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ELEMENTOS ESSENCIAIS DA NOÇÃO CATÓLICA DE REVELAÇÃO

Essential Features of the Catholic Notion of Revelation

RESUMO

No último século e meio, a reflexão teológica católica sobre a revelação desenvolveu-se exponencialmente. Hoje, contudo, ela ainda se defronta com pontos que precisam ser trabalhados: 1) a expressão adequada da originalidade da revelação cristã junto com 2) o definitivo abandono de abordagens exclusivistas que recusam autenticidade fora de seu âmbito; 3) ir além do tradicional binômio Natural – Sobrenatural, caracterizado pela invencível deficiência de se conceber certas coisas como Natureza pura; 4) compreender a revelação cristã de modo associado às demais religiões. Este artigo situa-se em continuidade com a reflexão católica latino-americana. O texto apresenta cinco elementos (e as respectivas fundamentações) que fazem parte da noção católica de revelação que trabalha os pontos acima. Os elementos apresentados limitam-se ao âmbito da revelação que acontece neste mundo em que vivemos antes da morte. O tema da revelação divina pós-morte e na parusia não é abordado.

PALAVRAS-CHAVE
Teologia Fundamental; Diálogo inter-religioso; Ressourcement ; Teologia Decolonial; Vítimas

ABSTRACT

In the last one and a half century, Catholic theological reflection on revelation has undergone an exponential development. Today, however, it still faces issues that need to be dealt with: 1) a proper expression of the originality of Christian revelation along with 2) a definitive abandonment of the exclusivist approach that rejects any authenticity outside its boundaries; 3) a departure from the traditional Natural–Supernatural pair, which is hampered by the major handicap of conceiving certain things as pure Nature; 4) an understanding of Christian revelation in conjunction with other religions. This article stands in continuity with Latin American Catholic theology. It presents five topics (along with their respective justifications) that form part of a Catholic notion of revelation that deals with the above-mentioned issues. These topics are limited to the revelation that takes place in this world prior to death. The topic of postmortem divine revelation is not discussed.

KEY WORDS
Fundamental Theology; Interreligious Dialogue; Ressourcement ; Decolonial Theology; Victims

Introdução

Por tempo considerável o tema da revelação divina não era visto como assunto que precisasse ser estudado de maneira sistemática. Na Época Patrística, “os primeiros autores cristãos não abordavam o tema da revelação como um problema, mas o assumiam como fato evidente que não necessitava de provas. Apesar de alguma crítica ocasional, na Antiguidade o fato das manifestações divinas não era posto em dúvida” (STOCKMEIER, 1971STOCKMEIER, P. Offenbarung in der frühchristlichen Kirche. In: SCHMAUS, M. et al. (Ed.). Die Offenbarung: von der Schrift bis zum Ausgang der Scholastik. Freiburg im Breisgau: Herder, 1971, p. 27-30. (Handbuch der Dogmengeschichte, I-1a)., p. 28). Só bem mais tarde é que o assunto foi sendo posto no centro das atenções. A reflexão teológica católica sobre a revelação divina galgou a patamar inédito de intensidade sobretudo no último século e meio. Por exemplo, ao longo de toda a história da Igreja, o primeiro concílio ecumênico que preocupou-se em dedicar ao menos um capítulo ao específico tema da revelação foi o Vaticano I em 1870, e o primeiro a consagrar uma inteira constituição ao mesmo assunto foi o Vaticano II em 19651 1 Em 1870, o capítulo 2 da Constituição dogmática Dei Filius do Concílio Vaticano I teve por título "Sobre a revelação" ("De Revelatione", DH n. 3004-3007). Em 1965, o Concílio Vaticano II redigiu a Constituição dogmática sobre a Revelação divina Dei Verbum (DH n. 4201-4235). . Em particular no século XX, a intensificação dos estudos sobre o tema da revelação foi um dos muitos frutos eloquentes das renovações bíblica, patrística e litúrgica, vertentes do processo de ampla envergadura que ficou conhecido como volta às fontes ou ressourcement (FLYNN; MURRAY, 2012FLYNN, G.; MURRAY, P. (Ed.). Ressourcement: A Movement for Renewal in Twentieth-Century Catholic Theology. Oxford: Oxford University Press, 2012., p. 1-3). A volta às fontes permitiu notável aprofundamento na compreensão do tema da revelação divina conforme às origens no Antigo Israel e no tempo de Cristo e dos apóstolos, além de enriquecer sobremaneira a compreensão do mesmo assunto nos primeiros séculos da Igreja pós-apostólica.

Antes desse aprofundamento, para muitos a Teologia Fundamental era rígida e insossa. Papa Francisco, que fez seus estudos teológicos entre 1967 e 1970 em San Miguel, Argentina (DICASTÉRIO, 2013DICASTÉRIO PARA A COMUNICAÇÃO. Biografia do Santo Padre Francisco. Roma: 2013. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/biography/documents/papa-francesco-biografia-bergoglio.html . Acesso em: 10 outubro 2023.
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, sem paginação) partilhou sem rodeios sua experiência com tal matéria: “Teologia Fundamental! É como chupar um prego!” (TENACE, 2018TENACE, M. (Ed.). Del clavo a la clave: la Teología Fundamental del papa Francisco. Madrid: BAC, 2018., p. xii). A despeito disso, a intensidade das reflexões sobre a temática da revelação divina que se desenvolviam já naquele período levou René Latourelle – um dos grandes nomes nesse campo no século XX e justamente intitulado “pai da Teologia Fundamental” (APARICIO VALLS, 2021APARICIO VALLS, M.C. P. René Latourelle, il “Padre” della Teologia Fondamentale. La Gregoriana, Roma, v. 26, n. 57, p. 32-33, Giugno 2021., p. 32) – a comentar, na década de 1960, que a Teologia da revelação parecia então um “imenso canteiro de obras” (LATOURELLE, 1985LATOURELLE, R. Teologia da Revelação. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 1985., p. 8). Nas últimas décadas do século XX e primeiras do XXI, o aparecimento de um sem-número de obras de Teologia Fundamental continuou atestando a importância e atualidade das reflexões sobre a revelação divina.

Não obstante todos esses fecundos trabalhos já de longa data, há alguns anos Piero Coda – atualmente secretário geral da Comissão Teológica Internacional, importante órgão da Cúria Romana de assessoria ao Pontífice – falou ainda da necessidade de um renovado conceito católico de revelação que dê conta da questão (que hoje se põe com força em toda a pungência de seu significado) da diversidade das religiões. Piero Coda explicita alguns pontos que precisam aparecer nesse conceito: 1) a Teologia cristã precisa se expressar no que oferece a partir de sua originalidade; 2) deve-se abandonar definitivamente a abordagem exclusivista que rejeita toda presença de autenticidade revelativa fora dos limites da revelação judaico-cristã; 3) o que se verifica fora dos limites da revelação judaico-cristã não pode ser pensado no tradicional quadro do binômio NaturalSobrenatural, e simplesmente reduzido a dado natural, meramente humano, distinto de eventos sobrenaturais ou divinos; 4) comportar o resoluto engajamento de compreender a revelação cristã de modo associado às demais religiões (CODA, 2005CODA, P. Rivelazione/i in prospettiva teologica. Questioni e percorsi. In: FERRI, R.; MANGANARO, P. (Ed.). Gesto e Parola: Ricerche sulla Rivelazione. Roma: Città Nuova, 2005, p. 21-40., p. 21-23). O “canteiro de obras” continua em atividade.

A reflexão teológica latino-americana não carece de relevância nessa empreitada. Em nosso âmbito, a textos clássicos em Teologia Fundamental somam-se produções que se sucedem2 2 A título de exemplo mencionamos alguns autores e obras. João Batista Libanio dedicou não pouco esforço ao tema da revelação, como em Pontos de partida ao problema da revelação no atual momento teológico (1972), Teologia da revelação a partir da modernidade (1992) e Introdução à Teologia Fundamental (2014). Jon Sobrino escreveu La Páscua de Jesús y la revelación de Dios desde la perspectiva de las víctimas (1995). Clássico também é o manual de Teologia Fundamental do CELAM, de Octavio Ruiz Arenas: Jesús, Epifanía del amor del Padre (1987). Recentes são as obras de Donizete Xavier (2021) e Jorge Costadoat (2022). . As categorias de encontro, vítimas, martírio e pobres assinalam referenciais que transcendem fronteiras geográficas. Em 2007, no discurso inaugural da Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, o Papa Bento XVI sublinhou que “a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós para enriquecer-nos com sua pobreza (2Cor 8,9)” (DAp, 2007, p. 273). Bento XVI “reafirma desse modo a presença do pobre na base da prática da fé cristã e de sua importância para a Teologia Fundamental” (LIBANIO, 2014LIBANIO, J. B. Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Paulus, 2014., p. 88). Contudo, nossa reflexão latino-americana sobre a revelação depara-se com dois desafios. Primeiro, aprofundar-se na dinâmica de grande magnitude que é a volta às fontes. Esta, no atual contexto, pode ser fecundamente expressa como guinada decolonial “que engloba crítica, resistência e atuação sobre o conhecimento e sobre os modelos de desenvolvimento e convivência” (RODRÍGUEZ, 2016, p. 436; TONELLI, 2020TONELLI, D. Decolonial Theology and Changing the Global Church. Berkley Forum (Washington, D.C.), 2020. Disponível em: https://berkleycenter.georgetown.edu/responses/decolonial-theology-and-changing-the-global-church#:~:text=Decolonial%20theology%20entails%20the%20overcoming,spread%20throughout%20the%20whole%20world. Acesso em: 10 outubro 2023.
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, sem paginação) que se elevam, na epistemologia e na cotidianidade da vida, sobre matrizes coloniais de saber e poder. A razão da fecundidade é que, no núcleo último que a Teologia da revelação se esforça em perscrutar, há riquezas que, antes menos compreendidas, revelam seu caráter desinstalador quando mais bem assimiladas. Segundo, lançar-se num horizonte mais vasto que a permita ser reconhecida – como fruto do método teológico católico – no contexto geral da noção de revelação pertinente à Ásia, África, Oceania, Europa e América do Norte. Para isso é necessário como que morrer conforme a analogia do grão de trigo: “se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só; mas, se morre, produz muito fruto” (Jo 12,24). A morte, nesse caso, é a assimilação vital deste vasto horizonte por nossa reflexão latino-americana, para paradoxalmente produzir frutos típicos e exponencialmente mais abundantes. Evitar esse tipo de morte conduz à pusilanimidade por introversão e medo, mas lançar-se a ela conduz à magnanimidade pela saída de si, confiantes que “a semente germina e cresce sem que o homem saiba como” (Mc 4,27).

Este artigo apresenta cinco elementos essenciais – com algumas subdivisões – que, na linha acima e em continuidade com a reflexão latino-americana, fazem parte da noção católica de revelação, junto com a fundamentação para eles. Vários deles encontram-se nos manuais de Teologia Fundamental, mas não da maneira sistematizada em que aqui aparecem.

Os elementos apresentados limitam-se à revelação neste mundo em que vivemos antes da morte. Não é abordado o tema da revelação divina que acontece após a morte, especialmente na parusia, o tempo futuro do “novo céu e nova terra” (Ap 21,1), que exigiria tratamento mais extenso. As citações de textos em língua estrangeira são feitas mediante nossa tradução.

1 A questão dos paradigmas de revelação

A diferença entre Alguém e algo é evidente e fácil de ser compreendida nas diversas línguas. Ela ajuda-nos a identificar os dois paradigmas diferentes com os quais se pode pensar e conceber o objeto da revelação divina – isto é, o que é revelado – e posto ao nosso alcance por Deus neste mundo em que vivemos e nesta vida antes da morte. A revelação, “antes que manifestação de alguma coisa, é manifestação de Alguém a alguém. É Javé ao mesmo tempo sujeito e objeto da revelação, Deus que revela e Deus revelado, Deus que se dá a conhecer e se faz conhecer” (LATOURELLE, 1985LATOURELLE, R. Teologia da Revelação. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 1985., p. 37-38).

Para a noção católica de revelação, é importante adotar o paradigma de que aquilo que neste mundo temos como revelação é sobretudo Alguém. Aqui, nesta vida antes da morte, o que é revelado é principalmente Alguém, e só secundariamente algo, palavras. O beneditino Christopher Basil Butler, importante padre conciliar durante o Vaticano II, resumiu de modo claro dizendo que o objeto da revelação a nós aqui disponível – a manifestação salvífica que Deus nos concedeu – não é composto meramente de palavras verdadeiras: é o próprio Cristo em sua pessoa, a “presença real de alguém, que nasceu por volta de 6 a.C. e morreu por volta de 30 d.C. [...], a cada ser humano [...] ao longo dos séculos e em todo o mundo. Isto é algo único no âmbito dos acontecimentos humanos. Ninguém além de Cristo tem esta presença atual e universalizada” (BUTLER, 1967BUTLER, C., Revelation and Inspiration. In: BUTLER, C. The Theology of Vatican II: The Sarum Lectures 1966. London: Darton, Longman & Todd, 1967, p. 28-58., p. 37). À luz desse paradigma de revelação como sendo sobretudo Alguém, a Palavra de Deus por excelência é precisamente esse Alguém, Jesus Cristo, que excede e vai além do livro – algo, coisa – e que é imediatamente acessível, mais acessível que o livro. Tal acessibilidade imediata pode converter-se em relação pessoal ou encontro com Cristo, categorias muito caras à reflexão latino-americana em particular, embora não originais dela (LIBANIO, 1972LIBANIO, J. B. Pontos de partida ao problema da revelação no atual momento teológico. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 32, n. 125, p. 5-25, Mar./1972., p. 20-23; DAp, 2007, n. 240-265). O encontro salva o ser humano de seu egoísmo, lança-o à dimensão teologal. “O limite de tal perspectiva é ficar presa demais a uma visão personalista, a não ser que se explore mais o encontro comunitário, seu aspecto social, crítico, contribuição válida da Teologia política” (LIBANIO, 1972LIBANIO, J. B. Pontos de partida ao problema da revelação no atual momento teológico. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 32, n. 125, p. 5-25, Mar./1972., p. 23). Nesse sentido, tal encontro é particularmente vital para nossos povos, “muitos deles golpeados, ignorados, despojados, [mas que] não abaixam os braços, e com sua religiosidade característica se agarram no imenso amor que Deus tem por eles e que lhes recorda permanentemente sua própria dignidade” (DAp, 2007, n. 265). As implicações desse encontro para a existência concreta, deixando-se transformar por Aquele com quem se encontra para assim segui-lo com maior entrega de si, são temas recorrentes no Magistério do Papa Francisco, especialmente nos documentos Evangelii Gaudium, Laudato si’ e Misericordiae vultus (APARICIO VALLS, 2018APARICIO VALLS, M.C. La Palabra significativa. In: TENACE, M. (Ed.). Del clavo a la clave: la Teología Fundamental del papa Francisco. Madrid: BAC, 2018, p. 19-28., p. 22-25). A explícita adoção desse paradigma de revelação é crucial porque ele caracterizava o Antigo Israel, era aquele do próprio Cristo e dos apóstolos, e era seguido pela Igreja nos primeiros séculos da Época Patrística. Depois ele ficou como que esquecido, e foi resgatado oficialmente pelo Concílio Vaticano II.

Há outro paradigma de revelação que concebe o objeto da revelação hoje a nós disponível como sendo apenas algo, ou coisa. Conforme esse segundo paradigma, aquilo que os seres humanos receberam e têm à disposição, neste mundo e nesta vida antes da morte, como revelação é algo: são coisas, em geral pensadas como palavras. Tal paradigma coisificado ou verbalista de revelação é poderoso e bastante difundido. Ele é concepção de revelação vigorosa desde a Antiguidade e é encontrado em âmbitos que, sob outros aspectos, são muito díspares entre si, por exemplo: 1) Antiguidade pagã (BEVAN, 2014BEVAN, E. Sibyls and Seers: A Survey of Some Ancient Theories of Revelation and Inspiration. London: Routledge Revivals, 2014., p. 129-150); 2) Teologia islâmica da revelação (SAEED, 2008SAEED, A. The Qur’an: An Introduction. London: Routledge, 2008., p. 22.32; ALVES, 2021ALVES, C.A. Muhammad Hamidullah on the Islamic Theology of Revelation: Topics for a Discussion on Comparative Theology. Caminhos de Diálogo, Curitiba, v. 9, n. 14, Jan./Jun. 2021, p. 84-98., p. 87-88); 3) Teologia cristã na maior parte do segundo milênio, a saber:

- Teologia Escolástica, da qual o gigante S. Tomás de AquinoTOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. v. 4. São Paulo: Loyola, 2016. é o exemplo principal: “a revelação divina, que supera o humano intelecto, desceu [descendit, pretérito perfeito do indicativo ativo] até nós sob forma de revelação, não porém mostrada como em forma de visão, mas como frases apresentadas de maneira que nelas pudéssemos crer”3 3 “divina veritas, intellectum humanum excedens, per modum revelationis in nos descendit, non tamen quasi demonstrata ad videndum, sed quasi sermone prolata ad credendum”, SCG IV,1.

(TOMÁS, SCG IV,1; HORST, 1971HORST, U. Das Offenbarungsverständnis der Hochscholastik. In: SCHMAUS, M. et al. (Ed.). Die Offenbarung: von der Schrift bis zum Ausgang der Scholastik. Freiburg: Herder, 1971, p. 116-143. (Handbuch der Dogmengeschichte, I-1a)., p. 128-138);

- Reformadores protestantes no século XVI, formados à luz de conceitos básicos da Teologia Escolástica

(BAILLIE, 1956BAILLIE, J. The Idea of Revelation in Recent Thought. New York, NY: Columbia University, 1956., p. 31);

- Contrarreforma e Concílio de Trento

(DH n. 1501; WALDENFELS, 1977WALDENFELS, H. Die Lehre von der Offenbarung in der tridentinischen Ära. In: SCHMAUS, M. et al. (Ed.). Die Offenbarung: Von der Reformation bis zur Gegenwart. Freiburg: Herder, 1977, p. 26-52. (Handbuch der Dogmengeschichte, I-1b)., p. 26-52);

- Concílio Vaticano I

(DH n. 3004-3006);

- Tradicionalistas católicos, que significa aqueles que gravitam em torno das ideias dos bispos Marcel Lefebvre e Antônio de Castro Mayer, como os autores e apoiadores da carta Correctio filialis de haeresibus propagatis escrita em 2017 contra o Papa Francisco

(ALVES, 2018ALVES, C.A. La rivelazione nella Correctio filialis e nella Dei Verbum. Gregorianum, Roma, v. 99, n. 4, Ott./Dic. 2018, p. 695-718., p. 698-703).

2 Pressuposto da noção católica de revelação

A noção católica de revelação utiliza fecundamente o binômio CriadoIncriado, que substitui o binômio NaturalSobrenatural. Criado designa todo o âmbito da criação, e o Incriado é Deus. A noção católica de revelação pressupõe que tudo o que faz parte do âmbito do Criado conta, sem exceção e a todo momento, com a graça de Deus, o Incriado. Ela presume que todo o Criado, sem exceção, está sempre e a todo momento sob direta ação e influência divinas. Também a razão e liberdade das criaturas humanas estão, sempre e a todo instante, sob direta ação e influência do Incriado. O binômio CriadoIncriado, com as concepções acima referidas, tem sólidas raízes no dado revelado e na Sagrada Escritura. A utilização desse sólido binômio faz com que a Bíblia se torne de fato alma da Teologia Fundamental. Sua adoção, em substituição ao binômio NaturalSobrenatural, é expressão, nesta disciplina, do princípio formulado e sublinhado em 1893 pelo Papa Leão XIIILEÃO XIII. Encíclica Providentissimus Deus. Roma: 1893. Disponível em: https://www.vatican.va/-content/leo-xiii/la/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_18111893_providentissimus-deus.html. Acesso em: 10 outubro 2023.
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na Encíclica Providentissimus Deus: “É realmente recomendável e necessário que o uso da Escritura Divina governe toda a ciência teológica e seja como que sua alma”4 4 “Illud autem maxime optabile est et necessarium, ut eiusdem divinae Scripturae usus in universam theologiae influat disciplinam ei usque prope sit anima”; o trecho não se encontra no Denzinger. . Esse princípio foi frisado e repetido em 1965 pelo Concílio Vaticano II no Decreto Optatam Totius, n.16 (“Os alunos sejam formados com especial atenção no estudo da Sagrada Escritura, que deve ser como que a alma de toda a Teologia”) e na Constituição Dei Verbum, n. 24 (“O estudo dos Livros Sagrados deve ser como que a alma da Sagrada Teologia”).

O termo supernaturalis, cujo emprego sempre supõe sua associação no binômio NaturalSobrenatural, ganhou destaque em certa altura da Teologia Escolástica. “Seu uso, que permaneceu raro até meados do século XIII, só se generalizou depois de São Tomás de Aquino” (DE LUBAC, 1946DE LUBAC, H. Surnaturel: études historiques. Paris: Aubier-Montaigne, 1946., p. 327). A partir do século XVII, ele passou a ser fortemente associado à ideia de Natureza Pura. Esta significava uma concepção da “Natureza como completa, consistente, suficiente e independente” (DE LUBAC, 1946DE LUBAC, H. Surnaturel: études historiques. Paris: Aubier-Montaigne, 1946., p. 174) de qualquer âmbito superior, transcendente, divino. A ideia de Natureza pura, sem dúvida, parecia cômoda, mas levou ao risco de secularizar o exercício da razão e do livre-arbítrio humanos (DE LUBAC, 1946DE LUBAC, H. Surnaturel: études historiques. Paris: Aubier-Montaigne, 1946., p. 161). Isso tornou-se um handicap invencível para o binômio NaturalSobrenatural em Teologia Fundamental, pois conduz a pensar certas coisas do âmbito Natural (por exemplo, razão e livre-arbítrio) como podendo funcionar sem influência do Sobrenatural, sem estar sempre e a todo momento sob direta ação e influência divinas.

O problema já foi muito debatido por teólogos renomados como Henri de Lubac e Karl Rahner. Não obstante indispensável na história do assunto, a reflexão de Rahner não superou o binômio NaturalSobrenatural, mas o manteve. Rahner, na verdade, conservou tal distinção e terminologia de base aplicando-a parcialmente à solução que oferece ao problema, o existencial sobrenatural (RAHNER, 1989RAHNER, K. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulinas, 1989., p. 157-159).

De um lado, por pressupor que tudo o que faz parte do âmbito do Criado traz junto de si (sem exceção e a todo momento) a graça do Incriado, e que todo o Criado (sem exceção, incluindo razão e livre-arbítrio humanos) está sempre e a todo momento sob direta ação e influência divinas, o binômio CriadoIncriado é mais apropriado e leva a resultados mais felizes em Teologia Fundamental. De outro lado, por conduzir a pensar que certas coisas do âmbito Natural – como razão e livre-arbítrio – podem funcionar como Natureza pura sem influência do Sobrenatural, convém deixar de lado o binômio NaturalSobrenatural. O termo supernaturalis está já ausente do texto latino da Constituição Dei Verbum sobre a revelação divina.

3 Mistério de Deus e plenitude da revelação divina

No sentido usual, o termo mistério significa uma deficiência de conhecimento. A palavra mistério, na linguagem comum, é sinônimo de desconhecido, enigma ou problema. Nesse caso, quando a deficiência acaba, o mistério também termina. Não é esse, porém, o sentido do conceito de mistério em Teologia Fundamental. O mistério em Deus – e em todo Outro Alguém – não é enigma ou problema, os quais ao menos em tese poderiam encontrar solução. Mistério é qualidade positiva e constante de todo Outro, de todo Alguém. Mistério é o que faz o Outro ser sempre Outro Alguém em relação a mim, ao invés de eu mesmo. O Outro Alguém permanecerá sempre alteridade em relação a mim. No ato da revelação e na plenitude da revelação divina, Deus não suprime seu mistério, que é o mistério de sua liberdade e de sua alteridade em relação a cada um de nós (KASPER, 1985KASPER, W. Le Dieu des Chrétiens. Paris: Cerf, 1985. (Cogitatio Fidei, 128)., p. 189-190). “O mistério divino não é horizonte final ainda acessível que escapa ao nosso conhecimento, mas conteúdo fundamental da revelação divina. Não é declaração negativa, mas declaração positiva” (KASPER, 1985KASPER, W. Le Dieu des Chrétiens. Paris: Cerf, 1985. (Cogitatio Fidei, 128)., p. 196).

Ao longo da história de Israel, houve um processo revelativo que chegou à plenitude: tudo que Deus tinha para revelar sobre si foi ali dado a descobrir. No processo revelativo desse Outro Alguém, o Incriado jamais vem experimentado como eu mesmo, mas sim como o Totalmente Outro. “Em sua realidade profunda é sempre o Deus insondável, o Totalmente Outro: esquiva-se o seu mistério” (LATOURELLE, 1985LATOURELLE, R. Teologia da Revelação. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 1985., p. 36). Mesmo quando plenamente revelado, esse Outro Alguém é alteridade radical em relação a mim, não pode ser possuído pelo meu eu, é diferente de mim. Por isso, na plenitude da revelação de Deus acontecida no evento de Jesus Cristo, o mistério do Incriado permanece presente e continuará pela eternidade. Mesmo tendo acontecido a revelação da plenitude, o mistério divino não acabou. A revelação acontecida na história da salvação e culminada em Cristo não desvenda o mistério divino, que nos é revelado como a qualidade positiva e permanente da alteridade divina em relação a nós (KASPER, 1985KASPER, W. Le Dieu des Chrétiens. Paris: Cerf, 1985. (Cogitatio Fidei, 128)., p. 387). O mistério em Deus é qualidade constante, assim como é qualidade constante em todo Outro com o qual nos relacionamos. Experimentar o mistério divino é experimentar qualidade positiva do Incriado que se revelou. O mistério divino é que dá o fundamental caráter inefável de Deus, que significa ter sido plenamente revelado com o que é mistério. Já Santo Agostinho precavia que “é preciso andar em busca do incompreensível, e não creia que nada tenha encontrado aquele que compreende a incompreensibilidade daquilo que busca”5 5 “Sic enim sunt incomprehensibilia requirenda, ne se existimet nihil invenisse, qui quam sit incomprehensibile quod quaerebat, potuerit invenire”. Sobre o conceito de mistério em Teologia, será útil consultar também o texto clássico de RAHNER, 1964, p. 53-101. (AGOSTINHO, De Trinitate, XV, 2, 6AGOSTINHO DE HIPONA. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995. (Patrística).).

4 O único e incriado plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade

Em Teologia, o termo grego οἰκονομία (oikonomía) pode ser usado transliterado como economia, no sentido de plano ativo, projeto ativo. Na noção católica de revelação, a economia divina – história da salvação – é o plano incriado do Deus-Trindade para revelar-se e salvar, o qual compõe uma única grande ação divina e incriada. O plano, economia ou ação revelativo-salvífica do Deus-Trindade atinge todos os indivíduos, a história humana toda, todos os povos com suas culturas e religiões, todas as sociedades. Sobre tal história da salvação, contudo, não podemos falar tudo de uma só vez. Por isso falaremos dele em aspectos:

  • Ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”.

  • Revelação judaico-cristã.

  • Revelação nas religiões não cristãs.

Esses três aspectos do único tema serão apresentados em sequência por razões didáticas, não se deve perder de vista que compõem conjunto único. Eles são inseparáveis e é necessário vê-los em conjunto, como único grande plano revelativo-salvífico do Incriado. Os elementos abordados limitam-se à revelação que acontece neste mundo em que vivemos antes da morte.

a) A ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”

A noção católica de revelação fala de uma ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”. Por apropriação (no sentido do conceito teológico com esse nome), tal ação revelativa do Deus-Trindade pode ser referida a uma só das pessoas da Trindade. Pode-se falar dessa ação como sendo de Cristo, como no prólogo joanino: “Ele [Cristo] era a luz verdadeira que ilumina todo ser humano que vem a este mundo” (Jo 1,9). Pode-se falar dessa ação como sendo do Espírito Santo, como no Catecismo da Igreja Católica: “A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino” (CATECISMO, 2000CATECISMO da Igreja Católica: edição típica vaticana. São Paulo: Loyola, 2000., n. 1704).

A noção católica de revelação fala de uma ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”. Por “coração”, entende-se o núcleo último de um sujeito que possui:

  • Consciência ética, capacidade de distinguir entre bem e mal.

  • Livre-arbítrio capaz de escolher entre bem e mal.

  • Capacidade de usar imaginação e linguagem para comunicar sua interioridade a outros sujeitos, e vice-versa, em relações mútuas de amizade e intimidade nas quais acontecem crescimento pessoal, partilha e troca de confidências sobre as respectivas interioridades.

Onde quer que haja um “coração”, ali Deus põe-se diante como incriado e incondicional amor gratuito. Deus ali se coloca de modo não conscientemente refletido pelo “coração”, de maneira não tematizada. Tal ação divina revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” lança a cada um o desafio de uma resposta ao autor da revelação e ao que é revelado. O “coração” experimenta essa manifestação do incriado amor gratuito divino como proposta ou apelo a assumir, como criatura, uma atitude existencial semelhante.

O tema da gratuidade da revelação é particularmente sublinhado pelo Papa Francisco. No centro da revelação está a gratuidade, nela Deus se manifesta e se faz dom para nós, visando a que o “coração” o mostre aos demais, por sua vez, como imerecida gratuidade, dom ao qual não faz jus, e não como propriedade ou decorrência do próprio mérito (FRANCISCO, 2020FRANCISCO. Omelia: Non dimentichiamo la gratuità della rivelazione. Roma: 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/it/cotidie/2020/documents/papa-francesco-cotidie_20200313_pastori-accompagnino-popolodidio.html . Acesso em: 10 outubro 2023.
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, sem paginação). Nessa ação revelativa do Deus-Trindade, de maneira não conscientemente refletida pelo “coração”, ou atematicamente (RAHNER, 1989RAHNER, K. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulinas, 1989., p. 33-34), a graça incriada propõe ao “coração” de agir e atuar à imagem dela, ou seja, como graça criada.

Há diferença entre essa ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” e experiência de Deus. A experiência de Deus é sempre dialogal, como encontro pessoal, o que não acontece de modo atemático. A ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” só passará a ser também experiência de Deus quando atingir o nível de diálogo, consciente, como encontro pessoal e dialogante. Na maior parte das vezes, contudo, ela acontece sem ser tematizada pela pessoa, sem diálogo do sujeito com Deus.

O “coração” responde à ação revelativa divina num processo ao longo de todo o percurso de sua vida. Em tal extenso processo pode haver episódios especiais de respostas mais intensas. A resposta do “coração” tem duas possibilidades: deixar-se guiar pelo dinamismo da proposta de amor gratuito e incondicional, ou rejeitar existencialmente tal proposta.

No processo de resposta que se verifica ao longo de sua existência, o “coração” encontra-se sob outras influências que afetarão poderosamente sua resposta, como por exemplo: instruções recebidas por educação (na família, na escola, na sociedade), inserção em alguma religião ou cultura, violência sofrida, dor em geral, miséria e condicionamentos biológicos.

A ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” mostra que os seres humanos têm algo em comum: são criados com uma estrutura de relação com Deus. Tal estrutura é dom gratuito de Deus, prévio a qualquer ação da liberdade do ser humano, e é irrenunciável. Esse fato não constitui, contudo, condenação, horror, peso ou tragédia porque é destinação à vida plena, esperança e felicidade, e deveria ser recebido como boa-notícia. Podem ser indicadas algumas consequências dessa estrutura humana geral:

  1. Nenhum de nós é a primeira pessoa a quem Deus se revela universalmente. Há longo passado de ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”, desde o primeiro que surgiu na criação.

  2. O ser humano é tanto mais realizado e autêntico quanto mais responde sim à proposta feita.

  3. Antes de qualquer anúncio missionário feito a partir de fora por cristãos a uma pessoa pagã, e antes de alguém receber qualquer sacramento, Deus-Trindade já empreende dentro daquele “coração” sua ação revelativa, Cristo e o Espírito Santo já estão ali lançando o desafio da resposta ao autor da revelação e ao que é revelado. O anúncio missionário, porém, continua necessário porque ninguém vai adivinhar que o Deus-Trindade está ali agindo, que Cristo e o Espírito Santo estão ali presentes.

  4. Cada ser humano é território sagrado no qual o Deus-Trindade está presente empreendendo sua ação revelativa, no qual Cristo ressuscitado e o Espírito Santo estão se manifestando e tentando dar-se a descobrir. Isso confere grande dignidade a cada ser humano, sem exceção. A ofensa à dignidade de um ser humano (por exemplo, violência, extermínio, exploração, opressão) é destarte acinte ao próprio Deus, conforme 1Jo 4,20-21: “Se alguém disser ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão”.

Além das citações já fornecidas (Jo 1,9; Catecismo da Igreja Católica, n. 1704), eis outros textos básicos para a noção de ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”:

  • São Justino Mártir: “[...] a semente da Palavra, que se encontra ingênita em todo o gênero humano” (JUSTINOJUSTINO. Justino de Roma: I e II Apologias, Diálogo com Trifão. São Paulo: Paulus, 1995. (Patrística)., Apologia II, 7[8], 3). Essa passagem é referida por São João Paulo II na Encíclica Veritatis Splendor, n. 94.

  • Santo Atanásio de Alexandria: “O caminho da verdade nos conduzirá ao Deus que existe realmente. E para conhecer este caminho e tomá-lo sem nos enganarmos, não temos necessidade de outra coisa senão de nós mesmos. Deus está acima de tudo e o caminho que conduz a ele não está longe de nós nem fora de nós, mas está em nós, e é possível encontrar em nós o seu ponto de partida. [...] Todos nós entramos neste caminho e o dominamos, ainda que todos não queiram caminhar por ele, mas preferem sair dele por causa dos prazeres da vida que os seduzem externamente. E se alguém pergunta qual é este caminho, afirmo que é a nossa psyché e a inteligência que está nela” (ATANÁSIO, De Incarnatione, 30ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Sur l’incarnation du Verbe. Paris : Cerf, 1973. (Sources Chrétiennes, 199).).

  • Concílio Vaticano II: “Não se engana o homem, quando se reconhece superior às coisas materiais e se considera como mais do que simples parcela da natureza ou anônimo elemento da cidade dos seres humanos. Pela sua interioridade, transcende o universo das coisas. Tal é o conhecimento profundo que ele alcança quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta os corações, o espera [Deus eum exspectat, qui corda scrutatur], e onde ele, sob o olhar do Senhor [sub oculis Dei], decide da própria sorte. Ao reconhecer, pois, em si uma alma espiritual e imortal, não se ilude com uma enganosa criação imaginativa, mero resultado de condições físicas e sociais; atinge, pelo contrário, a verdade profunda das coisas” (GS 14).

  • Concílio Vaticano II: “No fundo da própria consciência, o ser humano descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer. Essa voz, que sempre o está chamando [vox, semper ... eum advocans] ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno na intimidade do coração [ubi oportet auribus cordis sonat]: faça isto, evite aquilo. O ser humano tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus. A sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado. A consciência é o centro mais secreto e o santuário do ser humano, no qual se encontra a sós com Deus [in quo solus est cum Deo], cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser [cuius vox resonat in intimo eius]. Graças à consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo” (GS 16).

  • São João Paulo II: “Hoje como no passado, muitos seres humanos não têm possibilidade de conhecer ou aceitar a revelação do Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condições socioculturais que não permitem isso, e frequentemente foram educados em outras tradições religiosas. Para eles, a salvação de Cristo torna-se acessível em virtude de uma graça que, embora dotada de uma misteriosa relação com a Igreja, todavia não os introduz formalmente nela, mas ilumina convenientemente a sua situação interior e ambiental. Esta graça provém de Cristo, é fruto do Seu sacrifício e é comunicada pelo Espírito Santo: ela permite a cada um alcançar a salvação, com a sua livre colaboração” (RM 10)6 6 Ver também Pio IX na encíclica Quanto conficiamur moerore em 1863: "É conhecido por nós e por vós que aqueles que ignoram invencivelmente a nossa santíssima religião e observam diligentemente a lei natural e os seus preceitos – impressos por Deus no coração de todos – e que, dispostos a obedecer a Deus, conduzem uma vida honesta e reta, podem com o auxílio da luz e graça divina conseguir a vida eterna" (DH n. 2866). .

b) A revelação judaico-cristã

O mesmo Deus-Trindade que tem ação revelativa em todo “coração” manifesta-se num processo revelativo multissecular que começou no Antigo Israel e culminou na pessoa de Jesus Cristo. Foi um processo revelativo que começou em determinada região geográfica e em determinada época há mais de três milênios. Vários séculos depois de ter começado, aquele processo atingiu o máximo grau possível: no evento da vida, morte e ressurreição de Jesus, Deus revelou do modo mais completo possível quem ele é. Nesse evento, o próprio Incriado fez-se presente neste mundo para revelar-se plenamente, quando a eterna Segunda Pessoa de Deus-Trindade fez-se ser humano “semelhante a nós em tudo, menos no pecado” (DH n. 301DENZINGER, H.; HÜNERMANN, P. (Ed.). Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas / Loyola, 2007.).

O que aconteceu no evento de Jesus Cristo tem valor universal para todos os seres humanos e não se verificou de maneira neutra. Muito pelo contrário: “o que para o mundo é loucura, Deus o escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para confundir quem é forte. Deus escolheu o que no mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a nulidade dos que são alguma coisa” (1Cor 1,27-28). O que aconteceu com Cristo tem valor universal para todos os seres humanos, mas pensá-lo de maneira neutra (isto é, sem levar em conta a escolha que Deus fez pelo que no mundo é fraqueza, que não tem nome nem prestígio) põe-nos em pista inadequada porque redutiva (SOBRINO, 1995SOBRINO, J. La Pascua de Jesús y la revelación de Dios desde la perspectiva de las víctimas. Sal Terrae, Santander, v. 83, n. 977, p. 205-219, Mar./1995., p. 206-207). Aquela não neutralidade ocasionou conflito real que, neste mundo em que vivemos antes da morte, conduziu à violência e maus-tratos contra Jesus Cristo que culminaram em sua morte na cruz sob a mão de poderosos deste mundo, vários deles muito religiosos e erradamente fazendo aquilo em nome da religião.

Naquele evento, é única e extraordinária a ação de redenção universal feita por Jesus Cristo por ocasião de sua Paixão, entre os acontecimentos que se sucederam do Getsêmani até sua ressurreição. Nesse intervalo, de um modo que conseguimos apenas entrever ele carregou sobre si todos os sofrimentos e pecados de todos os “corações” de todos os tempos: passado, presente e futuro. Na celebração da Paixão do Senhor, na Sexta-Feira Santa, até hoje os católicos o recordam lendo o profeta Isaías: “Eram na verdade nossos sofrimentos que ele carregava, eram nossas dores, que levava às costas. [...] Achávamos que ele era alguém por Deus ferido e massacrado, mas [...] estava sendo esmagado por nossos pecados” (Is 53,4-5)7 7 Ver também a Primeira Carta de Pedro: "Carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre a cruz” (1Pd 2,24). .

Esse processo revelativo multissecular continua vivo; dizer que a revelação acabou é contrário ao ensinamento oficial da Igreja Católica. Nada mais de totalmente inédito, porém, veio a ser revelado sobre Deus porque, no evento de Jesus Cristo, Deus mesmo em pessoa já havia mostrado 100% do que tinha para revelar. Em tal processo, pode ser distinguido um período A, que vai do início (aproximadamente 1.500 a 1.200 a.C.) até o tempo de Cristo e dos apóstolos, no século I d.C. Na parte final desse período A foi como se Deus dissesse: “Aqui vocês me conhecem 100%, plenamente” (“Filipe, quem me vê, vê o Pai”; Jo 14,9). Em seguida sucede-se em continuidade um período B que prossegue até hoje. Neste período B, nunca se descobrirá algo inédito acerca do Incriado, algo que já não tenha sido descoberto no período A.

O teólogo Gerald O’Collins chama o período A de revelação fundamental, e o período B de revelação dependente (O’COLLINS, 1991O’COLLINS, G. Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 1991., p. 125-126). Em B, ou revelação dependente, o que se descobre sobre Deus não será absolutamente inédito, mas será novo para cada nova geração e para as novas pessoas que vão nascendo, as quais o estão descobrindo pela primeira vez na sua vida. Para cada nova geração e cada novo indivíduo isso representa novidade porque deixar-se modelar ou configurar por Deus implica “nascer do alto” (Jo 3,7). Trata-se de entrar e perseverar em caminho de santidade e justiça que transforma a si mesmo e o mundo contemporâneo, ambos marcados por violência e pecado. A novidade representada pelo “nascer do alto” implica associar-se ao mistério pascal de Cristo: por gratidão ao incriado amor gratuito que nos amou primeiro, renunciar a si mesmo, tomar a cruz e segui-lo.

Condição de possibilidade para que esse processo revelativo multissecular continue acontecendo no período B, ou revelação dependente, é que a plenitude da revelação – Jesus de Nazaré – esteja ressuscitado e presente. Para as gerações do período da revelação dependente, a proposta é refazer a experiência com Deus em Jesus feita pela primeira comunidade cristã, até a máxima profundidade. Para tais gerações, ou se refaz a experiência de Deus no ressuscitado Jesus de Nazaré, ou o tempo da revelação fundamental – período A – será meramente coisa do passado.

Três formulações resumem o conteúdo da revelação feita 100% na pessoa de Cristo:

  1. “Entranhas [...] de misericórdia”: fórmula do Antigo e Novo Testamento, por vezes traduzida como “coração” ou “ternura” (“minhas entranhas se comovem [...], por ele transborda minha misericórdia”, Jr 31,20; “o coração misericordioso de nosso Deus”, Lc 1,78, na Vulgata literalmente “entranhas de misericórdia”).

  2. “Abbá” (Mc 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6): palavra hebraica ou aramaica, inserida assim mesmo no texto grego do Novo Testamento. Trata-se de forma familiar e íntima do termo pai: papai, painho ou paizinho. Jesus de Nazaré foi quem a utilizou pela primeira vez na relação com Deus-Pai.

  3. “Deus é amor” (1Jo 4,8.16): fórmula que descreve o núcleo da mensagem revelativa da pessoa de Jesus Cristo.

São três formulações que descrevem a atitude fundamental do Deus-Trino que se revela. O Incriado dá si próprio com radical generosidade aos demais, sem condicionar tal gesto à resposta do outro ou ao recebimento de algo em troca. O conteúdo da revelação culminada 100% na pessoa de Cristo é amor com três características: enormidade, gratuidade (toma prejuízo) e incondicionalidade (não cessa ao ser rejeitado). No Deus-Trindade, esse amor entre Pai, Filho e Espírito Santo é tão colossal que faz os três serem um só Deus. Pois esse amor colossal e incondicional foi 100% revelado no evento da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré (com a única e extraordinária ação de redenção universal feita por ele durante sua Paixão), e por isso a revelação judaico-cristã afirma que Jesus Cristo é a plenitude da revelação de Deus.

Essa atitude fundamental do Incriado pode ser representada pela analogia de “esvaziar a si próprio” (Fl 2,7): doar de si para beneficiar os demais. É atitude característica do pequeno e do humilde. Papa Francisco sublinha esse ponto. “A redenção, a revelação, a presença de Deus no mundo começa assim e sempre é assim. A revelação de Deus é feita na pequenez, na humildade, [...] o Reino de Deus germina no pequeno, sempre no pequeno, a semente da vida”, e a Igreja na qual seus membros não tomam esse caminho da pequenez e da humilde doação de si em benefício dos demais “entrará em colapso” (FRANCISCO, 2019FRANCISCO. Meditazione mattutina: Elogio della piccolezza. Roma: 2019. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/it/cotidie/2019/documents/papa-francesco-cotidie_20191203_elogio-della-piccolezza.html. Acesso em: 10 outubro 2023.
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, sem paginação).

Deus foi revelando-se gradualmente até ficar escancarada, no evento de Jesus Cristo, a extensão de sua decisão de “esvaziar-se” com humildade, entranhas de misericórdia e gratuidade (tomando prejuízo, sem tirar vantagem para si) em benefício dos demais. Ali encontramo-nos com aquela única e extraordinária ação de redenção universal feita por Jesus Cristo na Paixão, entre o Getsêmani e a ressurreição. Nesse intervalo, ele carregou sobre si todos os sofrimentos e pecados de todos os “corações” de todos os tempos, como escutamos na Sexta-Feira Santa: “Eram na verdade nossos sofrimentos que ele carregava, eram nossas dores, que levava às costas. [...] Achávamos que ele era alguém por Deus ferido e massacrado, mas [...] estava sendo esmagado por nossos pecados” (Is 53,4-5). A escolha que Deus fez pelo “que no mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada” (1Cor 1,28) colocou Jesus Cristo como pessoa contra quem se cometem violência e maus-tratos – como vítima – nas mãos de poderosos deste mundo. Ele, que revelava tal escolha divina, foi quem carregou sobre si (nas muitas horas que duraram sua Paixão e morte) os sofrimentos e pecados de todos, de todos os tempos. Aquela escolha divina nada neutra faz com que a revelação divina culminada em Cristo – que ressuscitou depois de ter carregado todos os sofrimentos e pecados do universo – seja revelação também da defesa que Deus faz das pessoas contra quem se cometem violência e maus tratos (SOBRINO, 1995SOBRINO, J. La Pascua de Jesús y la revelación de Dios desde la perspectiva de las víctimas. Sal Terrae, Santander, v. 83, n. 977, p. 205-219, Mar./1995., p. 207). Deus tem proximidade radical com as vítimas de violência e maus-tratos e elas, cujos sofrimentos Cristo já carregou sobre si entre o Getsêmani e a ressurreição, podem superar a indignidade com que foram tratadas (SOBRINO, 1995SOBRINO, J. La Pascua de Jesús y la revelación de Dios desde la perspectiva de las víctimas. Sal Terrae, Santander, v. 83, n. 977, p. 205-219, Mar./1995., p. 213). A perspectiva das vítimas contra quem se cometem violência e maus-tratos “penetra a realidade em que o martírio sucede. E aí descobre razões sociopolíticas que não invalidam o gesto martirial, mas revelam o mundo de injustiça contra o qual os mártires batalharam” (LIBANIO, 2014LIBANIO, J. B. Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Paulus, 2014., p. 98).

Revelação completada em Cristo significa o fim da revelação? O decreto Lamentabili de 1907 utilizou uma frase que ficaria famosa em Teologia: “[Condena-se:] A revelação que constitui o objeto da fé católica não ficou completa com os apóstolos” (“Revelatio, objectum fidei catholicae constituens, non fuit cum apostolis completa”, DH n. 3421). Comentários posteriores alteraram essa afirmação do decreto Lamentabili e substituíram o termo completa por terminada (em latim, clausa), criando assim uma expressão equivocada que é famosa até hoje: com a morte do último apóstolo, houve a clausura (no sentido de fechamento, término) da revelação. Contudo, na noção católica de revelação, as expressões revelação completa ou consumação da revelação têm específico sentido intencionado. Elas não querem dizer que nunca mais houve revelação de Deus. Completamento ou consumação da revelação querem efetivamente dizer: nada mais de inédito será revelado sobre Deus. A revelação está completada (= chegou ao máximo), não está fechada ou terminada. Em latim as palavras corretas são completa e complere, ao passo que são errados os termos clausa (terminada) ou claudere (terminar, fechar). O comentário mais oficial a esse respeito deu-se durante o Concílio Vaticano II. A importante Comissão Doutrinal do concílio (órgão encarregado de examinar a ortodoxia de todos os documentos do mesmo) pronunciou-se do seguinte modo a respeito do número 4 da Dei Verbum, em 30 de setembro de 1964:

Não se diz, porém, que a revelação está terminada com a morte dos apóstolos, [...] pois no texto [do número 4 da Dei Verbum] já está afirmado o sentido último do fato, que evidentemente a revelação se completou em Cristo (Non dicitur tamen revelatio esse clausa morte apostolorum, [...] dum in textu iam asseritur ultima ratio facti, nempe quod revelatio in Christo consumatur; ACTA, 1974ACTA synodalia sacrosancti concilii oecumenici Vaticani II: v. III, pars 3. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 1974., p. 77).

Antes, falamos da ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”. Similarmente afirmamos o caráter universal da revelação judaico-cristã. A revelação judaico-cristã é também dirigida a todos os seres humanos. Elas não são, porém, universais no mesmo sentido. Para a ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” acontecer, bastam Deus e o sujeito. A revelação judaico-cristã tem caráter universal através de dois elementos indispensáveis: 1) a presença universal do ressuscitado (Mt 28,20: “Estou com vocês todos os dias, até a consumação dos séculos”); 2) a atividade missionária da Ekklesía (Mt, 28,19: “Vão, e façam que todas as nações se tornem discípulos”; Mc 16,15: “Vão por todo o mundo e proclamem o Evangelho”).

Para que a revelação judaico-cristã continue acontecendo, a Igreja é necessária porque a presença universal do ressuscitado só pode ser conhecida através da atividade missionária da Ekklesía. No período da revelação dependente, ninguém vai adivinhar o que Jesus de Nazaré fez e o que ele é. Tampouco ninguém vai adivinhar que Cristo e o Espírito Santo já estão lá há tempos falando no “coração” e que a ação redentora universal foi realizada por Cristo. Por isso a Igreja é necessária. A atividade missionária da Ekklesía não é só falar oralmente de Jesus Cristo. Seu falar faz-se também, e principalmente, assumindo a mesma atitude dele, tornando-se uma mais fiel “imagem de Deus” (Gn 1,27) mediante vida empenhada no amor gratuito e incondicional, o “esvaziar a si próprio” (Fl 2,7). A atividade missionária da Igreja só terá credibilidade ao assumir atitude semelhante à de Jesus Cristo.

Em 1975 o Papa Paulo VI teceu, na exortação Evangelii Nuntiandi, alguns comentários relevantes sobre o trabalho de evangelização que possibilita que a revelação se faça atual. Ele comenta que muitos dos que deviam evangelizar experimentam, na verdade, desinteresse por tal trabalho. Ele menciona algumas desculpas particularmente enganosas: 1) impor a verdade do Evangelho atentaria contra a liberdade religiosa; 2) para que anunciar o Evangelho, uma vez que toda a gente é salva pela retidão do coração?; 3) seria ilusão pretender levar o Evangelho ao mundo e à história, que estão cheios das sementes da Palavra, e o Evangelho já se encontra ali, nessas sementes que o próprio Deus lançou. Paulo VI responde a cada uma dessas objeções.

Sobre o primeiro ponto, Paulo VI expõe que seria certamente um erro impor qualquer coisa à consciência das pessoas. Evangelizar, entretanto, não é impor, mas propor. Evangelizar é propor à consciência das pessoas a verdade evangélica e a salvação em Jesus Cristo. Tal proposta é feita com todo o respeito pelas opções livres que essa consciência fará, sem pressão nem coerção, sem persuasões desonestas e sem a sedução por estímulos duvidosos. Feita com esse respeito pelas opções livres da consciência, a evangelização é homenagem, e não atentado, à liberdade religiosa. Paulo VI pergunta: “Será um crime contra a liberdade do outro a proclamação com alegria da Boa Nova que se recebeu primeiro pela misericórdia do Senhor?” (EN 80). E indaga por que razão então o consumismo, a mentira, a degradação e a pornografia teriam o direito de serem propostos insistentemente pela propaganda generalizada dos meios de comunicação?

Sobre o segundo ponto, Paulo VI comenta que, se não anunciarmos o Evangelho, os outros seres humanos certamente poderão salvar-se por outras vias, graças à misericórdia de Deus. O Incriado pode sem dúvida realizar essa salvação por vias extraordinárias que somente Ele conhece. Paulo VI esclarece que o problema é a nossa salvação. Se deixarmos de evangelizar por negligência, medo ou vergonha, ou por seguirmos ideias falsas, será que poderemos nos salvar? Poderemos nos salvar se incorrermos naquilo que o apóstolo Paulo chama de “vergonha do Evangelho” (Rm 1,16), e por causa dela nos omitirmos de o anunciar? Paulo VI recorda então que pela vida, pelos gestos e palavras de Cristo, Deus veio precisamente nos revelar os caminhos ordinários da salvação. Ele nos ordenou, com sua própria autoridade, transmitir tal revelação aos demais (EN 80).

Sobre o terceiro ponto, Paulo VI comenta que é necessário fazer germinar tais sementes. É necessário fazer com que as sementes se tornem árvores e que produzam frutos. Tal germinação se faz precisamente como decorrência do trabalho de evangelização. O anúncio do Evangelho, que faz a semente germinar, mais do que um direito, é dever do evangelizador. É também direito dos seres humanos que só tem disponíveis as sementes, receber o anúncio da Boa-Nova da salvação que tem o poder de germiná-las. Paulo VI acrescenta ainda:

Conservemos o fervor do espírito, portanto. Conservemos a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas. Que isto constitua para nós, como para João Batista, para Pedro e para Paulo, para os outros apóstolos e para uma multidão de admiráveis evangelizadores no decurso da história da Igreja, um impulso interior que ninguém nem nada possam extinguir. Que isto constitua, ainda, a grande alegria das nossas vidas consagradas. E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa-Notícia dos lábios não de evangelizadores abatidos ou desesperançados, nem tomados pela impaciência ou angústia, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo

(EN 80).

c) A revelação nas religiões não cristãs

No planeta existe grande diversidade de religiões. A noção católica de revelação afirma que, no único e incriado plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade, toma parte também a revelação nas religiões não cristãs. A ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” frequentemente encontra-se expressa e tematizada dentro de religiões não cristãs.

Usando o conceito teológico de apropriação, referimos a ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” dizendo que o Espírito Santo propõe universalmente a cada um a atitude gratuita de doar humildemente a própria vida aos demais. Ao longo da história das civilizações, tal “voz [que] se faz ouvir na intimidade do ser humano” (“[cuius] vox resonat in intimo eius”, GS 16), tal “luz verdadeira que ilumina todo ser humano que vem a este mundo” (Jo 1,9) aflorou e foi acolhida na vida de incontáveis indivíduos, povos e sociedades de confissão religiosa não cristã. É o Incriado manifestando-se e revelando-se em setores do Criado que compõem coletividades não cristãs. Nessas religiões não cristãs, ao ali aflorar, a voz ou luz, ação do Incriado, foi tematizada e modulada de muitas maneiras, com a agregação de inúmeros elementos das diversas culturas. As religiões não cristãs manifestam por isso valores positivos, e refletem também contradições àquela ação divina. Na noção católica de revelação, isso é visto como parte do único grande plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade.

O advento da cristandade – contexto em que os cristãos compunham quase que exclusivamente grandes e numerosas sociedades – fez com que esses se tornassem desabituados a conviver no dia a dia com religiões não cristãs. Isso acarretou a perda de familiaridade com a ação do Deus-Trindade nas religiões não cristãs.

Com o fim da cristandade, a presença da grande diversidade de religiões torna-se ocasião propícia para atualizarmos, novamente no contexto dessa multiplicidade, a tarefa confiada pela Primeira Carta de São Pedro: “estejam sempre prontos a dar razão da esperança de vocês a todo aquele que o pedir; façam-no, porém, com mansidão e respeito” (1Pd 3,15-16). Mantendo tal finalidade, a Igreja Católica ensina a validade de quatro formas de diálogo inter-religioso: 1) diálogo de vida, entre vizinhos; 2) diálogo de obras, trabalhando juntos em prol do bem comum e da justiça; 3) diálogo de experiência religiosa, compartilhando as riquezas espirituais, por exemplo, no que se refere à oração e à contemplação, à fé e aos caminhos da busca de Deus e do Absoluto; 4) diálogo de intercâmbio teológico, em que teólogos de religiões diferentes primeiro expõem, e depois escutam da outra religião, as maneiras como cada confissão religiosa trata algum específico tema teológico. Os documentos principais com essas orientações são:

  • Secretariado para os Não Cristãos. A Igreja e as outras religiões. Diálogo e missão. Roma, 1984.

  • Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Diálogo e anúncio. Roma, 1991.

  • Papa João Paulo II, Encíclica Redemptoris Missio, 1990, n. 55.

É importante frisar também o que não é o diálogo inter-religioso. Ele não é uma negociação entre grupos diferentes que buscam acordo no qual cada um cede um pouco até chegar a um denominador comum. O diálogo inter-religioso não visa estabelecer um credo comum entre as partes dialogantes. Ele faz-se entre diferentes confissões religiosas, com mansidão e respeito, sem pretender formular alguma profissão de fé mais ou menos uniforme a todas. Por exemplo, uma confissão religiosa A atribui grande valor à revelação A, e reconhece pouco valor nas revelações B e C. Já uma confissão religiosa B dá grande valor à revelação B, e atribui menos valor às revelações A e C. Enfim, uma confissão religiosa C atribui notável valor à revelação C, e reconhece pouco valor nas revelações A e B. A diferença na atribuição de valor à cada revelação é fato, mas é improcedente dar o passo de considerá-la desrespeito. Diferença não é desrespeito; diferença e desrespeito são coisas distintas. É precisamente com essas diferenças que acontece o diálogo inter-religioso com mansidão e respeito.

Por outro lado, a teoria pluralista das religiões, ou teoria do pluralismo religioso (HICK, 1973HICK, J. God and the Universe of Faiths: Essays in the Philosophy of Religion. London: Macmillan, 1973.; HICK, 1980HICK, J. God has Many Names. London: Macmillan, 1980.; KNITTER, 1986KNITTER, P. No other Name? A Critical Survey on Christian Attitudes Towards World Religions. New York, NY: Orbis, 1986.; SMITH, 1989SMITH, W.C. Towards a World Theology: Faith and the Comparative History of Religion. London: Macmillan, 1989.; VIGIL, 2006VIGIL, J.M. Teologia do pluralismo religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2006.), postula que as revelações A, B e C, das diversas confissões religiosas tradicionais, possuem um valor mais ou menos semelhante. Contudo, não há nenhuma confissão religiosa tradicional que professe um credo com tal conteúdo. A afirmação da teoria pluralista das religiões não é Teologia porque não é feita de dentro de nenhuma confissão religiosa tradicional. Tampouco tal afirmação da teoria pluralista das religiões é Ciência Moderna, não tem caráter científico, porque a Ciência Moderna tem como pressuposto a Natureza pura (isto é, a Natureza como independente por ela mesma em relação a qualquer ordem transcendente), não fazendo por isso juízo de valor sobre revelações que procedam de algum âmbito transcendente à Natureza pura. Por não ser teológica e não ter caráter científico, a teoria pluralista das religiões é um wishful thinking (assunção ingênua e ilusória de que, em virtude do próprio desejo, uma tese torna-se verdadeira ou falsa) acerca dos diversos credos das confissões religiosas tradicionais.

Eis outros textos básicos para a noção de revelação nas religiões não cristãs:

  • Concílio Vaticano II: “Aqueles que ainda não receberam o Evangelho estão de uma forma ou outra orientados para o Povo de Deus. Em primeiro lugar, aquele povo que recebeu a aliança e as promessas, e do qual nasceu Cristo segundo a carne [...]. Mas o desígnio da salvação estende-se também àqueles que reconhecem o Criador, entre os quais vêm em primeiro lugar os muçulmanos, que professam seguir a fé de Abraão, e conosco adoram o Deus único e misericordioso, que há de julgar os homens no último dia. O Senhor não está longe daqueles que buscam, na sombra e em imagens, o Deus que ainda desconhecem, já que é Ele quem a todos dá vida, respiração e tudo o mais (At 17,25-28) e, como Salvador, quer que todos os homens se salvem (1Tm 2,4). Com efeito, aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo e a Sua Igreja, procuram, contudo, a Deus com coração sincero, e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo ditame da consciência, também eles podem alcançar a salvação eterna. A Providência divina não nega os auxílios necessários à salvação àqueles que, sem culpa, não chegaram ainda ao conhecimento explícito de Deus e se esforçam, não sem o auxílio da graça, por levar vida reta. Tudo o que de bom e verdadeiro há neles, é considerado pela Igreja como preparação para receberem o Evangelho, dado por Aquele que ilumina todos os seres humanos [illuminat omnem hominem] a possuir finalmente a vida” (LG 16).

  • Concílio Vaticano II: “Hoje, quando o gênero humano se torna cada vez mais unido e aumentam as relações entre os vários povos, a Igreja considera mais atentamente qual a sua relação com as religiões não cristãs. Na sua função de fomentar a união e a caridade entre os homens e até entre os povos, considera primeiramente tudo aquilo que os homens têm de comum e os leva à convivência. Com efeito, os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro gênero humano; têm também todos um só fim último: Deus, que a todos estende a sua providência, seus testemunhos de bondade e seus desígnios de salvação até que os eleitos se reúnam na cidade santa, iluminada pela glória de Deus e onde todos os povos caminharão na sua luz. Os homens esperam das diversas religiões resposta para os enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente preocupam seus corações: que é o homem? Qual o sentido e a finalidade da vida? Que é o pecado? De onde provém o sofrimento, e para que serve? Qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? Que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? Finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, do qual vimos e para onde vamos? Desde os tempos mais remotos até aos nossos dias, encontra-se nos diversos povos certa percepção daquela força oculta presente no curso das coisas e acontecimentos humanos; encontra-se por vezes até o conhecimento da divindade suprema ou mesmo de Deus Pai. Percepção e conhecimento estes que penetram as suas vidas de profundo sentido religioso. [...] As outras religiões que existem no mundo procuram de vários modos ir ao encontro das inquietações do coração humano, propondo caminhos, isto é, doutrinas e normas de vida e também ritos sagrados. A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens. No entanto, ela anuncia, e tem mesmo obrigação de anunciar incessantemente Cristo, ‘caminho, verdade e vida’ (Jo 14,6), em quem os homens encontram a plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou consigo todas as coisas. Exorta, por isso, os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os seguidores de outras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores sócio-culturais que entre eles se encontram” (NA 1-2).

  • São João Paulo II: “a crença firme dos seguidores das religiões não cristãs é efeito, também ela, do Espírito da verdade que opera para além das fronteiras visíveis do Corpo Místico de Cristo” (RH 6).

  • São João Paulo II: “Deus atrai a Si todos os povos em Cristo, desejando comunicar-lhes a plenitude da sua revelação e do seu amor. Deus não deixa de se tornar presente de tantos modos, quer aos indivíduos quer aos povos, através das suas riquezas espirituais, das quais a principal e essencial expressão são as religiões, mesmo se contêm também lacunas, insuficiências e erros. [...] A Igreja reconhece de bom grado o quanto há de verdadeiro e de santo nas tradições religiosas do Budismo, do Hinduísmo e do Islã, reflexos daquela verdade que ilumina todos os seres humanos” (RM 55).

5 Os tempos no único e incriado plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade

A magnitude da οἰκονομία (oikonomía) revelativo-salvífica do Deus-Trindade e da única e universal ação de redenção feita por Jesus Cristo é mais bem vislumbrada dentro de um enquadramento cronológico à luz de descobertas científicas no campo da evolução humana. Sobre esse assunto a mídia dá destaque à polarização da opinião pública, e “a diversidade das atuais respostas religiosas à evolução é menos reconhecida. Estas apontam oportunidades para um relacionamento produtivo entre ciência e religião sem pressupor um conflito entre as evidências científicas da evolução humana e as crenças religiosas” (POTTS; SLOAN, 2010POTTS, R.; SLOAN, C. What does it mean to be Human? Washington, D.C.: National Geographic, 2010., p. 15).

Quanto ao primeiro aspecto desse único vasto plano – a ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” –, ele é aplicável a nós humanos, cientificamente classificados como Homo sapiens, a única espécie do gênero Homo ainda existente. Em base a registro fóssil e análises de DNA mitocondrial, afirma-se de modo confiável que nossa espécie existe há pelo menos 300.000 anos (ALLAN et al., 2022ALLAN, A. et al. Origem e dispersão dos humanos modernos. In: NEVES, W.A.; RANGEL JR, M.J.; MURRIETA, R.S. (Ed.). Assim caminhou a humanidade. 3a. ed. São Paulo: Palas Athena, 2022, p. 238-280., p. 254; SMITHSONIAN, 2021SMITHSONIAN INSTITUTION. Homo sapiens. Washington, DC: 2021. Disponível em: https://humanorigins.si.edu/evidence/human-fossils/species/homo-sapiens. Acesso em: 10 outubro 2023.
https://humanorigins.si.edu/evidence/hum...
, sem paginação; ROBSON-BROWN, 2018ROBSON-BROWN, K. Hominins. In: ROBERTS, A. (Ed.). Evolution: The Human Story. 2nd. ed. New York, NY: DK, 2018, p. 56-173., p. 164). A ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração” remonta pelo menos a tal época, isto é, em todo “coração” dos indivíduos da espécie Homo sapiens. Em base a dados obtidos por sequenciamento genômico de populações atuais, estudo recente indica época mais remota. O Homo sapiens teria surgido sob forma de ramos de populações ancestrais espalhadas pelo continente africano. Tal estudo sugere que esses ramos ancestrais de Homo sapiens remontariam há cerca de um milhão de anos. Todos esses ramos seriam da mesma espécie de hominídeo, mas, do ponto de vista genético, ligeiramente diferentes entre si. “As diferenças genéticas entre tais ramos [ancestrais] seriam semelhantes àquelas entre as populações humanas atuais” (RAGSDALE et al., 2023RAGSDALE, A.P. et al. A weakly structured stem for human origins in Africa. Nature, London, v. 617, n. 7962, p. 755–763, May 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41586-023-06055-y . Acesso em: 10 outubro 2023.
https://doi.org/10.1038/s41586-023-06055...
, p. 762).

Fora da espécie Homo sapiens, mas ainda dentro do gênero Homo, talvez outras espécies hoje extintas tenham tido “coração”, no sentido de possuir consciência ética de bem e mal, livre-arbítrio na escolha entre um ou outro, e capacidade de usar imaginação e linguagem para estabelecer troca de confidências e partilha sobre a interioridade mental de cada indivíduo. Se neste planeta, além do Homo sapiens, alguma outra espécie do gênero Homo tiver tido “coração”, ali a ação revelativa do Deus-Trindade teria ido além da nossa espécie. Em base a registros fósseis, outra espécie desse gênero foi a do Homo neanderthalensis, contemporânea da nossa espécie até cerca de 30.000 anos atrás, quando foi extinta. “Diante das contínuas revelações sobre a arte e a tecnologia dos Neandertais, é difícil ver como podemos enxergá-los em qualquer outra categoria que não seja a de equivalentes cognitivos dos humanos modernos” (HARDY et al., 2020HARDY, B.L. et.al. Direct evidence of Neanderthal fibre technology and its cognitive and behavioral implications. Scientific Reports, v. 10, n. 4889, 2020, p. 1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41598-020-61839-w . Acesso em: 10 outubro 2023.
https://doi.org/10.1038/s41598-020-61839...
, p. 7). Evidências de que muito provavelmente o Homo neanderthalensis teria aquele núcleo último do sujeito que chamamos aqui de “coração” são a inteligência bem superior à dos bichos, o uso de roupas, uma hibridação parcial com o Homo sapiens e as práticas funerárias:

Em vez de largar os defuntos onde morriam, os Neandertais [...] enterravam seus mortos. [...] Podemos ver isso na caverna de Shanidar, onde um homem neandertal adulto foi cuidadosamente colocado de lado em posição fetal em uma cova rasa. Há boas evidências de que flores coloridas e galhos com folhas verdes foram intencionalmente colocados na sepultura com ele. [... Talvez] os sepultamentos mostrem que eram capazes de conceber algo além do imediatismo e das duras realidades de suas vidas diárias. Talvez eles imaginassem uma vida após a morte para seus entes queridos. Ou talvez um futuro melhor para si mesmos

(POTTS; SLOAN, 2010POTTS, R.; SLOAN, C. What does it mean to be Human? Washington, D.C.: National Geographic, 2010., p. 49).

Outras espécies do gênero Homo, distintas do Homo sapiens e conhecidas em base a registros fósseis, poderiam ser também dotadas de “coração”: Homo heidelbergensis, Homo floresiensis, Homo erectus, Homo naledi, Homo rudolfensis, Homo habilis.

Fósseis do antigo Homo erectus africano (às vezes chamado de Homo ergaster) são os mais antigos humanos primitivos conhecidos que possuíam proporções corporais similares àquelas dos humanos modernos [...]. O indivíduo fóssil mais completo dessa espécie é conhecido como o “garoto de Turkana” [...], com cerca de 1,6 milhão de anos. Há evidência fóssil de que essa espécie cuidava dos indivíduos idosos e fracos. O aparecimento do Homo erectus no registro fóssil é frequentemente associado aos antigos machados de mão [handaxes], a primeira grande inovação na tecnologia de ferramentas de pedra

(SMITHSONIAN, 2022, sem paginação).

A respeito de outros planetas, no atual grau de conhecimento confiável, nada podemos afirmar acerca da existência neles de espécies com “coração”. Depois de décadas de pesquisa nesse sentido, nada foi descoberto sobre essa existência além do silêncio.

Quanto ao segundo aspecto, de acordo com os conhecimentos confiáveis hoje disponíveis a revelação judaico-cristã começou em lugar e época mais bem definidos: no Oriente Médio, entre 1.500 e 1.200 a.C. Seu ápice deu-se no evento de Cristo.

Quanto ao terceiro aspecto desse único vasto plano – a revelação nas religiões em geral – a História das religiões esforça-se ainda hoje na procura por uma objetivação da religião e da época de sua origem, como mostram as pesquisas de Tylor, Durkheim, Frazer, Weber, Malinowski, Otto, Van der Leeuw e Eliade, apenas para citar alguns nomes (AGNOLIN, 2022AGNOLIN, A. História das religiões. In: USARSKI, F. et al. (Ed.). Dicionário de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas; Loyola; Paulus, 2022, p. 531-540., p. 535-539). A Paleoantropologia evidencia que, pelo menos “desde o tempo dos Neandertais, são praticados rituais que demonstram preocupação com os mortos, talvez ligados à crença numa vida após a morte” (MCINTOSH, 2018MCINTOSH, J. From Hunters to Farmers. In: ROBERTS, A. (Ed.). Evolution: The Human Story. 2nd. ed. New York, NY: DK, 2018, p. 198-243., p. 228). Célebre até certo tempo como tentativa para indicar aquilo que cientificamente deveria ser buscado na origem da religião, “a expressão homo religiosus quase desapareceu do panorama da Ciência da Religião” (CRUZ, 2022CRUZ, E.R. Homo religiosus. In: USARSKI, F. et al. (Ed.). Dicionário de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas; Loyola, Paulus, 2022, p. 540-542., p. 541) em centros de estudo da religião mais desenvolvidos. Pode ser assumido como hipótese de trabalho que a origem da religião se deu tanto em base a elementos genéticos como culturais. A religião poderia ter surgido tanto depois do aparecimento do Homo sapiens como antes de nossa espécie, em precedentes formas do gênero Homo. “Não há mutações genéticas que deem margem à religiosidade; esta decorre das características dos sistemas cognitivos humanos ordinários, que podem ter evoluído por razões inteiramente diferentes em nosso passado ancestral e ter coalescido para formar a religiosidade dos humanos” (CRUZ, 2022CRUZ, E.R. Homo religiosus. In: USARSKI, F. et al. (Ed.). Dicionário de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas; Loyola, Paulus, 2022, p. 540-542., p. 542).

Incluindo centralmente a cósmica ação redentora realizada por Cristo nos acontecimentos entre o Getsêmani e a ressurreição (ação recordada na celebração da Sexta-Feira Santa mediante a leitura de Is 53,4-5 – “Achávamos que ele era alguém por Deus ferido e massacrado, mas [...] estava sendo esmagado por nossos pecados” – ecoada por 1Pd 2,24), o enquadramento cronológico do único e incriado plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade descortina quadro de proporções colossais para a história da salvação. O evento de Jesus Cristo e sua ação redentora adquirem envergadura descomunal que fornece mais amplo sentido à frase: “Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para todo o sempre. Eu tenho a chave da Morte e da Morada dos mortos” (Ap 1,17-18).

Conclusão

A pesquisa visou adequar uma série de pontos no campo da Teologia da revelação que precisam não só ser mais bem articulados, como também aprofundados na imperiosa dinâmica da volta às fontes que, no contexto latino-americano, pode ser fecundamente expressa como guinada decolonial que critica e corrige conhecimento e prática construídos, epistemológica e cotidianamente, sobre matrizes coloniais de saber e poder (RODRÍGUEZ, 2016RODRÍGUEZ, L.H. Teologia descolonial? Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 48, n. 3, p. 433-437, Set./Dez. 2016., p. 436; TONELLI, 2020TONELLI, D. Decolonial Theology and Changing the Global Church. Berkley Forum (Washington, D.C.), 2020. Disponível em: https://berkleycenter.georgetown.edu/responses/decolonial-theology-and-changing-the-global-church#:~:text=Decolonial%20theology%20entails%20the%20overcoming,spread%20throughout%20the%20whole%20world. Acesso em: 10 outubro 2023.
https://berkleycenter.georgetown.edu/res...
, sem paginação). Desse modo, a noção católica de revelação resgata preciosidades – antes menos compreendidas ou como que esquecidas – que evidenciam seu caráter desinstalador quando mais bem assimiladas.

Limitando-se a refletir acerca da revelação neste mundo em que vivemos antes da morte, a pesquisa expressou o que a Teologia cristã e católica tem de original e irrenunciável. Manteve-se distância do exclusivismo, que rechaça qualquer autenticidade revelativa fora dos limites da revelação judaico-cristã. Compreendeu-se a revelação judaico-cristã associadamente às religiões não cristãs. Nesse sentido, a reflexão apresentou, com as respectivas fundamentações, cinco elementos que caracterizam a noção católica de revelação:

  • A adoção do paradigma de revelação segundo o qual aquilo que neste mundo é revelado é sobretudo Alguém, e só secundariamente alguma coisa, palavras.

  • O pressuposto de que tudo que faz parte do âmbito do Criado, sem exceção, está sempre e a todo momento sob direta ação e influência divinas e conta com a graça do Incriado. O binômio CriadoIncriado, com sólidas raízes bíblicas, é mais apropriado que o binômio NaturalSobrenatural, característico da Teologia Escolástica. Este último leva a pensar que certas coisas do âmbito Natural (por exemplo razão e livre-arbítrio) podem funcionar como Natureza pura, sem influência do Sobrenatural, e por isso convém deixá-lo de lado.

  • O mistério em Deus é qualidade positiva e permanente da alteridade divina, é o que faz o Incriado ser Outro Alguém em relação a nós. O mistério de Deus permanece, mesmo já tendo acontecido a plenitude da revelação no evento da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

  • Há um único e incriado plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade, acerca do qual podem ser indicados três aspectos: ação revelativa do Deus-Trindade em todo “coração”, revelação judaico-cristã e revelação nas religiões não cristãs. Esses três aspectos da única grande história da salvação são inseparáveis, é necessário vê-los em conjunto.

  • À luz do conhecimento confiável hoje disponível, uma cronologia pode ser atribuída a esses três aspectos do único e incriado plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade. Tal enquadramento cronológico descortina um quadro de proporções colossais para a história da salvação: sua ingente magnitude e a consequência cósmica do evento de Jesus Cristo.

Os elementos essenciais da noção católica de revelação permitem ver as diferentes confissões religiosas como suscitadas pelo único plano revelativo-salvífico do Deus-Trindade, no qual “o dinamismo de identificação oblativa de Jesus Cristo revela e comunica o cumprimento da vocação de toda identidade religiosa autêntica” (CODA, 2005CODA, P. Rivelazione/i in prospettiva teologica. Questioni e percorsi. In: FERRI, R.; MANGANARO, P. (Ed.). Gesto e Parola: Ricerche sulla Rivelazione. Roma: Città Nuova, 2005, p. 21-40., p. 30). A Teologia da revelação evidencia o caráter crucial que tal dinamismo oblativo, quenótico e gratuito – que toma prejuízo para fazer o bem aos demais – adquire para cada identidade religiosa em sua irredutibilidade original.

Siglas
  • DAp  Documento de Aparecida
  • DH  Denzinger-Hünermann
  • EN  Exortação Evangelii Nuntiandi
  • GS  Constituição Gaudium et Spes
  • LG  Constituição Lumen Gentium
  • NA  ....Declaração Nostra Aetate
  • RH  Encíclica Redemptor Hominis
  • RM  Encíclica Redemptoris Missio
  • SCG   Suma Contra os Gentios
  • 1
    Em 1870, o capítulo 2 da Constituição dogmática Dei Filius do Concílio Vaticano I teve por título "Sobre a revelação" ("De Revelatione", DH n. 3004-3007). Em 1965, o Concílio Vaticano II redigiu a Constituição dogmática sobre a Revelação divina Dei Verbum (DH n. 4201-4235).
  • 2
    A título de exemplo mencionamos alguns autores e obras. João Batista Libanio dedicou não pouco esforço ao tema da revelação, como em Pontos de partida ao problema da revelação no atual momento teológico (1972), Teologia da revelação a partir da modernidade (1992) e Introdução à Teologia Fundamental (2014). Jon Sobrino escreveu La Páscua de Jesús y la revelación de Dios desde la perspectiva de las víctimas (1995). Clássico também é o manual de Teologia Fundamental do CELAM, de Octavio Ruiz Arenas: Jesús, Epifanía del amor del Padre (1987)RUIZ ARENAS, O. Jesús, Epifanía del amor del Padre: Teología de la Revelación. Bogotá: CELAM, 1987.. Recentes são as obras de Donizete Xavier (2021)XAVIER, D. Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes, 2021. e Jorge Costadoat (2022)COSTADOAT, J. Revelación y Tradición en la Teología latinoamericana. Santiago de Chile: Centro Teológico Manuel Larraín, 2022..
  • 3
    “divina veritas, intellectum humanum excedens, per modum revelationis in nos descendit, non tamen quasi demonstrata ad videndum, sed quasi sermone prolata ad credendum”, SCG IV,1.
  • 4
    “Illud autem maxime optabile est et necessarium, ut eiusdem divinae Scripturae usus in universam theologiae influat disciplinam ei usque prope sit anima”; o trecho não se encontra no Denzinger.
  • 5
    “Sic enim sunt incomprehensibilia requirenda, ne se existimet nihil invenisse, qui quam sit incomprehensibile quod quaerebat, potuerit invenire”. Sobre o conceito de mistério em Teologia, será útil consultar também o texto clássico de RAHNER, 1964RAHNER, K. Sobre el concepto de misterio en la Teología católica. In: RAHNER, K. Escritos de Teología, v. 4. Madrid: Taurus, 1964, p. 53-101., p. 53-101.
  • 6
    Ver também Pio IX na encíclica Quanto conficiamur moerore em 1863: "É conhecido por nós e por vós que aqueles que ignoram invencivelmente a nossa santíssima religião e observam diligentemente a lei natural e os seus preceitos – impressos por Deus no coração de todos – e que, dispostos a obedecer a Deus, conduzem uma vida honesta e reta, podem com o auxílio da luz e graça divina conseguir a vida eterna" (DH n. 2866).
  • 7
    Ver também a Primeira Carta de Pedro: "Carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre a cruz” (1Pd 2,24).

Referências

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  • APARICIO VALLS, M.C. P. René Latourelle, il “Padre” della Teologia Fondamentale. La Gregoriana, Roma, v. 26, n. 57, p. 32-33, Giugno 2021.
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  • CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Gaudium et Spes Roma, 1965. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html Acesso em: 10 outubro 2023.
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  • CONCÍLIO VATICANO II. Declaração Nostra Aetate Roma, 1965. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_19651028_nostra-aetate_po.html . Acesso em: 10 outubro 2023.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2023
  • Aceito
    23 Out 2023
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