Open-access Capitalismo: e depois?

Capitalism: now what?

WALLERSTEIN, I. ; COLLINS, R. ; MANN, M. ; DERLUGUIAN, G. ; CALHOUN, C. Le capitalisme a-t-il un avenir? [O capitalismo tem um futuro?]. Paris: La Découverte, 2016.

O ano de 2017 e os seguintes reservam surpresas não utópicas, mas distópicas, que fazem reler Orwell, Huxley e outros. Entretanto, a obra aqui resenhada não é catastrofista ou profética, é um apocalipse fundamentado nas ciências sociais, no sentido original da palavra, revelação. Em tempo de democracias em risco, o livro é uma lição: ao reunir cinco grandes cientistas, encontram-se convergências e divergências. Então, os coautores escreveram em conjunto a introdução e a conclusão, tendo cada um desenvolvido sua perspectiva num capítulo. Assim, em vez de uma visão singular e pobre, o leitor conta com uma plural e enriquecedora.

Introduzindo a obra, cumpre destacar que a literatura há muito tem focalizado na robotização e no desenvolvimento da inteligência “artificial” (Ford, 2016). Existe a perspectiva concreta de que algoritmos venham a “resolver” problemas complexos, substituindo talvez até médicos e advogados. Certamente, a aplicação de tantos fundos em ousados projetos de pesquisa ao longo de décadas só se faz com a relativa certeza de retorno bem maior, diminuindo os custos de produtos e serviços e aumentando a lucratividade: quem semeia, exige colher.

Como informado pelo livro, depois dos 30 anos de crescimento econômico após a II Guerra Mundial (os Trinta Gloriosos), as crises do petróleo, a queda do Muro de Berlim e a Grande Recessão de 2008 desenharam a face do novo quadro econômico mundial, na qual a renda é concentrada e os empregos novos com frequência são menos valorizados que os extintos. É lembrado na obra que, como na frágil República de Weimar, antes do nazismo, um cenário como esse não acontece sem profundas e arriscadas mudanças políticas. Por isso, são identificadas paisagens futuras, já que, nos próximos três ou quatro decênios, com os mercados de consumo saturados, capitalistas poderão não mais suportar seus encargos sociais e ambientais.

Calhoun estima que o capitalismo, se reformado, pode se salvar. Seu esteio maior é o argumento de que o sistema não é só economia de mercado, mas economia política. Os capitalistas assumiriam a responsabilidade pelos custos estruturais de suas ações, isto é, deixariam os anéis para preservar os dedos.

Mann também destaca a política, compreendendo sua complexidade, assim como a da geopolítica e da geoestratégia. Como os conflitos emergentes da crise ecológica podem desaguar em soluções totalitárias e conflitos armados, ele se inclina à solução social democrata, com profunda mudança do quadro institucional presente.

Por sua vez, Derluguian ressitua a União Soviética na geopolítica, causa de sua destruição. Como o comunismo não era alternativa viável ao capitalismo, desmoronou-se. Porém a China foi flexível o suficiente para impedir que esse mesmo processo acontecesse com sua forma de comunismo. Como os demais coautores da obra, ele alerta para o risco da fragmentação do mundo em vários blocos hostis e xenófobos.

Enquanto Mann e Derluguian delineiam perspectivas mais otimistas, Wallerstein alerta para a emergência de vários sistemas-mundos. O capitalismo tem 500 anos, todavia, sistemas não são eternos. Ele considera que a crise mundial não levará a revoluções modernas, já que o capitalismo não é um espaço determinado. Cabe lembrar, contudo, que os movimentos antiglobalização se concentraram em símbolos concretos do capitalismo, como Wall Street, da mesma forma que a Revolução Francesa focou na Bastilha. Wallerstein também lamenta a ilusão ideológica do século 20, na qual o sistema capitalista se resumia à fórmula “economia de mercado + trabalho assalariado”. Autores como Castells e Bauman, entre outros, contribuem para esclarecer essa associação. O primeiro salienta as redes globais e as novas formas desmobilizantes de relação capital-trabalho. Já para Bauman, as lutas de classe se desvaneceram, pois se estabeleceu a luta entre indivíduo e sociedade, esta culpando a pessoa pelo desemprego e pelo fato de ser um perdedor (ou looser, conforme o fantasma mobilizado desde a infância em inúmeras sociedades). A competitividade, em nome de suposta eficiência, lança toda sua malignidade sobre o indivíduo, refigurado como vítima culpada, com vergonha e autodesprezo, a afogar-se no medo líquido, no amor líquido, na vigilância líquida.

No entanto, a perspectiva mais angustiante e de relevo do livro é a de Collins, que já nos anos 1970 previra o fim do socialismo de estado: angústia pelas novas gerações, por uma educação para a pessoa humana e pelo risco de distopias concretizadas hoje mesmo. Collins coloca no centro do palco o desafio das consequências políticas e sociais do desemprego estrutural de massa, que poderá avançar como um vagalhão sobre as classes médias educadas, que são as bases políticas e sociais de apoio ao capitalismo. Tal desemprego, alcançando talvez no meio do século 21 cerca de 50% (maior para os jovens), é resultado da bicicleta que o capitalismo acelera para manter-se de pé: o fluxo de inovações incessantes, não só na robótica, mas na inteligência artificial e em outros campos, para substituir a decisão humana, a fim de que os processos decisórios se concentrem em número mais reduzido de privilegiados. Claro que algoritmos podem ser embebidos em ideologias falsificadoras da realidade, suscitando assim processos inéditos de controle e vigilância líquida. As inovações, tendo o “céu” por limite, permitem substituir e pagar cada vez menos aos trabalhadores, ao mesmo tempo que produzem a preços cada vez mais baixos. Assim, emerge uma contradição já constatada por Marx e Engels no século 19: a quem vender tais produtos e serviços? Com base nisso, previram o fim do capitalismo, sem aventar que anéis fossem abandonados em troca dos dedos. Uma solução para a falta de trabalho é a “renda mínima”, que pode manter multidões em regime de vita minima.

Em cenários de 50% de desemprego, Collins indaga se as transformações se efetuarão com ou sem sangue. A educação terá os diplomas ainda mais inflacionados, com valor cada vez menor, como dinheiro no supermercado, porque as oportunidades ocupacionais para o número crescente de candidatos se reduzirão. Conforme Estêvão, em vez de se livrar da exploração, os candidatos aumentarão a fila para serem explorados. Não se admire do número de consequências, em particular para a juventude: frustrações, baixo aproveitamento, evasão, drogas, radicalização, fundamentalismos etc. A escola se torna refúgio para falta de trabalho em face da exigência de qualificações cada vez mais altas. Para os fugitivos, resta envolver-se nos circuitos de produção de diplomas, no autodidatismo tecnológico, cada vez mais solitários e marginalizados, ainda mais se não aprenderam a estudar. Para tanto, é preciso fabricar diplomas mais baratos em série, eliminando professores e elevando o desemprego tecnológico.

O cortejo de misérias inclui ainda o racismo, a xenofobia, a radicalização e a busca por uma fuga da globalização, todos processos de ereção de muralhas, em vez de pontes; já detectados por Thurow (1997) antes das Torres Gêmeas. Collins também se refere à xenofobia das classes operárias em países mais desenvolvidos, cujos empregos foram ocupados por migrantes de países periféricos. No Sul dos Estados Unidos, o racismo se alimentou do fato de ex-escravos aceitarem menores pagamentos que brancos pobres. Situação semelhante enfrentam os moçambicanos na África do Sul e tantos grupos em vários lugares. Por isso, Collins e Wallerstein consideram o período pós-capitalista na perspectiva de uma crise final.

Nas conclusões, os coautores identificam e analisam as convergências entre seus argumentos. Estão de acordo com um futuro sombrio por várias décadas, uma vez que grandes estruturas históricas custam a se desmoronar e transformar. Os pesquisadores assinalam a emergência do fundamentalismo etnopatriótico ou religioso, da xenofobia e dos riscos de superprotecionismo (a versão original desta obra veio a lume em 2013!). Fatos que vieram em grande parte do fundamentalismo da “nova direita”, que chegou ao poder nos anos 1980, no eixo Estados Unidos-Reino Unido. O fundamentalismo ultraliberal de mercado, como semente daninha, fez germinar outras posturas ortodoxas. Ao promover a financeirização dos estados, a nova direita atendeu à inclinação de políticos gastarem mais a crédito. Por outro lado, nesse conluio, grupos financeiros buscaram lucros crescentes, tornando suas empresas demasiado grandes para falirem. Dessa forma, foram socorridos pelos estados como “mal menor”, na Grande Recessão de 2008. Com isso, há reclamações quanto à falta de recursos para políticas sociais. O dinheiro não evaporou, em vez disso foi realocado para salvar grandes empresas e pagar o serviço e o principal das dívidas públicas interna e externa.

Diante desse cenário, qual a esperança? Agir pacificamente na política, elaborar propostas consistentes, viáveis, um novo paradigma, como o ultraliberalismo fez até se encravar na contemporaneidade. Mais uma vez entra a dialética, porém sua contribuição depende de um conhecimento mais sólido da realidade, sem os véus do que se deseja, mas com a nudez do que se quer. Os seres humanos têm a possibilidade de serem sujeitos dotados de capacidades de escolha e ação, para construir uma economia do bem comum. Segundo Tirole (2016), a pesquisa do bem comum (conceito odioso a ortodoxos) passa em grande parte pela construção de instituições para atender ao interesse geral. Nesse sentido, a economia de mercado não é um fim em si, mas um meio imperfeito para alcançar fins maiores.

Referências bibliográficas

  • FORD, M. Robôs: a ameaça de um futuro sem emprego? Lisboa: Bertrand, 2016.
  • THUROW, L. O futuro do capitalismo Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
  • TIROLE, J. Économie du bien commun Paris: Presses Universitaires de France, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2017
  • Revisado
    27 Jun 2017
  • Aceito
    25 Jul 2017
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