uma única noção de parágrafo, pois, “como há vários processos de desenvolvimento ou encadeamento de ideias, pode haver diferentes tipos de estruturação de parágrafo, tudo dependendo, é claro, da natureza do assunto e sua complexidade, do gênero de composição, do propósito...” (Garcia, 1970, p. 203).
É preciso, portanto, investigar os modos como, por meio das mediações em sala de aula, os professores podem criar ou selecionar atividades que ponham em evidência as propriedades dos parágrafos e potencializar as reflexões que surjam durante a realização dessas atividades. No entanto, pouco se tem investigado sobre como isso ocorre em sala de aula. Considerando necessário avançar, delimitamos dois aspectos como centro de discussão neste artigo: as concepções dos professores sobre parágrafo e ensino da paragrafação; e as estratégias de ensino efetivamente desenvolvidas em sala de aula.
Metodologia
Para discutirmos a questão do ensino da paragrafação, conforme já destacado, realizamos entrevistas e 20 observações de sala de aula com duas professoras (dez aulas de cada), que aqui serão chamadas de professora A (PA) e professora B (PB), de uma rede pública de ensino de Pernambuco. As participantes foram indicadas pela equipe da secretaria de educação do município em que trabalhavam.
Em relação à formação, o magistério era comum. A professora A era formada em Letras, com pós-graduação em Linguística, e a professora B ainda estava cursando Pedagogia e Licenciatura em História. No que tange ao tempo de serviço, as docentes se diferenciavam: a professora A era mais experiente (22 anos de carreira), enquanto a professora B lecionava há apenas quatro anos.
O roteiro da entrevista tinha as seguintes perguntas:
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A partir de qual momento (ano/ciclo) você acredita que devemos ensinar os alunos a organizar os textos em parágrafos?
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Você ensina seus alunos a organizar o texto em parágrafos? Se sim, como você faz para ensinar?
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Seus alunos apresentam dificuldades em dividir o texto em parágrafos? Se sim, quais dificuldades?
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O que você faz quando o aluno tem essas dificuldades?
Para a aplicação das entrevistas, as professoras se retiraram da sala, uma de cada vez. Durante a sessão, os alunos ficavam com um estagiário ou coordenador da escola. As observações de aula aconteceram duas vezes por semana, de forma ininterrupta.
Todas as entrevistas e aulas observadas foram transcritas. No caso das aulas, realizávamos anotações que, juntamente com as transcrições, foram transformadas em relatórios.
As informações coletadas foram tratadas à luz da metodologia de análise de dados qualitativos denominada análise de conteúdo (Bardin, 2007). Para examinarmos os dados, fizemos uma releitura dos pesquisadores/teóricos encontrados que tratavam da questão da paragrafação e seu ensino, com o intuito de identificar quais aspectos, conceitos e orientações esses autores levantavam. Com base nessa análise, construímos categorias que foram utilizadas como ponto de partida.
O ensino da paragrafação no depoimento e na prática docente
Os estudos dos dados sinalizaram para a existência de, ao menos, quatro dimensões do ensino da paragrafação, ou seja, quatro tipos de ensino vêm sendo oferecidos aos alunos:
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Ensino voltado para o saber refletir: privilegia-se a dimensão reflexiva no trato com a paragrafação. As estratégias adotadas auxiliam os alunos a levantarem suas hipóteses, desenvolverem um olhar analítico sobre seus textos e os de outros autores e terem a capacidade de pensar sobre os critérios adotados para a organização textual.
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Ensino voltado para o saber fazer: o enfoque está no saber fazer, ou seja, acredita-se que os alunos aprendem a paragrafar lendo e escrevendo textos.
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Ensino voltado para o saber falar sobre os parágrafos: favorece a explicitação verbal pelos alunos acerca dos conceitos sobre parágrafo e os tipos de parágrafos ou outros conceitos interligados.
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Ensino voltado para as prescrições sobre o que é preciso fazer para paragrafar: é marcado pelo fornecimento de informações (prescrições) sobre como construir os parágrafos (exemplo: deve-se fazer um recuo da margem, os parágrafos não devem ser longos nem curtos demais, cada assunto deve vir em um parágrafo diferente).
Ao relatar como fazia para ensinar seus alunos a paragrafarem, a professora A mencionou realizar atividades diversas, contemplando três dimensões da paragrafação: 1 (ensino voltado para o saber refletir), 2 (ensino voltado para o saber fazer) e 4 (ensino voltado para as prescrições sobre o que é preciso fazer para paragrafar). De fato, na análise das aulas da professora, foi possível perceber que as três dimensões citadas estavam contempladas, mas também houve momentos em que a terceira dimensão aparecia: ensino voltado para o saber falar sobre os parágrafos. Segue o trecho da entrevista em que ela relatou as atividades:
Pesquisadora: - E você ensina seus alunos a organizar o texto em parágrafos? Se sim, como é que faz pra ensinar? PA: - Sim. Com certeza! É... a experiência mais recente foi com essa turma agora, logo no início, pra fazer aquela revisão, o primeiro texto foi totalmente sem parágrafo, deles, né? Então, eu comecei a pegar texto que eles já conheciam. Então, eu comecei com as fá... é com... os literários, né? Aí eu comecei, disse... um exemplo, Chapeuzinho Vermelho, como seria o início, né? O parágrafo vai até onde? Então eles começaram a dizer. O segundo parágrafo fala de quê? Aí, a gente foi dividindo esse texto, oralmente mesmo, em parágrafos. Depois disso, eu dei um texto pra eles, eu dei o início e eles tiveram que fazer o meio e o fim. E depois eu dei outro texto pra eles, só com imagens. Eram três imagens, aí cada imagem era um parágrafo, pra eles desenvolveram um parágrafo, a partir da imagem. Eram três imagens, e, no último quadrinho, eles tinham que criar uma imagem. Então, ou seja, pelos quadrinhos, eles tinham que formar os parágrafos. Pesquisadora: - Ah! PA: - Na sequência da história.
No trecho acima, a professora A citou três atividades diferentes:
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Construir, oralmente, um texto, dividindo-o em partes.
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Continuar um texto.
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Produzir parágrafos com base em imagens.
A primeira atividade pode ser considerada de caráter mais reflexivo (dimensão 1), visto que a docente favoreceu a reflexão dos alunos sobre a organização do texto. Ela não forneceu informações prontas nem dividiu o texto para eles, mas os estimulou a fazerem essa divisão, mesmo que oralmente. Com essa atividade, os alunos poderiam entender algumas questões mais gerais, tais como a necessidade de se dar uma unidade ao texto, a linearidade textual e a hierarquização das ideias.
Na segunda atividade, parece prevalecer um ensino voltado para o saber fazer (dimensão 2), no qual a docente incentiva os alunos a escreverem textos e a usarem os parágrafos. Nota-se que ela não mencionou se realizava uma reflexão conjunta para ajudá-los a paragrafarem.
Por fim, na atividade 3, a professora já indicava para os discentes quantos parágrafos deveriam fazer e qual o conteúdo de cada um deles. Quer dizer, nesse momento, ela realizou um ensino mais voltado para as prescrições sobre o que é preciso fazer para paragrafar (dimensão 4). Percebe-se que, nas atividades, subjaz a ideia de que todo texto deve ter ao menos três parágrafos (começo, meio e fim), configurando-se uma noção de parágrafo padrão, que independeria do grau de complexidade do assunto, do gênero discursivo adotado para a escrita, do perfil do leitor, enfim, o parágrafo teria uma estrutura que se adequaria a qualquer texto (Garcia, 1970).
Nas aulas observadas dessa professora, em algumas ocasiões, também conseguimos reconhecer essa mesma concepção de parágrafo padrão. Já em outros momentos, ela parecia difundir uma concepção mais flexível de parágrafo. Essa oscilação pode ser fruto de uma decisão didática oriunda da avaliação de que, ao trazer definições mais fechadas naquele momento da aula, ela estaria contribuindo para que os alunos melhor aprendessem a paragrafar. Por outro lado, tal oscilação pode ser fruto de incertezas sobre o conceito de parágrafo, também identificadas em vários autores, como Abreu (1991) e Figueiredo (1999).
De acordo com Abreu (1991, p. 56), “o parágrafo não pode ser uma camisa de força do texto. Com um pouco de sensibilidade, todos nós somos capazes de perceber o momento em que devemos fazer a transição entre um parágrafo e outro”. Tal afirmação levanta indícios para uma crença de que a paragrafação é uma tarefa relativamente fácil e aberta. Ao reduzir o ato de paragrafar a questões de sensibilidades do produtor, o autor minimiza a necessidade de se trabalhar em sala de aula esse conteúdo.
Já para Figueiredo (1999, p. 11), a paragrafação é uma habilidade de alto nível de dificuldade, porém, passível de ser superada se o escritor seguir um método de elaboração de parágrafos: “organizar e desenvolver ideias é difícil; por isso, requer um método que facilite o trabalho do escritor”. Assim, se observadas “as normas para a construção do parágrafo padrão, o escritor obterá um texto bem organizado, uniforme e claro, capaz de manter a atenção e boa vontade do leitor” (Figueiredo, 1999, p. 15). Nota-se que, diferentemente de Abreu (1991), Figueiredo parece acreditar que a paragrafação precisa, sim, ser ensinada, sobretudo por um ensino prescritivo, por meio do estudo de uma possível técnica para paragrafar.
As análises dos dados relativos à professora A evidenciaram, ainda, que, tanto na entrevista sobre o seu fazer pedagógico quanto na prática desenvolvida, havia uma mescla de dimensões contempladas. No entanto, embora tenha sido constatada essa diversidade de dimensões no ensino da paragrafação, predominaram as atividades que, de alguma forma, favoreciam a reflexão e a explicitação verbal dos conhecimentos pelos alunos. Tais dimensões foram identificadas em seis aulas (1, 2, 3, 5, 7 e 8).
O estímulo à explicitação, dependendo da forma como ocorre, pode ser uma maneira de promover boas reflexões acerca do objeto a ser ensinado. Ao realizar debates em sala de aula sobre o conteúdo, estimular que os alunos justifiquem suas hipóteses de conhecimentos e solicitar que deem explicações acerca de um conteúdo, os professores podem estar, ao mesmo tempo, proporcionando um tipo de ensino baseado no saber falar e na reflexão. Assim, parece que essas dimensões precisam andar juntas. É o que também defende Rosa (2011, p. 17):
quando o sujeito verbaliza um conhecimento, existe uma tomada de consciência, o que permite, por meio de uma organização deliberada da experiência e do seu controle cognitivo, a teorização sobre esse conhecimento. Portanto, acredita-se que formular verbalmente as representações para comunicá-las faz com que o sujeito reconsidere e reavalie aquilo que pretende transmitir, já que há a possibilidade também de detectar incongruências e incorreções.
A seguir, é apresentado um trecho de aula para ilustrar a prática da professora A. Na ocasião, ela entregou um texto (escrito por uma estudante da turma) fatiado aos alunos para que colocassem na ordem. Após os alunos terminarem, a docente iniciou a correção coletiva da atividade:
PA: A1, como foi que você organizou o seu texto? Leia. Qual foi a primeira parte que você colou? A1: O bendito chantili. PA: O bendito chantili. Depois você colou qual parte? A1: Uma vez... PA: Certo. Então, esse é o primeiro parágrafo. Quem fez o primeiro parágrafo igual ao de A1? (Alguns alunos levantam a mão.) PA: Baixa a mão. Quem iniciou diferente de A1? Quem fez o primeiro parágrafo diferente do de A1? (Um aluno levanta a mão.) PA: Como foi que você iniciou seu parágrafo? Leia! A: Nós colocamos: “Eu e minha irmã...”. PA: Quem fez igual ao de A2? A3 e A2 iniciaram igual ao de A4 e A5. Já A1 e A6... (Um aluno levanta a mão e a professora indaga.) PA: Vocês fizeram igual ao de A1 ou de A3? A: A1. PA: Então, vamos ver aqui... quem iniciou: “Uma vez eu e minha irmã...” Quem iniciou assim? (A maioria dos alunos levanta a mão.) PA: Quem iniciou “Eu e minhas irmãs brincamos, é...”? (Alguns poucos alunos levantam.) PA: E o seu título? - perguntou à aluna. A1: O bendito chantilly. PA: Quem colocou esse título: “O bendito chantilly”? (Alguns alunos levantam a mão.) PA: Baixa a mão! Quem colocou outro título? (Uma dupla levanta a mão.) PA: Você colocou qual? A: Dia inesquecível. PA: Dia inesquecível. Quem colocou “Dia inesquecível” levante a mão? (Duas duplas levantam a mão.) PA: Agora, quem não fez nenhuma dessas sequências, colocou totalmente diferente? Não começou... nem colocou “Era uma vez...” ou “Eu e minhas irmãs...” e colocou “Dia inesquecível” em outro lugar? Alguém botou diferente? Você? Quem colocou “Dia inesquecível” no início? (Uns alunos levantaram a mão.) PA: Certo. Quem colocou depois do primeiro parágrafo? A7: Esse aqui ó. Ele botou “O bendito chantilly”... no primeiro parágrafo e deu um espaço e botou “Dia inesquecível” e o outro parágrafo. PA: Certo! Agora eu vou ler o texto e vocês vão acompanhar pra ver quem acertou toda a sequência. Certo? Você vai enumerar, colocar: número 1, número 2, número 3 e número 4. Pronto? (...) PA: Certo. Agora vejam, se eu colocar “Dia inesquecível” como o título ficaria errado? A: Não. PA: Não ficaria. Eu poderia colocar como título “O bendito chantilly” ou “Dia inesquecível”. Um ou outro poderia... os dois estariam certos. Só não poderia colocar no meio da história.
É possível notar que a docente procurou saber dos alunos suas respostas. Alguns estavam em dúvida sobre qual seria o título certo, pois a autora do texto colocou duas frases que, de fato, poderiam se tornar títulos: “O bendito chantilly” e “Dia inesquecível”.
No original, o título era a primeira frase, enquanto que a segunda estava no final do texto, fechando-o. A docente, no momento da correção, considerou como válidas as respostas que colocaram uma ou outra frase como título, ou seja, mostrou que pode haver mais de uma possibilidade de organização, embora não tenha discutido o porquê de ambas as alternativas serem coerentes.
No caso da professora A, vale ressaltar que, apesar da ênfase no estímulo à reflexão, ela parecia ter dificuldade em potencializar as boas atividades planejadas, favorecendo o confronto das respostas dos alunos, estimulando-os a justificarem suas opiniões e a explicitarem seus conhecimentos no decorrer da atividade. Geralmente, ela solicitava explicações dos alunos antes das atividades de produção textual, muito mais como uma forma de retomar o assunto ou amarrar o conceito.
Esse aspecto pode ser ratificado ao analisarmos o trecho que segue, retirado da primeira aula observada da professora. Na ocasião, os alunos estavam continuando uma atividade de produção de resumos de livros, a qual fazia parte da rotina da turma, pois, ao menos uma vez por semana, eles escolhiam um livro, liam e faziam o resumo para socializar com a classe:
PA: No dia não deu tempo... ele leu, mas não deu tempo dele fazer o resumo. (...). Quem está nessa situação vai pegar o mesmo livro. Pra terminar o texto, certo? Agora só lembrando... quando a gente for fazer o resumo... o que é que a gente tem que lembrar? Alunos: Parágrafo... PA: Parágrafo... Alunos: Ponto... PA: Peraí! Um de cada vez! Alunos: Eu! PA: Já falaram parágrafo. A1: Ponto, letra maiúscula... PA: Peraí! Num terminei ainda! A1: Parágrafo, letra maiúscula! PA: Eu não terminei ainda! Falando em parágrafos... quantos parágrafos tem que ter no mínimo... Aluno 3: Três! Alunos: Cinco! Aluno1: Três! PA: Como é que eu posso fazer essa divisão em parágrafos? Alunos: Começo, meio e fim! PA: Começo... A2: Meio e fim. PA: Meio e fim. E como é que eu vou saber que eu vou sair do começo, pra depois pro meio e pro fim? A3: Quando a pessoa for falar... vê que a pessoa for falando... aí... bota o ponto... aí já vai começando... outro parágrafo. PA: Certo. Agora veja, de um parágrafo para o outro, é outro assunto é? Alunos: Não! A4: É o mesmo assunto. PA: É o mesmo. Só que eu to continuando... né? O assunto. Mas só é pra fazer três parágrafos? Alunos: Não. A5: O mínimo... PA: O mínimo é três. A5: O máximo pode botar até cem, se quiser.
No que tange à prática da professora B, foram poucos os momentos de aula em que reconhecemos algum tipo de trabalho voltado para a paragrafação. Consequentemente, a professora B, na prática, diversificava menos as dimensões do ensino da paragrafação, pois contemplou apenas duas categorias: as dimensões 1 (ensino voltado para o saber refletir) e 2 (ensino voltado para o saber fazer). No entanto, na entrevista ela relatou vivências que puderam ser classificadas nas quatro categorias citadas anteriormente.
Em relação à dimensão 1 (saber refletir sobre as estratégias de paragrafação dos textos), dois episódios foram classificados nessa categoria. Em um desses momentos, na aula 4, a docente propôs que os alunos colocassem em ordem os parágrafos de um texto que estava fatiado. Segue um fragmento dessa aula:
A professora entregou o texto fatiado e sentou em seu birô. Os alunos começaram a fazer. Depois que todos terminaram, ela levantou para corrigir a tarefa: PB: Cada um que acertar, bota um selo do lado, cuidado pra não rasgar. Cada um tá com o texto do colega e eu vou ler. Vou começar a ler. O título “Aconteceu comigo”, tá certo? Bote um “C”, já? A: Já. PB: “... Uma tia minha se chama Socorro, estava na casa dela recebendo minha mãe e uma conhecida sua, quando o telefone toca e a minha tia foi atender...” Certo? Bota um “C”. Pronto? A: Pronto. PB: “...A ligação estava muito ruim com chiados e volume baixo, a pessoa do outro lado da linha, uma mulher que estava perguntando...” Certo? A: Certo. PB: “...Quem é? E minha tia respondia: Socorro, o que deseja?” Certo? A: Tá errado. PB: Continuando. “Como a pessoa do outro lado da linha não estava... não escutava nada do que ela falava, minha tia resolveu gritar: Socorro!” Certo? A: Certo. PB: Vamos continuar?! “O que aconteceu depois foi muito engraçado, a mulher do outro lado entendeu que ela pedia ajuda e ficou gritando no telefone.” Alunos: Aqui tá certo. PB: Continuando. “Ai meu Deus, houve alguma coisa, precisa de ajuda?! Todo mundo começou a chorar de rir, ninguém conseguiu se controlar, minha tia...” Alunos: Tá certo. PB: A última linha: “Mesmo não conseguindo dizer a mulher que não era nada disso. Autor: Maycon Oliveira”. Pronto? Agora vou passar o visto em cada um. (Terminada a correção, a professora passou o visto na tarefa de cada grupo e encerrou a aula.)
Trata-se de uma atividade potencialmente interessante e que pode proporcionar importantes reflexões sobre a paragrafação. Contudo, a análise mais minuciosa sinaliza para o fato de a professora B estimular pouco a reflexão durante a atividade. Ao lançar as propostas, ela deixava os alunos responderem livremente e não chegava a intervir em suas respostas. No momento da correção, apenas solicitava a socialização destas, sem confrontar as hipóteses dos alunos e levantar questões que provocassem reflexões. Enfim, as atividades eram interessantes, mas a forma de mediação não favorecia uma aprendizagem mais efetiva.
No que se refere à dimensão 2 (saber fazer), também foram identificados dois episódios. Nas aulas da professora B, as atividades de escrita de textos eram frequentemente solicitadas, contudo, em apenas duas ocasiões verificamos a professora B alertando os alunos para não se esquecerem de fazer ou marcar seus parágrafos.
Esses dados levantam indícios de que a referida docente era pouco sistemática no trato com a paragrafação. É possível que essa baixa incidência ocorra em virtude de a professora acreditar que as atividades realizadas eram suficientes para os alunos desenvolverem com autonomia suas habilidades de paragrafar ou então por sentir dificuldades de planejar esse ensino.
Essa impressão pode ser reforçada pelo fato de que, ao observar suas dez aulas, constata-se uma falta de sistematização não só em relação à paragrafação, mas ao eixo da análise linguística.
Esse movimento espontaneísta em relação ao eixo da análise linguística parece ser consequência de um discurso acadêmico que prioriza o texto, porém em detrimento de um trabalho com unidades linguísticas menores que o texto (Albuquerque, 2001; Morais, 2002). Autores como Lerner (2004) alertam, no entanto, que é preciso que os professores compreendam que não basta propor atividades de leitura e escrita para garantir a apropriação pelos alunos dos conhecimentos linguísticos/gramaticais:
[...] sabemos que não é suficiente - no caso específico do ensino de língua - exercer as práticas de leitura e escrita. Além disso, é necessário refletir sobre o que se faz, ir conceituando de maneira explícita os conhecimentos linguísticos e discursivos que estão em prática, enquanto se lê ou se escreve, e sistematizar os conhecimentos que vão sendo explicados; é necessário que o professor convalide os conceitos que se aproximam dos saberes socialmente considerados válidos. (Lerner, 2004, p. 133).
Ao analisar os dados da entrevista, verificamos que a professora B pareceu ser mais sistemática em seu trabalho com a paragrafação. Ela chegou a comentar que vinha investindo nesse ensino, com a sua turma atual, desde o ano anterior. A seguir, apresentamos o trecho principal de sua entrevista:
Pesquisadora: A partir de qual momento (série/ano/ciclo) você acredita que devemos ensinar os alunos a organizar os textos em parágrafos? PB: Olhe, devido à organização do ensino, acho que a partir do 5º ano, anterior a isso as práticas deles é mais pra linguagem. A partir do 5º, 6º ano eles começam a aprender a pegar a gramática em si, antes disso eles vão trabalhando muito assim, é... como é que se diz... teoria não, com a prática. Teoria eles pegam depois e pra você saber onde pega parágrafo você tem que se guiar pela teoria. Aí é você desenvolver um raciocínio e saber onde usar e onde não usar. Pesquisadora: Você ensina os alunos a paragrafarem? Como faz para ensinar? PB: Eu já comecei no 4º ano, porque como eu sabia que eu ia pegar eles no próximo ano, então, no ano anterior eu comecei já ensinando como fazer, como falar. Muitos deles mesmo, quando botam pontuação no texto, quando eles vão ler, eles não respeitam. É, eles passam direto tanto no parágrafo... eu até dei a eles uma dica... que pra eles parágrafo não é nada, até porque eles não têm teoria, o parágrafo já ajuda, porque quando você vai fazer tantas linhas, quando você vai fazer o parágrafo já pegou uma parte da linha, alguns colocam parágrafo não por causa do texto, mas por essa estratégia. Quase sempre eu consulto o que é a ideia da criança, eu pego, não corrijo as atividades na hora, coloco observações numa folha separada, aí depois eu pergunto a eles o que é que eles queriam colocar ali, pra ver se caberia ou não parágrafo, mas quase sempre eles usam parágrafo só no início dos textos, é texto corrido, o parágrafo e ponto final, é uma característica dos textos deles. Pesquisadora: Aí, quando você vê seus alunos com dificuldade geralmente você faz como? PB: Eu retomo o assunto. Ano passado eu dei uma parte sobre isso e disse que no próximo ano eles teriam um aprofundamento, mas como peguei eles novamente estou começando ponto, vírgula... O próximo assunto eu já tinha dado no ano anterior, porque muitos deles estão muito avançados em relação aos outros e eu procuro juntar quem está avançado com quem não está pra ali eles tentarem acompanhar.
Um olhar atencioso para esse depoimento permite identificar diferentes estratégias didáticas que seriam, então, mobilizadas pela docente em sua prática. Tais estratégias, por sua vez, refletiriam também diferentes tipos de ensino/dimensões da paragrafação focados por ela.
Uma dimensão constatada é a 4 (ensino voltado para as prescrições sobre o que é preciso fazer para paragrafar), pois, em seu depoimento, a professora explica que os alunos só conseguiriam usar parágrafos, de forma mais consciente, se antes conseguissem entender uma teorização sobre o parágrafo.
É preciso salientar, no entanto, que a professora, em seu relato, não deixa claro que tipo de teorização seria esse. É possível que ela esteja se apoiando no modelo de ensino comumente adotado no estudo da gramática tradicional: definição/identificação, exemplificação e aplicação/exercitação. Ou seja, primeiro o conceito deve ser apresentado ao aluno, em seguida, mostra-se um modelo a ser seguido, para depois o conceito ser colocado em prática em seus textos, imitando o modelo. Também pode-se pensar que essa teorização diga respeito a um conjunto de técnicas sobre a construção de parágrafos a serem apresentadas aos alunos.
Outra dimensão reconhecida foi a 2 (ensino voltado para o saber fazer). Há indícios dessa opção didática no trecho em que a docente comenta: “eu comecei já ensinando como fazer...”. Como vimos, essa dimensão chegou a ser contemplada na prática docente, inclusive, caracterizou-se como uma tendência.
O ensino de cunho mais reflexivo também apareceu, e com destaque, pois foi a dimensão a que a professora B mais dedicou tempo para explicar durante a entrevista. Trata-se da dimensão 1, a qual estaria voltada para o saber refletir sobre as estratégias de paragrafação de autores mais experientes ou aquelas mobilizadas pelos alunos em seus próprios textos e os efeitos de sentido que as diferentes estratégias causam.
De acordo com a docente, ela procurava explorar a paragrafação mediante a escrita dos alunos, com base em indagações do tipo: O que você queria colocar nessa parte? Caberia um parágrafo?
Embora não esteja explícito, parece que, após a escrita, a docente solicitava a revisão do texto para que os alunos fizessem as modificações percebidas durante suas intervenções. Vale ressaltar, no entanto, que esse tipo de reflexão com base nos textos dos alunos não chegou a ser presenciada nas aulas observadas.
Por fim, a última dimensão percebida foi a 3 (saber falar). No trecho “eu comecei já ensinando como fazer, como falar”, ela também estimularia a capacidade dos alunos de explicarem seus conhecimentos sobre a paragrafação.
Assim, os dados indicam que a professora B compreende que é possível explorar a paragrafação por meio de diferentes estratégias didáticas; entretanto, a pouca frequência dessas e as lacunas apresentadas em sua mediação fazem com que esses momentos se tornem pouco produtivos para os alunos.
Conclusões
Nas discussões efetuadas, foi possível concluir que diferentes dimensões da paragrafação foram explicitadas e/ou praticadas pelas professoras. As estratégias, em sua maioria, eram potencialmente favoráveis à reflexão e à ação pelos estudantes, no entanto, foram observadas diferenças entre as docentes.
As professoras A e B diversificaram as estratégias, porém deram ênfases diferentes. A professora A realizou várias atividades, de forma mais sistemática. Já a professora B, embora tenha utilizado mais de uma estratégia, apenas abordou a paragrafação em quatro momentos durante as dez aulas.
O depoimento da professora A evidenciou que ela reconhecia a necessidade de variar as estratégias didáticas e sua prática estava em consonância com o que foi dito. Todavia, ela tinha certa dificuldade de coordenar as discussões em sala de aula, não favorecendo a contraposição entre as hipóteses das crianças.
Em relação à professora B, entretanto, a coerência entre o seu depoimento e sua prática não foi tão visível. Ela mencionou diferentes dimensões do ensino da paragrafação, mas não contemplou todas elas em suas aulas. No entanto, tal aparente contradição pode não ser indicativo de falta de consistência teórica. Na verdade, pode-se interpretar que ela dominava razoavelmente bem o discurso - referente ao ensino da análise linguística -, mas também estava influenciada por outro discurso, que rejeita o ensino da gramática na escola. Percebe-se isso pelo fato de a docente sinalizar como sua principal estratégia de ensino, justamente, uma das orientações mais enfatizadas pelos PCN (Brasil. MEC, 1997) - aproveitar o texto dos alunos para verificar as necessidades de trabalho com o eixo da análise linguística e realizar as intervenções -, mas, na prática, destinar pouco tempo pedagógico para atividades de análise linguística.
A pesquisadora Maria Helena Neves (1991), ainda na década de 1990, pôde constatar que muitos professores foram despertados para uma crítica dos valores da gramática tradicional e isso aparecia em muitas de suas falas. A autora alertava que, entre reconhecer que a forma de ensino da gramática não estava cumprindo com o seu objetivo e, de fato, propor situações reflexivas, significativas e sistemáticas, tem-se um longo caminho a ser percorrido.
Este estudo evidenciou que ambas, sobretudo a professora B, reconheciam a paragrafação como conteúdo curricular legítimo e planejavam situações didáticas pertinentes a tal ensino. No entanto, demonstraram ter dificuldades em realizar um ensino mais produtivo da paragrafação, pois não faziam uma mediação mais problematizadora sobre esse conteúdo. Tal tipo de dificuldade pode ser consequência da pouca atenção dada a esse tema em estudos sobre a didática da língua em processos de formação continuada de professores.
Desse modo, os dados parecem revelar uma necessidade de aprofundamento de estudos sobre o tema no âmbito tanto da pesquisa quanto da formação docente. Alerta-se, portanto, que as equipes gestoras das secretarias de educação precisam levar em consideração o movimento de profissionalização docente para subsidiarem o professor em seu trabalho, por meio da escuta dos anseios docentes, antes de planejarem as formações continuadas.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2017
Histórico
-
Recebido
01 Nov 2015 -
Revisado
18 Maio 2016 -
Aceito
01 Jun 2016