Open-access VIVÊNCIAS DO TRABALHO REMOTO NO CONTEXTO DA COVID-19: REFLEXÕES COM DOCENTES DE ENFERMAGEM

EXPERIENCIAS DEL TRABAJO REMOTO EN EL CONTEXTO DEL COVID-19: REFLEXIONES CON DOCENTES DE ENFERMERÍA

RESUMO

Objetivo  refletir sobre como os docentes de graduação em Enfermagem vivenciam as atividades do seu processo de trabalho no contexto da pandemia de COVID-19

Método  estudo qualitativo, reflexivo, do tipo pesquisa ação-participante, fundamentado nos pressupostos de Paulo Freire. Contou-se com a participação de 20 docentes de graduação em Enfermagem de universidades públicas e privadas do Sul do Brasil. O Itinerário de Pesquisa Freireano foi percorrido perpassando pela Investigação Temática, Codificação, Descodificação e Desvelamento Crítico, em um Círculo de Cultura Virtual realizado em agosto de 2020

Resultados  os docentes de Enfermagem dialogaram sobre as repercussões do ensino não presencial na sua saúde. Refletiram acerca dos seus sentimentos no enfrentamento dessa modalidade de ensino e como o desenvolvem no contexto pandêmico

Conclusão  os resultados contribuem para a prática baseada em evidências de enfermeiros, fortalecendo a tomada de decisões quanto ao processo de trabalho docente no contexto da pandemia de COVID-19

DESCRITORES Docentes de Enfermagem; Educação a Distância; Educação em Enfermagem; Infecções por Coronavírus; Pandemias

RESUMEN

Objetivo  reflexionar sobre la manera en la que los docentes de la carrera de grado de Enfermería experimentan las actividades de su proceso de trabajo en el contexto de la pandemia de COVID-19

Método  estudio cualitativo y reflexivo, del tipo investigación acción-participante, fundamentado en los supuestos de Paulo Freire. Se contó con la participación de 20 docentes de la carrera de grado de Enfermería de universidades públicas y privadas del sur de Brasil. Se recorrió el Itinerario de Investigación de Paulo Freire pasando por la Investigación Temática, la Codificación, la Decodificación y el Desvelamiento Crítico, en un Círculo de Cultura Virtual realizado en agosto de 2020

Resultados  los docentes de Enfermería dialogaron sobre las repercusiones de la enseñanza no presencial sobre su propia salud. Reflexionaron acerca de sus sentimientos al enfrentar esta modalidad de enseñanza y cómo la desarrollan en el contexto de la pandemia

Conclusión  los resultados contribuyen a la práctica basada en evidencias de los enfermeros, fortaleciendo así el proceso de toma de decisiones en relación al proceso de trabajo docente en el contexto de la pandemia de COVID-19

DESCRIPTORES Docentes de Enfermería; Educación a Distancia; Educación en Enfermería; Infecciones por Coronavirus; Pandemias

ABSTRACT

Objective  to reflect on how undergraduate Nursing teachers experience the activities of their work process in the COVID-19 pandemic context

Method  a qualitative and reflection study of the action-participant research type, grounded on Paulo Freire’s assumptions. The participants were 20 undergraduate Nursing teachers from public and private universities in southern Brazil. Paulo Freire’s Research Itinerary was carried out through Thematic Research, Coding, Decoding, and Critical Unveiling, in a Virtual Culture Circle held in August 2020

Results  the Nursing teachers discussed about the repercussions of remote teaching on their health. They reflected on their feelings in facing this teaching modality and on how they develop in the pandemic context

Conclusion  the results contribute to the nurses’ evidence-based practice, strengthening decision-making regarding the teachers’ work process in the COVID-19 pandemic context

DESCRIPTORS Nursing Teachers; Remote Education; Education in Nursing; Infections by Coronavirus; Pandemics

INTRODUÇÃO

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde classificou a COVID-19 como situação de pandemia; assim, foram adotadas medidas de proteção para impedir a propagação da doença, incluindo a higiene das mãos, uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e realização de exames rápidos(1). Além disso, medidas de isolamento e distanciamento social foram inseridas nesse conjunto de ações, consequentemente culminando na modificação do cotidiano da população. Na tentativa de deter a propagação do vírus, a contaminação e a superlotação das instituições de saúde, fecharam-se comércios, igrejas e tudo o que pudesse ocasionar aglomeração, funcionando apenas serviços considerados essenciais, porém, com restrições(2).

Nesse contexto, as atividades presenciais de instituições de ensino foram interrompidas, incluindo as universidades. Cabe destacar que a formação em Enfermagem integra contextos de ensino, com inserção em serviços de saúde e atividades de assistência e gerência, sendo fundamental o contato presencial e a interação humana. Os treinamentos práticos em laboratório e a inserção dos estudantes nos serviços são indispensáveis para o completo processo de ensino-aprendizagem(3).

No entanto, diante do cenário pandêmico, foi necessário reinventar as formas de desenvolver o processo de trabalho dos docentes, entrando em evidência o ensino não presencial. Contudo, tem sido um desafio para eles se conectarem a essa modalidade, sendo na Enfermagem ainda mais desafiador, uma vez que o ensino não presencial minimiza atividades que requerem o contato humano, o que repercute na reorganização de ações que possam equiparar contextos de saúde para usufruir no processo de ensino-aprendizagem(1).

Notam-se carentes reflexões sobre o emprego do ensino mediado pelas tecnologias ou ensino não presencial em cursos superiores, podendo conduzir ao desconhecimento da modalidade, o que vai refletir e guiar as discussões do seu uso na formação em saúde(2). Logo, este estudo objetivou refletir sobre como os docentes de graduação em Enfermagem vivenciam as atividades do seu processo de trabalho no contexto da pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Estudo qualitativo, reflexivo, do tipo pesquisa ação-participante(4), fundamentado no referencial teórico metodológico do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire. Tal referencial se organiza em três momentos dialéticos e interligados entre si: Investigação Temática; Codificação e Descodificação; e Desvelamento Crítico(5-6).

Esses três momentos ocorrem no Círculo de Cultura, espaço caracterizado por um grupo de indivíduos com interesses em comum, os quais dialogam em uma perspectiva pedagógica libertadora, discutindo sobre suas vivências e experiências de vida, em busca de ampliar o conhecimento e transformar a sua realidade(5-6). No entanto, diante da situação de pandemia, tornou-se necessária a realização do Círculo de Cultura de modo virtual, com utilização de um aplicativo gratuito e a câmera do computador, o que possibilitou a interação simultânea dos docentes, mesmo distantes geograficamente.

Para organizar os participantes do Círculo de Cultura Virtual (CCV), primeiramente foram convidados quatro docentes de um curso de graduação em Enfermagem de Santa Catarina. Elas, com a utilização do método bola de neve(7), convidaram outros colegas para integrar o Círculo. Assim, contou-se com a participação total de 20 docentes de graduação em Enfermagem de diferentes universidades do Sul do Brasil. Todos os convidados aceitaram participar do CCV, não havendo recusas. Como critérios de inclusão, foram considerados os docentes de graduação em Enfermagem que exerciam atividades de ensino remoto durante a pandemia da COVID-19. Quanto aos critérios de exclusão, consideraram-se aqueles que apresentavam menos de dois anos de experiência na atividade docente.

O CCV foi realizado no dia 28 de agosto de 2020, com duração de aproximadamente três horas, sob mediação de uma enfermeira pesquisadora experiente nesse tipo de abordagem, com o apoio de um diário de campo para registro das temáticas dialogadas no encontro e gravação de áudio, com a devida autorização dos participantes. Para tornar o CCV mais interativo e criativo, percorreu-se o Itinerário de Pesquisa Freireano por meio de uma analogia com o computador. Optou-se pelo computador por ser um instrumento significativo e intensamente utilizado pelos docentes durante o ensino não presencial, o que instigou o diálogo e a interação.

Na Investigação Temática, que é o primeiro momento do Itinerário Freireano, a mediadora investigou quais participantes estavam utilizando o computador para se conectar ao CCV e todos afirmaram positivamente. Assim, ela os instigou a dialogar, a partir do uso do computador na vivência da conjuntura pandêmica, questionando-os: como você enfrenta e desenvolve o ensino em Enfermagem no contexto pandêmico?

Todos os participantes dialogaram a respeito do enfrentamento e desenvolvimento do ensino em Enfermagem enquanto a mediadora foi registrando suas percepções por meio de um termo representativo. Após todos os docentes responderem ao questionamento, a mediadora apresentou, leu e validou as respostas, e juntos organizaram e elegeram duas temáticas para discutir no CCV: 1) Enfrentamentos do ensino não presencial na Enfermagem; 2) Desenvolvendo o ensino em Enfermagem no contexto pandêmico.

Para a Codificação e Descodificação, que integram a segunda etapa do Itinerário de Paulo Freire, a mediadora destacou a relevância dos cabos e da internet para que os docentes pudessem se conectar ao mundo virtual por meio do seu computador e, dessa forma, desenvolver suas aulas, buscando codificar e descodificar diferentes estratégias de atuação. Para estimular a reflexão acerca dos dois temas geradores, foram disparadas duas questões norteadoras: como você enfrenta o ensino em Enfermagem no contexto pandêmico? Como você tem desenvolvido o ensino em Enfermagem durante a pandemia da COVID-19?

Nesse momento, solicitou-se aos docentes que registrassem em uma folha de papel, de um lado, as suas percepções referentes ao enfrentamento do ensino em Enfermagem; e do outro lado, o desenvolvimento do ensino durante a pandemia, ao som da música: ‘Tente outra vez’, de Raul Seixas. Ao término da canção, cada docente compartilhou suas percepções sobre os dois temas geradores, emergindo significados que expressavam a situação vivenciada durante a pandemia, enquanto a mediadora foi registrando os depoimentos por meio de frases curtas, projetados na tela compartilhada do computador.

Para incentivar a reflexão novamente sobre as duas temáticas, a mediadora leu os registros realizados durante o compartilhar dos docentes, validando seus significados e selando o processo de ação-reflexão(5). Isso oportunizou a ressignificação da sua capacidade de enfrentar os desafios levantados durante o ensino da Enfermagem no contexto pandêmico, e compartilhar propostas para superar tais desafios e desenvolver com maior qualidade o seu trabalho de modo não presencial. A representação das codificações dos dois temas geradores foi apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Representação dos dois temas geradores codificados e desvelados no Círculo de Cultura. Chapecó, SC, Brasil, 2020

Assim os docentes adentraram no último momento do Itinerário Freireano, o Desvelamento Crítico, no qual (re)significaram os dois temas geradores e reconheceram com criticidade sua real situação ao visualizar na tela do computador as suas significações, compartilhando experiências e fortalecendo-se mutuamente em busca de possibilidades para transformar sua realidade e superar os desafios no desenvolvimento do ensino não presencial na Enfermagem. A análise dos temas ocorreu concomitante ao desenvolvimento do CCV, como prevê o Itinerário Freireano.

Para findar o CCV, a mediadora indagou: qual o significado de ter participado desse encontro virtual em meio à pandemia? Todos os participantes se manifestaram, compartilhando suas percepções sobre a relevância do CCV para as suas vidas e para o desenvolvimento do ensino não presencial.

O estudo foi desenvolvido conforme os preceitos éticos da Resolução nº 466 de 2012. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi encaminhado via e-mail para os docentes, que o assinaram e devolveram aos pesquisadores. Para garantir anonimato e sigilo, os docentes foram denominados de nome de peças do computador. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética de uma universidade do Sul do Brasil, com parecer número 4.068.387.

RESULTADOS

Os 20 docentes tinham entre 30 e 53 anos de idade, sendo três (15%) do sexo masculino e 17 (85%) do feminino. Dentre os participantes, 14 (70%) eram doutores e seis (30%) mestres, com três a 19 anos de experiência docente, atuando em universidades públicas e privadas da região Sul do Brasil.

Na discussão do primeiro tema gerador, os docentes refletiram sobre os enfrentamentos do ensino não presencial na Enfermagem, apontando ter dificuldades para aceitar a situação pandêmica, que gerou excesso de informações e programações online, repercutindo em intenso trabalho e consumindo o seu tempo:

Estou com dificuldades para aceitar o novo normal.

(Mouse)

Tem muitas lives e isso cansa muito a gente.

(Tela)

Há um excesso de informações online.

(Câmera)

Nunca trabalhei tanto na minha vida como agora nessa pandemia.

(Áudio)

Não tenho tempo mais para nada. Está bem corrido.

(Web Cam)

O acúmulo de atividades de maneira virtual desencadeou nos docentes cansaço, estresse, ansiedade, falta de sono, preocupações, hipertensão e ganho de peso, prejudicando sua saúde mental:

Me sinto intensamente cansada nessa pandemia.

(Placa-mãe)

Estou muito estressada.

(Teclado)

Me desencadeou uma baita ansiedade.

(Cabo)

Estou com falta de sono, fico preocupada.

(Memória RAM)

Eu fiquei hipertensa nessa pandemia.

(SSD)

Estou ganhando peso. (Processador)

Eu acho que afetou a saúde mental dos docentes em geral.

(Gerador)

Os docentes apontaram que o ensino não presencial gerou insegurança e medo, faltando-lhes maior capacitação para o emprego de tecnologias virtuais, principalmente por parte daqueles com maior idade:

Eu fico insegura com essas tecnologias virtuais, acho tudo mais complicado.

(Cooler)

Eu tenho medo de não dar certo, medo de não conseguir, medo desse ensino a distância, no que vai dar?

(Touchpad)

Falta capacitação para atuar no ensino remoto.

(Entradas USB)

Já estou mais velha, é mais difícil adaptar-se ao ensino remoto.

(Botão para ejetar CD)

O ensino não presencial suscitou nos docentes a preocupação quanto à qualidade da formação dos futuros enfermeiros:

Me preocupo com a qualidade da formação desses enfermeiros.

(Slots)

Esse ensino da Enfermagem a distância é preocupante.

(Fonte)

Os docentes evidenciaram também preocupação em perder o seu emprego e a sua carga horária atual de aulas como consequência da situação pandêmica no Brasil. Além disso, abordou-se o desafio de ministrar aulas em suas próprias casas, tendo que ser ao mesmo tempo mãe, esposa e dona de casa:

Estou preocupada com minha carga horária de aulas.

(Placa de vídeo)

Me preocupo em perder o meu emprego.

(Botão Liga/Desliga)

Não está sendo fácil dar aulas e ao mesmo tempo ser mãe, esposa, cuidar da casa. Isso é bem complicado, um verdadeiro desafio.

(Placa de vídeo)

Ao dialogarem acerca do segundo tema gerador, os docentes discutiram sobre o desenvolvimento do ensino em Enfermagem no contexto pandêmico, destacando que tiveram que se adaptar ao novo momento e, assim, reaprender a ensinar, com disponibilidade para aceitar o espaço virtual como uma possibilidade de realizar o processo ensino-aprendizagem:

Teremos que nos adaptar ao novo momento, a esse novo normal.

(Mouse)

Estamos tendo que reaprender a ensinar.

(Tela)

É uma adaptação ao espaço virtual para poder desenvolver o processo ensino-aprendizagem.

(Câmera)

É preciso ter disponibilidade para aceitar esse novo normal.

(Áudio)

Para desenvolver o ensino não presencial na Enfermagem, os docentes compartilharam algumas de suas vivências, como ouvir os estudantes e praticar a empatia, readaptar as aulas, não sendo possível realizá-las da mesma maneira como faziam presencialmente, bem como buscar informações e reconhecer que necessitam de ajuda para aprimorar as aulas no espaço virtual:

Não dá para fazer as aulas igual fazíamos antes, temos que readaptá-las.

(Teclado)

Temos que ouvir os estudantes.

(Cabo)

Os estudantes auxiliam os docentes.

(Placa-mãe)

É preciso desenvolver a empatia.

(Cooler)

Estou buscando informações para melhor desenvolver as minhas aulas.

(SSD)

Reconheço que preciso de ajuda. Nunca dei aula de maneira virtual.

(Gerador)

Os participantes do estudo destacaram a relevância de compartilhar as experiências do ensino não presencial na Enfermagem, alegando que têm suscitado novas possibilidades:

Acho que compartilhar experiências do ensino não presencial é enriquecedor pra todos nós.

(Touchpad)

O ensino não presencial abriu novas possibilidades, porque hoje a gente pode convidar pessoas de todo o Brasil e até do mundo para participar das nossas aulas. Então, tem coisas boas também.

(Slots)

Para superar os desafios referentes ao desenvolvimento do ensino não presencial, os docentes afirmaram ser preciso promover a sua saúde, buscando ter paz em meio a tudo a sua volta, tendo sabedoria para priorizar o que é mais importante, realizando uma coisa por vez. Somado a isso, também relataram que buscam organizar os filhos e a casa antes de iniciar as aulas não presenciais, a fim de que tudo ocorra bem durante o desenvolvimento das aulas:

Não podemos esquecer de promover a nossa saúde.

(Botão Liga/Desliga)

Temos que buscar ter paz e saúde, mesmo em meio a esse tumulto de informação e novidades a nossa volta.

(Memória RAM)

Eu busco ter sabedoria e fazer uma coisa por vez, senão, vou enlouquecer.

(Entradas USB)

Tento priorizar o que é mais importante.

(Botão para ejetar CD)

Faço conforme as minhas possibilidades, porque não dá para fazer tudo que gostaríamos.

(Fonte)

Eu organizo meus filhos e a minha casa, antes de iniciar as aulas online, para dar tudo certo.

(Placa de vídeo)

Os docentes tiveram a oportunidade de refletir sobre a vivência no CCV, que desvelaram ser um espaço promotor de esperança, compartilhamento de saberes, aprendizado, apoio, acolhimento, humanização, motivação, empoderamento, reflexão, transformação, ajuda mútua e diálogo. Eles apontaram que o CCV instigou a coragem, a força e a fé de que tudo dará certo, considerando-o como um momento terapêutico, no qual se deram conta de que há mais profissionais vivenciando as mesmas situações no enfrentamento e desenvolvimento do ensino não presencial na formação em Enfermagem devido às repercussões da COVID-19, conforme ilustração da Figura 1.

Figura 1
Depoimentos dos docentes sobre a vivência no CCV. Chapecó, SC, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

Durante os diálogos sobre o primeiro tema gerador, evidenciou-se que as exigências e sobrecargas fazem parte do cotidiano docente, mas a pandemia agravou esse cenário demasiadamente, interferindo negativamente no processo saúde-doença desses profissionais. Devido à atual conjuntura e à retomada das atividades educacionais de ensino não presencial, tornou-se inevitável a implantação de uma nova metodologia de ensino, sendo necessária a adaptação às ferramentas tecnológicas e a adequação das estratégias de ensino para ofertar a educação a distância(8).

A recente estratégia de retomada das aulas, sem um planejamento conveniente para ofertar a continuidade pedagógica aos discentes, ocasiona a sobrecarga de informações, dificuldades na adaptação, na capacitação e no planejamento dos docentes. Esses novos desafios tendem a desencadear mal-estar físico e mental, sintomas como estresse, ansiedade e depressão, o que repercute em prejuízos à saúde desses profissionais(8).

Em caráter emergencial, os docentes de Enfermagem precisaram adaptar os conteúdos e as aulas, anteriormente ofertadas de modo presencial, para serem utilizadas nas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC). Todavia, muitos não dominam essas ferramentas e tecnologias por não fazerem uso delas no ensino presencial, e a falta de experiência nessa modalidade culmina em insegurança em relação aos novos meios de ensino(9).

O desconhecimento das TDIC ao longo do processo formativo de muitos docentes apresenta implicações na forma de ensino atual, sendo premente a oferta de capacitações para aperfeiçoar a utilização das ferramentas digitais, de maneira a acrescentar positivamente no Ensino Remoto Emergencial (ERE). Destaca-se a necessidade de as instituições priorizarem plataformas de fácil manejo, para garantir a inclusão de todos os docentes, visando às dificuldades individuais de adaptação dos profissionais envolvidos, salientando que a capacitação deve ser de curta duração e demanda o domínio imediato(10).

Durante as reflexões sobre o segundo tema gerador, nas quais discorreram sobre o desenvolvimento do ensino em Enfermagem no contexto pandêmico, emergiram os desafios que perpassam o cotidiano atual dos docentes. Um fator crucial, do qual depende muito o sucesso das atividades remotas e da continuidade do ensino, é o vínculo com os estudantes, fundamental para efetivar o processo de ensino-aprendizagem e promover o diálogo, a colaboração mútua e a empatia. As habilidades e competências socioemocionais são determinantes neste momento e contribuem para manter relações saudáveis, tomar decisões e elaborar abordagens pedagógicas mais específicas e eficazes em cada contexto(11).

A formação em Enfermagem requer o desenvolvimento de uma relação profissional docente-estudante. Além disso, o docente precisa desenvolver o processo de ensino na sua integralidade, envolvendo os estudantes, bem como os indivíduos, suas famílias e a comunidade, tendo a incumbência de formar enfermeiros com conhecimento, competências e habilidades específicas. Nesse sentido, suscita também a necessidade de docentes com competências compatíveis com a realidade, assim como modificações significativas nas relações docente-estudante(12), principalmente em tempos pandêmicos.

É inerente à docência a incidência de uma diversidade de fatores sobre suas condições de trabalho e saúde mental. No entanto, muitos ainda não estão preparados para lidar com as adversidades do ensino na pandemia, que está exigindo que os docentes se remodelem imediatamente aos ambientes virtuais para a continuidade do ano letivo das universidades(13).

Apesar das necessidades urgentes e preocupações advindas desse processo, a provisão do ensino na Enfermagem foi reinventada com a inserção de ferramentas virtuais e discussões sobre diferentes formas de abordagem, abrindo novas possibilidades. Nesse âmbito, as tecnologias virtuais contribuíram com o processo de ensino-aprendizagem na saúde, estimulando reflexões que modificam paradigmas educacionais e transformam os caminhos de construção do conhecimento. Porém, deve-se considerar que as ferramentas tecnológicas não são autossuficientes, sendo necessário pensar atenciosamente para além delas na abordagem pedagógica(2).

Devido à complexidade dessas tarefas e ao aumento do trabalho e permanência na instituição, cobranças por eficiência e adequação e consequente sobrecarga, é imprescindível que o docente evite se culpabilizar pelos descontentamentos pessoais para manter-se psicológica e emocionalmente saudável, apesar do momento conturbado e repleto de dúvidas e receios(13). Nesse contexto, é importante que organize a própria rotina, de forma a envolver todas as dimensões da vida pessoal, tornando prioritárias as atividades mais necessárias e respeitando os próprios limites, a favor de seu bem-estar.

Coexistem, no momento, impactos causados diretamente pela pandemia da COVID-19 e impactos produzidos pelas condições de mudanças no perfil profissional e suas performances diante das demandas. Situações como estas podem causar sofrimento ao docente, já que promovem incertezas. Por isso, sua saúde deve ser preservada, principalmente a saúde mental, devendo ser concretizadas ações de promoção da saúde para reduzir as implicações do atual contexto(8).

O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, o lazer, a prática de atividades físicas, a alimentação saudável e a participação em grupos de conhecimento e ajuda mútua são práticas promotoras da saúde que se alinham às estratégias propostas pela Política Nacional de Promoção da Saúde, tendo como fundamentais os ambientes favoráveis, o desenvolvimento de habilidades e as ações coletivas(14). Mesmo no contexto pandêmico, as ações coletivas podem ocorrer, ainda que não presenciais, pois o compartilhamento das experiências e a busca coletiva por informações fidedignas são enriquecedoras e promovem o bem-estar.

As reflexões sobre como os docentes de graduação em Enfermagem vivenciam as atividades do seu processo de trabalho no contexto da pandemia da COVID-19 ainda se encontram em desenvolvimento. As fontes que destacam esse fenômeno na literatura ainda são incipientes, características que se apresentam como limitantes para compreensão dessa temática em profundidade. Contudo, encoraja-se o desenvolvimento de estudos futuros para melhor compreensão e reflexão do fenômeno, considerando os impactos para a saúde dos docentes e para a qualidade do ensino em Enfermagem.

Os resultados desta pesquisa apresentam limitações como o fato de ter sido desenvolvida com participantes de somente uma região do país. Outro fator limitante foi conciliar um horário para a realização do CCV com todos os docentes enfermeiros, visto o acúmulo de atividades que desenvolvem no seu processo de trabalho, principalmente em tempos pandêmicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No CCV, os docentes de Enfermagem compartilharam suas vivências no processo de trabalho durante a pandemia, no qual ficou evidente a saúde desses profissionais, uma vez que as atividades laborais têm comprometido o seu bem-estar, reforçando a necessidade do cuidado e da promoção da saúde. Por isso, destaca-se a premência de busca e adoção de ações promotoras da saúde, bem como de pensar estratégias de proteção à vida dos docentes universitários, em especial os docentes enfermeiros, que ensinam sobre o cuidado em Enfermagem, mas por vezes se esquecem de desenvolver o seu autocuidado.

Os docentes também discorreram sobre suas dificuldades e esperanças diante da vivência do ensino não presencial durante a pandemia da COVID-19. Tais fatores fornecem subsídios para a prática baseada em evidências. Entende-se que o mundo docente vivencia um momento ímpar de transformações, dificuldades com o novo contexto e organização da sua rotina, cansaço e estresse pelo aumento do trabalho e excesso de informações, medo e preocupações com o ERE a ser ofertado. Há insegurança diante das tecnologias de ensino, mas há esperança e acolhimento quanto à necessidade de adaptação e redescobertas, com o reconhecimento de que o ensino virtual também abriu possibilidades para o processo de trabalho dos docentes em Enfermagem.

Os resultados deste estudo contribuem para a prática baseada em evidências de enfermeiros, fortalecendo a tomada de decisões quanto às atividades do processo de trabalho no contexto pandêmico. Destaca-se a aplicabilidade do Círculo de Cultura de modo virtual como forma inovadora para realizar encontros coletivos que promovam a emancipação dos indivíduos e possibilitem reflexões e aprendizado mútuo, sendo uma estratégia educativa que pode ser implementada para reflexão sobre práticas no processo de ensino e aprendizagem, bem como sobre outros aspectos neste momento singular, repleto da necessidade de reinvenções.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO

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Editado por

  • Editora associada: Luciana Puchalski Kalinke

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2020
  • Aceito
    16 Mar 2021
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