Open-access SIMPLESMENTE MÃES: CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DE TECNOLOGIAS SOBRE PRÉ-NATAL DE MULHERES COM DEFICIÊNCIA VISUAL

RESUMO

Objetivo:  Desenvolver tecnologias educacionais sobre pré-natal com e para mulheres deficientes visuais.

Método:  Estudo metodológico com interface participativa e abordagem qualitativa. Realizado em uma Unidade Técnica Especializada no município de Belém, Pará, Brasil. A produção de dados ocorreu entre agosto e setembro de 2021 com seis mulheres. Utilizou-se o DOSVOX como recurso de comunicação para que as participantes respondessem quatro instrumentos com vistas ao desenvolvimento das tecnologias. A análise foi de conteúdo temático.

Resultados:  As mulheres com deficiência visual querem respeito à sua autonomia, inclusão e informação dos profissionais. As tecnologias produzidas apontam as demandas específicas de mulheres com deficiência visual e a importância de preservar a autonomia durante a realização do pré-natal.

Conclusão:  Tecnologias produzidas de forma participativa apontam perspectivas e necessidades específicas das mulheres sobre o pré-natal e poderão subsidiar tanto o agir dos enfermeiros nas consultas como favorecer mulheres com deficiência visual durante o pré-natal.

DESCRITORES: Tecnologia Educacional; Pré-natal; Gestantes; Enfermagem; Pessoas com Deficiência Visual

ABSTRACT

Objective:  To develop educational technologies on prenatal care with and for visually impaired women.

Method:  A methodological study with a participatory interface and qualitative approach. It was carried out at a Specialized Technical Unit in the municipality of Belém, Pará, Brazil. Data production took place between August and September 2021 with six women. DOSVOX was used as a communication resource for the participants to answer four instruments with a view to developing the technologies. The analysis was of the thematic content type.

Results:  Women with visual impairment want respect for their autonomy, inclusion, and information from the professionals. The technologies produced point to the specific demands of visually impaired women and to the importance of preserving autonomy during prenatal care.

Conclusion:  Technologies produced in a participatory way point out women’s specific perspectives and needs regarding prenatal care and may support both the nurses’ actions in consultations and favor women with visual impairment during prenatal care.

DESCRIPTORS: Educational Technology; Prenatal Care; Pregnant Women; Nursing; Visually Impaired People

RESUMEN

Objetivo:  Desarrollar tecnologías educativas sobre el control prenatal con y para mujeres con discapacidad visual.

Método:  Estudio metodológico con interfaz participativa y enfoque cualitativo. Realizado en una Unidad Técnica Especializada de la ciudad de Belém, Pará, Brasil. La producción de datos se realizó entre agosto y septiembre de 2021 con seis mujeres. Se utilizó DOSVOX como recurso de comunicación para que las participantes respondieran a cuatro instrumentos a fin de desarrollar las tecnologías. El análisis fue de contenido temático.

Resultados:  Las mujeres con discapacidad visual quieren que se respete su autonomía, inclusión e información por parte de los profesionales. Las tecnologías creadas ponen de manifiesto las demandas específicas de las mujeres con discapacidad visual y la importancia de preservar la autonomía durante el control prenatal.

Conclusión:  Las tecnologías creadas de manera participativa señalan las perspectivas y necesidades específicas de las mujeres con respecto al cuidado prenatal y pueden ayudar a los enfermeros en las consultas y a las mujeres con discapacidad visual durante el control prenatal.

DESCRIPTORES: Tecnología Educativa; Prenatal; Mujeres embarazadas; Enfermería; Personas con Discapacidad Visual

HIGHLIGHTS

  1. Há especificidades no pré-natal de mulheres com deficiência visual.

  2. Mulheres com deficiência visual querem respeito à sua autonomia.

  3. A construção compartilhada de tecnologias educacionais é estratégia exitosa

HIGHLIGHTS

  1. Há especificidades no pré-natal de mulheres com deficiência visual.

  2. Mulheres com deficiência visual querem respeito à sua autonomia.

  3. A construção compartilhada de tecnologias educacionais é estratégia exitosa

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 2,2 bilhões de pessoas no mundo têm deficiência visual; desse quantitativo aproximadamente 750.000 convivem com deficiência visual no Brasil. Nesse âmbito, destaca-se a inexistência de uma estatística oficial sobre tal condição em nosso país1.

Mulheres com deficiência visual em transição para a maternidade, ocupam espaços nos serviços de saúde, entretanto, ainda não são percebidas em suas singularidades por representarem minoria e assim ainda enfrentam situações de invisibilidade e preconceito, embora se afirme que o número de mulheres com deficiência visual de todas as idades vem aumentando2.

As singularidades de gestantes com deficiência visual incluem a busca pela autonomia em desempenhar a função materna além da superação de medos e inseguranças por conta do seu novo papel que inclui a responsabilidade de cuidar de si e gerar outro ser. O pré-natal é o momento ideal de acolhimento a essas mulheres, criando um ambiente facilitador para desenvolver a capacidade de adaptação e realizar orientações que irão contribuir para o seu novo papel3.

Estudos apontam que essas mulheres costumam não ter apoio familiar e social, e que esse fato provavelmente deva-se ao preconceito e estigma relacionado à deficiência visual, pois não são reconhecidas como capazes de exercer a maternidade4. Outro aspecto a ressaltar é que nem sempre essas mulheres são acolhidas de forma humanizada, tendo sua autonomia respeitada, e isto se deve, muitas vezes, à falta de habilidade dos profissionais para atender pessoas cegas. O pré-natal limita-se a exames físicos rotineiros, não havendo qualquer orientação sobre o cuidado de si, sobre o parto, cuidados com o recém-nascido, informações importantes que acabam comprometendo a qualidade da assistência pré-natal a essas mulheres5. Não só aos aspectos fisiológicos, mas principalmente subjetivos no que tange às emoções e aos desdobramentos originados nessa etapa.

A acessibilidade, como um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), garante que a oferta de serviços seja capaz de atender a demanda com quaisquer necessidades. Dessa forma, a gestação de uma mulher com deficiência visual requer um conjunto de cuidados que envolvem o atendimento integral e equânime. Apesar de essas mulheres representarem uma minoria da população atendida, ainda encontram-se discriminadas e ignoradas. Não são atendidas conforme suas particularidades, pois carecem de cuidado planejado e singularizado que atenda suas necessidades específicas2.

Desde 1961, o dia 13 de dezembro demarca a comemoração do Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, criada com o objetivo de combater o preconceito e discriminação. Além disso, busca também garantir direitos básicos de inclusão social dos deficientes visuais na sociedade.

Nesse sentido, o atendimento pré-natal de gestantes com deficiência visual requer um agir integral e inclusivo voltado para suas singularidades. O enfermeiro tem importante destaque na assistência pré-natal, sendo qualificado para atuar com estratégias de promoção à saúde, prevenção de doenças e adotar princípios da humanização no cuidado prestado. Tais ações requerem condutas seguras e baseadas em evidências para a preservação da autonomia da mulher1.

A assistência pré-natal representa o primeiro contato dessas mulheres nos serviços de saúde, e por isso deve ser sistematizada de forma a atender suas reais e especiais necessidades, por meio da utilização de conhecimentos técnico-científicos e recursos adequados favorecendo um contexto de humanização6 e individualização. Com essa perspectiva, o objetivo deste estudo foi desenvolver tecnologias educacionais sobre pré-natal com e para mulheres deficientes visuais.

MÉTODO

Estudo metodológico7, com interface participativa e alta intensidade8, descritivo e abordagem qualitativa. Para nortear a pesquisa utilizou-se o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Foi realizado em uma Unidade Técnica Especializada Estadual, com mais de sete décadas de existência, localizada em Belém, Pará, Brasil, voltada para a reabilitação pedagógica e social de pessoas com deficiência visual, de baixa visão e/ou cegueira, atende cerca de 300 alunos que recebem atendimento educacional especializado por meio de complementações curriculares específicas.

O primeiro contato das pesquisadoras foi realizado através de uma visita ao local, agendada previamente com a direção da unidade, para identificação e seleção de potenciais participantes mediante critérios pré-estabelecidos. Os critérios de inclusão foram: gestante ou mãe; com deficiência visual; maior de 18 anos; que vivencie ou vivenciou assistência pré-natal no Sistema Único de Saúde ou Serviço de Saúde Suplementar. Foram critérios de exclusão: mulheres que não apresentem condições clínicas desfavoráveis no momento da seleção e que não tenham acesso à internet e plataformas virtuais.

A composição da amostra foi por conveniência mediante atendimento aos critérios estabelecidos, utilizou-se a técnica da “bola de neve” solicitando a indicação de outras participantes. Foram recrutadas três mulheres, sendo duas colaboradoras e uma usuária da unidade, que indicaram outras três mulheres, que foram conectadas pelas pesquisadoras através do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp ®.

O convite para participar da pesquisa foi realizado de forma individual e formalizado através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para as mulheres indicadas na “bola de neve” foi agendado encontro para o dia em que elas estariam na unidade, dessa forma procedeu-se ao convite individual e assinatura do TCLE. A amostra final foi composta por seis participantes, quatro colaboradoras e duas usuárias, não houve desistências ou recusas. Após o aceite ao convite, acertou-se que todos os contatos durante a pesquisa ocorreriam de forma on line via mensagens instantâneas.

A produção de dados ocorreu entre agosto e setembro de 2021 e se utilizou como recurso de comunicação o DOSVOX, Trata-se de um sistema destinado a auxiliar pessoas com deficiência visual pelo uso de computadores, executando tarefas como edição de textos com impressão comum e/ou em Braille, leitura e audição de textos transcritos, utilização de ferramentas e produtividade faladas (calculadora, agenda etc.), além de possuir diversos jogos. O sistema fala e lê em português, utilizando padrões internacionais de computação. Por meio do DOSVOX pode-se ler dados e textos gerados por programas e sistemas de uso comum em informática1.

Foram encaminhados quatro links via WhatsApp, o motivo do envio nesse formato atende à solicitação das participantes que realizavam sua leitura e preenchimento por comando de voz com o auxílio do DOSVOX, o envio ocorreu na seguinte sequência: no primeiro havia o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), enviado durante o encontro presencial e após apresentação da pesquisa.

O segundo link consistiu no instrumento com dois blocos contendo perguntas abertas, no primeiro bloco a seguinte abordagem: dados demográficos, número de gestações, informações sobre o pré-natal, necessidade de se desenvolver uma tecnologia com informações sobre o pré-natal. O segundo bloco trata sobre as concepções das mulheres e suas necessidades nas consultas de pré-natal, as vivências, os sentimentos e as ausências e/ou os problemas vivenciados durante o pré-natal.

Esse instrumento buscou compreender o perfil das participantes e suas demandas iniciais acerca da necessidade de produção dessa tecnologia e identificar suas reais necessidades. Os dados produzidos por elas nesse instrumento subsidiaram a construção da primeira versão de uma tecnologia educativa para mulheres com deficiência visual sobre o pré-natal. As mulheres também apontaram informações que contemplavam a assistência de enfermagem no momento do pré-natal, o que suscitou a produção de uma segunda tecnologia voltada para a assistência de enfermagem no pré-natal e o atendimento às necessidades específicas dessas mulheres. Produzidas na plataforma online de design gráfico CANVA®.

No terceiro link as mulheres receberam as duas tecnologias em formato Portable Document Format (PDF) acompanhadas de dois instrumentos avaliativos com questões referentes ao conteúdo, a apresentação e a organização nos dois materiais. Os instrumentos continham questões abertas e com um espaço para gerar contribuições, possíveis acréscimos e alterações necessárias ao material, e sobre o melhor formato a ser adotado na construção final do produto de inovação. Nessa opção, incluíram-se os formatos em PDF, podcast e PDF conjugado ao podcast e o título a ser dado.

O quarto link consistiu na apresentação da versão final de duas tecnologias para aprovação das participantes, já tendo sido realizado os ajustes apontados por elas no instrumento avaliativo enviado no terceiro link.

A análise de conteúdo textual foi organizada em consonância com os temas sugeridos pelas participantes no primeiro instrumento (segundo link). Esses temas surgiram a partir das necessidades identificadas e apontadas por essas mulheres a partir das suas vivências no atendimento pré-natal.

A produção de dados foi organizada inicialmente em quatro eixos principais relativos às informações relevantes sobre a gestação; as informações sobre o parto; as orientações sobre a amamentação; e, os cuidados com o recém-nascido. Uma voltada para informações à gestante e outra com orientações para os enfermeiros.

A partir das respostas obtidas no segundo instrumento (terceiro link) foram realizadas reestruturações das tecnologias para mulheres e profissionais. As duas propostas construídas foram apreciadas pelas participantes no quarto link.

A análise das respostas obtidas em todos os instrumentos foi realizada por meio de análise de conteúdo temática operacionalizada em três etapas9. Na primeira, pré-análise, foi realizada a leitura flutuante, a elaboração de indicadores, bem como a formulação de objetivos para guiar o desenvolvimento da tecnologia por meios das informações, organização do corpus. Na segunda, exploração do material, o recorte das unidades de registro e contexto, seguido da categorização. Na terceira, tratamentos dos resultados obtidos, destaque das expressões para identificação das unidades de sentido e núcleos de significado. A análise das informações originou quatro categorias, a saber: autonomia no parto, respeito durante a assistência pré-natal, garantia do seu direito à informação, acessibilidade. Por afinidade originaram duas categorias: mulheres com deficiência visual querem respeito à sua autonomia e mulheres com deficiência visual querem inclusão e informação dos profissionais.

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa (CEP) do centro universitário Maurício de Nassau em 2021, sob parecer n° 4.915.949. Para garantir o anonimato das mulheres participantes, optou-se por identificar cada uma com um nome de flor; os nomes escolhidos foram: Lavanda, Jasmim, Azaléia, Girassol, Margarida, Tulipa.

RESULTADOS

A idade das participantes variou entre 23 a 39 anos; quanto à ocupação duas (33,3%) são estudantes, quanto ao estado civil quatro (66,7%) são casadas. Em relação ao número de gestações, metade das participantes tiveram apenas uma gestação e o restante relata ter tido duas gestações.

Após análise temática dos dados produzidos por elas, foram construídas duas categorias por afinidade e exclusão dos temas, as categorias que serviram de subsídio para elaboração das tecnologias educacionais foram: 1- As mulheres com deficiência visual querem respeito à sua autonomia; 2 - Mulheres com deficiência visual querem inclusão e informação dos profissionais. As tecnologias produzidas a partir das manifestações foram intituladas “Simplesmente Mães”, sendo uma para mulheres e outra para profissionais.

As mulheres com deficiência visual querem respeito à sua autonomia

Durante as consultas de pré-natal as participantes referiram que não eram vistas em sua integralidade e não tinham sua autonomia respeitada; também relataram que o profissional de saúde nunca se dirigia a elas no momento de falar sobre os procedimentos realizados, e sim, ao seu acompanhante, infantilizando-as ou não as considerando capazes de exercer a maternidade.

[...] Por várias vezes durante a consulta era como se eu não estivesse no consultório, o médico sempre passava as orientações para minha mãe, e eu me sentia desconfortável com a situação; ainda nos infantilizam e duvidam muito da nossa capacidade. (Margarida)

As mulheres não tinham escolhas sobre o momento do parto, e não recebiam orientações a respeito; tinham que aceitar a decisão médica pela cesariana os médicos consideravam a gestação de alto risco, o que as afetava emocionalmente e psicologicamente.

[...] Eu tive uma gestação saudável durante todo o meu pré-natal, porém, quando conversei com meu obstetra a respeito do meu parto, disse a ele que desejava ter meu filho normal, ele disse que meu bebê era muito grande, que eu não teria passagem e não daria conta de ter normal e que meu filho entraria em sofrimento; eu não podia imaginar meu filho sofrendo por uma escolha minha, então acatei a decisão do médico. Meu filho pesou 3.100g. (Jasmim)

Os profissionais de saúde na maternidade não lhes davam assistência adequadamente em relação ao recém-nascido, e em momentos de visitas da equipe de enfermagem dirigiam-se ao seu acompanhante, como se não estivessem ali; não recebiam orientações diretamente sobre como amamentar, limpar o coto umbilical, o que fazer em caso de cólicas no bebê e até mesmo sobre a troca de fraldas:

[...] senti falta de orientações, já que aquele era meu primeiro parto, deviam ensinar a mãe e não ao acompanhante sobre o primeiro contato com o bebê. (Tulipa)

[...] houve um momento em que tive que me posicionar dizendo “eu estou aqui, sou eu quem vai cuidar da minha filha, as orientações devem ser dadas a mim”; pra mim tudo era novo, então eu precisava saber e me sentia invisível diante de tais situações. (Margarida)

Mulheres com deficiência visual querem inclusão e informações dos profissionais

Durante o período gestacional as mulheres necessitam de cuidados que promovam a saúde e a qualidade de vida. Sabe-se que as consultas de enfermagem são momentos para fazer o acolhimento da gestante, fazendo assim da comunicação uma aliada muito importante, mas de acordo com as mulheres alguns enfermeiros pouco se dirigiam a elas para fornecer-lhes orientações no que diz respeito ao pré-natal, fazendo com que muitas vezes tivessem que buscar informações em outros meios ou com outras pessoas:

[...] os enfermeiros deviam oferecer mais esclarecimentos sobre a gestação e a amamentação. (Lavanda)

[...] havia pouca descrição de como proceder e meu namorado é que acabava se encarregando de saber sobre a inclusão em grupos de gestantes, como rede de apoio e troca; o enfermeiro ficava muito no básico do básico, como se eu já tivesse experiência ou como se não fosse relevante abordar de forma mais profunda e até empática sobre aspectos do pré-natal. (Girassol)

[...] os enfermeiros deviam dar orientações sobre a amamentação, porque quando nasce a mãe fica muito preocupada com a alimentação do bebê, pois não produz leite de imediato, aí já quer recorrer logo a mingau e mamadeira; assim, muita coisa ía ser evitado né, as alergias, a obesidade enfim. (Margarida)

A maternidade é um momento único, e cada uma terá uma experiência e emoções diferentes; essas situações podem ser mais impactantes na gestação de uma mulher com deficiência visual, por ter a falta de um sentido tão importante como a visão. Essa especificidade exige maior sensibilidade no atendimento, encorajando sua autonomia, mas o que revelam são experiências negativas bem como dificuldades de receber informações durante as consultas de pré-natal:

[...] Frustrante, no sentido de esperar receber maiores e melhores orientações. Recorri mais a leitura e grupos para me informar. (Girassol)

[...] Capacitismo, falta de esclarecimentos sobre os tipos de partos [...] sem acessibilidade, falta de orientação tanto de enfermeiros quanto do médico obstetra. (Azaleia)

As mulheres indicam que os enfermeiros não possuíram manejo ao prestar assistência durante as consultas, deixando até de informar ou de descrever o que ocorria naquele momento ou procedimento:

[...] é importante ter profissionais treinados para atender pessoas com deficiência. (Margarida)

[...] eles tinham um olhar de pena, sei lá, talvez julgando a gente assim né, de porque a gente resolveu ter filho e tudo. (Azaleia)

[...] é preciso descrever os procedimentos e tudo que for visual, abordar mais sobre os trimestres da gestação, dos aspectos fisiológicos aos psicológicos. Penso que a deficiência, em si, não seria obstáculo, mas acaba se tornando, ao esbarrar nas barreiras de falta/ausência de ações inclusivas bem como de tecnologias de comunicação e, a principal, falta de atitudes. (Girassol)

[...] senti muito a falta de orientações, principalmente porque eu era mamãe de primeira viagem, e nas consultas o enfermeiro pouco se direcionava a mim, e não tinham orientações sobre o tipo de parto; então eu tinha que recorrer a grupos de mães para aprender e pegar algumas dicas. (Lavanda)

“Simplesmente mães”: desenvolvimento participativo das tecnologias

A partir das manifestações das participantes no segundo instrumento, foi construída a primeira versão de uma tecnologia para mulheres com deficiência visual sobre pré-natal com 21 páginas contendo os seguintes tópicos: (1) Desenvolvimento gestacional; (2) Sinais de alerta durante a gravidez; (3) Atenção para alguns sinais e sintomas; (4) Informações sobre os tipos de parto; (5) Informações sobre amamentação; (6) Cuidados com o recém-nascido.

Após a apreciação das mulheres incluíram no terceiro instrumento, sugestões ao desenvolvimento da tecnologia. Quanto às informações, foram solicitados: o acréscimo de informações com ênfase nos sinais e sintomas de alerta para risco gestacional; e, a substituição de termos técnicos por palavras cotidianas para maior clareza das informações. Quanto à organização, as mulheres definiram a sequência dos tópicos. Não foram solicitados ajustes no design.

As mulheres optaram pelo formato PDF, pois tal formato, segundo relatado, é de fácil acesso com o uso da ferramenta DOSVOX. As pesquisadoras sugeriram também formatos em braile e podcast, no entanto, algumas mulheres relataram que não dominam o uso dessas ferramentas. Quanto ao título, indicaram “Simplesmente Mães”. Considerando as sugestões, além da reestruturação da tecnologia para mulheres foi construída a tecnologia para profissionais que recebeu o mesmo título, com 19 páginas, contendo os seguintes tópicos: (1) Assistência de enfermagem no período gestacional; (2) Assistência de enfermagem quanto aos sinais de alerta de risco gestacional; (3) Orientações para os sinais e sintomas de risco; (4) Orientações sobre os tipos de parto; (5) Assistência de enfermagem sobre amamentação; (6) Orientações de enfermagem sobre os cuidados com o recém-nascido.

A avaliação das mulheres às duas tecnologias no quarto e último instrumento apontou que as duas tecnologias atendem as necessidades de assistência pré-natal, considerando as especificidades do público-alvo, e não foram realizadas alterações (Figura 1 e 2).

Figura 1
Capa, sumário e duas páginas ilustrativas do Guia “Simplesmente Mães”: orientações para mulheres com deficiência visual sobre o pré-natal. Belém, PA, Brasil, 2021

Figura 2
Capa, sumário e duas páginas ilustrativas do Guia Simplesmente Mães: informações para profissionais sobre pré-natal de mulheres com deficiência visual. Belém, PA, Brasil, 2021

Destaca-se que o diferencial dessa produção refere-se ao envolvimento do público-alvo em todas as etapas da produção, emergindo dele as principais demandas a serem abordadas, garantindo autonomia e visibilidade às mulheres, permitindo com que gestantes cegas tenham acesso a um material que possa complementar as informações importantes durante o pré-natal. A tecnologia produzida para os profissionais de saúde traz o olhar do público-alvo sobre as necessidades identificadas durante a assistência pré-natal e suas principais necessidades.

DISCUSSÃO

A perda da autonomia da mulher no seu próprio parto fere o direito de toda mulher a obter informações para exercer autonomia em suas próprias escolhas, receber tratamento de qualidade, direito a um acompanhante durante a internação na unidade obstétrica, receber tratamento igual e livre de discriminação, tendo sua privacidade e sigilo respeitados10.

A autonomia como valor, implica a democratização das relações entre profissionais e usuários, requer o compartilhamento de saberes, o reconhecimento, respeito e valorização da multiplicidade, da diversidade e das singularidades, a valorização das subjetividades e, acima de tudo, a ética de solidariedade e responsabilidade. Isso inclui pessoas com deficiência, quaisquer que sejam, pois requerem que suas especificidades sejam reconhecidas e acesso a ações de saúde voltadas às suas necessidades. Mulheres com deficiência visual podem gerar filhos em algum momento de sua vida, são capazes de cuidar e acompanhar o desenvolvimento de seus filhos, mesmo que para isso necessitem de suporte familiar e da equipe de saúde11.

A autonomia significa a competência humana de “dar-se suas próprias leis”, agir de maneira soberana em relação a si mesmo, sendo um modo de ser do humano, e, portanto, precisa ser considerada nos serviços de saúde12.

O pré-natal é um momento oportuno para o acolhimento, a inclusão e a efetiva comunicação com a gestante deficiente visual; o profissional que realiza o pré-natal precisa criar um ambiente facilitador e realizar orientações que irão contribuir com o estado gestacional bem como ajudar as mulheres a lidar com sentimentos de medo e insegurança que uma gestação pode gerar3.

O pré-natal tem como objetivo garantir o desenvolvimento saudável da gestação e garantir atendimento integral para mãe e bebê. Um pré-natal qualificado está associado à redução de desfechos perinatais negativos, como baixo-peso e prematuridade, além de reduzir as chances de complicações obstétricas13.

Os cuidados com a gestação, identificação precoce de sinais de alerta para risco gestacional, importância do aleitamento materno e técnicas para a sua realização, preparação para o parto e cuidados com o recém-nascido são algumas das temáticas abordadas durante as consultas para a orientação em saúde13.

Os profissionais que realizam o pré-natal precisam exercer a assistência de forma individualizada, com respeito a autonomia da mulher visando ao respeito e à resolução de seus problemas. O fortalecimento do vínculo entre o profissional de saúde e a mulher mostra-se primordial para aumentar a confiança das gestantes e promover a continuidade do cuidado materno-fetal14.

Os serviços de saúde que ofertam o pré-natal são responsáveis por desenvolver ações programáticas de promoção e de educação em saúde diretamente relacionadas com os níveis de saúde do binômio mãe-filho e com os resultados obstétricos. A assistência ao pré-natal é realizada principalmente na atenção primária, e cerca de 90% das gestantes brasileiras a realizam na rede básica de saúde14.

Os canais de comunicação mais utilizados são os visuais, limitando o acesso e a incorporação de informações significativas pelas pessoas com deficiência visual. Sendo assim, a comunicação verbal deve ser a mais utilizada pelos profissionais durante os atendimentos e consultas15.

Os processos de comunicação verbal são importantes para garantir a clareza e compreensão das orientações realizadas e são considerados mais do que a simples emissão e recepção de mensagens, eles envolvem a relação entre os atores envolvidos na partilha de um determinado conteúdo através da linguagem verbal e não verbal. As mulheres com deficiência visual não se beneficiam da linguagem não verbal, sendo a comunicação verbal a fonte primordial de interação com o profissional5.

O pré-natal é um conjunto de ações simultaneamente preventivas, promotoras de saúde, diagnósticas e curativas, visando o bom desfecho da gestação para o binômio mãe-filho. As ações educativas são parte fundamental da assistência de enfermagem, garantem maior empoderamento da mulher quanto aos seus direitos assegurados no processo gestacional e fortalecendo o vínculo e a segurança da mulher no serviço de saúde minimizando sentimentos de medo e ansiedade no momento do parto16.

Para mediar as consultas realizadas durante o pré-natal, podem ser utilizadas tecnologias enquanto ferramentas para auxiliar na ampliação do processo de aprendizagem, instruir sobre assuntos mais complexos, incentivar e facilitar a aceitação de uma nova condição de vida, principalmente quando se trata de uma pessoa com deficiência visual, sendo fundamental o papel do enfermeiro e demais profissionais no empoderamento dessas gestantes. A produção de tecnologias voltadas às necessidades dessas mulheres não somente amplia o cuidado, como também proporciona a formação de saberes17.

As tecnologias educacionais são um conjunto de conceitos e técnicas que proporcionam ao educando e ao educador a construção e reconstrução do conhecimento através do uso de técnicas inovadoras que potencializam o processo educacional18.

O desenvolvimento participativo de tecnologias propicia interação e troca de conhecimentos, valorizando os saberes e as experiências das pessoas e considerando suas necessidades. Na interface participativa a co-criação da tecnologia garante o maior grau de envolvimento dos sujeitos que são estimulados a pensar sobre seus problemas e propor soluções, tornando-se seres transformadores da realidade e alcançando uma densidade participativa de alta intensidade8.

As limitações deste estudo referem-se ao número reduzido de participantes e a sua realização em apenas uma instituição. Destaca-se também a necessidade de validação de conteúdo técnico desse material, por um painel de especialistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tecnologias educacionais “simplesmente mãe”, em sua forma e conteúdo, emergem das experiências de mulheres com deficiência visual no pré-natal. A inovação desses produtos consistiu na incorporação das vozes das mulheres sobre o cuidado ofertado no pré-natal, de modo participativo, com potencial para estimular reflexões e o processo de aprendizagem desse público-alvo.

As tecnologias produzidas de forma participativa apontam perspectivas e necessidades específicas das mulheres sobre o pré-natal e poderão subsidiar tanto o agir dos enfermeiros e demais profissionais nas consultas como favorecer mulheres com deficiência visual que estão realizando o pré-natal.

Os resultados desta pesquisa demonstram que as mulheres com deficiência visual demandam uma assistência integral e inclusiva no pré-natal. Sendo assim, as propostas de cuidado e atenção precisam ser construídas de modo que considerem suas reais necessidades de acordo com a realidade das usuárias.

Este estudo visa contribuir com a assistência de enfermagem no pré-natal de mulheres cegas e na produção de material educativo com orientações sobre o período gestacional, parto e puerpério desse público-alvo. Também fornece subsídios para o desenvolvimento de novas estratégias que possam contribuir com a assistência de enfermagem favorecendo a acessibilidade e a autonomia dessas mulheres no pré-natal e no parto.

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Editado por

  • Editora associada:
    Dra. Tatiane Trigueiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2023
  • Aceito
    01 Out 2023
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